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Desenvolvimento de liga de ferro fundido cinzento modificado com Nióbio para fabricação de discos de freio

Development of gray cast iron alloy modified by Niobium for brake disc production

RESUMO

Sistemas de freio a disco são utilizados em alta escala na indústria automotiva mundial, devido à sua eficiência, simplicidade do sistema e fácil manutenção. Neste trabalho, foram desenvolvidos discos de freio de ferro fundido cinzento modificado com nióbio. Foram estudadas as adições de nióbio de 0,11%, 0,17% e 0,26% à composição química de um ferro fundido cinzento comercial. Os discos de freio foram fundidos e usinados até as dimensões e acabamento finais para aplicação. A microestrutura foi avaliada utilizando um microscópio óptico e um software de análise de imagens digitais. O teste de desempenho da frenagem e desgaste foram realizados em um dinamômetro de inércia. Testes não destrutivos foram conduzidos usando líquidos penetrantes para revelar trincas após o teste de frenagem. Além disso, a geração de trincas devido a tensões mecânicas e térmicas cíclicas sofridas pelos discos durante o uso foi explicada. Com o aumento da adição de Nb, observou-se uma tendência ao aumento da estabilidade do atrito e velocidade de assentamento, diminuição da temperatura e redução da perda de desgaste. A adição de nióbio melhorou o comportamento dos discos de freio principalmente na redução ao desgaste do par de atrito, 31% para o disco e 15,5% para as pastilhas. Os melhores resultados foram encontrados no disco 4 com 0,26% de Nb.

Palavras-chave
Disco de freio; Ferro fundido cinzento; Nióbio; Desgaste; Fadiga térmica; Desempenho da frenagem

ABSTRACT

Disc brake systems are used on a large scale in the global automotive industry, due to their efficiency, system simplicity and easy maintenance. In this work, niobium-modified gray cast iron brake discs were developed. Niobium additions of 0.11%, 0.17% and 0.26% to the chemical composition of a commercial gray cast iron were studied. The brake discs were cast and machined to final dimensions and finish for application. The microstructure was evaluated using an optical microscope and digital image analysis software. Braking performance and wear test were performed on an inertia dynamometer. Non-destructive testing was conducted using penetrating liquids to reveal cracks after the braking test. In addition, the generation of cracks due to cyclical mechanical and thermal stresses suffered by the discs during use was explained. With increasing the Nb addition, there was a tendency to increase the friction stability and settlement speed, a decrease in the braking temperature and a reduction of wear loss. The addition of niobium improved the behavior of the brake discs, mainly in reducing the wear of the friction pair, 31% for the disc and 15.5% for the pads. The best results were found with disc 4 containing 0.26% Nb.

Keywords
Disc brake; Gray cast iron; Niobium; Wear; Thermal fatigue; Braking performance

1. INTRODUÇÃO

Os ferros fundidos são amplamente utilizados na indústria, por serem materiais versáteis, de fácil obtenção e com características únicas, como boa dissipação de calor, amortecimento de vibrações/ruídos e estas propriedades são potencializadas com adição de elementos de liga e adequação de geometria, para aplicações especiais onde se requer performance de frenagens diferenciadas, como alto atrito e alta dissipação de calor [11 GUESSER, W. et al. Ferros fundidos empregados para discos e tambores de freio. In: Brake Colloquium, SAE Brazil, Gramado – RS, 2003.].

Tratando-se de aplicações, o uso de ferro fundido cinzento em discos de freio na indústria automotiva é quase unanime, exceto em aplicações onde o custo não é determinante para o projeto, exemplo para esta aplicação são os discos de freios fabricados em fibra de carbono utilizados nos carros de formula 1, atualmente impraticável para uso em carros comerciais [22 SERBINO, E.M. Um estudo dos mecanismos de desgastes em discos de freio automotivo ventilado de ferro fundido cinzento perlítico com grafita lamelar. Dissertação (Mestrado em Engenharia), Escola Politécnica, São Paulo, 2005.].

Os discos de freio são submetidos durante sua utilização a altas temperaturas, que resultam da transformação da energia cinética em energia térmica provocada pelo atrito da pastilha com o disco de freio [33 RUZZI, M. Medições de propriedades dinâmicas de materiais de pastilhas de freios automotivos. Dissertação de Mestrado, 2004.]. Como efeito da alta temperatura, pode-se citar o fenômeno conhecido como fade, que é a perda do atrito em elevadas faixas de temperatura, colocando em risco a eficiência da frenagem. Para contornar o efeito fade, o material do disco de freio precisa ter como uma das propriedades fundamentais, a dissipação de calor promovida pela grafita lamelar presente no ferro fundido cinzento, que atua como condutora térmica, dissipando o calor para o ambiente antes que se propague por condução para todo o conjunto de freio [44 MALUF, O. Fadiga termomecânica em ligas de ferro fundido cinzento para discos de freio automotivo. Tese (Doutorado em Ciência e Tecnologia do Materiais), Universidade de São Paulo, São Carlos, 2007.].

Devido à grande quantidade de ciclos térmicos de aquecimento e resfriamento, o ferro fundido em algum momento pode apresentar fadiga térmica com o surgimento de trincas na pista do rotor que são facilmente vistas a olho nu. Este fenômeno é mais comum em veículos de alta performance e de competição, pelo fato do sistema de freio ser mais exigido, mas podem ocorrer em qualquer veículo [55 BREZOLIN, A. Estudo de geração de trincas térmicas em discos de freios de veículos comerciais. Dissertação (Mestrado em Materiais), Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2007.].

As classes/níveis de resistência dos ferros fundidos cinzentos aplicados em discos de freio são estabelecidos de acordo com cada projeto e requisito do cliente, podendo variar de 150 a 350 MPa de resistência a tração, seguindo a norma ISO 185:2019 [66 DIN EN ISO 185: 2019 - Grey cast iron: Classification.]. A variação de características mecânicas é obtida com a introdução de elementos de liga e taxa de extração de calor, proporcionando alterações da forma, tamanho e disposição da grafita na matriz metálica que também é afetada por estes elementos, inserindo Cu, Sn e Mn por exemplo, impedem a difusão do carbono para a grafita tornando a matriz metálica mais perlítica e consequentemente aumentando a resistência mecânica [77 CUEVA, G., et al., Desgaste de ferros fundidos usados em discos de freio de veículos automotores, SAE, São Paulo, 2000.].

A grafita é determinante na estrutura do ferro fundido, influencia diretamente nas caraterísticas mecânicas e confere propriedades únicas aos ferros fundidos cinzentos, como excelente amortecimento de vibrações, alta condutividade térmica, alta fluidez e boa usinabilidade. Mesmo as grafitas dos ferros fundidos cinzentos possuírem formato lamelar, a morfologia e tamanho pode variar de acordo com a classe e degeneração provocada por impurezas, por inoculação deficiente e taxas de resfriamento [55 BREZOLIN, A. Estudo de geração de trincas térmicas em discos de freios de veículos comerciais. Dissertação (Mestrado em Materiais), Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2007.].

O nióbio pode ser considerado um forte formador de carbonetos nos ferros fundidos, seu principal efeito é o aumento das propriedades mecânicas como dureza, resistência a tração e resistência ao desgaste, propriedades estas indispensáveis na produção de ferro fundido aplicado em discos de freio [88 WENBIN, Z. et al. Niobium alloying effect in high carbon equivalent grey cast iron. In: Shanghai Key Laboratory of Modern Metallurgy & Materials Processing, Shanghai University, Shanghai, 2011.]. Esta pesquisa foi realizada em liga de ferro fundido cinzento com e sem adição de nióbio, para a fabricação de disco de freios, a fim de medir o comportamento do surgimento de trincas, taxa de desgaste, temperaturas de frenagem e performance de atrito por meio de dinamômetro, simulando provas de veículo de competição em autódromo.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Foram fundidas 4 ligas distintas, sendo chamadas de Disco 1 com 0,0% Nb, Disco 2 com 0,11% de Nb, Disco 3 com 0,17% de Nb e Disco 4 com 0,26% de Nb. Foram produzidas peças já na geometria de discos de freio para obtenção de corpos de prova para os ensaios.

2.1 Fusão das amostras

A fusão das amostras foi realizada em forno de indução do fabricante Inductotherm modelo VIP DUAL TRACK 1500 com potência de 1500 kW e capacidade do cadinho de 1500 kg. A carga metálica é composta de ferro gusa, sucata de aço, cavaco, retorno de fundição, FeCr, FeNb, onde deverá ter a sequência de carga listada a seguir: cavaco, FeCr, sucata de aço, ferro gusa e retorno + FeNb.

A adição do Nb para composição das ligas listadas na Tabela 1, foi ajustada levando em conta a concentração de Nb no minério FeNb que é de 65% e considerada também a eficiência de 83% de rendimento no banho metálico. A introdução do Nb ocorreu quando 80% da carga estava líquida e seguido da última carga sólida (retorno). Após o carregamento, a temperatura foi elevada a 1500 °C e sendo mantida nesta temperatura por 10 minutos para incorporação total do Nb ao banho [99 MOHRBACHER, H., ZHAI, Q. Niobium alloying in grey cast iron for vehicle brake discs, 2011.].

A composição química base dos discos (1 a 4) é mostrada na Tabela 1, e praticamente dentro da faixa especificada pela ASTM A 159 – 83 [1010 ASTM A159 - 83 Standard specification for automotive gray iron castings.]. Porém, o carbono apresenta-se levemente acima e o Si levemente inferior ao estipulado pela norma, fato que não interfere nos resultados, devido ao carbono equivalente (CE) estar dentro da faixa estipulada.

Tabela 1
Composição química

2.2 Análise metalográfica

A análise metalográfica foi realizada de acordo com a norma (ABNT NBR 15454:2007). As amostras foram lixadas e polidas. atacadas quimicamente com Nital a 4% por 5 segundos. Para esta análise foi utilizado o microscópio óptico do fabricante Olympus, modelo BX51 equipado com software de análise Digimet Plus 5G versão 6.3.

2.3 Ensaio em dinamômetro de inércia

Após a obtenção das peças na fundição, os discos foram usinados por processo de torneamento, furação e balanceamento para obtenção das dimensões e geometria final (Figura 1), para prosseguir com o teste de performance de frenagem.

Figura 1
Disco de freio acabado.

Para simulação de condições reais de frenagem, foi utilizado dinamômetro inercial do fabricante Link -Rdlinski Inc, Figura 2, as caraterísticas deste equipamento estão listadas na Tabela 2. Este tipo de equipamento, por meio de rodas de inércia acopladas ao eixo de acionamento, é capaz de simular com grande assertividade as condições reais de frenagem de um veículo, desde que conhecido o sistema de freio, massa do veículo, a inércia em cada conjunto de roda/pneu e raio efetivo de frenagem. Cada amostra de disco de freio, foi submetido ao procedimento FRAS-LE - MF 82.065 – 2015, que simula duas corridas no autódromo de Curitiba, sendo que cada corrida foi dividida em assentamento e mais duas etapas conforme abaixo:

  • Assentamento: Com uma sequência de 20 frenagens;

  • Etapa 1: Com simulação de 35 voltas no autódromo;

  • Etapa 2: Com simulação de 20 voltas no autódromo;

Figura 2
Vistas do dinamômetro de inércia
Tabela 2
Características do Dinamômetro Inercial Link - Rdlinski Inc

2.4 Ensaio por líquidos penetrantes

A finalidade da realização do ensaio com líquidos penetrantes LP, é de constatar a presença de trincas e sulcos não vistos a olho nu, destacando as trincas presentes para analisar continuidades nas pistas de frenagem em cada disco após ensaio de frenagem, realizado no dinamômetro de inercia.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Microestrutura

A Figura 3 mostra a microestrutura das amostras das ligas dos discos 1 (sem Nb), disco 2 (com 0,11% Nb), disco 3 (com 0,17% Nb) e disco 4 (com 0,26% Nb), sem ataque químico e com ampliação de 500 x, para mostrar as partículas de NbC (circunferência vermelha), formadas durante o processo de solidificação das ligas. Na Figura 3 (b), (c) e (d), observa-se partículas com tonalidade rosa e com formato de pequenos blocos e lamelas ramificadas, típicas de carboneto de Nb (NbC), indicados no centro das circunferências vermelhas.

Figura 3
Partículas de NbC nas amostras dos discos: a) disco 1; b) disco 2; c) disco 3 e d) disco 4.

Observa-se também que as partículas de NbC aumentam de tamanho com o aumento do teor de Nb na liga. Isso pode ser visto comparando a Figura 3 (b) com a Figura 3 (d). Isto influenciará nas propriedades mecânicas e resistência ao desgaste das ligas de discos. A quantidade de partículas de NbC por mm² na microestrutura do disco 2,3 e 4 foi medida como 439,7 ± 68 NbC/mm²; 529,6 ± 72 NbC/mm² e 600, 5± 74 NbC/mm² respectivamente. Observe-se que a quantidade de partículas de NbC cresce de acordo com o aumento do teor de Nb na liga [99 MOHRBACHER, H., ZHAI, Q. Niobium alloying in grey cast iron for vehicle brake discs, 2011.].

Para revelar a matriz, as amostras foram atacadas quimicamente com Nital a 4% por 5 segundos. A matriz das amostras da liga dos discos de 1 a 4 foi identificada como perlítica com pequenos traços de ferrita. A matriz praticamente 100% perlítica se deve presença dos elementos perlitizante: estanho (Sn), manganês (Mn) e cromo (Cr), sendo o Cr e Nb refinadores da matriz perlítica e formadores de carbonetos, dando assim, maior dureza e resistência a tração [1111 DE PICOLI, J.J. Desenvolvimento de liga de ferro fundido cinzento modificado com nióbio para fabricação de discos de freio, Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica), UNISOCIESC, 2019.].

3.2 Coeficiente de atrito

O coeficiente de atrito foi analisado individualmente em cada corrida e também em cada etapa, iniciando com o assentamento e posteriormente etapa 1 e etapa 2 de cada corrida (Figura 4 e 5). Nas Figuras 4 e 5, o atrito (µ) de assentamento não apresentou variação significativa entre o disco sem Nb (disco1) e os discos com Nb (discos 2, 3 e 4), como podem ser observados os valores nas Tabelas 3 e 4.

Figura 4
Variação do coeficiente de atrito no assentamento da corrida 1
Figura 5
Variação do coeficiente de atrito no assentamento da corrida 2.
Tabela 3
Atrito de assentamento corrida 1.
Tabela 4
Atrito de assentamento corrida 2.

O atrito de assentamento é de fundamental importância, pois irá determinar se o par de atrito (disco e pastilha de freio) terá atrito suficiente para frenagens seguras já nos primeiros acionamentos. Pode-se notar que nos dois assentamentos (corrida 1 e 2), os valores médios permaneceram muito próximos e com pouca variação entre as frenagens, não sendo possível estabelecer um padrão e determinar se houve melhora neste quesito com o incremento do Nb. O que se pode observar, é que a variação de atrito entre as frenagens é menor nos discos com adição de Nb, com exceção do disco 2 no assentamento da corrida 2.

Este mesmo perfil do nível de atrito e variação entre as frenagens, podem ser visualizados na Figura 6 e Figura 7, onde mostra os perfis de atrito em cada disco, não sendo possível sobrepor os valores no mesmo gráfico devido ao grande número de medições, pois dificulta a visualização de cada comportamento.

Figura 6
Variação do coeficiente de atrito da corrida 1.
Figura 7
Variação do coeficiente de atrito no assentamento da corrida 2

Pode-se perceber na Figura 6 em todos os discos, que apesar de ter havido um ciclo de assentamento prévio, o atrito é mais elevado no início da corrida e diminui gradativamente em todos os discos, estabilizando o atrito após a 80ª frenagem, que pode ser observado na função exponencial de cada disco mostrado na Figura 6.

Na Figura 7, pode-se notar que o atrito já está constante desde as primeiras frenagens, principalmente nos discos contendo Nb, mantendo esta constância até o final da corrida 2. Este atrito constante é indicativo de que a performance de frenagem se mante efetiva em diferentes velocidades e temperaturas, características que são requeridas nesta aplicação, que também traz maior conforto e segurança na utilização pelo piloto e/ou motorista comum. As Tabelas 5 e 6 estão contidos os valores da média do atrito durante as corridas 1 e corrida 2 respectivamente.

Tabela 5
Média e desvio padrão do atrito na corrida 1
Tabela 6
Média e desvio padrão do atrito na corrida 2

Pode-se observar na Tabela 5 (corrida 1), que os discos apresentaram um desvio padrão entre as medições com valor alternado entre as amostras, não sendo possível atribuir melhora ou prejuízo na variação de atrito com a adição do Nb, sendo que a menor variação apresentada foi para o disco 2 (com 0,11 %Nb) e a maior variação do atrito foi apresentada pelo disco 4 (com 0,26 %Nb). Na Tabela 6 (corrida 2), é possível observar que as médias de atrito assim como na Tabela 5 (corrida 1), são muito próximas entre o disco sem Nb (disco 1) e com Nb (discos 2 a 4), sendo que os discos 1, 2 e 3 obtiveram o mesmo desvio padrão e o disco 4 apresentou a menor variação entre as amostras. A menor variação de atrito entre as frenagens, é indicativo de uma melhor performance, pois quanto mais estável o atrito, mais eficiente, seguro e confortável durante a pilotagem.

3.3 Temperatura durante as frenagens

A temperatura de frenagem possui influência direta sobre o atrito entre disco e as pastilhas de freio, sendo que se pode associar a diminuição do atrito à medida que se eleva a temperatura. A medição foi realizada antes e após cada frenagem, sendo que o valor considerado é a diferença entre a temperatura inicial e a final das frenagens em todas as etapas de corrida, inclusive durante o assentamento. Esta metodologia de medição foi adotada devido ao valor da temperatura inicial de frenagem não ser exatamente a mesma para todos os discos.

Pode-se observar na Tabela 7, que não houve grandes variações entre as médias das temperaturas nos discos 1, 2 e 3, com exceção do disco 4 que apresentou o menor valor de temperatura entre todos os discos, tendo a média de temperatura mais baixa e também atingido o menor pico de temperatura.

Tabela 7
Variação média de temperatura e pico de temperatura durante todas as frenagens

O desempenho diferenciado no disco 4 em relação ao parâmetro de temperatura, pode ter sofrido influência do CE levemente acima dos demais discos (Tabela 1), melhorando a dissipação de calor, devido a maior quantidade de carbono livre (grafita), que também forma filmes lubrificantes maiores e mais contínuos [77 CUEVA, G., et al., Desgaste de ferros fundidos usados em discos de freio de veículos automotores, SAE, São Paulo, 2000.].

3.4 Análise do desgaste

Observa-se na Tabela 8, os valores da perda de massa (g) dos discos 1 a 4 e das pastilhas, obtidos no ensaio no dinamômetro.

Tabela 8
Variação Média de temperatura e pico de temperatura durante as corridas

Os valores da tabela mostran que o disco 4 apresenta a menor perda de massa em relação aos outros discos, com 31% a menos de desgaste se comparado ao disco 1 sem Nb, ou seja, maior vida útil do disco de freio quando adicionado 0,26% Nb. A menor perda de massa do disco 4 pode ser atribuída pelo refinamento das grafitas, da matriz metálica, da perlítica, maior precipitação de NbC que são bem distribuídos devido ao fato de serem a primeira fase a solidificar [1212 PIMENTEL, A.S.O., GUESSER, W.L. Tratamento térmico de austêmpera em ferro fundido nodular com adições de nióbio e de cromo, Revista Matéria, v. 22, n. 2, 2017.] e também pela temperatura menor, Tabela 7.

Observou-se que o desgaste das pastilhas de freio (Figura 8) também apresenta tendência a diminuição quando utilizadas com os discos com Nb, onde a perda de massa é 15% menor nas pastilhas do disco 4 se comparado as do disco 1 e com constância nos valores para as pastilhas dos discos 2 e 3. Este comportamento pode estar relacionado a temperatura mais baixa e pela presença de grafitas mais refinadas no disco 4, que com isto apresenta vazios/crateras menores e mais distribuídas, diminuindo a rugosidade (aspereza) da superfície do disco. De uma forma geral, a perda de massa dos discos e das pastilhas de freio são menores quando se adiciona Nb na liga de ferro fundido cinzento, ou seja, aumenta a vida útil desses componentes. Este decremento no desgaste pode ser atribuído pelo refinamento da grafitas e células eutéticas, que apresentam crateras/vazios menores e mais distribuídos, a pastilha ao ser pressionada contra uma superfície menos porosa apresenta um desgaste menor. Resultados semelhantes foram encontrados quando o Nb foi adicionado ao ferro fundido nodular, sendo que a resistência ao desgaste foi aumentada com o aumento da adição do Nb [1313 SCKUDLAREK, W. Efeito do nióbio e do ciclo de austêmpera na microestrutura e comportamento mecânico do ferro fundido nodular. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica), UNISOCIESC, 2016., 1414 KRMASHA, M.N. Development and characterization of austempered ductile irons containing niobium. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica), UNISOCIESC, 2017.].

3.5 Análise das trincas térmicas

As trincas na superfície de frenagem foram avaliadas após a realização das duas corridas simuladas no dinamômetro, para uma melhor visualização do surgimento das trincas, conforme mostram as Figura 8.

O disco 4 na Figura 8 (d) apresentou o melhor resultado entre os discos analisados, ou seja, apresentou o menor número de trincas, seguido do disco 1 na Figura 8 (a), disco 3 na Figura 8 (c) e por último o disco 2 na Figura 8 (b). A presença de trincas provenientes de fluência é mais evidente nos discos 2 e 3 (com Nb), sendo em maior quantidade que no disco 1 sem Nb. Isto pode estar relacionado ao refinamento das células eutéticas, que submetidos a ciclos de carregamentos e potencializados pela alta temperatura, que são mais suscetíveis ao surgimento deste tipo de trinca [44 MALUF, O. Fadiga termomecânica em ligas de ferro fundido cinzento para discos de freio automotivo. Tese (Doutorado em Ciência e Tecnologia do Materiais), Universidade de São Paulo, São Carlos, 2007.].

Figura 8
Análise de trincas por líquido penetrante: (a) disco 1, (b) disco 2, (c) disco 3 e (d) disco 4.

A Tabela 9 mostra os resultados finais do ensaio de líquido penetrante realizado nas amostras dos discos de freio (1 a 4) ensaiadas.

Tabela 9
Aspecto visual dos discos após ensaios em dinamômetro

De modo geral, a Tabela 9 mostra que o aspecto físico do disco 4 com 0,26% Nb apresenta-se melhor do que os discos 1, 2 e 3. Esse comportamento pode estar relacionado as características mecânicas e microestruturais da amostra do disco 4 em relação aos discos 1 a 3, como já foi discutido.

4. CONCLUSÕES

Para a performance de frenagem, a adição de Nb na liga de ferro fundido cinzento promoveu uma tendência de melhor estabilidade de atrito e velocidade de assentamento em comparação a amostra sem adição de Nb. Para a temperatura, houve uma alternância de desempenho entre os discos, sendo que o disco 4 com 0,26% Nb obteve o melhor desempenho, tanto em temperatura média entre as frenagens, quanto ao pico de temperatura máxima atingida entre todos os discos. Quanto a perda de massa, o conjunto (disco + pastilhas) do disco 4, mostrou menor perda de massa (31% para o disco e 15,5% para as pastilhas) em relação aos demais conjuntos com os discos 1 a 3. Em relação ao aspecto superficial da pista de frenagem dos discos de freio, pode se dizer que o disco 4 apresentou-se melhor, com menor nível de fissuras e trincas, sulcos, ondulações, sem manchas térmicas e desgastes irregulares. No geral, a adição de Nb na liga de ferro fundido cinzento apresenta melhoras nas condições de frenagem, possibilitando maior vida útil dos discos e das pastilhas de freio.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Aceito
    31 Jan 2022
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