TRIAGEM DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR E SOCIOEMOCIONAL EM CRIANÇAS MENORES DE 24 MESES NA REGIÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

RESUMO

Objetivo:

Realizar a triagem para desenvolvimento neuropsicomotor e socioemocional em crianças menores de 24 meses, em município da região do semiárido brasileiro, utilizando a escala Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC).

Métodos:

Estudo transversal, com abordagem quantitativa, amostra não proba­bilística, envolvendo crianças entre 1 e 24 meses e suas respectivas mães, selecionadas em serviços de saúde da atenção básica do município de Picos, Piauí. A triagem do desenvolvimento neuropsicomotor e socioemocional com uso da escala SWYC também forneceu informações sobre o contexto familiar. Além disso, utilizou-se questionário para avaliar fatores demográficos e socioeconômicos das crianças. Realizou-se a análise descritiva dos dados.

Resultados:

A amostra foi constituída de mães em sua maioria adultas (84,0%), com mais de oito anos de estudo (83,3%), pertencentes às classes socioeconômicas C, D e E (75,3%). A prevalência de casos suspeitos de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e de alterações socioemocionais foi de 12,7 e 42,2%, respectivamente.

Conclusões:

Os resultados apontam a existência de crianças em risco de desenvolvimento, sobretudo socioemocional, reafirmando a necessidade da adoção da triagem para desenvolvimento infantil como rotina nos serviços de saúde, com a implantação de programas de intervenção apropriados.

Palavras-chave:
Desenvolvimento infantil; Comportamento infantil; Atenção primária à saúde

ABSTRACT

Objective:

To screen children under 24 months of age for neuropsychomotor and social-emotional development in a municipality of the Brazilian semi-arid region, using the Survey of Well-Being of Young Children (SWYC) scale.

Methods:

This is a quantitative cross-sectional study with a non-probabilistic sample, involving children aged 1 to 24 months and their respective mothers, recruited from primary care services in the municipality of Picos, Piauí, Northeastern Brazil. The screening for neuropsychomotor and social-emotional development using the SWYC scale also provided information about the family context. In addition, we administered a questionnaire to assess the children’s demographic and socioeconomic factors. Descriptive data analysis was performed.

Results:

The sample consisted mostly of adult mothers (84.0%), with more than 8 years of schooling (83.3%), belonging to the C, D, and E socioeconomic classes (75.3%). The prevalence of suspected cases of delayed neuropsychomotor development and social-emotional changes was 12.7 and 42.2%, respectively.

Conclusions:

The results point to the existence of children at risk of delayed development, particularly in the social-emotional domain, reaffirming the need to adopt child development screening as a health service routine, with the implementation of appropriate intervention programs.

Keywords:
Child development; Child behavior; Primary health care

INTRODUÇÃO

Estimativas atuais indicam que 43% das crianças menores de 5 anos que residem em países de média e baixa renda estão em risco de não alcançar seu pleno potencial físico, cognitivo, psicológico e/ou socioemocional,¹ comprometendo o capital humano em um ciclo geracional que perpetua as desigualdades sociais.² A reversão desse cenário resultaria em taxas de retorno de 7-10% ao longo do curso de vida, por meio de melhores indicadores econômicos, de educação, de saúde e sociabilidade, além de redução na criminalidade.³

O desenvolvimento infantil é um processo complexo e sequenciado, resultante de interações genéticas, biológicas e ambientais. Inúmeros fatores são apontados como de potencial risco para o neurodesenvolvimento por se constituírem em adversidades que afetam as famílias e o contexto socioeconômico mais amplo, comprometendo saúde, nutrição, segurança e proteção, cuidados responsivos e aprendizado precoce. Entre os fatores de risco pré-natais, destacam-se a restrição no crescimento intrauterino, a exposição ao chumbo, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) materno e as deficiências de iodo e ferro. Já no período pós-natal, são apontados: déficit estatural, malária, bem como os que limitam as oportunidades de aprendizado e a estimulação precoce da criança, tais como a depressão materna, a violência doméstica e a institucionalização.^1,4,5

Apesar da relevância e dos avanços científicos e políticos relacionados à temática, a realização e o registro da triagem dos aspectos inter-relacionados ao desenvolvimento infantil (motricidade, capacidade cognitiva, desenvolvimento emocional e social) ainda não são suficientemente utilizados nos serviços de saúde, encontrando obstáculos que vão desde a disponibilidade de tempo e de profissionais qualificados, até a ausência de espaço e materiais adequados.⁶

Esse quadro poderia ser modificado pela adoção, nos serviços de saúde, de instrumentos de triagem abrangentes com boas propriedades psicométricas. Eles permitem identificar a presença de suspeita de atrasos no desenvolvimento infantil em mais de 70% dos casos.⁷ Nesse sentido, uma opção que tem se mostrado viável e que tem sido recomendada recentemente, por se adequar às necessidades da atenção primária à saúde, além de abordar fatores de risco relacionados ao contexto familiar, é a escala Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC).^8,9

Trata-se de um instrumento que permite a triagem de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, de alterações de comportamento e de fatores de risco familiar. É de livre acesso online, fácil aplicação, realizado em curto intervalo de tempo e sem exigência de kits e treinamentos específicos.⁸ Além disso, apresenta pontos de corte nacionais para classificar alterações do desenvolvimento neuropsicomotor e socioemocional, que buscam atender às especificidades socioculturais brasileiras.⁹

Realizar o monitoramento do desenvolvimento infantil em diferentes populações nos primeiros anos de vida, por meio de instrumentos factíveis, constitui uma preocupação da saúde pública, sendo necessário para subsidiar novas políticas. Em adição, a observação de triagens positivas possibilita avaliações diagnósticas e a adoção de intervenções oportunas. Ante o exposto, o objetivo deste estudo foi realizar a triagem para desenvolvimento neuropsicomotor e socioemocional em crianças menores de 24 meses, usando a escala SWYC em um município do semiárido brasileiro, estudo original nessa região.

MÉTODO

Com o objetivo de priorizar o rigor científico da pesquisa e apresentar os achados de forma clara, coerente e concisa, utilizou-se, desde o planejamento do desenho do estudo até a escrita dos artigos, o roteiro indicado pela iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE),¹⁰ que visa aprimorar a apresentação de resultados de estudos observacionais em epidemiologia.

O presente estudo transversal envolveu crianças entre 1 e 24 meses, com suas respectivas mães, selecionadas por amostragem não probabilística em serviços de saúde da atenção básica do município de Picos, Piauí. O cálculo utilizado para obter a amostra foi a fórmula para estudos transversais com população finita,¹¹ com erro amostral máximo de 5% e nível de confiança de 95%. Obteve-se uma amostra de 261 crianças menores de dois anos. Acrescentou-se um percentual de 10% para suprir eventuais perdas amostrais, resultando num número final de 287 crianças.

A díade mãe-filho foi selecionada à medida que comparecia aos serviços de acompanhamento de puericultura, vacinação ou consultas pediátricas. A coleta de dados foi feita entre os meses de setembro e novembro de 2019, por meio de entrevistas realizadas por estudantes de mestrado e graduação treinados. Ocorreu preferencialmente em salas reservadas cedidas pelos serviços de saúde. Ante o impedimento temporal da participante, realizou-se coleta domiciliar agendada. Todas as mães que aceitaram participar do estudo ou os seus responsáveis (no caso das menores de 18 anos) assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Adotaram-se como critérios de inclusão: crianças na faixa etária de 1 a 24 meses cadastradas na atenção básica. Os critérios de exclusão foram: possuírem malformações e/ou síndromes genéticas, deficiências neurológicas e/ou sensoriais evidentes, patologias osteoarticulares diagnosticadas, patologias crônicas graves ou debilitantes, filhos adotivos e não estarem acompanhados pelas mães.

A presente pesquisa foi submetida à plataforma Brasil para avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, de acordo com as recomendações éticas e legais para pesquisa envolvendo seres humanos, com parecer de aprovação número 3.502.243.

Ante o aceite e a assinatura dos termos pertinentes, solicitou-se às voluntárias que respondessem às questões de natureza socioeconômica e demográfica (idade materna, cor/raça/etnia da mãe, situação conjugal materna - ter ou não companheiro, escolaridade, trabalho materno remunerado, renda per capita e classe socioeconômica, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa,¹¹ sexo e idade da criança) e à escala SWYC, cujas perguntas se destinaram à triagem do desenvolvimento neuropsicomotor (marcos de desenvolvimento), socioemocional (lista de sintomas pediátricos do bebê [LSPB] e lista de verificação de sintomas pediátricos pré-escolares [LVSPP]) e da presença de fatores de risco no ambiente familiar.

O formulário de marcos de desenvolvimento continha 10 perguntas sobre o desenvolvimento motor, linguístico, social e cognitivo, com três respostas possíveis e excludentes entre si: ainda não (0), um pouco (1) ou muito (2). A classificação foi realizada pela comparação entre o escore total obtido (0 a 20 pontos) e uma tabela de referência. Categorizaram-se os dados em sim ou não para a presença de suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM). Para crianças entre 1 e 3 meses, não existe classificação formal.

A LSPB, composta de 12 itens, avaliava três domínios: irritabilidade, inflexibilidade e dificuldades com a rotina. Cada pergunta possuía três possibilidades de respostas: não (0), um pouco (1) ou muito (2). Utilizou-se como ponto de corte o percentil 90 dos escores obtidos pelas crianças do Brasil, de acordo com a idade, por domínio, que corresponde ao escore total próximo a 4 pontos.⁹

A LVSPP continha 18 questões (problemas de externalização, internalização, problemas de atenção e desafios parentais), com três possibilidades de respostas para cada uma: não (0), um pouco (1) ou muito (2). Utilizou-se como ponto de corte o percentil 90 dos escores obtidos pelas crianças do Brasil, de acordo com a idade, que corresponde à suspeita de alterações quando o escore total é próximo a 16 pontos.⁹

Assim, em relação ao desenvolvimento socioemocional, considerou-se que a criança apresentava suspeita de alteração quando a triagem era positiva para qualquer um dos domínios investigados na LSPB (253 crianças de 1 a 17 meses) ou na LVSPP (com 34 crianças de 18 a 24 meses), com a prevalência global sendo demonstrada para todas as crianças avaliadas.

Quanto aos fatores de risco familiares, as mães das crianças responderam sobre: uso de cigarro (uma questão - triagem positiva: resposta “sim”), insegurança alimentar (uma questão - triagem positiva: respostas “aconteceu algumas vezes” ou “frequentemente acontece”), suspeita de distúrbio de abuso de substâncias (três questões - triagem positiva: pelo menos uma resposta “sim”), violência doméstica (duas questões - triagem positiva: escolha mais extrema endossada em pelo menos uma das respostas), leitura realizada para a criança na última semana (uma questão - triagem positiva: respostas de 1 a 7) e depressão materna.

Para a faixa etária entre 1 e 9 meses, a depressão materna foi avaliada pelo questionário “mudanças emocionais com um novo bebê” (dez questões com quatro respostas possíveis e excludentes entre si, as quais foram atribuídos valores de 0 a 3 pontos. Triagem positiva: valores iguais ou superiores a 10 pontos). Para as demais, realizaram-se duas perguntas com quatro respostas possíveis e excludentes entre si: “nenhum dia” (0), “alguns dias” (1) “mais da metade dos dias” (2) “quase todos os dias” (3), totalizado de 0 a 6 pontos. Um escore total igual ou superior a 3 pontos indicou triagem positiva.

Ressalta-se que a escolha do instrumento de triagem do desenvolvimento infantil deu-se em face de o mesmo ser o único disponível que se adequava às necessidades logísticas da pesquisa realizada. Instrumentos totalmente validados, com pontos de corte nacionais e disponibilizados na íntegra ainda não estão acessíveis. Além disso, a escala SWYC pode ser utilizada tanto em estudos transversais para triagem como em longitudinais para vigilância do desenvolvimento.¹³

Os dados foram coletados com o uso da plataforma gratuita Epicollect 5^® (Imperial College, Londres, UK), posteriormente exportados no formato .csv e organizados em planilha do Excel for Windows^®. Essa foi inserida no programa Stata, versão 14.0 (Stata Corp., College Station, Texas, EUA), e realizadas a avaliação de consistência das variáveis (identificação de valores anômalos, outliers e faltantes), sua edição e as análises devidas.

Empregou-se uma análise descritiva dos dados que permitiu caracterizar os participantes, bem como apresentar as prevalências dos desfechos investigados e sua distribuição, segundo os aspectos socioeconômicos, demográficos e do ambiente familiar.

RESULTADOS

Abordaram-se 494 díades mãe-filho nas 30 unidades básicas de saúde e serviço de pronto atendimento infantil do município. No entanto, nem todas atendiam aos critérios de elegibilidade, aceitaram participar ou responderam a todos os instrumentos de pesquisa, resultando, ao fim, em 287 participantes. Assim, as perdas registradas referem-se a coletas incompletas e duplicadas (Figura 1). Com relação a dados faltantes, verificou-se a ausência de cinco respostas referentes à variável renda. A fim de maximizar o uso da informação disponível, empreendeu-se a imputação múltipla pelo método da média preditiva.

Figura 1
Fluxograma do número de binômios mãe e filho da pesquisa.

Do ponto de vista socioeconômico e demográfico, a amostra mostrou-se homogênea, com distribuição semelhante entre os sexos e prevalência da faixa etária entre 1 e 12 meses. Quanto ao ambiente familiar, à exceção da pouca leitura realizada para as crianças (22,6%), prevaleceram condições apontadas como favoráveis ao desenvolvimento infantil (Tabela 1).

Tabela 1
Características socioeconômicas, demográficas e do ambiente familiar (n=287).

		n	%
Idade materna	≤19 anos	46	16,0
	>19 anos	241	84,0
Cor/raça/etnia	Branca	69	24,0
	Não branca	218	76,0
Ter companheiro*	Não Sim	35 252	12,2 87,8
Escolaridade	≤8 anos	48	16,7
	>8 anos	239	83,3
Trabalho remunerado**	Não Sim	213 74	74,2 25,8
Renda per capita	≤0,5 SM	201	70,0
	>0,5 SM	86	30,0
Classe socioeconômica	A e B C, D e E	71 216	24,7 75,3
Idade da criança (em meses)	1-12	210	73,2
	12-24	77	26,8
Sexo	Masculino	141	49,1
	Feminino	146	50,9
Exposição ao cigarro	Não Sim	236 51	82,2 17,8
Álcool e/ou drogas ilícitas	Não Sim	275 12	95,8 4,2
Violência doméstica	Não Sim	243 44	84,7 15,3
Insegurança alimentar	Não Sim	236 51	82,2 17,8
Depressão materna	Não Sim	252 35	87,8 12,2
Preocupação dos pais	Não Sim	111 176	38,7 61,3
Leitura para criança	Não Sim	222 65	77,4 22,6

• *casada no civil ou religioso, vive em união estável ou vive junto; **exerce atividade remunerada; SM: salário mínimo.

A prevalência de casos suspeitos de ADNPM foi de 12,7%, com as maiores diferenças percentuais ocorrendo na variável idade da criança, sendo mais frequente na faixa etária superior a 12 meses (Tabela 2). Já a suspeita de alteração no desenvolvimento socioemocional esteve presente em 42,2% das crianças avaliadas, com diferenças proporcionais maiores entre as crianças expostas e não expostas ao álcool e/ou às drogas ilícitas (Tabela 3).

Tabela 2
Suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, segundo características socioeconômicas, demográficas e do ambiente familiar (n=213).

		Não (n=186)	Sim (n=27)
		n (%)	n (%)
Idade materna	≤19 anos	30 (78,9)	8 (21,1)
	>19 anos	156 (89,1)	19 (10,9)
Cor/raça/etnia	Branca	45 (88,2)	6 (11,8)
	Não branca	141 (87,1)	21 (12,3)
Tem companheiro	Não	24 (85,7)	4(14,3)
	Sim	162 (87,6)	23 (12,4)
Escolaridade	≤8 anos	26 (81,3)	6 (18,7)
	>8 anos	160 (88,4)	21 (11,6)
Trabalho remunerado	Não	136 (86,1)	22 (13,9)
	Sim	50 (90,9)	5 (9,1)
Renda per capita	≤0,5 SM	127 (86,4)	20 (13,6)
	>0,5 SM	59 (89,4)	7 (10,6)
Classe socioeconômica	A e B	49 (89,1)	6 (10,9)
	C, D e E	137 (86,7)	21 (13,3)
Idade da criança (em meses)	1-12	125 (91,9)	11 (8,1)
	12-24	61(79,2)	16 (20,8)
Exposição ao cigarro	Não	157 (88,2)	21 (11,8)
	Sim	29 (82,9)	6 (17,1)
Álcool e/ou drogas	Não	178 (87,3)	26 (12,7)
	Sim	8 (88,9)	1 (11,1)
Violência doméstica	Não	175 (87,5)	25 (12,5)
	Sim	11 (84,6)	2 (15,4)
Insegurança alimentar	Não	151 (88,3)	20 (11,7)
	Sim	35 (83,3)	7 (16,7)
Depressão materna	Não	167 (87,0)	25 (13,0)
	Sim	19 (90,5)	2 (9,5)
Preocupação dos pais	Não	72 (87,8)	10 (12,2)
	Sim	114 (87,0)	17 (13,0)
Leitura para criança	Não	135 (87,1)	20 (12,9)
	Sim	51 (87,9)	7 (12,1)

• SM: salário mínimo.

Tabela 3
Suspeita de alteração no desenvolvimento socioemocional, segundo características socioeconômicas, demográficas e do ambiente familiar (n=287).

		Não (n=166)	Sim (n=121)
		n (%)	n (%)
Idade materna	≤19 anos	28 (60,9)	18 (39,1)
	>19 anos	138 (57,3)	103 (42,7)
Cor/raça/etnia	Branca	40 (57,9)	29 (42,1)
	Não branca	126 (57,8)	92 (42,2)
Tem companheiro	Não	17 (48,6)	18 (51,4)
	Sim	149 (59,1)	103 (40,9)
Escolaridade	≤8 anos	26 (54,2)	22 (45,8)
	>8 anos	140 (58,6)	99 (41,4)
Trabalho remunerado	Não	118 (55,4)	95(44,6)
	Sim	48 (64,9)	26 (35,1)
Renda per capita	≤0,5 SM	112 (55,7)	89 (44,3)
	>0,5 SM	54 (62,8)	3 2(37,2)
Classe socioeconômica	A e B	40 (56,3)	31 (43,7)
	C, D e E	126 (58,3)	90 (41,7)
Idade da criança (em meses)	1-12	120 (57,1)	90 (42,9)
	12-24	46 (40,7)	31 (40,3)
Exposição ao cigarro	Não	131 (55,5)	105 (44,5)
	Sim	35 (68,6)	16 (31,4)
Álcool e/ou drogas	Não	157 (57,1)	118 (42,9)
	Sim	9 (75,0)	3 (25,0)
Violência doméstica	Não	142 (58,4)	101 (41,6)
	Sim	24 (54,5)	20 (45,5)
Insegurança alimentar	Não	141 (59,7)	95 (40,3)
	Sim	25 (49,0)	26 (51,0)
Depressão materna	Não	148 (58,7)	104 (41,3)
	Sim	18 (51,4)	17 (48,6)
Preocupação dos pais	Não	66 (59,5)	45 (40,5)
	Sim	100 (56,8)	76 (43,2)
Leitura para criança	Não	127 (57,2)	9 5(42,8)
	Sim	39 (60,0)	26 (40,0)

• SM: salário mínimo.

Entre as crianças menores de 18 meses, 45% apresentaram triagem positiva em pelo menos um dos três aspectos investigados. Já entre aquelas com idade igual ou superior a 18 meses, 24% tiveram dificuldades quanto à internalização, à externalização, aos problemas de atenção e/ou aos desafios de parentagem (Gráfico 1).

Gráfico 1
Suspeita de alteração no desenvolvimento socioemocional.

DISCUSSÃO

Os resultados demonstram a presença de suspeita de ADNPM e sobretudo de alterações comportamentais nas crianças avaliadas, o que reforça a necessidade da vigilância contínua, de forma que possibilite a adoção oportuna de intervenções que otimizem o desenvolvimento infantil e permitam que as crianças alcancem seu potencial.

O desenvolvimento neuropsicomotor refere-se à aquisição de habilidades motoras, cognitivas, linguísticas e psicossociais, que apresentam uma ordem sequencial de tal forma que a presença de atrasos pode impedir o progresso infantil. Cada vez mais tem se evidenciado a importância do seu monitoramento.⁴ No entanto, não temos dados de base populacional sobre a prevalência no país, como um todo, apenas amostras locais-regionais com metodologias diversas, impossibilitando comparações e a definição de um panorama geral sobre o tema no Brasil.

Além disso, são poucas as pesquisas realizadas usando a escala SWYC com a finalidade de determinar a prevalência de casos suspeitos de ADNPM e de alteração socioemocional, sobretudo nos primeiros dois anos de vida. Os estudos disponíveis não costumam utilizar o instrumento em sua totalidade e apresentam objetivos diversos que incluem desde a avaliação das propriedades psicométricas de versões em diferentes idiomas,^8,14,15 a viabilidade do seu uso em comunidades com características específicas (comunidades tribais),¹⁶ a comparação do seu desempenho com outros instrumentos¹⁷ até a sua incorporação em protocolos médicos.¹⁸

Assim, a prevalência de casos suspeitos de ADNPM (12,7%) só pôde ser adequadamente comparada à extraída da tese em que foram determinados os pontos de corte nacionais para a escala SWYC.⁹ Com base nos resultados apontados pela autora é possível observar que 45 (21,64%) das 208 crianças com idade entre 4 e 24 meses apresentaram escores totais inferiores aos considerados adequados para os marcos de desenvolvimento, valores, portanto, superiores aos encontrados na presente pesquisa. No entanto, não é possível determinar a causa da diferença observada, pois as demais variáveis presentes em ambas as investigações, que poderiam se relacionar a esse desfecho, são apresentadas para a totalidade das crianças (415 crianças com idade entre 1 e 65 meses e seus responsáveis), não apenas para as menores de 24 meses, inviabilizando comparações precisas.

Quanto ao desenvolvimento socioemocional, que envolve emoções, temperamento e confiança, construídos com base em estímulos e interações responsivas, também não foram encontradas publicações em periódicos científicos de trabalhos realizados no país que tenham utilizado a escala SWYC e a classificação nacional.

Os dados empregados para comparar os resultados foram os provenientes da tese que realizou o estudo normativo para determinar os pontos de corte⁹ e de uma dissertação que avaliou a percepção do vínculo materno e o risco de alteração no desenvolvimento socioemocional.¹⁹ Ainda assim, trabalharam com faixas etárias diferentes. A primeira⁹ avaliou 415 crianças entre 1 e 65 meses no Sul do país (SC), e a segunda,¹⁹ 221 crianças entre 1 e 36 meses no Nordeste brasileiro (CE). A prevalência de casos suspeitos de alteração no desenvolvimento socioemocional entre as crianças aqui avaliadas (Gráfico 1) apresenta valores intermediários entre os observados por Moreira⁹ (11,6, 12,1, 15,5 e 12,0% para irritabilidade, inflexibilidade, dificuldades de mudança na rotina e PPSC, respectivamente) e Rolim¹⁹ (33,0, 26,0, 37,0, 75,0, 40,0 e 51,0% para irritabilidade, inflexibilidade, dificuldades de mudança na rotina, LSPB total, LVSPP e prevalência global, respectivamente). Publicações norte-americanas, usando a escala SWYC, demonstram prevalências que variam de 28 a 47% quanto aos casos suspeitos de alteração no desenvolvimento socioemocional.^20,21,22

Outras pesquisas realizadas no Brasil mostraram magnitude variável na prevalência de falhas no desenvolvimento infantil. Revisão sistemática realizada em 2016, incluindo publicações de 2005 a 2015, encontrou percentuais variando de 0,0 a 46,3% em crianças saudáveis, e de 14,2 a 100,0% naquelas com alguma condição patológica.²³

Essa ampla variação nas prevalências pode ser explicada, em parte, pelo próprio instrumento de triagem. A escala SWYC é aplicada ao cuidador, que, apesar da grande propriedade sobre o tema e das contribuições inquestionáveis no processo avaliativo,²⁴ pode levar a interpretações equivocadas em face da sua percepção pessoal, um componente condicionado a determinantes culturais, cuja avaliação é complexa e não foi objeto do presente estudo, e de imprecisões relacionadas a viés de memória e/ou compreensão.

Há evidências na literatura sobre a associação entre fatores socioeconômicos, demográficos, familiares e desenvolvimento infantil,⁴ no entanto não foi avaliada neste estudo. Observou-se que a maior diferença percentual na prevalência de triagem positiva para ADNPM e de alteração socioemocional esteve presente nas variáveis idade da criança e exposição ao álcool e/ou às drogas, respectivamente.

A associação entre desenvolvimento neuropsicomotor e idade foi determinada em outros estudos.^25,26,27 Oliveira et al.²⁵ e Silva et al.²⁶ encontraram maior probabilidade de ausência de algum marco do desenvolvimento em crianças a partir de 12 meses. Crianças mais velhas passaram por mais experiências, que, se adversas, interferem negativamente na aquisição de habilidades esperadas para a sua idade.

Os casos suspeitos de alteração no desenvolvimento socioemocional foram mais frequentes entre as crianças não expostas a ambientes familiares com suspeita de distúrbio de abuso de substâncias como álcool e/ou drogas (42,9%), em comparação às expostas (25,0%). Não há precedentes na literatura para esse achado.

Adicionalmente, os estudos apontam que as condições de saúde e de doença do cuidador (depressão, estresse, ansiedade, transtornos compulsivos e outros agravos mentais, além de dependência química), a ausência de momentos de leitura e a aprendizagem com a criança, a instabilidade familiar, o conflito marital, a violência doméstica, as condições socioeconômicas e culturais desfavoráveis (adolescência, baixa escolaridade e disponibilidade de trabalho) são fatores de risco ao desenvolvimento por exporem as crianças a situações de estresse tóxico, interferirem na formação de vínculos afetivos e/ou prejudicarem a capacidade monetária dos cuidadores de prover os cuidados infantis.^5,26,28,29

É essencial conhecer e intervir nos aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil, pois interferem na qualidade de vida e na capacidade de inserção social do indivíduo, quando criança e na vida adulta, trazendo prejuízos ao capital humano transmitido às próximas gerações, gerando um ciclo que só pode ser vencido pela adoção de programas de intervenção na primeira infância, de forma que garanta que as crianças tenham acesso aos meios necessários para se desenvolver plenamente.¹

Os resultados da presente investigação apontam a existência de crianças em risco de desenvolvimento, sobretudo socioemocional, reafirmando a necessidade da adoção da triagem como rotina nos serviços de saúde, para identificar precocemente os casos. As conclusões aqui apresentadas são limitadas às crianças pertencentes a esta pesquisa. A amostra derivou-se de uma região do semiárido nordestino, especificamente do município de Picos, caracterizado por elevada incidência de pobreza, de tal forma que a generalização dos resultados exige a replicação em outras regiões.

Os pontos de corte utilizados para determinar a prevalência de casos suspeitos de alteração nos domínios neuropsicomotor e socioemocional foram os nacionais, no entanto eles foram determinados na região Sul do país, munícipio de Araranguá (SC) (0,76), que, apesar de possuir índice de desenvolvimento humano (IDH) semelhante ao da média brasileira (0,72), como apontado por Moreira,³⁰ apresenta valor maior que o do município de Picos (0,69), local de realização do presente estudo, o que pode representar uma limitação, dado que aspectos socioeconômicos e culturais podem influenciar o desempenho das crianças nos testes de desenvolvimento. É provável que somente por meio de estudos multicêntricos, em todas as regiões brasileiras, seja possível a utilização de pontos de corte aplicáveis a todas as crianças brasileiras.

REFERENCES

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• ²
  Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal PC, Martorell R, Richter L, et al. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet. 2008;371:340-57. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(07)61692-4
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Financiamento

• O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Maio 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  31 Maio 2020
• Aceito
  20 Set 2020