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Repetir a palavra alheia, ou De como refletir sobre esse sintoma na companhia da psicanálise

Repetir a palavra alheia, ao lado do silêncio, é um dos sintomas mais freqüentes nas patologias da linguagem. Tradicionalmente denominada ecolalia, esta repetição é entendida como produção não intencional, inconsciente, que não é representativa de conhecimento objetivo da realidade. É apenas eco: uma fala que para nada serve. Desde uma perspectiva lingüística mais moderna, que toma a palavra como algo da instância discursiva (que aposta na polissemia da palavra e na heterogeneidade do sujeito), a repetição pode ter uma outra interpretação. Do interior do conceito de enunciação advém a idéia de incompletude do sujeito e da linguagem, determinando para a linguagem uma gênese que nada mais é senão o brotamento de um funcionamento do tipo simbólico em que a repetição fica como um acontecimento fundante. Resgatada por esta lingüística, a repetição permanece, entretanto, exigindo análise. A patologia de linguagem mostra uma repetição cujo destino é diferente: longe de notar uma ocorrência fundante, ela revela seu perverso poder, já que tira da palavra sua possibilidade em advir um dizer. Esta ocorrência passa a ter outra natureza e sobre isto a psicanálise tem muito a dizer.

A repetição, ocorrência fundante, perde seu caráter original e significa o patológico. Fica exorbitado o lado conservador das pulsões, esfumaçando a heterogeneidade do sujeito, interditando qualquer anarquia no funcionamento pulsional, fonte da diferença necessária. A palavra é uma invenção: pelo seu caráter polissêmico ela é sempre uma solução inédita. Quando a criança repete a palavra do outro é como se ela a fizesse sua, instaurando a diferença. Na patologia, diversamente, a criança não faz sua a palavra alheia e, assim, deixa de ser uma invenção porque fica destituída da possibilidade de instaurar o novo. Acaba a dialética condicional entre invenção/repetição, daí a morte da palavra.


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