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Estudo da produção e execução de argamassas de contrapiso

Study of the production and execution of screed mortars

RESUMO

O contrapiso é uma camada do sistema de piso de uma edificação, que é constituída de uma argamassa, geralmente de cimento e areia, cuja principal função, dentre tantas, é regularizar a superfície da base para possibilitar o recebimento do acabamento. Essa camada, que por muitas vezes foi negligenciada nos projetos construtivos e até por estudos científicos na área, atualmente é reconhecida como camada fundamental do sistema de pisos e que requer certas propriedades para o cumprimento adequado de suas funções, principalmente após a implementação da NBR 15575 de desempenho de edificações habitacionais, que trata do conforto acústico e térmico nas edificações. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão acerca da produção dessa argamassa e execução do contrapiso, ressaltando os tipos existentes, suas funções, propriedades requeridas e elaborar uma metodologia construtiva. Esse estudo torna-se necessário uma vez que não existem prescrições normativas a respeito das propriedades requeridas para o desempenho adequado dessa argamassa ou para seus parâmetros executivos, que atualmente é elaborada de acordo com uma metodologia empírica e sem padrão construtivo. Isso pode acarretar problemas no desempenho em serviço dos contrapisos, dificultar as pesquisas na área de engenharia com enfoque em sistemas de piso e aumentar o desperdício de materiais em uma obra.

Palavras-chave
Contrapiso; Argamassa; Sistemas de piso

ABSTRACT

Screed is a layer of the floor system of a building, which consists of a mortar, usually made of cement and sand, whose main function, among many, is to regularize the surface in order to allow applying the finishing floor. This layer, which has often been neglected in construction projects and even by scientific studies in area, is currently recognized as a fundamental layer of the floor system and it requires certain properties for the proper fulfillment of its functions, especially after the implementation of NBR 15575 of housing building performance, which deals with acoustic and thermal comfort in buildings. In this context, the objective of this work is to carry out a review about the production of this mortar and the execution of the screed, highlighting the existing types, their functions, required properties and develop a constructive methodology. This study becomes necessary since there are no normative prescriptions regarding the necessary properties for the adequate performance of this mortar or for its executive parameters, which is currently carried out according to an empirical methodology and without a constructive standard. This can cause problems in the performance of the screed in service, hinder researches in the engineering area with a focus on the floor system and increase the waste of materials in a building.

Keywords
Screed; Mortar; Floor System

1. INTRODUÇÃO

O sistema de pisos é constituído por um conjunto de camadas designadas a cumprir a função de estrutura, vedação e tráfego, sendo executado de forma horizontal ou inclinado. Dentro desse sistema encontram-se as camadas estrutural (laje), de contrapiso, de fixação (argamassa colante) e de acabamento (revestimento), podendo haver, ainda, camadas impermeabilizantes ou de isolamento térmico ou acústico [11 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 15575: Edifícios habitacionais – Desempenho, Rio de Janeiro, 2013., 22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009.], conforme a Figura 1.

Figura 1
Exemplo de sistema de piso com indicação de camadas.

Dentro desse sistema, o contrapiso chama atenção como uma camada pouco estudada e pouco comentada dentro da construção civil. De fato, tanto as lajes quanto as argamassas colantes e as argamassas de revestimentos possuem diretrizes específicas que ditam os requisitos técnicos e executivos dessas camadas, enquanto o contrapiso é negligenciado quanto a seus parâmetros normativos [33 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 13281: Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos – Requisitos, Rio de Janeiro, 2005.

4 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 14081: Argamassa colante industrializada para assentamento de placas cerâmicas – Requisitos, Rio de Janeiro, 2012.

5 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – Procedimento, Rio de Janeiro, 2014.
-66 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 14859: Lajes pré-fabricadas de concreto – Requisitos, Rio de Janeiro, 2016.]. No entanto, a partir da implementação da NBR 15575 [11 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT, NBR 15575: Edifícios habitacionais – Desempenho, Rio de Janeiro, 2013.], levantou-se maior interesse no sistema de pisos, dada a importância dele na atenuação de ruídos aéreos e, principalmente, de impacto em edificações residenciais de múltiplos pavimentos. Nesse contexto, cresceu o interesse de pesquisadores em estudar o contrapiso, principalmente com o intuito de aprimoramento acústico, evitando o uso de camadas intermediárias para este fim [77 BORGES, J.G.K., “Análise das propriedades acústicas de contrapisos produzidos com materiais reciclados”, Dissertação de M.Sc., Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2015.

8 COSTA, B.M., HEISSLER, R.F., LABRES, H.S., et al. “Análise comparativa do desempenho acústico do contrapiso convencional e produzido com casca de arroz com diferentes revestimentos”, In: Euro Elecs., São Leopoldo, 2017.

9 FURLANETTO NETO, A., DE CASTRO, L.C., “Análise acústica de contrapiso com adição de resíduos de pneus”, In: UNESC, 2012.
-1010 TUTIKIAN, B.F., ZUCHETTO, L.K., DE SOUZA, R.P., et al. “Uso de agregado leve de EVA em contrapiso argamassado para isolamento ao ruído de impacto em edificações residenciais”, Ambiente Construído, v. 17, n. 3, pp. 295–306, 2017.].

Contudo, a falta de normas técnicas que definam requisitos práticos e de controle de qualidade para execução do contrapiso trazem consequências para o estudo desta camada, uma vez que não existe uma padronização do processo executivo, o que inviabiliza a comparação entre diferentes trabalhos. Além disso, a escassez de diretrizes técnicas leva a execução do contrapiso de maneira empírica nas obras, sem garantia do cumprimento de suas funções, o que pode resultar em elevados custos e a um desempenho inferior ao esperado do sistema de pisos. Nessa perspectiva, este estudo traz uma análise das características cruciais ao bom desempenho da camada de contrapiso e propõe uma metodologia para padronização executiva da camada, de modo que futuras pesquisas possam avaliar as propriedades de contrapisos produzidos de forma controlada.

2. CONTRAPISO

O contrapiso pode ser constituído por uma ou mais camadas de material, sendo lançada sobre uma base, que geralmente é uma laje ou camada estrutural, ou sobre uma camada intermediária quando há impermeabilização ou isolamento termo acústico. A principal finalidade da camada é de regularizar o piso para receber revestimentos e acabamentos [1111 CLAISSE, P.A., “Mortars and grouts”, Civil Engineering Materials, pp. 303–311, 2016., 1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

O contrapiso é um tipo de argamassa geralmente feita a partir da mistura de cimento, água e agregado miúdo, normalmente areia [1111 CLAISSE, P.A., “Mortars and grouts”, Civil Engineering Materials, pp. 303–311, 2016., 1313 ALANI, A., MACMULLEN, J., TELIK, O., et al. “Investigation into the thermal performance of recycled glass screed for construction purposes”, Construction and Building Materials, v. 29, pp. 527–532, 2012., 1414 MOREIRA, A., ANTÓNIO, J., TADEU, A., “Lightweight screed containing cork granules: Mechanical and hygrothermal characterization”, Cement and Concrete Composites, v. 49, pp. 1–8, 2014.]. É importante destacar que os contrapisos se diferem do concreto por não possuírem agregado graúdo na composição, mas também são diferentes das argamassas de revestimento por causa da sua consistência [1515 CANBAZ, M., TOPÇU, I. B., ATEŞIN, O., “Effect of admixture ratio and aggregate type on self-leveling screed properties”, Construction and Building Materials, v. 116, pp. 321–325, 2016.]. De fato, as argamassas de contrapiso são conhecidas por possuírem consistência do tipo “farofa”, ou seja, são argamassas mais secas devido à baixa quantidade de água empregada na mistura. Nesses casos, durante a execução da camada é necessária a compactação da argamassa [1616 BARROS, M.M.S.B., SABBATINI, F.H., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP - BT/PCC/44, 26 p., 1991.].

Uma vez que a consistência do contrapiso se difere das argamassas convencionais para assentamento e revestimento, logo a reologia e algumas propriedades no estado fresco também irão diferir. Dessa forma, não cabe aplicar os requisitos normativos das argamassas convencionais para as argamassas de contrapiso.

2.1 Classificação

O contrapiso pode ser classificado quanto à aderência levando-se em consideração a sua interação com a base, destacando-se três tipos: contrapiso aderido, não aderido e flutuante.

O contrapiso aderido é o tipo mais comum executado na construção civil. Ele apresenta total aderência com a base, podendo ter, nesse caso, camadas de pequenas espessuras (20 e 40 mm), uma vez que ele trabalha em conjunto com a laje. Para tanto, a base deve ser bem preparada, estar isenta de produtos nocivos, como óleos, graxas e poeira, ser previamente molhada, para que não absorva a água da argamassa e prejudique a hidratação do cimento, e estar provida de uma ponte de aderência, como uma pasta de cimento e água, por exemplo. Não é recomendável executar contrapisos aderidos com espessuras superiores a 40 mm, visto que isso poderia originar um contrapiso oco e prejudicar a aderência com a base [22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009., 1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991., 1616 BARROS, M.M.S.B., SABBATINI, F.H., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP - BT/PCC/44, 26 p., 1991.].

Por sua vez, no contrapiso não aderido a característica de aderência com a base não é essencial no desempenho da camada, não sendo necessário o preparo e a limpeza da base. Quando não há a aderência, a espessura da camada de contrapiso deve ser superior a 35 mm [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991., 1616 BARROS, M.M.S.B., SABBATINI, F.H., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP - BT/PCC/44, 26 p., 1991.].

Finalmente, o contrapiso flutuante caracteriza-se pela presença de uma ou mais camadas intermediárias de isolamento ou impermeáveis entre a camada de contrapiso e a base, podendo ser composto por mantas, emulsões, materiais granulares, entre outros. Nesse caso, a camada é desvinculada dos elementos estruturais, minimizando os efeitos oriundos de vibrações introduzidas pelas solicitações de uso, impedindo totalmente a sua aderência. A espessura dessa camada de contrapiso pode variar de 40 a 70 mm [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991., 1616 BARROS, M.M.S.B., SABBATINI, F.H., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP - BT/PCC/44, 26 p., 1991., 1717 SANTOS, F.A., “Avaliação de placas cimentícias com resíduo de EVA quanto ao seu nível de isolamento acústico em sistemas de pisos flutuantes”, Dissertação de D.Sc., Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.].

2.2 Funções

O contrapiso tem como principal função retirar imperfeições da superfície, regularizando a mesma para receber acabamento, no caso o revestimento de piso [1818 CARASEK, H., “Argamassas”, In: IBRACON. Materiais de Construção e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais, 8ª ed., Cap. 28, São Paulo, 2017.].

No entanto, os contrapisos desempenham diversas outras funções, dentre as quais pode-se destacar: possibilitar desníveis entre ambientes; proporcionar declividades para escoamento de água; ser suporte e fixação de revestimentos de piso e seus componentes de instalações, podendo ter ainda outras funções como barreira estanque ou impermeável e isolante térmico e acústico [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991., 1616 BARROS, M.M.S.B., SABBATINI, F.H., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, In: Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP - BT/PCC/44, 26 p., 1991.].

2.3 Propriedades

Todos os tipos de compostos cimentícios requerem certas propriedades para desempenhar suas funções com excelência. No caso dos contrapisos, as principais propriedades requeridas estão relacionadas a sua capacidade de aderência à base e resistência mecânica [1818 CARASEK, H., “Argamassas”, In: IBRACON. Materiais de Construção e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais, 8ª ed., Cap. 28, São Paulo, 2017.]. Segundo Miranda et al. [1919 MIRANDA, L.F.R., LAPENDA, M.P., TEIXEIRA, S.H.C., et al. “Rational Procedure for Composition of Screed Mortar with Recycled Sand at a Construction Site”, Journal of Materials in Civil Engineering, v. 26, pp. 855-862, 2014.], para desempenhar suas funções de forma adequada, é necessário que o contrapiso apresente certas propriedades, como condições superficiais que permitem a aderência do revestimento, aderência suficiente entre a base e a própria camada de contrapiso, resistência mecânica, capacidade de absorver tensão sem fissurar, capacidade de resistir ao esmagamento e durabilidade.

A resistência mecânica refere-se à capacidade do contrapiso de manter sua integridade física quando solicitado por ações externas, ou seja, está relacionado principalmente ao desgaste superficial por abrasão, ao choque, à compressão, à tração e ao cisalhamento. Por sua vez, a aderência é decorrente da existência de continuidade da pasta que penetra nos poros da base e da pasta que fica incorporada à argamassa de contrapiso, ocorrendo, portanto, uma ancoragem mecânica por meio da formação de pequenas cunhas internas aos poros. Como é comum a utilização de uma argamassa com baixo teor de água, a aderência é garantida com a aplicação de uma ponte de aderência sobre a base [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

Além dessas propriedades, é importante que a camada tenha boa capacidade de absorver deformações, ou seja, que seja capaz de absorver e dissipar as cargas incidentes no contrapiso sem desagregar-se, sem apresentar um estado de fissuração acentuado, sem perder a sua aderência com a base e sem apresentar quaisquer danos que possam comprometer o seu funcionamento. Outra característica importante está relacionada às condições superficiais requeridas ao contrapiso, como aspectos relativos ao nivelamento, planeza, regularidade, textura, porosidade e limpeza da superfície. Por fim, outra importante propriedade é a de durabilidade, ou seja, a capacidade da camada de manter o desempenho de suas funções ao longo do tempo. Difícil de ser avaliada, pois depende de todas as propriedades anteriores e das solicitações e a exposição a que a camada ficará submetida durante sua vida útil, mas é fundamental que o contrapiso apresente boa durabilidade [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

3. METODOLOGIA EXECUTIVA

Por não existir uma metodologia normatizada para argamassas de contrapiso no Brasil, neste trabalho optou-se por realizar uma análise das dosagens e metodologias executivas baseada em estudos prévios da literatura para propor uma padronização na produção de contrapisos.

3.1 Dosagem

Na maioria das vezes, as dosagens são definidas de forma empírica, não levando em consideração as características dos materiais e suas condições de utilização. Diferentes dosagens são indicadas pela bibliografia, o que torna a avaliação mais difícil, uma vez que os materiais variam entre as regiões e, muitas vezes, não se possui a caracterização desses insumos. Além disso, a especificação da dosagem também varia muito: alguns estudos especificam em massa, outros em volume, alguns se referem aos materiais secos, outros aos materiais úmidos [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

Furlanetto Neto e De Castro [99 FURLANETTO NETO, A., DE CASTRO, L.C., “Análise acústica de contrapiso com adição de resíduos de pneus”, In: UNESC, 2012.] desenvolveram seus estudos em contrapisos de dosagem em volume de 1:6 (cimento e areia) e relação água/cimento de 0,50. A mesma relação a/c foi adotada por Alani et al. [1313 ALANI, A., MACMULLEN, J., TELIK, O., et al. “Investigation into the thermal performance of recycled glass screed for construction purposes”, Construction and Building Materials, v. 29, pp. 527–532, 2012.] em seu contrapiso de referência, porém, utilizando a dosagem em massa de 1:4 (cimento e areia). Por sua vez, Tutikian et al. [1010 TUTIKIAN, B.F., ZUCHETTO, L.K., DE SOUZA, R.P., et al. “Uso de agregado leve de EVA em contrapiso argamassado para isolamento ao ruído de impacto em edificações residenciais”, Ambiente Construído, v. 17, n. 3, pp. 295–306, 2017.] optaram por adotar uma dosagem em volume de 1:3 (cimento e areia), com uma relação água/cimento de 0,70. Para Cichinelli [2020 CICHINELLI, G., “Construção Passo-a-Passo”, Pini, v. 01, São Paulo, 2009.], as dosagens de cimento e areia variam de 1:5 a 1:7, em média, sendo a dosagem 1:6 a mais usual, entretanto, a autora não cita se essa dosagem deve ser feita em massa ou em volume. Fiorito [22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009.] ainda traz a incorporação de cal à argamassa de contrapiso, que ele afirma possuir dosagem em volume, normalmente, de 1:0,5:5 (cimento, cal e areia), mas essa é uma prática pouco observada em obra. Nota-se, com isso, a dificuldade de comparação entre as dosagens de diferentes trabalhos, dada a falta de padronização em virtude da ausência de normas técnicas.

Destaca-se que a resistência mecânica potencial do contrapiso é uma propriedade que está principalmente relacionada com a quantidade de cimento da argamassa. Com isso, o consumo de cimento por metro cúbico de argamassa deve ser definido em função do tipo de contrapiso, das condições de utilização durante a construção, das características do pavimento e das funções a que será submetido o contrapiso em serviço, sendo recomendado que o consumo de cimento dessa argamassa fique entre 250 e 350 kg/m³ [1919 MIRANDA, L.F.R., LAPENDA, M.P., TEIXEIRA, S.H.C., et al. “Rational Procedure for Composition of Screed Mortar with Recycled Sand at a Construction Site”, Journal of Materials in Civil Engineering, v. 26, pp. 855-862, 2014.]. Nesse contexto, sugere-se a dosagem em massa de 1:5 ou 1:6 para contrapisos submetidos a trânsitos mais leves, onde a capacidade de suporte pode ser menor, enquanto que para trânsitos pesados, onde é necessária uma maior resistência mecânica do sistema de piso, deve-se adotar a dosagem 1:3 ou 1:4.

Em relação a quantidade de água, Barros [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.] recomenda que a relação água/cimento da argamassa tipo farofa não ultrapasse 0,50, de modo a possibilitar a compactação manual da camada de contrapiso. Contudo, quantidades maiores de água podem ser utilizadas, desde que seja realizado o correto estudo de dosagem para manter as características físicas e mecânicas adequadas a utilização do contrapiso, visto que uma maior quantidade de água pode reduzir a quantidade efetiva de cimento no traço, reduzindo a resistência da argamassa. Nesses casos, a compactação deve ser feita de forma mecânica, o que torna o processo mais oneroso e, por isso, pouco usual.

3.2 Espessura

A espessura também é outro fator que varia de acordo com a utilização. Para Cichinelli [2020 CICHINELLI, G., “Construção Passo-a-Passo”, Pini, v. 01, São Paulo, 2009.], normalmente a espessura do contrapiso varia de 20 a 60 mm, dependendo da função. Todavia, Fiorito [22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009.] afirma que a camada deve apresentar até 25 mm de espessura, sendo que, caso sejam exigidas espessuras superiores, como no caso de canalizações embutidas no piso, a argamassa deve ser executada em camadas de cerca de 25 mm, sendo a nova camada aplicada sobre a anterior quando esta já estiver seca. Barros [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.] recomenda a utilização de contrapiso aderido com espessura entre 20 e 40 mm e afirma que espessuras acima do limite superior podem originar um contrapiso oco, que pode perder a aderência com a base. Para espessura total superior a 50 mm, o contrapiso deve ser executado com camadas de enchimento.

3.3 Tempo de cura da base

Segundo de De Siqueira e Botelho [2121 DE SIQUEIRA, A.A., BOTELHO, L.C.G, “Estudo da influência do tempo de cura da base na aderência do contrapiso”, In: Pesquisas Interdisciplinares nas Engenharias, 1.ed. Piracanjuba: Editora Conhecimento Livre, 2020.], o contrapiso deve ser executado entre as idades de 14 e 28 dias de cura da laje a fim de se obter a maior aderência entre as faces, sendo uma das propriedades mais importantes para o adequado funcionamento de contrapisos. Em idades mais avançadas ocorre uma perda significativa nessa resistência [2020 CICHINELLI, G., “Construção Passo-a-Passo”, Pini, v. 01, São Paulo, 2009.], que pode acarretar problemas futuros no sistema de pisos, como desplacamento do revestimento.

Para Fiorito [22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009.], quando o contrapiso tem função de base para outras camadas mais superficiais ou para receber revestimentos colados, é indispensável que tenha idade mínima de 7 dias, ocasião em que terá boa estabilidade dimensional, uma vez que 60% a 80% da retração já haverá acontecido.

3.4 Preparo da base

No caso do contrapiso aderido, deve-se limpar toda a superfície antes do recebimento da argamassa. Quaisquer restos e crostas de argamassa ou concreto eventualmente existentes podem prejudicar a aderência à base. Em seguida, molha-se a base com água em abundância a fim de evitar que haja perda de umidade e prejudique a hidratação da argamassa. Recomenda-se que esse processo seja executado pelo menos 24 horas antes do lançamento da argamassa de contrapiso, de modo que, no momento de execução da camada, o excesso de água superficial seja retirado. Em seguida, deve-se polvilhar cimento na proporção de 0,5 kg/m² de superfície, espalhando-o com auxílio de uma vassoura, de modo a se formar uma ponte de aderência entre a base e o contrapiso [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.]. Fiorito [22 FIORITO, A.J.S.I., “Manual de argamassas e revestimentos: Estudos e procedimentos de execução”, Pini, 2ª ed., São Paulo, 2009.] sugere uma relação água/cimento da ordem de 0,30 para esta pasta, formada pelo cimento polvilhado sobre a superfície úmida da laje. Contudo, não há como garantir com precisão essa relação, visto que não há o controle da umidade superficial da base, de modo que esta relação só poderá ser obtida de forma estimada. Além da pasta de cimento, pode-se utilizar algum produto adesivo como ponte de aderência. Esta ponte (Figura 2) garantirá a ligação da laje com a camada de contrapiso e inibirá parcialmente a retração da argamassa. O contrapiso deve ser lançado sobre a camada de ponte de aderência ainda fresca, respeitando o tempo de pega do cimento. Ou seja, em caso de ambientes de grandes dimensões, sugere-se a execução da ponte de aderência em partes, para evitar seu endurecimento antes do lançamento do contrapiso [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

Figura 2
Exemplo de ponte de aderência entre a base e o contrapiso realizada com pasta de cimento.

O mesmo procedimento é feito para contrapisos não-aderidos, porém, não é necessário realizar a limpeza da base ou prover uma ponte de aderência entre a base e a camada. No caso do contrapiso flutuante, a base deve ser preparada para receber a camada intermediária, ou seja, os cuidados serão relativos a essa camada [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.].

3.5 Execução da camada

Com a base devidamente preparada, a argamassa é espalhada sobre a pasta de cimento ou produto adesivo e, em seguida, a argamassa de contrapiso, aderido ou não-aderido, deve ser compactada com energia suficiente para garantir a máxima compacidade da camada, promovendo melhor resistência mecânica [1212 BARROS, M.M.S.B., “Tecnologia de produção de contrapisos para edifícios habitacionais e comerciais”, Dissertação de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.]. Por fim a argamassa é sarrafeada dando acabamento áspero a camada de contrapiso.

Para execução do contrapiso flutuante, depois de pronta a camada intermediária, o contrapiso poderá ser executado da mesma forma que no contrapiso aderido, porém, a compactação deve ser extremamente cuidadosa para que não danifique a camada intermediária. Em alguns casos, sugere-se utilizar um vibrador de superfície para evitar a compactação manual.

Para padronizar o processo executivo, sugere-se que o contrapiso aderido seja executado seguindo os procedimentos contidos na Figura 3. É importante destacar que esse procedimento sugerido foi baseado na execução de contrapisos em diversas obras. No entanto, muito ainda precisa ser discutido, como o peso do soquete, o número de golpes para compactação, entre outros. Além disso, ainda é preciso estudar e avaliar as dosagens e a quantidade de água para execução da camada de acordo com a função a ser desempenhada por ela. Isso mostra a necessidade de mais estudos sobre o contrapiso e a urgência por normas para caracterização desta camada.

Figura 3
Fluxograma do processo de execução de contrapisos aderidos.

4. CONCLUSÕES

Neste trabalho, foi realizada uma revisão abordando tópicos importantes como classificação, funções e propriedades requeridas ao contrapiso. Além disso, os aspectos que envolvem a metodologia construtiva foram abordados, reunindo informações de estudos encontrados na literatura e o que de fato é feito na prática.

Os contrapisos são classificados em aderido, não-aderido ou flutuante, de acordo com a aderência da argamassa à base. O primeiro tipo é o mais usual, onde a camada de contrapiso é executada sobre a base previamente limpa e provida de uma ponte de aderência, geralmente feita com polvilho de cimento sobre a base úmida. Por outro lado, no contrapiso não-aderido a aderência não é um fator de grande relevância. Por sua vez, o contrapiso flutuante se caracteriza pela presença de uma camada intermediária, entre a base e o contrapiso, geralmente de isolamento térmico ou acústico.

A principal função do contrapiso é regularizar a superfície do piso para receber o acabamento, podendo, ainda, proporcionar desníveis e declividades e funcionar como camada de isolamento. Para o correto desempenho de suas funções, algumas propriedades são requeridas ao contrapiso, das quais destacam-se a resistência mecânica e a aderência à base. A primeira está relacionada ao consumo de cimento e a relação água/cimento utilizada na argamassa, enquanto que a última depende do tipo de contrapiso, das condições da base e do processo executivo da camada.

Os contrapisos são constituídos, geralmente, por uma argamassa conhecida como “farofa”, que possui baixo teor de água em sua dosagem. O uso deste tipo de argamassa é justificado pela facilidade na compactação da camada, a qual é realizada feita de forma manual com soquete de madeira ou metálico.

Com base nos estudos bibliográficos, entende-se que a dosagem do contrapiso deve ser escolhida de forma criteriosa, de acordo com o tipo de contrapiso, as funções requerias e a utilização do piso em serviço, de modo que, para trânsitos mais leves, sugere-se a dosagem 1:5 ou 1:6, e para trânsito pesado deve-se adotar a dosagem 1:3 ou 1:4.

Foi proposta uma padronização nos processos de execução dos contrapisos, especialmente o aderido, visto que não há normas técnicas que definam requisitos práticos e de controle de qualidade. Essa padronização é de grande importância devido a execução do contrapiso ser feita de maneira empírica nas obras, sem garantia do cumprimento de suas funções, o que resulta, muitas vezes, em desperdício financeiro e um desempenho inferior ao esperado do sistema de pisos.

Tendo em vista as análises realizadas neste trabalho, deve-se reconhecer a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a camada de contrapiso, dada a pouca bibliografia encontrada sobre o tema. Há, ainda, a necessidade de diretrizes técnicas para a camada de contrapiso que possam assegurar o controle de qualidade da argamassa para o cumprimento de suas funções. Para um melhor entendimento das características dessa camada, sugere-se que futuras pesquisas avaliem as propriedades reológicas, físicas e mecânicas de argamassas de contrapiso com diferentes traços e relações água/cimento.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro no desenvolvimento desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2020
  • Aceito
    22 Jun 2021
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