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Síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica: análise de uma série de casos

Resumo

Objetivo

Descrever uma série de casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) atendidos em um hospital terciário pediátrico.

Métodos

Foram incluídos pacientes com idade menor que 18 anos que preenchessem os critérios de SIM-P do Ministério da Saúde (MS) e/ou do Royal College of Paediatrics and Child Health (RCPCH). Realizou-se análise retrospectiva por revisão de prontuário médico e de exames complementares.

Resultados

Seis pacientes pediátricos com idade média de 126 meses, admitidos com quadro de febre associada a acometimento multissistêmico: todos apresentavam dor abdominal e diarreia e dois foram submetidos a apendicectomia; 100% apresentava coagulopatia e aumento das provas de atividade inflamatória; 83% apresentou comprometimento cardiovascular e 66% necessitou de drogas vasoativas; 83% apresentou sintomas mucocutâneos e 50% necessitou de suporte ventilatório por meio de ventilação mecânica invasiva ou não invasiva. Um paciente apresentou dilatação coronariana na ecocardiografia. Todos receberam antibioticoterapia empírica. Foi detectada sorologia de imunoglobina G positiva para SARS-CoV-2 em cinco pacientes. O tratamento foi realizado após a exclusão de causas infecciosas: imunoglobulina endovenosa em cinco pacientes (83%), pulsoterapia com metilprednisolona em cinco (83%) e Tocilizumabe em um (16%). Um paciente evoluiu para óbito. O tempo médio de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foi de sete dias.

Conclusões

Somam-se esses casos à literatura em construção para essa condição emergente. O diagnóstico deve ser considerado precocemente por seu potencial gravidade.

Palavras-chave:
COVID-19; Infecção pelo SARS-CoV-2; SARS-CoV-2; Doença de Kawasaki; Pediatria

Abstract

Objective:

To describe a case series of multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) in a pediatric tertiary hospital.

Methods:

Patients under the age of 18 years who met MIS-C criteria of the Brazilian Ministry of Health (MH) and/or the Royal College of Paediatrics and Child Health (RCPCH) were included. A retrospective analysis was carried out by reviewing medical records and complementary exams.

Results:

Six pediatric patients with mean age of 126 months were admitted with fever associated with multisystem involvement: all of them had abdominal pain and diarrhea and two underwent appendectomy; 100% had coagulopathy and increased inflammatory markers; 83% had cardiovascular impairment and 60% required vasoactive drugs; 83% had mucocutaneous symptoms and 50% required ventilatory support by invasive mechanical ventilation or non-invasive ventilation. One patient showed coronary artery dilation on echocardiogram. All patients received empiric antibiotic therapies. SARS-CoV-2 IgG testing was positive in five patients. Treatment was performed after excluding infectious causes: five patients (83%) received intravenous immunoglobulin, five patients (83%) pulse methylprednisolone therapy and one (16%) Tocilizumab. One patient died. The average length of stay in Pediatric Intensive Care Unit (PICU) was seven days.

Conclusions:

These cases are added to the literature in construction of this emerging condition. Early diagnosis should be considered due to its potential severity.

Keywords:
COVID-19; SARS-CoV-2 infection; SARS-CoV-2; Kawasaki Disease; Pediatrics

INTRODUÇÃO

A síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) surgiu durante a pandemia da doença do novo coronavírus 2019 (COVID-19), quando foram observadas — de março a maio de 2020, por pediatras no Reino Unido e outras localidades — hospitalizações de crianças que desenvolveram febre e inflamação multissistêmica, incluindo casos graves com choque e falência de múltiplos órgãos.11. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020;324:259-69. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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A hipótese de uma associação temporal com o SARS-CoV-2 foi considerada.22. Abrams JY, Godfred-Cato SE, Oster ME, Chow EJ, Koumans EH, Bryant B, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children associated with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2: a systematic review. J Pediatr. 2020;226:45-54. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.08.003
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Sabe-se que a SIM-P é uma condição inflamatória que surge após a fase aguda da infecção, sugerindo uma desregulação imunológica pós-viral que acarreta um estado hiperinflamatório.33. Jiang L, Tang K, Levin M, Irfan O, Morris SK, Wilson K, et al. COVID-19 and multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents. Lancet Infect Dis. 2020;20:e276-e88. https://doi.org/10.1016/s1473-3099(20)30651-4
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,44. Nakra NA, Blumberg DA, Herrera-Guerra A, Lakshminrusimha S. Multi-System Inflammatory Syndrome in Children (MIS-C) following SARS-CoV-2 infection: review of clinical presentation, hypothetical pathogenesis, and proposed management. Children (Basel). 2020;7:69. https://doi.org/10.3390/children7070069
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A SIM-P compartilha características com a doença de Kawasaki, a síndrome do choque tóxico, a sepse bacteriana e a síndrome de ativação macrofágica. Os adultos com síndrome de “tempestade de citocinas” associada à COVID-19 também apresentaram características clínico-laboratoriais similares às síndromes de linfo-histiocitose hemofagocítica familiar ou de ativação macrofágica, tais como: elevações dos níveis séricos da ferritina, enzimas hepáticas, receptor solúvel da interleucina-2 (IL-2) (sCD25), D-dímero, tempos de coagulação (tempo de protrombina e tempo de tromboplastina ativado) e desidrogenase láctica (LDH), plaquetopenia e linfopenia.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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Não existem até o momento protocolos para o manejo da SIM-P universalmente aceitos, de forma que muitas organizações publicaram seus próprios protocolos.33. Jiang L, Tang K, Levin M, Irfan O, Morris SK, Wilson K, et al. COVID-19 and multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents. Lancet Infect Dis. 2020;20:e276-e88. https://doi.org/10.1016/s1473-3099(20)30651-4
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77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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No Brasil, o diagnóstico da SIM-P é estabelecido pelos critérios propostos pelo Ministério da Saúde (MS): casos hospitalizados com presença de febre elevada (>38°C) e persistente (≥3 dias) em crianças e adolescentes (até 19 anos de idade) e pelo menos dois dos seguintes sinais e/ou sintomas: conjuntivite não purulenta ou lesão cutânea bilateral ou sinais de inflamação mucocutânea (oral, mãos ou pés); hipotensão arterial ou choque; manifestações de disfunção miocárdica, pericardite, valvulite ou anormalidades coronarianas — incluindo achados do ecocardiograma ou elevação de troponina, ou N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-proBNP) —; evidência de coagulopatia (por elevação do tempo de protrombina, do tempo de tromboplastina parcialmente ativada ou do D-dímero); manifestações gastrointestinais agudas (diarreia, vômito ou dor abdominal). Obrigatoriamente, os pacientes devem apresentar marcadores de inflamação elevados (velocidade de hemossedimentação — VHS, proteína C-reativa — PCR ou procalcitonina, entre outros); devem ser afastadas quaisquer outras causas de origem infecciosa e inflamatória, incluindo sepse bacteriana, síndromes de choque estafilocócico ou estreptocócico; e deve existir evidência da COVID-19 (biologia molecular, teste antigênico ou sorológico positivos) ou história de contato com caso de COVID-19.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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,66. World Health Organization [homepage on the Internet]. Multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents with COVID-19. Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/multisystem-inflammatory-syndrome-in-children-and-adolescents-with-covid-19
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A definição de caso do Royal College of Pediatrics and Child Health (RCPCH) está descrita a seguir. 1) Criança apresentando-se com febre persistente, inflamação (neutrofilia, PCR elevada e linfopenia) e evidência de disfunção de um ou mais órgãos (choque, disfunção cardíaca, respiratória, renal, gastrointestinal ou neurológica), com características adicionais: clínicas (todas — febre persistente >38,5°C; a maioria — necessidade de oxigenoterapia, hipotensão; algumas — dor abdominal, confusão, conjuntivite, tosse, diarreia, cefaleia, linfadenopatia, alterações em mucosas, meningismo, rash, sintomas respiratórios, dor de garganta, edema de mãos e pés, síncope, vômitos); laboratoriais (todas — fibrinogênio anormal, ausência de outros organismos potenciais além do SARS-CoV-2, elevação de PCR, D-dímero, ferritina, hipoalbuminemia, linfopenia, neutrofilia (maioria, em alguns a contagem de neutrófilos é normal); algumas — injúria renal aguda, anemia, coagulopatia, IL-10 ou IL-6 aumentadas (se disponíveis), neutrofilia, proteinúria, creatina-quinase (CK) aumentada, LDH aumentada, triglicerídeos aumentados, troponina aumentada, trombocitopenia, transaminases aumentadas); ecocardiograma/eletrocardiograma — miocardite, valvulite, derrame pericárdico, dilatação coronariana; radiografia torácica: infiltrados bilaterais irregulares, derrame pleural; ecografia de abdome: colite, ileíte, linfadenopatia, ascite, hepatoesplenomegalia; tomografia computadorizada (TC) de tórax: anormalidades coronarianas. Isso pode incluir crianças que preencham total ou parcialmente os critérios para doença de Kawasaki. 2) Exclusão de outras causas infecciosas, incluindo sepse bacteriana, síndrome do choque tóxico estafilocócico ou estreptocócico, infecções associadas a miocardite tais como enterovírus (a espera pelos resultados dessas investigações não deve retardar a avaliação especializada). 3) A reação de transcriptase reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) para SARS-CoV-2 pode ser positiva ou negativa.77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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Os pacientes podem apresentar progressão rápida para formas graves da doença, com insuficiência respiratória aguda, doença renal aguda, hipotensão arterial, insuficiência cardíaca aguda e choque. Dessa forma, o objetivo do tratamento é diminuir o estado inflamatório sistêmico e restabelecer o funcionamento adequado dos órgãos e sistemas, reduzindo a incidência de sequelas, como lesões coronarianas e disfunção cardíaca, além de reduzir a mortalidade.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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Visto se tratar de condição nova e potencialmente grave, associada à necessidade de maior conhecimento sobre o assunto, trazemos uma série de seis casos de SIM-P atendidos em um hospital pediátrico terciário no Sul do Brasil.

MÉTODO

Foi realizado um estudo descritivo em forma de série de casos atendidos no Hospital Infantil Pequeno Príncipe. O hospital está localizado no Sul do Brasil e conta com mais de 370 leitos de internação e 68 leitos de terapia intensiva. Foram incluídos pacientes com idade menor que 18 anos que preenchessem os critérios de SIM-P do MS e/ou do RCPCH.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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,77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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Fez-se análise retrospectiva por meio de revisão de prontuário e de exames complementares. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Hospital Infantil Pequeno Príncipe (número 4.512.932).

DESCRIÇÃO DOS CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 12 anos, pardo, com histórico de asma controlada, foi internado por dor abdominal havia três dias associada a febre persistente, vômitos e diarreia. Mediante o diagnóstico inicial de apendicite aguda, foi submetido a apendicectomia. Após três dias, foi encaminhado à unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) com piora da dor abdominal, febre alta, mialgia difusa e sonolência. Foram identificados hiperemia conjuntival, rash cutâneo e derrame pleural bilateral. Exames laboratoriais: D-dímero, IL-6, proteínas de fase aguda e troponina elevados e hipoalbuminemia. Eletrocardiograma (ECG) evidenciou QTc aumentado (560 ms). Ecocardiograma normal. Não houve necessidade de suporte inotrópico. Anatomopatológico do apêndice: hiperplasia linfoide. Sorologia para SARS-CoV-2: imunoglobina G (IgG) reagente e imunoglobina M (IgM) não reagente. RT-PCR para SARS-CoV-2 negativo. Foram iniciados ácido acetilsalicílico (AAS) e imunoglobulina endovenosa (IgEV). O paciente apresentou boa evolução clínica.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 13 anos, caucasiana, previamente hígida, foi internada por febre e dor abdominal quatro dias antes e submetida a apendicectomia por hipótese de apendicite aguda. Anatomopatológico do apêndice: hiperplasia linfoide difusa e congestão vascular serosa. RT-PCR para SARS-CoV-2 positivo um mês antes do quadro atual. No primeiro dia de pós-operatório, manteve dor abdominal importante, vômitos, diarreia, taquipneia e hipotensão e foi encaminhada à UTIP. Apresentava rash cutâneo, hiperemia conjuntival e meningismo. Exames laboratoriais: D-dímero e proteínas de fase aguda elevados, plaquetopenia, coagulopatia, elevação de ureia e creatinina e hipoalbuminemia. Sorologia para SARS-CoV-2: IgG reagente e IgM não reagente. Evoluiu com insuficiência respiratória e necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI), além de infusão de drogas vasoativas. A punção liquórica não foi realizada em virtude da instabilidade clínica. TC de tórax mostrou derrame pleural bilateral e opacidades pulmonares difusas bilateralmente, com padrão de edema pulmonar. Ecocardiograma demonstrou coronárias dilatadas. Iniciou-se infusão de IgEV. No dia seguinte, a paciente evoluiu com piora clínica importante, necessidade de drogas vasoativas em altas doses, e foi iniciada a pulsoterapia com metilprednisolona. Indicou-se terapia de substituição renal, não iniciada por hipotensão grave. Em contexto de acidose metabólica, insuficiência renal e choque refratário — em uso de adrenalina, noradrenalina e vasopressina em altas doses —, evoluiu com aumento progressivo da frequência cardíaca e da duração do QRS e, após poucas horas, com bloqueio de ramo esquerdo e ritmo idioventricular acelerado. Apresentou parada cardiorrespiratória não responsiva a medidas de ressuscitação cardiopulmonar e evoluiu para óbito.

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 14 anos, caucasiano, previamente hígido, foi admitido com queixa de febre havia cinco dias, dor abdominal, vômitos, diarreia e rash. RT-PCR para SARS-CoV-2 positivo quatro dias antes da admissão, sem sintomas respiratórios. Foram iniciadas antibioticoterapia empírica, expansão volêmica e adrenalina contínua por hipotensão refratária. Exames laboratoriais: linfopenia (507/uL), D-dímero, PCR, VHS e ferritina elevadas, além de razão normatizada internacional (RNI) alargada, bem como elevação de ureia e creatinina. Ecografia abdominal normal. Ecocardiograma, na vigência de drogas vasoativas, normal. A troponina encontrava-se elevada e o ECG demonstrou QTc prolongado. Recebeu AAS e depois enoxaparina profilática. Foi iniciada IgEV. Paciente manteve clínica de choque, e foram iniciados milrinona e pulsoterapia com metilprednisolona. Após a primeira dose da pulsoterapia, apresentou melhora clínica significativa. Foi realizada corticoterapia de manutenção. Paciente evoluiu com melhora clínica e laboratorial progressivas.

Caso 4

Paciente do sexo feminino, 10 anos, caucasiana, previamente hígida, foi admitida com história de febre e dor abdominal havia cinco dias, associada a rash havia três, além de queda do estado geral e sonolência. Na admissão: plaquetopenia, anemia, linfopenia (789/uL), hipoalbuminemia, acidose mista, proteína C-reativa (PCR), ureia e creatinina elevadas. Iniciou-se antibioticoterapia empírica e a paciente foi encaminhada à UTIP por choque refratário a volume. As dosagens de ferritina, velocidade de hemossedimentação (VHS), D-dímero e troponina encontravam-se elevadas. Pela história de dor abdominal, foi realizada TC de abdome, que demonstrou moderado derrame pleural bilateral e ascite, além de hipocaptação renal bilateral, com múltiplas pequenas imagens hipodensas parenquimatosas esparsas, de até 26 mm de diâmetro, sugestivas de processo inflamatório ou infeccioso. Foi realizada avaliação pela cirurgia pediátrica e pela radiointervenção, com conclusão de que imagens não eram passíveis de biópsia e, no contexto clínico, eram sugestivas de processo inflamatório. Culturas resultaram negativas (hemocultura/urocultura). Pesquisa de dengue (antígeno e sorologia) negativos, bem como sorologia para leptospirose. Paciente necessitou de ventilação mecânica não invasiva (VNI). TC de tórax: derrame pleural bilateral moderado, edema pulmonar intersticial e atelectasias nas bases. Ecocardiograma: disfunção moderada de ventrículo esquerdo; ECG: QTc longo. Fez uso de noradrenalina e dobutamina. Sorologia para SARS-CoV-2: IgG reagente e IgM não reagente e RT-PCR para SARS-CoV-2 negativo. Realizou-se uma dose de pulsoterapia com metilprednisolona, bem como infusão de IgEV. A paciente seguiu com melhora clínica e laboratorial.

Caso 5

Paciente do sexo masculino, seis anos, caucasiano, previamente hígido. Foi admitido com história de febre alta de até 40°C com cinco dias de evolução, que se associou a cefaleia, vômitos, hiperemia conjuntival bilateral e a dor abdominal havia um dia. Tinha história de um mês antes ter tido contato com avó em vigência de COVID-19. No dia seguinte, foi transferido para a UTIP para monitorização por sonolência e necessidade de oxigenoterapia. Exames laboratoriais: D-dímero, PCR e VHS elevados, RNI alargado, acidose metabólica e linfopenia (142 U/L). Sorologia IgG positivo e IgM negativo para SARS-CoV-2. Recebeu uma dose de pulsoterapia com metilprednisolona, com melhora importante do estado geral. No dia seguinte, evoluiu com hipotensão associada a disfunção sistodiastólica leve, e foram iniciadas droga vasoativa e infusão de imunoglobulina, além de se manter a pulsoterapia por cinco dias. Apesar de valor inicial normal de troponina, o paciente apresentou elevação discreta durante a internação: 50 pg/mL (valor de referência — VR 5–42pg/mL). Permaneceu em VMI por um dia e em VNI por um dia. Após o término da pulsoterapia, mantinha desconforto respiratório e sonolência, além de necessidade de suporte vasoativo, e indicou-se então Tocilizumabe (12mg/kg). A dosagem sérica de IL-6 encontrava-se elevada: 6,5 pg/mL (VR<5,9). Depois disso, evoluiu com melhora clínico-laboratorial progressiva e normalização do ecocardiograma.

Caso 6

Paciente do sexo masculino, seis anos, caucasiano, admitido em enfermaria com quadro de dor abdominal com dois dias de evolução, associado a febre, náuseas e vômitos. Exames laboratoriais: hemograma com desvio à esquerda, D-dímero e PCR aumentadas e procalcitonina sugestiva de inflamação sistêmica. Ecografia de abdome: alças dilatadas e adenite mesentérica. Sorologia para SARS-CoV-2 negativa. Após se descartarem causas infecciosas, realizou-se pulsoterapia com metilprednisolona, com boa resposta clínica e melhora das provas de atividade inflamatória.

Todos os casos relatados encontravam-se na fase aguda da SIM-P, conforme descrito. Esses pacientes permanecem em seguimento ambulatorial em nosso serviço. A Tabela 1 traz dados clínicos e terapêuticos, assim como tempo de internação em UTIP. A Tabela 2 traz resultados de exames de imagem dos pacientes do estudo, e as Tabelas 3 e 4 demonstram os resultados de exames laboratoriais iniciais dos pacientes avaliados.

Tabela 1.
Dados clínicos e tratamento instituído em pacientes diagnosticados com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica em um hospital pediátrico.
Tabela 2.
Exames complementares realizados em pacientes diagnosticados com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica em um hospital pediátrico.
Tabela 3.
Exames laboratoriais iniciais dos pacientes com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica atendidos em um hospital pediátrico terciário.
Tabela 4.
Exames laboratoriais iniciais dos pacientes com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica atendidos em um hospital pediátrico terciário.

DISCUSSÃO

A SIM-P é uma nova condição que emergiu com o surgimento da pandemia do COVID-19. Seu diagnóstico deve ser considerado em toda criança ou adolescente que apresentar febre persistente, alterações de provas de atividade inflamatória e acometimento de um ou mais órgãos após a exclusão de causas infecciosas que justifiquem o quadro.11. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020;324:259-69. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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Em estudo multicêntrico brasileiro que avaliou uma coorte de pacientes com SIM-P, 55% tinham infecção por SARS-CoV-2 detectada por RT-PCR, teste sorológico ou ambos e quase metade tinha história de contato com COVID-19.88. Lima-Setta F, Magalhães-Barbosa MC, Rodrigus-Santos G, Figueiredo EA, Jacques ML, Zeitel RS, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) during SARS-CoV-2 pandemic in Brazil: a multicenter, prospective cohort study. J Pediatr (Rio J). 2020;S0021-7557(2)30225-4. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.10.008
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Em nossa amostra, um paciente não apresentou evidência laboratorial de infecção prévia pelo SARS-CoV-2. A definição de caso de SIM-P pelo RCPCH não traz a obrigatoriedade da identificação do SARS-CoV-2 para o diagnóstico dessa condição.77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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Em nossa série, todos os pacientes manifestavam sintomas gastrointestinais proeminentes. A maioria também apresentava alterações mucocutâneas (83% hiperemia conjuntival e 66% rash cutâneo). Esses achados são descritos na literatura: em revisão sistemática realizada em 2020 que incluiu pacientes com SIM-P, 87% apresentaram sintomas gastrointestinais, 73% dermatológicos/mucocutâneos e 71% cardiovasculares.22. Abrams JY, Godfred-Cato SE, Oster ME, Chow EJ, Koumans EH, Bryant B, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children associated with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2: a systematic review. J Pediatr. 2020;226:45-54. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.08.003
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De maneira equivalente, em avaliação de 17 pacientes em Nova Iorque, 14 apresentaram sintomas gastrointestinais, sendo comuns os sintomas mucocutâneos, além de 13 apresentarem choque na admissão.99. Cheung EW, Zachariah P, Gorelik M, Boneparth A, Kernie SG, Orange JS, et al. Multisystem Inflammatory Syndrome related to COVID-19 in previously healthy children and adolescents in New York City. JAMA. 2020;324:294-6. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10374
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No contexto de alta prevalência dos sintomas gastrointestinais nesses indivíduos, observamos que dois dos nossos pacientes foram submetidos a apendicectomia, sem achados consistentes com apendicite aguda no anatomopatológico. Isso parece ocorrer com alguma frequência: em estudo multicêntrico na França com 25 pacientes, duas crianças foram submetidas a laparotomia de urgência pela suspeita de apendicite.1010. Belhadjer Z, Méot M, Bajolle F, Khraiche D, Legendre A, Abakka S, et al. Acute heart failure in Multisystem Inflammatory Syndrome in children in the context of global SARS-CoV-2 pandemic. Circulation. 2020;142:429-36. https://doi.org/10.1161/circulationaha.120.048360
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Em revisão sistemática acerca da SIM-P, todos os estudos relataram níveis elevados de PCR e outros marcadores laboratoriais de inflamação em pelo menos 75% dos pacientes em cada estudo, o que sugere que o estado hiperinflamatório é uma característica primária da SIM-P.22. Abrams JY, Godfred-Cato SE, Oster ME, Chow EJ, Koumans EH, Bryant B, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children associated with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2: a systematic review. J Pediatr. 2020;226:45-54. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.08.003
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Como observado na Tabela 3, todos os pacientes desta série apresentaram elevação das provas de atividade inflamatória.

Sabe-se que a disfunção ventricular e o choque cardiogênico podem ocorrer em mais de 50% dos pacientes e o aumento dos marcadores de disfunção cardíaca em mais de 75%.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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,88. Lima-Setta F, Magalhães-Barbosa MC, Rodrigus-Santos G, Figueiredo EA, Jacques ML, Zeitel RS, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) during SARS-CoV-2 pandemic in Brazil: a multicenter, prospective cohort study. J Pediatr (Rio J). 2020;S0021-7557(2)30225-4. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.10.008
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,1111. Carter MJ, Shankar-Hari M, Tibby SM. Paediatric Inflammatory Multisystem Syndrome temporally-associated with SARS-CoV-2 infection: an overview. Intensive Care Med. 2021;47:90-3. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06273-2
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Em um estudo observacional com 15 crianças com SIM-P no Reino Unido, todos os pacientes mostraram aumento de marcadores inflamatórios/cardíacos (PCR, ferritina, troponina, creatinofosfoquinase, pró-BNP): em 10 pacientes observou-se regurgitação valvar transitória, redução da fração de ejeção em 80% e do encurtamento percentual em 53%, com resolução total em todos os pacientes, exceto dois.1212. Ramcharan T, Nolan O, Lai CY, Prabhu N, Krishnamurthy R, Richter AG, et al. Paediatric Inflammatory Multisystem Syndrome: temporally associated with SARS-CoV-2 (PIMS-TS): cardiac features, management and short-term outcomes at a UK Tertiary Paediatric Hospital. Pediatr Cardiol. 2020;41:1391-401. https://doi.org/10.1007/s00246-020-02391-2
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Ainda assim, é importante que esses pacientes sejam seguidos em médio e longo prazo, visto que as sequelas após a fase aguda permanecem incertas.33. Jiang L, Tang K, Levin M, Irfan O, Morris SK, Wilson K, et al. COVID-19 and multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents. Lancet Infect Dis. 2020;20:e276-e88. https://doi.org/10.1016/s1473-3099(20)30651-4
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,55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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,1111. Carter MJ, Shankar-Hari M, Tibby SM. Paediatric Inflammatory Multisystem Syndrome temporally-associated with SARS-CoV-2 infection: an overview. Intensive Care Med. 2021;47:90-3. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06273-2
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Em nosso estudo, 83,3% dos pacientes apresentaram alguma alteração cardíaca — manifestada por meio de disfunção miocárdica, alteração eletrocardiográfica, hipotensão, aumento de troponina ou anormalidade coronariana —, o que reforça a relevância do acometimento cardíaco nos casos de SIM-P. Vale ressaltar que 50% dos pacientes aqui descritos apresentaram Qtc aumentado.

Considerando-se que muitos pacientes chegam ao atendimento médico com clínica que mimetiza sepse, enquanto não há certeza do diagnóstico a antibioticoterapia deve ser iniciada, o que foi feito em todos os pacientes deste estudo.11. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020;324:259-69. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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,77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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Além disso, na maioria das vezes o uso de drogas inotrópicas se faz necessário e esses pacientes geralmente deverão ser internados em unidades de terapia intensiva, o que ocorreu em cinco dos seis pacientes de nossa série de casos.11. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020;324:259-69. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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Em nosso estudo, todos os nossos pacientes internados em UTIP receberam infusão de IgEV, sendo sua administração imediata preconizada por muitas instituições: deve ser considerada nos casos com apresentações moderadas e graves e naqueles que preencham critérios completos ou parciais para a síndrome de Kawasaki e/ou ativação macrofágica.77. Royal College of Paediatrics and Child Health [homepage on the Internet]. Paediatric multisystem inflammatory syndrome temporally associated with COVID-19. England: RCPCH; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.rcpch.ac.uk/resources/paediatric-multisystem-inflammatory-syndrome-temporally-associated-covid-19-pims-guidance
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,1111. Carter MJ, Shankar-Hari M, Tibby SM. Paediatric Inflammatory Multisystem Syndrome temporally-associated with SARS-CoV-2 infection: an overview. Intensive Care Med. 2021;47:90-3. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06273-2
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Além disso, deve ser considerada também nos casos que têm apresentação como síndrome do choque tóxico, que se mostraram refratários ao tratamento convencional, podendo ser repetida nos casos refratários à primeira dose.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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,1111. Carter MJ, Shankar-Hari M, Tibby SM. Paediatric Inflammatory Multisystem Syndrome temporally-associated with SARS-CoV-2 infection: an overview. Intensive Care Med. 2021;47:90-3. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06273-2
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Quanto ao uso de corticosteroide: sua utilização nos casos de SIM-P foi descrito em muitos estudos na tentativa de reduzir a resposta inflamatória exacerbada.88. Lima-Setta F, Magalhães-Barbosa MC, Rodrigus-Santos G, Figueiredo EA, Jacques ML, Zeitel RS, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) during SARS-CoV-2 pandemic in Brazil: a multicenter, prospective cohort study. J Pediatr (Rio J). 2020;S0021-7557(2)30225-4. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.10.008
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Logo, deve ser considerada, junto com a IgEV, nos casos graves e nos que foram refratários a sua infusão. O corticosteroide pode ser administrado em forma de pulsoterapia (10–30 mg/kg/dia de metilprednisolona por um a três dias consecutivos), seguida de 2 mg/kg/dia por cinco dias, devendo sua dose ser diminuída gradualmente ao longo de duas a três semanas.55. Sociedade Brasileira de Pediatria [homepage on the Internet]. Nota de Alerta: Notificação obrigatória no Ministério da Saúde dos casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) potencialmente associada à COVID-19. Rio de Janeiro: SBP; 2020 [cited 2020 Jan 14]. Available from: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/notificacao-obrigatoria-no-ministerio-da-saude-dos-casos-de-sindrome-inflamatoria-multissistemica-pediatrica-MIS-C-potencialmente-associada-a-covid-19/
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Deve-se considerar o seu uso na presença de comprometimento miocárdico, ainda que mínimo, e também nos casos leves, como o Caso 6.11. Whittaker E, Bamford A, Kenny J, Kaforou M, Jones CE, Shah P, et al. Clinical characteristics of 58 children with a pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally associated with SARS-CoV-2. JAMA. 2020;324:259-69. https://doi.org/10.1001/jama.2020.10369
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Em nosso estudo, apenas um paciente não recebeu corticoterapia; entre os que a receberam, quatro o fizeram por um dia (e um deles teve óbito precoce, o que limitou a avaliação) e um por cinco dias. Visto que alguns dos casos aqui relatados ocorreram em circunstância do início dos relatos de SIM-P na comunidade médica, o conhecimento a respeito da abordagem terapêutica ideal era escasso, o que justifica a heterogeneidade no manejo terapêutico dos pacientes aqui descritos.

Recentemente, uma coorte retrospectiva avaliou o uso de imunoglobulina isolada versus IgEV em associação com metilprednisolona no tratamento da SIM-P. O uso de imunoglobulina associado ao corticoide reduziu o risco de falha ao tratamento (Odds Ratio — OR 0,25), a necessidade de terapia de segunda linha (OR 0,19), de suporte hemodinâmico (OR 0,21), a disfunção ventricular esquerda após a terapia inicial (OR 0,20) e a duração de estadia na UTIP. Contudo, não houve padronização na prescrição de corticoterapia realizada entre os pacientes, de modo que são necessários mais estudos para determinar a dose e a duração ideais do tratamento com corticoesteroides.1313. Ouldali N, Toubiana J, Antona D, Javouhey E, Madhi F, Lorrot M, et al. Association of intravenous immunoglobulins plus methylprednisolone vs immunoglobulins alone with course of fever in Multisystem Inflammatory Syndrome in Children. JAMA. 2021;325:855-64. https://doi.org/10.1001/jama.2021.0694
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Assim como no Caso 5, em que foi indicado o uso de agente antiIL-6, a imunomodulação com produtos biológicos tem sido utilizada e parece desempenhar um papel importante em pacientes adultos graves com COVID-19, nos quais foi descrito o uso de Tocilizumabe para a inibição farmacológica dessa interleucina.88. Lima-Setta F, Magalhães-Barbosa MC, Rodrigus-Santos G, Figueiredo EA, Jacques ML, Zeitel RS, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) during SARS-CoV-2 pandemic in Brazil: a multicenter, prospective cohort study. J Pediatr (Rio J). 2020;S0021-7557(2)30225-4. https://doi.org/10.1016/j.jped.2020.10.008
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Apesar de se tratar de uma condição nova, o diagnóstico de SIM-P deve ser considerado precocemente pelos profissionais por seu potencial de gravidade. Permanece incerta a existência de fatores de risco para o seu desenvolvimento. A suspeita diagnóstica e o manejo clínico devem ser precoces a fim de evitar desfechos negativos. O seguimento deve ser mantido após a alta hospitalar. Há necessidade de novos estudos que comparem as opções terapêuticas e suas indicações específicas no manejo da SIM-P.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2021
  • Aceito
    07 Abr 2021
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