Acessibilidade / Reportar erro

AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR E DA NEOFOBIA ALIMENTAR EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE UBERABA, MG

RESUMO

Objetivo:

Investigar e comparar o comportamento e a neofobia alimentares de crianças e adolescentes de diferentes faixas etárias, índice de massa corporal/idade e sexo.

Métodos:

Tratou-se de um estudo transversal, com amostra por conveniência, envolvendo 150 crianças e adolescentes com faixa etária entre 3 e 13 anos, de ambos os sexos, atendidas em um ambulatório pediátrico de um hospital escola em Uberaba, MG. Para avaliar o comportamento alimentar, utilizaram-se as subescalas do Child Eating Behaviour Questionnaire (CEBQ) e para a neofobia alimentar o Child Food Neophobia Scale (CFNS).

Resultados:

Verificaram-se pontuações mais altas nas subescalas “resposta à comida” (p=0,015), “prazer em comer” (p=0,002) e “sobreingestão emocional” (p=0,009) em crianças e adolescentes com idades maiores. As crianças com idades menores obtiveram pontuações mais altas nas subescalas como “resposta à saciedade” (p=0,004) e “ingestão lenta” (p=0,001). Observou-se uma tendência à maior pontuação quanto à “resposta à comida” (p=0,005) e à “sobreingestão emocional” (p=0,013) nos participantes com obesidade grave. Não houve diferenças quanto à escala de neofobia alimentar. De modo geral, a neofobia alimentar correlacionou-se positivamente com o desinteresse pela comida e negativamente com o interesse pela comida.

Conclusões:

O estudo indicou diferenças significantes em alguns domínios do comportamento alimentar entre as crianças e os adolescentes da amostra, porém não houve diferenças em relação à neofobia alimentar. Nesse sentido, esses resultados podem contribuir para o aprimoramento de intervenções futuras referentes ao comportamento e à neofobia alimentares infantis.

Palavras-chave:
Comportamento alimentar; Preferências alimentares; Crianças; Adolescentes

ABSTRACT

Objective:

To investigate and compare the eating behavior and food neophobia of children and adolescents from different age groups, body mass index per age, and sex.

Methods:

This was a cross-sectional study, with a convenience sample, involving 150 children and adolescents aged 3 to 13 years, of both sexes, treated at a pediatric outpatient clinic of a teaching hospital in the municipality of Uberaba-MG, Brazil. Subscales of the Child Eating Behavior Questionnaire (CEBQ) were used to evaluate eating behavior, and the Child Food Neophobia Scale (CFNS) was used to evaluate food neophobia.

Results:

Higher scores were found in the subscales “food responsiveness” (p=0.015), “enjoyment of food” (p=0.002), and “emotional overeating” (p=0.009) among older children and adolescents. Younger children had higher scores in the subscales “satiety responsiveness” (p=0.004) and “slowness in eating” (p=0.001). There was a tendency toward higher scores for “food responsiveness” (p=0.005) and “emotional overeating” (p=0.013) in participants with severe obesity. There were no differences in the scale of food neophobia. Overall, food neophobia positively correlated with lack of interest in food and negatively correlated with interest in food.

Conclusions:

The study showed significant differences in some domains of eating behavior among children and adolescents of the sample; however, no differences were found regarding food neophobia. These results may contribute to the improvement of future interventions related to infant eating behavior and food neophobia.

Keywords:
Feeding behavior; Food preferences; Child; Adolescent

INTRODUÇÃO

O comportamento alimentar, compreendido como o conjunto de cognições e afetos que interagem com estados fisiológico, psicológico e externo e que governam as ações, as condutas alimentares e o ato de comer,11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015. está sendo considerado em muitos estudos relacionado ao excesso de peso e obesidade.22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79.,44. Pinto RP, Nunes AA, Mello LM. Analysis of factors associated with excess weight in schoolchildren. Rev Paul Pediatr. 2016;34:460-8. https://doi.org/10.1016/j.rppede.2016.04.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. ​Em relação a esses agravos, em 2008 constatou-se a prevalência de 33,5 e 14,3% de excesso de peso e obesidade, respectivamente, em crianças menores de 10 anos e de 20,5 e 4,9% em adolescentes, com faixa etária entre 10 e 19 anos,66. Brazil - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. sustentando-se a necessidade de estudar esse grupo.

No comportamento alimentar, há diversas dimensões que o compõem, podendo ser agrupadas em grupos como o “interesse pela comida” e o “desinteresse pela comida”.77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
​ Estudos observaram que crianças e adolescentes com excesso de peso possuem mais “interesse pela comida”, podendo apresentar maior ​resposta à comida, maior prazer em comer e maior consumo de alimentos na presença de emoções, caracterizando a sobreingestão emocional.​22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
,88. Leiras EM. Comportamento alimentar da criança: a influência materna [master’s thesis]. Portugal: Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015. Além disso, essa população pode manifestar menor resposta à saciedade e maior desejo de beber,​22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
,88. Leiras EM. Comportamento alimentar da criança: a influência materna [master’s thesis]. Portugal: Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015.​ propiciando o ganho de peso. Já o “desinteresse pela comida” foi encontrado com maior frequência em crianças e adolescentes eutróficos e com baixo peso,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. que mostraram mais regulação ao controle de saciedade, ​ingestão lenta e menor consumo de alimentos na presença de emoções, caracterizando a subingestão emocional.22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
​ Outro fator encontrado neste último grupo foi a seletividade alimentar,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
​ que também expressa “desinteresse pela comida” e pode estar associado a outras alterações no comportamento, como a neofobia alimentar.

A neofobia alimentar é caracterizada por resistência ou dificuldade em comer e experimentar novos alimentos,99. Pliner P, Hobden K. Development of a scale to measure the trait of food neophobia in humans. Appetite. 1992;19:105-20. https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
​ mais frequente na idade escolar, podendo se perpetuar pela vida adulta.​11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015. Em alguns casos, a neofobia alimentar atua como um mecanismo de proteção para impedir o consumo de alimentos intoxicados, porém pode limitar a variedade de alimentos consumidos.11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015.,99. Pliner P, Hobden K. Development of a scale to measure the trait of food neophobia in humans. Appetite. 1992;19:105-20. https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
​ Para auxiliar as crianças e adolescentes nessas dificuldades alimentares, pais e cuidadores utilizam-se de algumas estratégias como persuasão, coerção, suborno, recompensa ou até mesmo restrição de alimentos. No entanto, estudos têm demonstrado que essas atitudes podem causar efeito inverso​33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79.,1010. Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16.,11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015. ou até mesmo piorar comportamentos alimentares desajustados, como regulação de apetite, fome e saciedade, sendo capazes de provocar alteração de peso e má relação com a comida.1010. Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16.

Até o presente momento, a literatura científica expõe que algumas dimensões do comportamento alimentar, como a regulação da saciedade, são inatas, mas, pelas alterações em consequência do ambiente, das atitudes parentais e de outros fatores,11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015. podem associar-se a diferentes estados nutricionais​22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79.,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. e dificultar a condução da neofobia alimentar.1010. Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16.,​11. Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015.​ Além disso, a formação de hábitos e comportamentos alimentares inadequados de crianças e adolescentes pode acarretar excesso de peso e obesidade, os quais são fatores de risco para doenças crônicas, perdurando pela vida adulta.1111. São Paulo - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). Diretrizes brasileiras de obesidade 2016. São Paulo: ABESO; 2016.

Ante isso, a compreensão do comportamento e da neofobia alimentares é essencial para propor ações que auxiliem pais, cuidadores e profissionais a incentivarem mudanças de comportamento, promoção da saúde e, consequentemente, redução do excesso de peso em crianças e adolescentes. Entretanto, há uma lacuna quanto aos estudos que avaliam a relação entre comportamento alimentar e neofobia alimentar nesse público. O objetivo do presente estudo foi investigar e comparar o comportamento e a neofobia alimentares de crianças e adolescentes de diferentes faixas etárias, índice de massa corpórea por idade (IMC/I) e sexo.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal realizado no período de junho a novembro de 2018 em um ambulatório pediátrico de um hospital escola do município de Uberaba, MG. A amostragem foi realizada por conveniência, envolvendo 150 crianças e adolescentes com faixa etária entre 3 e 13 anos, de ambos os sexos, que possuíam alimentação somente por via oral e estavam acompanhados pelos pais ou cuidadores que conheciam suficientemente os hábitos e comportamentos alimentares diários da criança ou adolescente. Esse público foi escolhido pela crescente prevalência de sobrepeso e obesidade nessa faixa etária.66. Brazil - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.

Os pais e cuidadores preencheram três questionários autoaplicáveis na presença da pesquisadora para minimizar perda de dados, uma vez que o ambulatório atende pacientes de diversos municípios: o Child Eating Behaviour Questionnaire (CEBQ), ou Questionário do Comportamento Alimentar da Criança​, o ​Child Food Neophobia Scale (CFNS), ou Escala de Neofobia Alimentar em Crianças, e um questionário socioeconômico estruturado para caracterizar a amostra. Além disso, aferiram-se o peso e a altura das crianças e dos adolescentes após o preenchimento dos questionários.

O CEBQ é um questionário específico para investigar o comportamento alimentar em crianças e jovens, por meio das respostas fornecidas pelos seus pais ou responsáveis, focando em determinantes comportamentais para obesidade.77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
​ O instrumento é composto de 35 itens cujo objetivo é avaliar oito subescalas, como: “resposta à saciedade” (SR), “ingestão lenta” (SE), “seletividade” (FF), “resposta à comida” (FR), “prazer em comer” (EF), “desejo de beber” (DD), “sobreingestão emocional” (EOE) e “subingestão emocional” (EUE). As respostas são assinaladas numa escala de Likert de 5 pontos que se referem à frequência com que ocorre o comportamento, no qual 1 significa “nunca”, 2 “raramente”, 3 “às vezes”, 4 “frequentemente” e 5 “sempre”. Esse questionário passou por validação em pesquisas no Reino Unido1212. Carnell S, Wardle J. Measuring behavioural susceptibility to obesity: validation of the child eating behavior questionnaire. Appetite. 2007;48:104-13. https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
​ e em Portugal,​55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. as quais avaliaram crianças e adolescentes na faixa etária de 4 a 5 anos de idade e de 3 a 13 anos, respectivamente. Pelo reconhecimento internacional do CEBQ55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
,1212. Carnell S, Wardle J. Measuring behavioural susceptibility to obesity: validation of the child eating behavior questionnaire. Appetite. 2007;48:104-13. https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
e pela escassez de questionários validados no Brasil que abordem essa temática, o presente estudo utilizou a versão traduzida para uma população portuguesa,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. substituindo-se a palavra “sumos” por “sucos”.

Já a CFNS é uma versão de dez itens semelhantes à Escala de Neofobia Alimentar realizada com adultos, porém utilizada para os pais ou os responsáveis relatarem os traços de neofobia e apetência das crianças para experimentar novos alimentos.1313. Pliner P. Development of measures of food neophobia in children. Appetite. 1994;23:147-63. https://doi.org/10.1006/appe.1994.1043
https://doi.org/https://doi.org/10.1006/...
As respostas variam de 1 a 5 - “concordo completamente” (1), “concordo” (2), “nem concordo nem discordo” (3), “discordo” (4) e “discordo completamente” (5) - e a pontuação total de 10 a 50 pontos, em que valores mais baixos indicam maiores níveis de neofobia alimentar. Esse questionário tem sido amplamente utilizado para medir a neofobia alimentar entre crianças de diferentes idades e revelou boa consistência interna, com coeficientes alfa de Cronbach entre 0,811414. Hursti U-K, Sjödén Po. Food and general neophobia and their relationship with self-reported food choice: familial resemblance in Swedish families with children of ages 7-17 years. Appetite. 1997;29:89-103. https://doi.org/10.1006/appe.1997.0108
https://doi.org/https://doi.org/10.1006/...
e 0,91.1515. Russell CG, Worsley A. A population-based study of preschoolers' food neophobia and its associations with food preferences. J Nutr Educ Behav. 2008;40:11-9. https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
​ A versão em português da CFNS foi desenvolvida considerando a escala original e as adaptações de itens secundários introduzidas na forma australiana,1515. Russell CG, Worsley A. A population-based study of preschoolers' food neophobia and its associations with food preferences. J Nutr Educ Behav. 2008;40:11-9. https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
e a versão final foi testada com uma pequena amostra de pais de crianças de 2 a 6 anos de idade para confirmar a clareza dos itens e das instruções para concluir o instrumento.1616. Gomes AI, Barros L, Pereira AI, Roberto MS, Mendonça M. Assessing children’s willingness to try new foods: validation of a Portuguese version of the child’s food neophobia scale for parents of young children. Food Qual Prefer. 2018;63:151-8. https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2017.09.002
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

O questionário socioeconômico consistiu em perguntas sobre quantidade de membros moradores na mesma residência (“até 3 membros”, “mais que 3 membros”), tipo de zona do imóvel (“rural”, “urbana”), tipo de imóvel (“próprio”, “alugado”), escolaridade dos pais ou cuidadores e renda familiar (“menor que 1 salário mínimo”, “1‒1,9 salários mínimos”, “2‒3 salários mínimos”, “maior que 3 salários mínimos” e “não sabe informar”), utilizando-se como referência o salário mínimo (R$ 954,00 equivalente a $247,80, valores referentes ao ano de 2018). As crianças e os adolescentes foram alocados em grupos como faixas etárias (<6, 6‒7, 8‒9, 10‒13 anos), sexo e IMC/I, para posterior comparação de pontuação do CEBQ e da CFNS.

Ressalta-se que a equipe de trabalho, previamente treinada, realizou a coleta das medidas antropométricas, no qual aferiu-se o peso (kg) em balança digital (BALMAK®, Santa Bárbara d’Oeste, Brasil) com capacidade de até 200 kg e precisão de 0,1 kg e a altura (cm) em estadiômetro com graduação de 0,1 cm, sucessivamente calculou-se o IMC (IMC=peso(kg)/altura(m)2). Para avaliar o estado nutricional, utilizou-se o escore Z de IMC/I que foi classificado de acordo com as curvas de crescimento propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1717. World Health Organization. Multicentre Growth Reference Study Group. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006. nas seguintes categorias: magreza acentuada, magreza, eutrofia, risco de sobrepeso, sobrepeso, obesidade e obesidade grave. Para o cálculo e a classificação do escore Z, aplicaram-se os softwares Anthro® e Anthro Plus® da OMS (Genebra, Suíça).1717. World Health Organization. Multicentre Growth Reference Study Group. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006.

O processamento e a análise dos dados foram realizados por meio do softwareStatistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0 (IBM Corporation, Nova York, Estados Unidos). Apresentaram-se as frequências relativas das seguintes variáveis: sexo, idade, caracterização socioeconômica e classificação do IMC/I. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As pontuações das subescalas do CEBQ e a pontuação final da CFNS foram expressas em média e desvio padrão. Utilizou-se o teste Kruskal Wallis para comparar as pontuações dos questionários entre as faixas etárias e o IMC/I e o teste Mann-Whitney para comparar as pontuações entre sexo. Para as correlações entre as subescalas do CEBQ e a pontuação final da CFNS, empregou-se o coeficiente de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) sob o número de protocolo nº 2.625.851, e todos os responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Participaram do estudo 150 crianças e adolescentes, sendo 64,0% (n=96) do sexo masculino. A idade variou entre 3 e 13 anos, no qual se verificou média de 7,7±2,9 anos, distribuídos em quatro grupos com aproximadamente o mesmo tamanho: <6 anos (n=41), entre 6‒7 anos (n=32), entre 8‒9 anos (n=36) e ≥10 anos (n=41). A média de idade dos pais e cuidadores foi de 35,8±9,9 anos, prevalecendo como nível de escolaridade o ensino médio completo (40,0%; n=60), seguido de ensino fundamental incompleto (20,7%; n=31).

No que abrange a caracterização socioeconômica da amostra, a maioria (73,3%; n=110) tinha mais que três membros moradores na mesma residência, e 96,7% (n=145) residiam em zona urbana. Além disso, 70,0% (n=105) da amostra tinha imóvel próprio, 32,7% (n=49) tinham renda familiar de 1 a 1,9 salários mínimos, seguido de 31,3% (n=47) com 2 a 3 salários mínimos.

Ao analisar o IMC/I das crianças e dos adolescentes, com base no escore Z, encontrou-se prevalência de eutrofia (63,3%; n=95), seguida de 14,7% (n=22) com sobrepeso, 12,0% (n=18) obesidade, 7,3% (n=11) obesidade grave e 2,7% (n=4) risco de sobrepeso, indicando que 36,7% da amostra apresentava excesso de peso. Nessa amostra, não foram encontrados participantes com magreza.

As médias e o desvio padrão das pontuações das subescalas do CEBQ e da CFNS de acordo com a faixa etária foram demonstrados na Tabela 1. Nessa comparação, verificaram-se diferenças significantes entre algumas subescalas do CEBQ correspondentes ao interesse pela comida como “resposta à comida” (p=0,015), “prazer em comer” (p=0,002) e “sobreingestão emocional” (p=0,009), no qual houve tendência a pontuações mais altas na amostra com idades de 8 a 13 anos. Em relação ao desinteresse pela comida, as médias das pontuações das subescalas como “resposta à saciedade” (p=0,004) e “ingestão lenta” (p=0,001) apresentaram diferenças significativas, com tendência a maior pontuação entre as crianças com idade ≤7 anos.

Tabela 1
Média (±desvio padrão) das pontuações das subescalas do Questionário do Comportamento Alimentar da Criança e da Escala de Neofobia Alimentar em Crianças, segundo faixa etária.

Nas pontuações relacionadas às classificações de IMC/idade, notaram-se diferenças significativas somente nas subescalas “subingestão emocional” (p=0,041), “resposta à comida” (p=0,005) e “sobreingestão emocional” (p=0,013) do CEBQ (Tabela 2). Nestas duas últimas subescalas, relativas ao interesse pela comida, percebeu-se uma maior pontuação nos participantes com obesidade grave quando comparados aos participantes com eutrofia.

Tabela 2
Média (±desvio padrão) das pontuações das subescalas do Questionário do Comportamento Alimentar da Criança e da Escala de Neofobia Alimentar em Crianças, segundo índice de massa corporal por idade.

Não foram encontradas diferenças significativas das pontuações entre os sexos, porém houve uma tendência para maior pontuação da subescala de “sobreingestão emocional” no sexo masculino (Tabela 3).

Tabela 3
Média (±desvio padrão) das pontuações das subescalas do Questionário do Comportamento Alimentar da Criança e da Escala de Neofobia Alimentar em Crianças, segundo sexo.

Na Tabela 4, exibem-se as correlações realizadas das médias das pontuações de cada uma das subescalas do CEBQ entre si e com a pontuação total da CFNS. A subescala “resposta à saciedade” correlacionou-se positivamente com as pontuações de “ingestão lenta” (p=0,000), “seletividade” (p=0,001) e “subingestão emocional” (p=0,006) e negativamente com “resposta à comida” (p=0,000), “prazer em comer” (p=0,000) e pontuação da CFNS (p=0,000).

Tabela 4
Coeficientes de correlação de Pearson entre subescalas do Questionário do Comportamento Alimentar da Criança com pontuação total da Escala de Neofobia Alimentar em Crianças.

No que se refere à “ingestão lenta”, houve correlação positiva com a “subingestão emocional” (p=0,042) e negativa com “resposta à comida” (p=0,002) e “prazer em comer” (p=0,000). A “seletividade” correlacionou-se negativamente com “prazer em comer” (p=0,012) e CFNS (p=0,000). Quanto à “subingestão emocional”, observou-se correlação positiva com “sobreingestão emocional” (p=0,004) e negativa com pontuação da CFNS (p=0,023). A “resposta à comida” correlacionou-se positivamente com “prazer em comer” (p=0,000) e “sobreingestão emocional” (p=0,000). Por fim, o “prazer em comer” também se correlacionou positivamente com “sobreingestão emocional” (p=0,000) e CFNS (p=0,002).

DISCUSSÃO

O estudo indicou que apenas alguns domínios do comportamento alimentar se diferenciaram significantemente entre as faixas etárias, com tendência a maior pontuação em “interesse pela comida” pelas crianças mais velhas e em “desinteresse pela comida” pelas crianças mais novas. Para a classificação de IMC/idade, houve uma tendência de maior pontuação para “resposta à comida” e “sobreingestão emocional” pelos participantes com obesidade grave comparados aos com eutrofia, e não houve diferenças em relação ao sexo. A CFNS não apresentou diferenças significativas em relação à faixa etária, ao IMC/idade e ao sexo. De modo geral, as subescalas relacionadas ao interesse pela comida se correlacionaram positivamente entre si e negativamente entre as relacionadas ao desinteresse pela comida.

As subescalas de “ingestão lenta” e “resposta à saciedade” tenderam a maior pontuação nas crianças mais novas. Esse dado segue a mesma direção de achados de Viana et al.55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. e Wardle et al.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
que apontam em seus estudos tendências de que as pontuações dessas subescalas aumentem com a idade. Nesta pesquisa, as crianças maiores tenderam a maior pontuação pelo interesse pela comida (“resposta à comida”, “prazer em comer” e “sobreingestão emocional”), o que também pode ser observado em outros estudos.55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...

É interessante definir que a “ingestão lenta” se associa à falta de interesse pela comida, enquanto a “resposta à saciedade” avalia a capacidade de contrarregulação da ingestão, ou seja, a regulação do apetite,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. fatores que englobam o comer intuitivo. O comer intuitivo pode ser definido pela ingestão alimentar em resposta a sinais internos de fome e saciedade, e não em resposta a emoções ou fatores externos.1818. Tylka TL. Development and psychometric evaluation of a measure of intuitive eating. J Couns Psychol. 2006;53:226-40. https://doi.org/10.1037/0022-0167.53.2.226
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...
O comer intuitivo ocorre com maior frequência em crianças mais novas, indicando uma característica inata ao indivíduo.

Em um estudo com crianças em idade escolar, os autores inferiram que a subescala do CEBQ de “resposta à saciedade” pode ser um indicador eficaz das características de resposta a sinais internos de saciedade, e a “resposta à comida” e o “prazer em comer” demonstram eficácia como indicadores da capacidade de resposta a estímulos externos dos alimentos.1212. Carnell S, Wardle J. Measuring behavioural susceptibility to obesity: validation of the child eating behavior questionnaire. Appetite. 2007;48:104-13. https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Este último dado é reforçado levando-se em consideração as características dessas subescalas, visto que a “resposta à comida” se refere a influências externas dos alimentos, como sabor, cor, aroma, que em conjunto com o “prazer em comer” avaliam um interesse pela comida.55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. Com isso, percebe-se que as crianças mais novas tendem a mostrar maior desinteresse pela comida e uma maior resposta aos seus sinais internos de saciedade, em contrapartida, as crianças mais velhas sofrem maiores influências de fatores externos no comportamento alimentar, o que também foi verificado no presente estudo.

A categoria “interesse pela comida” (“resposta à comida” e “sobreingestão emocional”) tendeu a ser maior em crianças com obesidade grave. Estudos apontam a relação positiva do IMC com as subescalas de “resposta à comida”, “sobreingestão emocional”1010. Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16. e “prazer em comer”.55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,22. Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Nesse sentido, algumas teorias relacionam o comportamento alimentar com o excesso de peso, por exemplo, a teoria psicossomática e a teoria da externalidade. A primeira destaca a influência das emoções na ingestão alimentar, que, em pessoas com excesso de peso, pode ser excessiva em resposta a emoções como raiva, medo ou ansiedade, agindo como um mecanismo de enfrentamento.1919. Kaplan HI, Kaplan HS. The psychosomatic concept of obesity. J Nerv Ment Dis. 1957;125:181-201. https://doi.org/10.1097/00005053-195704000-00004
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
Já a teoria da externalidade relata que pessoas com excesso de peso são mais sensíveis a estímulos externos no comportamento alimentar, como visão, sabor e cheiro dos alimentos,2020. Rodin J, Slochower J. Externality in the nonobese: effects of environmental responsiveness on weight. J Pers Soc Psychol. 1976;33:338-44. https://doi.org/10.1037//0022-3514.33.3.338
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...
o que também pôde ser observado neste estudo com as crianças mais velhas.

Nenhuma das escalas utilizadas nesta pesquisa mostrou diferenças significantes em relação ao sexo, corroborando dados de estudos semelhantes.1010. Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16.,1212. Carnell S, Wardle J. Measuring behavioural susceptibility to obesity: validation of the child eating behavior questionnaire. Appetite. 2007;48:104-13. https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1313. Pliner P. Development of measures of food neophobia in children. Appetite. 1994;23:147-63. https://doi.org/10.1006/appe.1994.1043
https://doi.org/https://doi.org/10.1006/...
,1414. Hursti U-K, Sjödén Po. Food and general neophobia and their relationship with self-reported food choice: familial resemblance in Swedish families with children of ages 7-17 years. Appetite. 1997;29:89-103. https://doi.org/10.1006/appe.1997.0108
https://doi.org/https://doi.org/10.1006/...
,1515. Russell CG, Worsley A. A population-based study of preschoolers' food neophobia and its associations with food preferences. J Nutr Educ Behav. 2008;40:11-9. https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Porém outros autores relatam que a “ingestão lenta”55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.,33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79. e a “resposta à saciedade”33. Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79. foram maiores no sexo feminino e a “seletividade alimentar” foi maior no sexo masculino, destacando-se a maior preocupação com a regulação do peso e a alimentação no sexo feminino.

As pontuações da CFNS correlacionaram-se negativamente com “resposta à saciedade”, “seletividade” e “subingestão emocional”, indicando que, quanto maiores as pontuações dessas subescalas, menor a pontuação da CFNS, ou seja, maior a neofobia alimentar. Essas subescalas do CEBQ correspondem ao desinteresse pela comida, nesse sentido, pode-se considerar que essa característica também está presente na neofobia alimentar, uma vez que engloba a resistência em comer e experimentar novos alimentos.99. Pliner P, Hobden K. Development of a scale to measure the trait of food neophobia in humans. Appetite. 1992;19:105-20. https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Estudos reforçam que crianças com neofobia alimentar têm maior seletividade alimentar, menor preferência e consumo de frutas, verduras e legumes.1414. Hursti U-K, Sjödén Po. Food and general neophobia and their relationship with self-reported food choice: familial resemblance in Swedish families with children of ages 7-17 years. Appetite. 1997;29:89-103. https://doi.org/10.1006/appe.1997.0108
https://doi.org/https://doi.org/10.1006/...
,1515. Russell CG, Worsley A. A population-based study of preschoolers' food neophobia and its associations with food preferences. J Nutr Educ Behav. 2008;40:11-9. https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1616. Gomes AI, Barros L, Pereira AI, Roberto MS, Mendonça M. Assessing children’s willingness to try new foods: validation of a Portuguese version of the child’s food neophobia scale for parents of young children. Food Qual Prefer. 2018;63:151-8. https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2017.09.002
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Em contrapartida, as pontuações da CFNS correlacionaram-se positivamente com o “prazer em comer”, apontando que, quanto maiores os escores dessa subescala, maior a pontuação da CFNS, ou seja, menor a neofobia alimentar. Esse resultado também era esperado, visto que o prazer em comer representa interesse pela comida,77. Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
,55. Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20. opondo-se às características previamente apresentadas da neofobia alimentar.99. Pliner P, Hobden K. Development of a scale to measure the trait of food neophobia in humans. Appetite. 1992;19:105-20. https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

Este estudo é um dos primeiros que relaciona a neofobia alimentar com o comportamento alimentar infantil na população brasileira. Porém possui algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados, como o delineamento transversal, que não permite afirmar uma relação de causalidade entre as variáveis, a amostra por conveniência e o número reduzido da amostra. Apesar das limitações, o estudo indicou diferenças em alguns domínios do comportamento alimentar entre as crianças de diversas idades e IMC/idade, mas não em relação ao sexo. Embora não tenham sido encontradas diferenças quanto à neofobia alimentar, de maneira geral esta se correlacionou positivamente com o desinteresse pela comida e negativamente com o interesse pela comida.

Compreender como o comportamento alimentar apresenta-se em diferentes idades, sexos e estados nutricionais contribui para que intervenções nutricionais sejam implementadas, a fim de auxiliar crianças e adolescentes na aprendizagem de comportamentos saudáveis de acordo com cada demanda. Além disso, entender a relação entre comportamento alimentar e neofobia alimentar permite estudar estratégias que poderão ser utilizadas pelos pais e cuidadores que não englobam persuasão, coerção, suborno nem uso de recompensas para aproximar as crianças dos novos alimentos.

REFERENCES

  • 1
    Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio C. Nutrição comportamental. Barueri: Manole; 2015.
  • 2
    Passos DR, Gigante DP, Maciel FV, Matijasevich A. Comportamento alimentar infantil: comparação entre crianças sem e com excesso de peso em uma escola do município de Pelotas, RS. Rev Paul Pediatr. 2015;33:42-9. https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
  • 3
    Viana V, Franco T, Morais C. O estado ponderal e o comportamento alimentar de crianças e jovens: influência do peso e das atitudes de controlo da mãe. Psic Saúde & Doenças. 2011;12:267-79.
  • 4
    Pinto RP, Nunes AA, Mello LM. Analysis of factors associated with excess weight in schoolchildren. Rev Paul Pediatr. 2016;34:460-8. https://doi.org/10.1016/j.rppede.2016.04.005
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.rppede.2016.04.005
  • 5
    Viana V, Sinde S. O comportamento alimentar em crianças: estudo de validação de um questionário numa amostra portuguesa (CEBQ). Aná Psicológica. 2008;26:111-20.
  • 6
    Brazil - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
  • 7
    Wardle J, Guthrie CA, Sanderson S, Rapoport L. Development of the children’s eating behaviour questionnaire. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42:963-70. https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/1469-7610.00792
  • 8
    Leiras EM. Comportamento alimentar da criança: a influência materna [master’s thesis]. Portugal: Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 2015.
  • 9
    Pliner P, Hobden K. Development of a scale to measure the trait of food neophobia in humans. Appetite. 1992;19:105-20. https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/0195-6663(92)90014-w
  • 10
    Viana V, Candeias L, Rêgo C, Silva C. Comportamento alimentar em crianças e controlo parental: uma revisão de literatura. Rev Aliment Hum. 2009;15:9-16.
  • 11
    São Paulo - Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). Diretrizes brasileiras de obesidade 2016. São Paulo: ABESO; 2016.
  • 12
    Carnell S, Wardle J. Measuring behavioural susceptibility to obesity: validation of the child eating behavior questionnaire. Appetite. 2007;48:104-13. https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.appet.2006.07.075
  • 13
    Pliner P. Development of measures of food neophobia in children. Appetite. 1994;23:147-63. https://doi.org/10.1006/appe.1994.1043
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1006/appe.1994.1043
  • 14
    Hursti U-K, Sjödén Po. Food and general neophobia and their relationship with self-reported food choice: familial resemblance in Swedish families with children of ages 7-17 years. Appetite. 1997;29:89-103. https://doi.org/10.1006/appe.1997.0108
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1006/appe.1997.0108
  • 15
    Russell CG, Worsley A. A population-based study of preschoolers' food neophobia and its associations with food preferences. J Nutr Educ Behav. 2008;40:11-9. https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.jneb.2007.03.007
  • 16
    Gomes AI, Barros L, Pereira AI, Roberto MS, Mendonça M. Assessing children’s willingness to try new foods: validation of a Portuguese version of the child’s food neophobia scale for parents of young children. Food Qual Prefer. 2018;63:151-8. https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2017.09.002
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2017.09.002
  • 17
    World Health Organization. Multicentre Growth Reference Study Group. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006.
  • 18
    Tylka TL. Development and psychometric evaluation of a measure of intuitive eating. J Couns Psychol. 2006;53:226-40. https://doi.org/10.1037/0022-0167.53.2.226
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1037/0022-0167.53.2.226
  • 19
    Kaplan HI, Kaplan HS. The psychosomatic concept of obesity. J Nerv Ment Dis. 1957;125:181-201. https://doi.org/10.1097/00005053-195704000-00004
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1097/00005053-195704000-00004
  • 20
    Rodin J, Slochower J. Externality in the nonobese: effects of environmental responsiveness on weight. J Pers Soc Psychol. 1976;33:338-44. https://doi.org/10.1037//0022-3514.33.3.338
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1037//0022-3514.33.3.338

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2019
  • Aceito
    24 Mar 2020
  • Publicado
    26 Out 2020
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br