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Estratégias de enfrentamento da pobreza e sua interface com a promoção da saúde

Resumos

O empobrecimento populacional é uma realidade social cuja superação é necessária para que se possa pensar em saúde como um conceito positivo. Ante uma realidade que se mostra exemplo de superação da exclusão social para diferentes localidades no Brasil e em outros países, o presente estudo propõe-se a refletir sobre as estratégias de enfrentamento da pobreza adotadas pela comunidade da Região Nordeste do Brasil e sua interface com a promoção da saúde. Inicialmente são apresentadas a história do Conjunto Palmeira e as estratégias coletivas de empowerment para o enfrentamento da pobreza e busca do desenvolvimento humano. Em seguida, faz-se a relação dessas estratégias com os campos de ação para promoção da saúde. Considera-se que a co-responsabilização da comunidade com sua saúde e sua relação com o ambiente em que vivem são meios de promover transformações que culminem com a conquista de um espaço social digno.

promoção da saúde; pobreza; enfermagem


The population impoverishment is a social reality whose overcoming is necessary so that we can think about health as a positive concept. This study proposes a reflection on the coping strategies adopted by the Conjunto Palmeira, a Brazilian community in the Northeast, and their interface with health promotion. This community's reality is an example of overcoming social exclusion for different regions of Brazil and other countries. The history of the Conjunto and the collective strategies of empowerment for coping with poverty and search for human development are initially presented. After that, we establish the relationship of those strategies with the action fields for health promotion. Finally, we consider that the mutual responsibility of the community with its health and its relationship with the environment in which they live are means of promoting transformation towards the conquest of a worthy social space.

health promotion; poverty; nursing


El empobrecimiento de la población es una realidad social cuya superación es necesaria para que podamos pensar en salud como un concepto positivo. Ante la realidad que se muestra como ejemplo de superación de la exclusión social para diversas localidades en Brasil y en otros países, la finalidad de este estudio es reflejar sobre las estrategias de afrontamiento de la pobreza adoptadas por la comunidad del Nordeste de Brasil y su interfaz con la promoción de la salud. Inicialmente son presentadas la historia del conjunto y las estrategias colectivas de empowerment para el afrontamiento de la pobreza y la búsqueda del desarrollo humano. En seguida, se establece la relación de esas estrategias con los campos de acción para promoción de la salud. Finalmente, se considera que la responsabilización conjunta de la comunidad con su salud y su relación con el ambiente en que vive son medios de promover transformaciones que culminen con la conquista de un espacio social digno.

promoción de la salud; pobreza; enfermería


COMUNICAÇÕES BREVES / RELATOS DE CASOS

IDoutorando, Docente da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba, Brasil, e-mail: simonehso@yahoo.com.br

IIDoutorando, e-mail: adelanemonteiro@hotmail.com

IIIDoutorando, Docente da Universidade Regional do Cariri

IVDoutorando,e-mail: danemel6@hotmail.com. Programa de Pós-graduação em Enfermagem

VOrientador, Coordenador da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, Brasil, e-mail: nvieira@ufc.br

VIOrientador, Livre Docente, e-mail: grasiela@ufc.br

VIIDoutor em Enfermagem, Docente do Departamento de Enfermagem, e-mail: lbximenes@yahoo.com.br. Universidade Federal do Ceará, Brasil

RESUMO

O empobrecimento populacional é uma realidade social cuja superação é necessária para que se possa pensar em saúde como um conceito positivo. Ante uma realidade que se mostra exemplo de superação da exclusão social para diferentes localidades no Brasil e em outros países, o presente estudo propõe-se a refletir sobre as estratégias de enfrentamento da pobreza adotadas pela comunidade da Região Nordeste do Brasil e sua interface com a promoção da saúde. Inicialmente são apresentadas a história do Conjunto Palmeira e as estratégias coletivas de empowerment para o enfrentamento da pobreza e busca do desenvolvimento humano. Em seguida, faz-se a relação dessas estratégias com os campos de ação para promoção da saúde. Considera-se que a co-responsabilização da comunidade com sua saúde e sua relação com o ambiente em que vivem são meios de promover transformações que culminem com a conquista de um espaço social digno.

Descritores: promoção da saúde; pobreza; enfermagem

INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresenta-se a experiência vivenciada por um grupo de docentes e alunos da disciplina Análise Crítica das Práticas de Enfermagem na Promoção da Saúde, do curso de Doutorado em Enfermagem, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, Brasil, que tem como um dos seus objetivos avaliar indicadores que caracterizam melhorias no estado de saúde e na qualidade de vida da população.

Análise de textos, discussões em grupo e produção de resenhas, referentes a temas centrais, e categorias críticas para promoção da saúde a partir das discussões geradas, o grupo, pautado em decisão conjunta, optou pela visita ao Conjunto Palmeira, bairro pobre situado na periferia de Fortaleza, Região Nordeste do Brasil, a 22 km do centro comercial da cidade.

O presente relato propõe a refleção sobre as estratégias de enfrentamento da pobreza, adotadas pela comunidade do Conjunto Palmeira, e sua interface com a promoção da saúde.

CONJUNTO PALMEIRA: SUA HISTÓRIA NO ENFRENTAMENTO DA POBREZA E NA BUSCA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

A redução da pobreza extrema está entre as metas definidas e acordadas internacionalmente nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para que se alcance o desenvolvimento humano(1).

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - conceitua pobreza como a situação das pessoas que estão abaixo de um determinado padrão econômico, que não têm suas necessidades atendidas. Pobre seria uma pessoa que se situasse abaixo da linha de pobreza, não tendo o suficiente para adquirir os bens necessários à sobrevivência. Essa noção econômica de pobreza é ainda restrita e limitada porque ser pobre é muito mais que não ter, é, sobretudo, não ser. Por sua vez, o desenvolvimento humano deve ser entendido como um processo, em que as potencialidades do ser humano são sempre desenvolvidas e as oportunidades para o seu desenvolvimento são ampliadas(2).

Considerando que as experiências e conquistas obtidas pela comunidade do Conjunto Palmeira constituem evidências de progresso nessa direção, partiu-se para uma visita àquele bairro para, in locus, desnudar-se um pouco da sua história de luta em busca da superação da pobreza. Pensou-se ser essa realidade uma referência para avaliar a determinação de uma comunidade em busca do exercício de cidadania, bem como oportunidade para se partilhar coletivamente na busca e na construção de prosperidade em um mundo cada vez mais interdependente. Assim, passar-seá a discorrer sobre alguns fatos que marcaram a história desse local, no intuito de contribuir para a reflexão acerca de estratégias coletivas de empoderamento e conquista de cidadania.

Iniciou-se relatando um pouco da história da gênese do bairro, que surgiu após enchentes e despejos, entre 1973-1976, na cidade de Fortaleza, CE. As pessoas estavam desabrigadas e alojadas em estádios de futebol e eram residentes em áreas de risco de várias favelas da cidade. Os moradores não tinham água, energia elétrica, esgoto, transporte coletivo, ou quaisquer outros tipos de serviços públicos e, movidos por sentimento de exclusão social, organizaram-se na busca por melhores condições estruturais. Assim, em 1981, foi fundada a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira que, através de seus associados, passaram a reivindicar infra-estrutura para a comunidade(3).

O engajamento e o poder de organização dos moradores levaram a associação de moradores a realizar uma pesquisa casa a casa, com o objetivo de conhecer a realidade das condições econômicas do bairro, chegando à avaliação de que o comércio local não se desenvolvia porque o dinheiro não circulava no próprio bairro. Os moradores preferiam comprar suas mercadorias nas grandes lojas do centro da cidade, em virtude do acesso ao financiamento para suas compras. Como conseqüência, os pequenos negócios do bairro faliam, desempregando e empobrecendo a população que ali habitava(3-4).

Ressalta-se, aqui, que na descrição dos relatos da associação de moradores, essa população se caracterizava pelo analfabetismo e baixa escolaridade, desemprego, renda inferior a um salário mínimo ou sem nenhuma renda, situação que os colocava abaixo da linha de pobreza.

A urbanização da área ocorria ao mesmo tempo em que se agravavam as condições de pobreza de seus moradores, que não tinham condições de arcar com os custos da urbanização, tais como: taxas de água e esgoto, luz e imposto predial e territorial urbano (IPTU), pois as famílias residentes na comunidade eram, na sua grande maioria, desempregados, subempregados, ou seja, vivendo de atividades eventuais e informais, com renda inferior a um salário mínimo. Isso fazia com que os mais pobres vendessem suas casas para aqueles que tinham melhores condições financeiras(5).

Ante tais evidências, em 1997, por ocasião de um seminário de avaliação da comunidade, organizado e realizado pela associação de moradores foi deliberada a criação de um projeto de geração de trabalho para a comunidade. Esse projeto foi inaugurado em janeiro de 1998 e recebeu o nome de Banco Palmas.

Sua implantação foi inicialmente financiada por empréstimo de cerca de mil dólares, concedido por uma organização não-governamental (ONG) local (Cearah Periferia), tendo suas instalações numa pequena sala localizada na sede da associação de moradores e começando com apenas dez clientes. Alguns meses depois recebeu recursos a fundo perdido da cooperação internacional da OXfam e da GTZ-PRORENDA. No início, apenas duas pessoas ocupavam a gestão do banco, atualmente, cinco líderes comunitários se revezam para poder atender à população. A capacidade técnica foi garantida pelas experiências anteriores ao Banco junto ao projeto do PRORENDA e dos círculos de estudos realizados pela Associação, contando-se, ainda, com o conhecimento empírico de alguns produtores e comerciantes locais. Quando iniciado o trabalho, alguns membros do Banco receberam treinamento em gestão financeira oferecido pela prefeitura local(4).

Há desenvolvimento quando as comunidades passam a gerar seu próprio crescimento econômico, através do desenvolvimento do sentido comunitário, da participação e da integração, fruto da conquista dos grupos organizados na comunidade, deixando de esperar apenas por doações, por políticos e governos(2).

O Banco Palmas, assim, surge como um sistema integrado que organiza e articula os moradores do Conjunto Palmeira para produzirem e consumirem no próprio bairro, articulados em rede. É um programa de desenvolvimento local que vai além da concessão de microcrédito; busca a capacitação e empoderamento dos moradores, despertando a sensibilidade para a solidariedade e a colaboração, enquanto estratégia de um modelo de desenvolvimento justo e sustentável. Dessa forma, busca a autonomia e emancipação dos sujeitos envolvidos(5).

O desenvolvimento local é uma das estratégias que envolve as comunidades e, a partir daí, se criam processos produtivos integrados, valorizando-se as potencialidades locais (as pessoas e o lugar). Dessa forma, as atividades econômicas contribuem para o desenvolvimento local e cultural do grupo(2).

Tal iniciativa pode correlacionar-se com as idéias de que a comunidade sai da visão ingênua para a consciência crítica, através do processo de comunicação, da dialógica e do compartilhamento de saberes entre os moradores, para que suas práticas sejam conducentes com a visão de mundo e cultura de todos os envolvidos, possibilitando, assim, mudança de comportamento e transformação social(6).

Ao longo do processo de discussões para consolidação desse projeto, inúmeras lições foram aprendidas pelo grupo de moradores, dentre essas destaca-se a primeira lição: "não adianta urbanizar, melhorar as condições de moradia na favela, sem que a isso venha se juntar uma alternativa de geração de renda"(5). Daí a importância de um projeto como esse que vem alavancar a construção da cidadania e contribuir para o desenvolvimento humano, a partir de iniciativas que dão sustentabilidade aos seus moradores em nível local.

O desenvolvimento econômico concentra riqueza para uma minoria e acaba segregando as pessoas; por isso, é preciso promover outros estilos de desenvolvimento, em que se valorize o local, se reconstituam os espaços comunitários e, a partir daí, de modelos de desenvolvimento micros e alternativos poderão se contrapor ao modelo hegemônico macro, o qual se apresenta incapaz de atingir o homem, respeitando os direitos humanos, atingindo o desenvolvimento humano(2).

O chamamento da comunidade e a divulgação das ações desenvolvidas pelo Banco Palmas são realizados através de programas nas rádios do bairro e assembléia de sócios, procurando estimular a mobilização para a constituição de uma rede local de economia solidária. O processo de construção da rede se dá a partir do mapeamento da produção e do consumo do bairro, em consonância com a segunda lição aprendida pelo grupo: "o primeiro passo para enfrentar o problema da geração de renda em um bairro popular não é investir na produção, é, sim, organizar os consumidores"(5).

A terceira lição refere-se à linha de crédito, e o grupo considera que: "em se tratando de acesso a crédito para os mais pobres, os vizinhos se constituem em um verdadeiro e legítimo Serviço de Proteção ao Crédito - SPC social"(5). Por sua vez, o sistema de microcrédito estimula a produção local para satisfazer a demanda de consumo existente, levando em consideração a quarta lição aprendida: "não se pode superar a pobreza sem riscos e sem ousadia"(5).

As ações do Banco Palmas visam a redução da pobreza a partir da geração de trabalho e renda, acreditando no que foi aprendido durante a construção do projeto e das vivências cotidianas no trabalho comunitário. Destaca-se que "somente a convivência cotidiana com as contradições geradas pelas situações de extrema exclusão é capaz de possibilitar conhecimento e sabedoria para se fazer, de forma eficaz, a mais desafiadora de todas as gestões: a gestão da pobreza"(5).

O Banco Palmas expressa ainda seu entendimento acerca do efeito do capitalismo sobre a população de baixa renda através da sexta lição: "o microcrédito quando concedido isoladamente e dentro da lógica da economia capitalista, levando os pequenos produtores a concorrerem entre si para disputar o mercado, normalmente leva o tomador do crédito a uma situação pior do que estava antes"(5).

Pode-se perceber, através dessas lições, que os gestores do Banco Palmas, ou seja, os membros da própria comunidade consideram que os projetos devem garantir a sustentabilidade local e estar voltados para as necessidades da comunidade. Considerando esse entendimento, o grupo propôs uma outra lição: "em um bairro popular, as economias domésticas estão voltadas prioritariamente para a compra de alimentos. Portanto, a produção local deve ser focada nessa área. Os produtos alimentícios circulam com maior facilidade e oxigenam a rede de solidariedade"(5).

Para que o desenvolvimento se concretize, não basta crescer a economia, faz-se necessário, sobretudo, que essa riqueza circule, elevando o poder aquisitivo e a qualidade de vida de todos, fundamentando-se nos princípios dos direitos humanos. Quanto melhor a qualidade de vida das pessoas, maior o processo de desenvolvimento, significando que atingiu a escala humana, satisfazendo suas necessidades(2).

Nesse sentido, todas as atividades propostas para o funcionamento do Banco Palmas estão voltadas para a inclusão social de seus moradores a partir do trabalho. No entanto, o grupo percebeu que muitas pessoas encontravam-se ainda abaixo da linha de pobreza e essa constatação contribuiu para mais um aprendizado, que foi destacado na oitava lição: "qualquer projeto de desenvolvimento local, implantado em bairros pobres, precisa ter presente a preocupação de como envolver as famílias que estão na linha de miséria. Normalmente, essas ficam marginalizadas por não ter as condições mínimas de participação cidadã e, muitas vezes, com nossos projetos reproduzimos mais um ciclo de discriminação"(5).

É importante destacar que todos os grupos produtivos investem seus excedentes na própria rede, objetivando o crescimento dessa, gerando mais postos de trabalho na comunidade. Outro aspecto que serve de motivação para o crescimento coletivo consiste na divulgação de todas as ações do projeto para dar visibilidade ao mesmo em outras localidades, disseminando as conquistas até então alcançadas e evidenciando que projetos dessa natureza possam conduzir à transformação social.

Assim posto, o grupo acredita que é necessária a divulgação de seus trabalhos, o que é expresso através da nona lição: "é preciso divulgar muito tudo de bom que fazemos nas periferias para compensar um pouco a visão negativa dos bairros pobres que está no senso comum. Ninguém conhece aquilo que não é mostrado. E nós somos responsáveis pela imagem de nossos produtos"(5).

Por meio dos projetos concebidos pelos gestores do banco pertencentes à comunidade busca-se, portanto, romper com o ciclo de pobreza existente no Conjunto Palmeira, a partir da inclusão de seus moradores em um projeto que, acima de tudo, trata de questões como cidadania, capacitação e empoderamento de seus moradores, para que esses possam ser sujeitos do processo de transformação social e desenvolvimento humano.

O Conjunto Palmeira, portanto, através da iniciativa de seus moradores, busca enfrentar a pobreza através de estratégia inovadora, o Banco Palmas, que desenvolve as habilidades pessoais de seus moradores, favorecendo o desenvolvimento pessoal e social, de forma a proporcionar informação, educação, capacitação e aperfeiçoar as aptidões individuais.

Considera-se que, embora a justiça social não tenha de fato ainda se estabelecido, a comunidade, mesmo diante das mais variadas adversidades, não se alienou, ao contrário, aglutinou forças para instaurar um processo de transformação social ainda em andamento, cujo desejo e anseio pelo desenvolvimento pessoal e social parecem constituir os alicerces das motivações daquela comunidade.

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA POBREZA E SUA RELAÇÃO COM A PROMOÇÃO DA SAÚDE

Quanto maior for a desigualdade social de um país, maior será a repercussão na qualidade de vida e, conseqüentemente, de saúde, da sociedade de forma geral e do indivíduo e sua família em particular. O empobrecimento populacional brasileiro exerce influências significativas na qualidade de saúde dos indivíduos, uma vez que a saúde individual não se limita às suas dimensões biológica e psicológica, ao contrário, está diretamente relacionada com as condições de vida dos seres humanos e sofre influência das políticas sociais e econômicas adotadas pelos países(7).

A Promoção da Saúde é definida como "o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde incluindo uma maior participação no contexto deste processo"(8), devendo as pessoas se envolver individual ou coletivamente, como parceiros iguais, para que se possa chegar à saúde integral(9).

Entre os pré-requisitos de qualidade de vida, estabelecidos na I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em Ottawa (Canadá) e referendada nas subseqüentes, encontram-se: paz, habitação que atenda à necessidade básica de abrigo, acesso a um sistema educacional eficiente, que favoreça a formação de cidadãos, disponibilidade de alimentos em quantidade suficiente para o atendimento das necessidades biológicas, promoção do crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes, reposição da força de trabalho, renda suficiente para o atendimento das necessidades básicas e dos pré-requisitos anteriores. Esses pré-requisitos precisam ser garantidos por políticas educacionais, agrícolas, ambientais, de transporte urbano voltados para o objetivo amplo de saúde, qualidade de vida e desenvolvimento humano orientados por valores democráticos de justiça e equidade(10).

Quando todas as pessoas têm assegurado uma vida digna, que garanta a saúde de suas famílias, incluindo bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, segurança, repouso e lazer, o desenvolvimento está atingindo a escala humana. E se essa realidade é experimentada em um determinado lugar, ele pode estar de fato acontecendo(2).

Entende-se, aqui, que as lutas e conquistas da comunidade do Conjunto Palmeira são conducentes com os campos de ação da promoção da saúde, entre os quais merece destaque o reforço da ação comunitária, que começa com a participação efetiva e concreta da comunidade na eleição de prioridades, na tomada de decisões e na elaboração e desenvolvimento de estratégias para alcançar melhor nível de saúde. A força motriz desse processo provém do real poder da comunidade, da posse e controle que tenham sobre seus próprios esforços e destinos(8).

As iniciativas descritas em todo o contexto histórico, que culminou com a criação do Banco Palmas e com o desenvolvimento do Conjunto Palmeira, apontam para preceitos que mantêm sua interface com a promoção da saúde tal como concebida em Ottawa, que reconhece os indivíduos como a principal fonte de saúde, sendo necessário apoiá-los e capacitá-los em todos os níveis para que eles, suas famílias e amigos mantenham um bom estado de saúde. Nessa acepção, a comunidade é o porta-voz fundamental em matéria de saúde, condições de vida e bem estar geral(8).

Importante salientar que, a partir dessa premissa, a saúde é concebida com base em entendimento ampliado, não exclusivamente relacionada ao campo de atenção à saúde, mas envolvendo qualidade de vida, no que diz respeito a condições socioeconômicas como moradia, saneamento básico e acesso ao mundo do trabalho.

Favorecer o empoderamento das pessoas, portanto, para que tracem planos para suas próprias vidas é pensar a saúde como um conceito positivo, que extrapola um estilo de vida saudável para ir em busca de um bem-estar global, livre de doenças psíquicas, biológicas e sociais, já que as possibilidades de superação das adversidades passam a se mostrar disponíveis para aquelas pessoas que se vêem sujeitos reflexivos e ativos na sociedade e, portanto, capazes de mudar a realidade em que se encontram.

Entende-se que toda mudança e habilitação do homem passam por educação, sendo essa a base de todo desenvolvimento econômico que tenha como princípio o humano. Portanto, as estratégias de desenvolvimento devem antes se constituir em preparar o homem, através da educação, para ser protagonista do seu processo de desenvolvimento(2).

Cabe ressaltar, assim, outro campo de ação da promoção da saúde - o desenvolvimento de habilidades, que está diretamente relacionado a ajudar o indivíduo no crescente controle sobre sua vida. Orienta-se que o desenvolvimento pessoal e social pode ser conquistado por meio de informação, educação para a saúde e intensificação das habilidades vitais, o que possibilita que a população possa exercer maior controle sobre sua própria saúde. Essa tarefa deve ser realizada nas escolas, nos lares, nos locais de trabalho e em outros espaços comunitários. As ações devem se dar através de organizações educacionais, profissionais, comerciais e voluntárias, bem como pelas instituições governamentais(8).

No Conjunto Palmeira, como exemplos de favorecimento ao desenvolvimento pessoal e social, há os resultados obtidos através de estratégias como a criação de programas complementares para darem suporte à rede, dando origem às escolas de capacitação, incubadora para mulheres em situação de risco, laboratório de agricultura urbana, clubes de trocas com moeda social dentre outros. Vale destacar o Programa Escola Comunitária e Socioeconomia Solidária, o Palmatech, cuja missão se fundamenta na satisfação das necessidades humanas a partir de nova ética econômica, sedimentada na prática sociosolidária e em que os participantes são capacitados através de cursos e oficinas na área de gestão de empresas solidárias, como é o caso do curso de consultores comunitários para empreendimentos solidários, elaboração de pequenos projetos entre outros(4).

Através desse e de outros projetos, na medida em que se apropriam do conhecimento, os membros da comunidade estão se empoderando, um empowerment individual e comunitário, já que as melhorias conquistadas se revertem para esses dois campos, reforçando-se, assim, a afirmativa de que poder e conhecimento são sinônimos. Assim, as estratégias de enfrentamento à pobreza, o resgate, ou quem sabe até a experiência inicial com o exercício da cidadania, se refletem como ações de promoção da saúde de seus moradores.

Ainda são propostas outras estratégias, denominadas, pelos mentores do Banco Palmas, produtos, utilizadas para favorecer o desenvolvimento da comunidade, dentre esses podemos citar: o cartão de crédito, feiras, lojas, incentivo aos consumidores do bairro para comprarem de produtores locais, bem como um sistema de compras coletivas, organizado entre moradores de vários bairros, priorizando a aquisição de produtos locais.

Importante ressaltar que, embora se trate de um banco, a visão econômica vigente em instituições dessa natureza, qual seja - o lucro, fora subjugada, dando lugar a princípios e valores aos quais denominam economia solidária, que busca o desenvolvimento local a partir da melhoria da qualidade de vida daqueles que fazem parte da comunidade, sendo que essa mesma comunidade é o sujeito que reflete sobre sua realidade e sobre as possibilidades de superação das adversidades, estabelecendo o nexo crítica-ação.

Estar diante da realidade que se apresenta nas ações implementadas pelo Banco Palmas é estar situado em posição de convergência com o otimismo de Frei Betto ao afirmar a possibilidade que aponta para o resgate quântico do sujeito histórico, a partir de uma visão holística, com ideais, sem utopias e não submissos às leis de mercado(11).

A situação que se apresenta no Conjunto Palmeira, de modo particular relativa ao Banco Palmas, evidencia a superação à qual Frei Betto se refere, mesmo que numa microdimensão quando comparada com o contexto global, de fazer do capital um mecanismo a serviço da felicidade humana e não um instrumento de dominação dos menos abastados, já que é isso que se vê nos projetos e ações do banco, que busca empoderar os sujeitos para a conquista de um espaço social digno(11).

Concorda-se, aqui, que o desenvolvimento humano só se efetivará plenamente quando as políticas públicas reorientarem suas prioridades para o social, beneficiando realmente o homem, viabilizando que se respeitem os direitos da pessoa humana(2). Portanto, não se pode deixar de ressaltar que há ausência no que diz respeito ao campo da promoção da saúde que concerne à criação de políticas públicas saudáveis, tendo em vista a necessidade que se percebe de que as ações realizadas no Conjunto Palmeira se concretizem, constituindo políticas públicas que consigam viabilizar esses benefícios concretos para todas as pessoas, sobretudo, as mais pobres.

CONCLUSÃO

A comunidade foco desta investigação protagoniza desenvolvimento local inovador de inclusão social coletiva, onde seus habitantes vencem a pobreza por meio de escolhas e oportunidades socializadas, que refletem na valorização de seus recursos, talentos e na auto-estima da comunidade.

O Banco Palmas constitui o símbolo de oportunidades possíveis para aquisições de bens materiais e sociais no qual essa comunidade conseguiu se reerguer em direção ao desenvolvimento humano.

As estratégias utilizadas pela comunidade do Conjunto Palmeira demonstra que as ações de promoção da saúde em situação de pobreza devem considerar os meios como cada pessoa enfrenta suas necessidades e como, juntas, podem exercitar sua cidadania e serem capazes de produzir transformações em suas realidades. Pensa-se que experiências como essa primam pelo desenvolvimento endógeno da comunidade, pela corresponsabilização com suas condições de vida e saúde e por sua relação com o ambiente (físico, social).

Assim posto, o desenvolvimento humano não compreende apenas ter o acesso aos meios necessários de um padrão de vida adequado, mas, acima de tudo, as pessoas precisam de liberdade política, econômica e social, oportunidade de ser criativo e produtivo.

Conclui-se que essa comunidade vem, a cada dia, conquistando espaço e empoderando-se, visando romper o ciclo da pobreza e melhorando a renda com projetos de desenvolvimento social local para promover o desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 23.4.2007

Aprovado em: 28.8.2007

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  • Estratégias de enfrentamento da pobreza e sua interface com a promoção da saúde

    Simone Helena dos Santos OliveiraI; Maria Adelane Alves MonteiroII; Maria do Socorro Vieira LopesIII; Daniele Mary Silva de BritoIV; Neiva Francenely Cunha VieiraV; Maria Grasiela Teixeira BarrosoVI; Lorena Barbosa XimenesVII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2007
    • Recebido
      21 Abr 2007
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