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Arranjos tecnoassistenciais no enfrentamento da pandemia da COVID-19 na perspectiva de gestores * Apoio financeiro Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), Brasil.

Resumo

Objetivo:

descrever os arranjos tecnoassistenciais desenvolvidos no âmbito da gestão do trabalho na rede de atenção à pandemia de COVID-19, na perspectiva de gestores.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo caso único incorporado, com 23 gestores de uma Rede de Atenção à Saúde. Análise aplicada em dois ciclos de codificação temática, com o auxílio do software ATLAS.ti.

Resultados:

os arranjos foram analisados em categorias vinculadas à: atenção à saúde; gestão; incorporação de tecnologias; implantação de hospital de campanha; e análise retrospectiva das experiências como um todo. Houve destaque para a implantação de fluxo de atendimentos, boletins de saúde virtuais, telemonitoramento, chatbots, uso de aplicativos, implantação de hospitais de campanha e da urgência básica no âmbito de Unidades Básicas de Saúde. Identificou-se a hiperjudicialização no sistema; fragilidades na gestão das informações, intersetorialidade e condução técnico-política em âmbito nacional; o protagonismo dos enfermeiros em cargos de gestão e para o enfrentamento da pandemia.

Conclusão:

apesar do despreparo dos serviços de saúde para o enfrentamento da pandemia, a resiliência dos atores promoveu dinamicidade e arranjos tecnoassistenciais no âmbito da gestão e do cuidado humanizado. O estudo tem potencial contribuição para qualificação das práticas de gestão e desenvolvimento de políticas públicas.

Descritores:
Pandemias; COVID-19; Saúde Pública; Gestão em Saúde; Serviços de Saúde; Gestor de Saúde

Abstract

Objective:

to describe the technical-assistance arrangements developed within the scope of work management in the COVID-19 pandemic care network, from the managers’ perspective.

Method:

a qualitative research study, of the incorporated single case type, conducted with 23 managers of a Health Care Network. The analysis was applied in two thematic coding cycles, with the aid of the ATLAS.ti software.

Results:

the arrangements were analyzed in categories related to health care; management; incorporation of technologies; implementation of a field hospital; and retrospective analysis of the experiences as a whole. There was emphasis on the implementation of care flows, virtual health bulletins, Telemonitoring, chatbots, use of applications, and implementation of field hospitals and of basic urgency services within the scope of the Basic Health Units. Hyperjudicialization in the system was identified; as well as weaknesses in information management, intersectoriality and technical-political leadership at the national level; the role of nurses in management positions and for coping with the pandemic.

Conclusion:

despite the health services’ unpreparedness to face the pandemic, the actors’ resilience promoted dynamism and technical-assistance arrangements in the context of management and humanized care. The study has a potential to contribute to the qualification of the public policy management and development practices.

Descriptors:
Pandemics; COVID-19; Public Health; Health Management; Health Services; Health Manager

Resumen

Objetivo:

describir los preparativos tecnoasistenciales que se desarrollaron en el ámbito de la gestión del trabajo en la red de atención de la pandemia de COVID-19, desde la perspectiva de los gestores.

Método:

investigación cualitativa, del tipo caso único incorporado, con 23 gestores de una Red de Atención de Salud. Análisis aplicado en dos ciclos de codificación temática, con ayuda del software ATLAS.ti.

Resultados:

los preparativos fueron analizados en categorías relacionadas con: la atención de la salud; la administración; la incorporación de tecnologías; la implementación de un hospital de campaña; y el análisis retrospectivo de las experiencias en general. Se destacaron la implementación del flujo de atención, los boletines virtuales de salud, el telemonitoreo, los chatbots, el uso de aplicaciones, la implementación de hospitales de campaña y emergencias básicas en el ámbito de las Unidades Básicas de Salud. Se identificaron la hiperjudicialización en el sistema; las debilidades en la gestión de la información, la intersectorialidad y conducción técnico-política a nivel nacional; el protagonismo de los enfermeros en cargos de gestión y para hacer frente a la pandemia.

Conclusión:

a pesar de la falta de preparación de los servicios de salud para enfrentar la pandemia, la resiliencia de los actores promovió el dinamismo y los preparativos tecnoasistenciales en el ámbito de la gestión y de la atención humanizada. El estudio tiene una contribución potencial para la calificación de las prácticas de gestión y el desarrollo de políticas públicas.

Descriptores:
Pandemias; COVID-19; Salud Pública; Gestión en Salud; Servicios de Salud; Gestor de Salud

Destaques:

(1) Formas de organização da Rede de Atenção à Saúde diante emergências de saúde pública.

(2) Desenvolvimento de políticas públicas na área.

(3) Contribuição da enfermagem na gestão dos serviços públicos.

(4) Qualificação e fortalecimento das práticas de gestão pública em cenário de crise.

(5) Reflexões sobre a condução técnico-política no Brasil e impacto na pandemia.

Introdução

A pandemia por COVID-19 vem marcando a vida social desde 2020, configurando-se um dos maiores desafios para saúde pública deste século. O insuficiente conhecimento científico acerca do novo vírus, a alta disseminação e letalidade produzem medo e insegurança quanto às decisões e estratégias para o enfrentamento da epidemia. No Brasil, a situação agrava-se em decorrência da desigualdade social, demográfica, distribuição e acesso aos serviços de saúde, especialmente àqueles de maior complexidade, além da elevada concentração de população vulnerável e alta prevalência de doenças crônicas11. Barreto ML, Barros AJD, Carvalho MS, Codeço CT, Hallal PRC, Medronho RA, et al. What is urgent and necessary to inform policies to deal with the COVID-19 pandemic in Brazil?. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:1-4. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720200032
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Em decorrência da pandemia, drásticas mudanças na vida social vêm se produzindo a partir de 2020, e um dos grandes problemas do presente e do futuro - viver subordina-se a enfrentar a pandemia e o devir social remete ao “devir pandêmico”22. Guimarães R. O futuro do SUS e a emergência sanitária. ABRASCO [Internet]. 2021 Abr [cited 2021 Jun 15]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/opiniao/futuro-sus-emergencia-sanitaria-reinaldo-guimaraes/58689
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. Como consequência, o futuro do Sistema Único de Saúde (SUS) emerge não apenas por seu papel no combate à pandemia, mas como elemento agregador de aproximação de diferentes atores em torno da reivindicação sobre seu fortalecimento22. Guimarães R. O futuro do SUS e a emergência sanitária. ABRASCO [Internet]. 2021 Abr [cited 2021 Jun 15]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/opiniao/futuro-sus-emergencia-sanitaria-reinaldo-guimaraes/58689
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. No entanto, há que se evitar a armadilha de perspectivas emergenciais e soluções efêmeras.

Isso tem desafiado os profissionais de saúde, comunidade científica, gestores da saúde e governantes que buscam executar o planejamento da assistência assertivo e célere, visando mitigar o contágio, evitar o esgotamento dos sistemas de saúde, além de manter acesso seguro, oportuno e com qualidade aos serviços de saúde33. Tahan HM. Essential Case Management Practices Amidst the Novel Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Crisis Part 2: End-of-Life Care, Workers' Compensation Case Management, Legal and Ethical Obligations, Remote Practice and Resilience. Professional Case Manag. 2020;25(5):267-84. doi: http://doi.org/10.1097/NCM.0000000000000455
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A pandemia expôs fragilidades crônicas do SUS vivenciadas por gestores e trabalhadores. No Amazonas, lacunas foram agravadas pelas particularidades demográficas e territoriais, com uma capital que concentra cerca de 53% da população do Estado e os serviços de alta complexidade44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR). Cidades e Estados [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [cited 2021 Sep 4]. Available from: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/am/manaus.html
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Desde primeiro caso, em 19 de março de 2020, Manaus enfrentou dois picos da doença, tornando-se o epicentro do país, em abril de 2020 e janeiro de 2021. Neste último, houve aumento abrupto de casos e óbitos que ocasionou o colapso dos serviços de saúde públicos e privados, além da crise de oxigênio55. Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (BR). Perfil clínico e demográfico dos casos de COVID-19 no estado do Amazonas: uma análise comparativa entre 2020 e 2021 [Internet]. Amazonas: FVS; 2021 [cited 2021 Sep 05];(17):1-8. Available from: https://s3.amazonaws.com/img.portalmarcossantos.com.br/wp-content/uploads/2021/02/06063951/Perfil_cli%CC%81nico_e_demogra%CC%81fico_dos_casos_de_Covid_19_no_estado_do.pdf
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. Em 24 de setembro de 2020, Manaus alcançou cerca de 204.266 casos confirmados e 9.464 óbitos por COVID-1966. Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (BR). Boletim diário COVID-19 no Amazonas 04/10/2021 [Internet]. Amazonas: FVS; 2021 [cited 2021 Oct 4]. Available from: https://www.fvs.am.gov.br/media/publicacao/04_10_21_BOLETIM_DIÁRIO_DE_CASOS_COVID-19.pdf
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O impacto da pandemia na qualidade de vida de indivíduos e comunidades revelou mundialmente a importância do desenvolvimento de políticas e orientações operacionais específicas para o contexto de crise, a necessidade de profissionais preparados para promoção de manejo clínico holístico da doença77. Nxumalo CT, Mchunu GG. A qualitative study to explore primary health care practitioners' perceptions and understanding regarding the COVID-19 pandemic in KwaZulu-Natal, South Africa. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2021 Nov 26;13(1):1-11. doi: http://dx.doi.org/10.4102/phcfm.v13i1.3084
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. Exige a aplicação de medidas normativas e legais para contenção da COVID-19, visando resposta oportuna às necessidades do território, na perspectiva de serviços integrados, acessíveis e resolutivos. Dos sistemas de saúde são exigidos ajustes em tempo real, protagonizados pelos serviços (nível estratégico/tático/operacional), originando novos arranjos tecnoassistenciais88. Guo YR, Cao QD, Hong ZS, Tan YY, Chen SD, Jin HJ, et al. The origin, transmission and clinical therapies on coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak- A update on the status. Mil Med Res. 2020;7(1):1-10. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s40779-020-00240-0
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Esses arranjos expressam a lógica do modelo tecnoassistencial adotado pelo território, ou seja, o modo como as ações de atenção à saúde são organizadas, envolvendo os aspectos científicos e assistenciais, articulação entre recursos físicos, tecnológicos e humanos disponíveis para enfrentar os problemas de saúde de uma coletividade99. Silva AG Junior, Alves CA. Modelo de atenção à saúde: desafios e perspectivas. In: Morosini MV, Corbo N D'Andrea, organizadores. Modelos de atenção e a saúde da família. [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007 [cited 2021 Sep 9]. p. 27-41. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26576/2/Livro%20EPSJV%20007745.pdf
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O emprego do conceito arranjo tecnoassistencial neste estudo recai pela sua propriedade de articular sentidos de base teórica e empírica: um comprometimento com a valorização das experiências construídas e captadas por sujeitos concretos (gestores) e com o que as mesmas revelam em movimentos de rápida transformação ou resposta. Arranjos podem representar tais respostas em seus desdobramentos de tecnologias e inovações para organizar e operar práticas de saúde, enfim, o que se arranja são saberes e formas de agir sobre situações de saúde que, no caso da pandemia, rompem lógicas, rotinas e desafiam as capacidades operantes nos serviços de saúde. Por isso mesmo esse conceito pode ser aplicado a diferentes contextos, ajudando a captar particularidades de construções e sujeitos locais.

Especificamente sobre o cenário estudado, a justificativa do estudo alia a importância da divulgação das experiências de gestores com posições privilegiadas e a particularidade da realidade exemplar do ponto de vista nacional e internacional, pela gravidade da crise vivida. Além disso, o estado da arte sobre este objeto - de uma pandemia ainda em curso - expressa uma grande e recente produção científica derivada, mas ainda sem expressiva publicação sobre as mudanças desenvolvidas com foco na gestão dos serviços locais, que ainda necessitam ser relatadas.

Refletir sobre o funcionamento dos serviços de saúde, configura-se uma oportunidade valiosa para apropriações mais críticas das transformações mobilizadas pelas situações vivenciadas, como os possíveis desdobramentos para a gestão em emergências sanitárias e o fortalecimento de sistemas públicos e da atuação profissional, no caso da enfermagem. A partir deste potencial, o estudo orientou-se pela questão norteadora: Que arranjos tecnoassistenciais foram construídos na gestão dos serviços de saúde no enfrentamento da pandemia de COVID-19 em Manaus? O estudo se propôs a descrever os arranjos tecnoassistenciais desenvolvidos no âmbito da gestão do trabalho na rede de atenção à pandemia de COVID-19, na perspectiva de gestores.

Método

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, delineada como estudo de caso único incorporado1010. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5. ed. Porto Alegre: Bookman; 2014. 320 p.. A adequação do desenho de pesquisa se deu pela sua delimitação a um fenômeno complexo (enfrentamento da pandemia), em um contexto específico (município), mas que exigiu a incorporação de diferentes unidades de análise (diferentes tipos de serviços e níveis de gestão) e fontes de evidências (entrevistas com diferentes informantes e documentos).

Os procedimentos foram relatados de acordo com as orientações do guia COREQ (Consolidated criteria for reporting qualitative research).

Cenário da pesquisa

Desenvolvida em Manaus, capital do Amazonas, com 2.219.580 habitantes, representando 52,75% da população do estado, 13,01% da Região Norte e 1,04% do Brasil, sendo a sétima capital mais populosa44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR). Cidades e Estados [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [cited 2021 Sep 4]. Available from: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/am/manaus.html
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A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES) é responsável pela formulação e desenvolvimento das políticas, voltadas à organização do SUS no Amazonas, executando em Manaus a média e alta complexidade, com 58 Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS)1111. Secretaria de Estado do Amazonas (BR). Plano de contingência estadual para infecção humana pelo novo Coronavírus 2019-nCov [Internet]. Amazonas: SES; 2020 [cited 2021 Sep 9]. Available from: https://www.fvs.am.gov.br/media/publicacao/PLANO_CONTINGENCIA_COVID-19_versao_21_04_21_PRELIMINAR_ttw.pdf
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. A gestão da Atenção Primária à Saúde (APS), sob coordenação da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (SEMSA), gerencia 305 EAS, representando 67,28% de cobertura de atenção básica44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR). Cidades e Estados [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [cited 2021 Sep 4]. Available from: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/am/manaus.html
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,1212. Prefeitura de Manaus (BR). Plano de contingência municipal para infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-2021) [Internet]. Manaus: SEMSA; 2020 [cited 2021 Sep 9]. Available from: https://semsa.manaus.am.gov.br/wp-content/uploads/2021/05/PLANO-DE-CONTINGENCIA-COVID-19-2021.pdf
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Para o enfrentamento da COVID-19, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) foi reorganizada, tendo como portas de entrada prioritárias: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Serviços de Pronto Atendimento (SPA), Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Prontos Socorros (PS)1111. Secretaria de Estado do Amazonas (BR). Plano de contingência estadual para infecção humana pelo novo Coronavírus 2019-nCov [Internet]. Amazonas: SES; 2020 [cited 2021 Sep 9]. Available from: https://www.fvs.am.gov.br/media/publicacao/PLANO_CONTINGENCIA_COVID-19_versao_21_04_21_PRELIMINAR_ttw.pdf
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-1212. Prefeitura de Manaus (BR). Plano de contingência municipal para infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-2021) [Internet]. Manaus: SEMSA; 2020 [cited 2021 Sep 9]. Available from: https://semsa.manaus.am.gov.br/wp-content/uploads/2021/05/PLANO-DE-CONTINGENCIA-COVID-19-2021.pdf
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. A internação clínica ou em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ocorre por regulação médica, via Sistema de Transferência de Emergência Reguladas (SISTER) e transporte pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)1212. Prefeitura de Manaus (BR). Plano de contingência municipal para infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-2021) [Internet]. Manaus: SEMSA; 2020 [cited 2021 Sep 9]. Available from: https://semsa.manaus.am.gov.br/wp-content/uploads/2021/05/PLANO-DE-CONTINGENCIA-COVID-19-2021.pdf
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Procedimentos e instrumentos de coleta de dados

O estudo foi realizado em duas etapas: análise documental e entrevistas. A pesquisa documental foi realizada entre abril a junho de 2021, abrangendo documentos de livre acesso disponíveis nos sites institucionais, de alcance nacional, estadual ou municipal, organizados em Google Drive específico, totalizando 265 documentos (Figura 1). Foram sistematizados em normativos, protocolares e dados de sistemas de informação, por meio de planilha Excel elaborada pelos autores, contendo indicação de autoria, data, finalidade/assunto, agregados ao processo analítico para cotejamento e aprofundamento das intepretações produzidas.

Figura 1
Descrição do acervo documental da pesquisa

As entrevistas ocorreram no período de 22 junho a 10 de novembro de 2020, realizadas pela autora principal (mestre) e pelo segundo (mestre) e quarto (doutor) autor, enfermeiros, com experiência prévia em coleta e análise de dados qualitativos, não possuindo vínculo interpessoal com os participantes. Utilizou-se roteiro semiestruturado desenvolvido e aplicado em simulação por equipe de seis pesquisadores, além de avaliado após a realização das três primeiras entrevistas, não sendo observada a necessidade de ajustes nas questões. Contempla onze quesitos voltados à caracterização do participante e oito questões norteadoras voltadas ao processo de trabalho e os ajustes ocorridos durante a pandemia, tais como: Qual a sua avaliação sobre o processo de enfrentamento da pandemia de COVID-19 e o modo como seu trabalho interage com os demais? Que instrumentos de trabalho estão se mostrando necessários na gestão dos serviços? Como estão sendo acessados e incorporados? O que você percebe que está sendo produzido (mudou/funcionou/faltou) em termos de “arranjos” ou formas de organizar e trabalhar, individualmente ou em equipes?

Participaram do estudo 23 gestores com carga horária de 40 h/semana, vinculados a serviços públicos municipal e estadual, que atuaram no enfrentamento da COVID-19. Foram selecionados por conveniência, atendendo aos critérios de atuação no cargo por no mínimo 1 mês, período entendido como possível para vivenciar o serviço, considerando a instabilidade na gestão e diversas mudanças de gestores ocorridas no período, e representatividade dos níveis estratégico (primeiro e segundo escalão) e operacional (UBS, UPA/SPA, PS e Hospitais).

Realizou-se contato prévio para apresentação do estudo e agendamento da entrevista, sendo desenvolvidas em local sugerido pelos participantes ou por encontro virtual via ferramenta Google Meet, gravadas em áudio digital ou vídeo, com duração média de 40 minutos. Após cada entrevista foram registrados os pontos relevantes e as percepções dos pesquisadores. Não houve qualquer recusa ou necessidade de repetições.

Tratamento e análise dos dados

As entrevistas foram transcritas com o auxílio da ferramenta Google Docs, respeitando a autenticidades e a literalidade. Os textos transcritos foram disponibilizados para conhecimento e revisão pelos entrevistados, mas não houve demanda para revisão. A saturação qualitativa dos dados foi confirmada pela recorrência dos conteúdos e alcance de magnitude dos códigos, permitindo intepretações consistentes.

Na análise, foram aplicados dois ciclos de Codificação Temática, proposta por Johnny Saldaña com o auxilio do software ATLAS.ti - The Qualitative Data Analysis Software, versão 8.0: 1-Método de Codificação Estrutural para categorização inicial do corpus dos dados, visando examinar as semelhanças, diferenças e relacionamentos dos segmentos comparáveis; 2- Método de Codificação Teórica, agregando o corpus por associações teóricas1313. Saldaña J. The Coding Manual for Qualitative Researchers. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal. 2nd ed. Los Angeles: New Delhi, Singapore; 2013. 303 p., ancorado no conceito de arranjos tecnoassistenciais.

Para ampliar a confiabilidade, a codificação foi feita por um pesquisador, revisada por um segundo e submetida a consenso por 3 pesquisadores colaboradores, em reuniões especificas para tal finalidade.

A triangulação entre dados das entrevistas e dos documentos se deu na medida em que, no processo de categorização, se identificavam quaisquer referências a normas ou formulações políticas orientadoras que impactaram os processos de enfrentamento da pandemia, de modo a melhor compreender as bases usadas pelos atores do processo de gestão.

Aspectos éticos

O estudo atendeu normas do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução n. 466/12), obteve a anuência das autarquias de Saúde de Manaus e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade do Estado do Amazonas- CEP/UEA (CAAE: 31844720.6.0000.5016) e dos participantes. Para preservar o anonimato, os depoimentos foram identificados por siglas e números, conforme Figura 2.

Figura 2
Descrição dos códigos utilizados para identificação dos gestores, considerando nível e local de atuação

Resultados

Em relação ao perfil dos participantes (Figura 3), predominaram mulheres (57%), sendo 61% concentrados na faixa etária de 40 a 49 anos, 65% com especialização, 39% enfermeiros e 65% com vínculos públicos estatutários. Destes, 39% apresentaram 16 a 20 anos de formação, 26% estavam na instituição pelo período de 1 a 3 anos e 57% atuaram na pandemia por período acima de 6 meses.

Figura 3
Caracterização dos participantes da pesquisa

O resultado está dividido em 05 categorias de análise, com a magnitude de 238 citações, oriundas do processo analítico, apresentando as formas de organização do trabalho, tecnologias e inovações incorporadas na atenção e gestão desenvolvidas para o enfrentamento da pandemia, conforme demonstra a Figura 4.

Figura 4
Categorias de análise e magnitude

Arranjos tecnoassistenciais: atenção à saúde

Esta categoria aborda os arranjos concebidos ou reestruturados por indução da gestão e trabalhadores de saúde, voltados diretamente ao cuidado à pessoa com suspeita ou confirmação de COVID-19, no âmbito de ponto de atenção ou da RAS. Revela as experiências exitosas e reflexões sobre fragilidades e desafios enfrentados em termos de: fluxos de acolhimento/atendimento (para casos suspeitos e demanda habitual); estratégias de comunicação com a família; monitoramento dos casos confirmados não hospitalizados; vacinação de idosos contra Influenza (drive-thru e casa-a-casa); atribuições da equipe para agilidade de resposta; rotinas de prevenção do contágio/disseminação dentro do serviço; e atenção diferenciada a grupos vulneráveis.

[...] para estabelecer fluxo próprio para os pacientes, que no início fi3caram acumulados na emergência esperando a transferência [...] tivemos que fechar setores e transformá-los exclusivos para COVID-19 [...] mudar o fluxo de atendimento da emergência e das enfermarias (H5G23.2).

[...] uma estratégia fundamental foi a vacinação dos idosos, casa-a-casa. Foi muito dura, difícil, mas conseguimos mantê-los em casa (GM6G19. 59).

Quando atendia algum caso suspeito, a ambulância passava por um processo de desinfecção por 40 minutos. Essa foi uma das nossas grandes angústias, fez com que o nosso tempo resposta fosse absolutamente grande, por falta de material e logística. Não tinha tanta ambulância por falta de pessoal e as ambulâncias ficavam retidas até fazer desinfecção. A paramentação da equipe demorava de 20 a 30 minutos, isso fez com que nós deixássemos de atender muitos pacientes [...](GM3G4.5).

[...] para aquelas populações ditas vulneráveis, que vivem à margem, como indígenas, imigrantes e população em s ituações de rua, foram definidos espaços adequados que pudessem acolher de forma ordenada, com oferta de atendimento em saúde, isolamento e cuidados adequados para evitar o agravamento [...] tudo isso em parceria com outras instituições (GM4G15.74).

Arranjos tecnoassistenciais: gestão

Refere-se às ferramentas de gestão e processos gerenciais desenvolvidos no âmbito dos pontos de atenção ou nível estratégico das Secretarias de Saúde, evidenciando a forma de organizar e dar diretrizes para a organização do serviço, visando um cuidado acessível, resolutivo e oportuno. Ganharam destaque os arranjos orientados para quatro importantes aspectos: coordenação do cuidado e funcionamento dos serviços por meio de diretivas (protocolos, normas técnicas, Procedimentos Operacionais Padrão- POP’s e ferramentas da gestão da qualidade); cooperação interinstitucional; qualidade e agilidade da informação/comunicação; e gestão de pessoas em cenário crítico. Como elemento transversal, observa-se o maior desafio da gestão, a necessidade constante de replanejamento e tomada de decisão, envolvendo múltiplos atores em um cenário de incertezas e insuficiências.

Nós trabalhamos em conjunto com a Universidade X, realizamos protocolos assistenciais com base nas publicações internacionais [...] foram surgindo as notas técnicas mais esclarecedoras e detalhadas, com uma linguagem direta para institucionalização nas unidades[...] (GE1G2).

[...] a Secretaria não trabalhou de forma isolada. Outro dispositivo muito importante foi o “GGIN”, um grupo de gestão [...] no sentido de captar esforços, ajuda e ação solidária de instituições dentro e fora do município (GM4G15.14).

Trabalhamos a parte de planejamento estratégico, primeiro o levantamento de insumos do hospital, existentes e necessários [...] fluxômetros, umidificadores, pontos de oxigênio, equipamento de proteção individual [...], e uma análise de fluxo desse paciente. Na época, estávamos com o projeto LEAN nas emergências, que ajudou a trabalhar as ferramentas de gestão, como o 5W2H [...](H5G23.3).

Controlo diariamente quantos atendimentos tivemos no SAMU, atendimentos de síndromes gripais em UBS, casos confirmados, óbitos e sepultamentos. [...] nós temos relatórios disponíveis diariamente (GM6G19.50).

Especificamente sobre o planejamento e tomada de decisão, ressalta-se a clara impressão da insuficiência, ao lançarem mão de tudo o que estava disponível. Quando nada parece bastar, há um desafio à racionalidade operante e o apelo à criação e inovação.

[...] atuação de forma integrada, reuniões periódicas, envolvendo os setores para tomada de decisão, e na atenção propriamente dita [...] a comunicação com os próprios diretores das unidades, utilizando outras ferramentas, [...] lançar mão de tudo que já existia, mas depois extrapolando e inovando (GM4G15.75).

Não é que a gente estava preparado para esse cenário, porque ninguém estava, mas nós tínhamos um processo de trabalho bem organizado, baseado nos protocolos, nos POP’s, isso facilitou muito a condução [...] nós temos uma capacidade instalada e isso trouxe uma sobrecarga ainda maior. Nós chegamos no limite e tivemos que começar a não improvisar, mas ter criatividade para resolver problemas, que até então não tínhamos, ou não se tinha pensado, ou não tinha ocorrido na rotina (GE3G21.19).

Arranjos tecnoassistenciais: incorporação de tecnologias

Em relação às tecnologias incorporadas, visando o controle, qualificação e capilaridade das ações, observou-se o desenvolvimento tanto pela equipe, no âmbito dos serviços, quanto pelos gestores, em nível estratégico, por meio de parcerias locais e nacionais, a fim de responder às necessidades do território na pandemia.

Os novos instrumentos e práticas, pensados como tecnologias que mudam a forma habitual de fazer, se mostraram em iniciativas muito simples (como a divulgação do “código ouro” para marcar os casos de cura/alta), até em incorporações complexas de novos processos de trabalho, há muito tempo travados, como no caso do atendimento de urgências básicas em UBS. Em síntese, os relatos referem à implantação das seguintes mudanças: visita ampliada; código de ouro; ambulatório do colaborador (incluindo atendimento virtual psicológico); integração com a pesquisa científica; teleconsulta especializada; urgência básica em UBS; capacitação e educação permanente em saúde por meio remoto; horário ampliado de funcionamento de UBS (33 Unidades funcionando de segunda à sexta-feira de 7h00 às 19h00); telemonitoramento; novos canais de comunicação para o usuário e familiares (chat, telefone, e-mail, boletim virtual, vídeo chamadas); uso de novos equipamentos de suporte ventilatório (máscara de ventilação não-invasiva- VNI e Snorkel), tecnologias digitais e aplicativos (como o Sistema de Vigilância Laboratorial para expedição mais ágil e segura de laudos); quarentena virtual por aplicativos para vigilância em aeroportos e georreferenciamento dos casos.

[...] a política de humanização atuou de forma fantástica no sentido de visita ampliada, implantação da visita por vídeo, os boletins diários virtuais... Isso tudo foi um grande legado, podemos trabalhar com isso dentro das UTI, independente da COVID-19 (GE1G2.86).

Era tanto código verde (óbito), porque eram 100 leitos de UTI! [...] Um médico me mandou uma mensagem: Doutora, pelo amor de Deus, eu não aguento mais ouvir código verde. Não podemos ter o código da alta? [...] Inventamos o código de ouro, código da vitória. Toda alta até hoje, seja da UTI para enfermaria, ou da enfermaria para casa, é anunciado código de ouro pela fonia (H1G9.46).

Ter pessoas que se propõem, em um momento desses, a pesquisar, faz toda a diferença! Porque dão uma visão, um norte [...] Pesquisa é tudo e precisamos ter esse investimento! Precisa ter esse olhar diferenciado (H1G13.26).

[...] a pandemia obrigou a incorporar a urgência básica em UBS; no início teve resistência dos funcionários, mas no decorrer desse processo e com todo suporte que fomos dando, treinamentos, viabilização dos insumos, a própria equipe foi incorporando. Isso é um ganho! (GM4G15.54)

[...] a gestão do município vem trabalhando com telemonitoramento de forma pioneira. Compusemos um grupo de trabalho para essa implantação [...] e aproveitando a situação, agora estamos incorporando atendimentos voltados às condições crônicas (GM5G17.18).

[..] hoje temos uma sala de situação em saúde. Isso facilita muito. Nós elaboramos Business Inteligent (BI), algumas plataformas de acesso, com linguagens técnicas, porém leves e de fácil entendimento. (GE3G21.10).

Eu acho que esse foi o primeiro movimento no nível de governança! Uma tecnologia dura que nós desenvolvemos em parceria [cita parceiros]. Um aplicativo, onde a população poderia “baixar” no celular, ofertando um conjunto de informações, além de acessar junto à universidade, psicólogos ou mesmo médicos. Tinha esse dispositivo no aplicativo [...] um conjunto de médicos ficaram específicos para teleconsulta (GE4G22.54).

[...] todos aqueles que desciam no aeroporto eram obrigados a “baixar” um aplicativo, fazíamos o que chamamos de quarentena virtual [...] com o localizador do celular, sabíamos quem eram essas pessoas e se manifestavam algum sintoma [...] Tinha um botão de alerta; quando clicava, acionávamos aquela pessoa, favorecia a investigação epidemiológica (GE4G22.57).

Implantação de hospital de campanha

No processo de criação e funcionamento dos hospitais de campanha (HC) implantados sob a gestão municipal e estadual, destaca as fragilidades e fortalezas vivenciadas, sob a perspectiva de estrutura, processo e resultados. Os relatos expõem sobre a implementação e impacto na sociedade, destacando: processo decisório de gestão; estratégias e justificativas para implantação e desativação; desafios enfrentados para implementação e contribuição para a RAS.

A criação do HC foi fundamental, a partir do momento que nós tínhamos a segurança que o paciente saindo daqui tinha para onde ir, que tínhamos o resguardo daquela vida [...] o processo de trabalho fluiu mais[...](UBS1G6.4).

O HC foi a realização de uma tarefa, de forma rápida, necessária, mas que teve uma atuação primorosa, porque além de ser uma ação paga pela prefeitura, houve o apoio do setor privado (H2G10.41).

Nós tínhamos rotinas de trabalho criadas por necessidade de um hospital [...] nós tivemos todo o cuidado de obedecer aos protocolos estabelecidos para as necessidades dos pacientes, como também para os cuidados com o profissional da saúde, que estava na linha de frente (H2G10.41).

A Secretaria tomou a iniciativa de montar um HC [...] a Secretaria ainda não responde por um serviço de alta complexidade, mas pela decisão política isso foi possível, com todo o apoio necessário para montar o hospital [...] Com os parceiros do momento, fazer acontecer e ter a possibilidade e capacidade de efetivamente curar muitas pessoas (GM4G15.48)

Arranjos tecnoassistenciais: análise retrospectiva

A análise retrospectiva do processo de enfrentamento da COVID-19, destaca as fragilidades e possíveis oportunidades de melhorias. Expressa os sentimentos e percepções dos gestores sobre as experiências vivenciadas, de forma intensa e a curto prazo. Os relatos ganham um tom mais pessoal, de reconhecimento dos papeis assumidos, dando significado a palavras chave como “aprendizado”, “erros e acertos”. O reconhecimento das próprias insuficiências parte do quantitativo de profissionais (e suas excessivas cargas de trabalho), passa pela própria noção de contingência ou catástrofe, que torna evidente o despreparo, chegando à inevitável constatação de que o trabalho solitário não tem o alcance necessário, além da falta de suporte do governo federal, de adesão da população às medidas de controle e as marcas deixadas pelas vivências.

Essa questão da organização, eu acho que deixou muito a desejar [...] “botaram” COVID em todos os hospitais, quando na realidade, era para ter tido local específico e outros para os demais atendimentos. Mas, espalharam a COVID-19 em todos os hospitais (GM3G4.31).

O SUS não estava preparado para isso [...] veio o pico e o sistema acabou sendo sugado. Vimos que tem muita coisa para melhorar, tanto na parte assistencial, como na gestão [...] melhorar os gargalos e lacunas percebidas (U1G7.18).

Cada profissional tinha uma colaboração, se enxergou nesse processo, no que estava fazendo e naqueles protocolos. Mas, é logico, uma coisa é o ideal, outra coisa é o que é possível, e outra coisa é o que é necessário. Entre o ideal e o necessário, tem um percurso que às vezes é difícil de ser superado, mas se tiver uma organização maior e uma equipe coesa, facilita muito. Foi o que vimos! Quando mais precisávamos, muitos estavam ali ao nosso lado (GE3G21.24).

[...] a gestão tentou fazer muita coisa, prevendo alcançar resultados rápidos de proteção social, mas sozinha não tinha condição de fazer. Eu acho que em alguma medida, o setor saúde, a gestão saúde, esqueceu de um princípio importantíssimo, a intersetorialidade. No momento de pânico, a gestão assumiu o problema para si, sendo que deveria dividir isso com outros setores, incluindo a iniciativa privada. [...] faltou essa capacidade do governo de fazer parcerias [...] Nós temos um pólo industrial muito pujante[...] essa coisa que o SUS não pode fazer parceria com a iniciativa privada, travou a capacidade de resposta (GE4G22.30).

A pandemia gerou uma superjudicialização da gestão [...] parte do pressuposto de que todo gestor é culpado por usar os recursos, no momento em que a própria lei autorizava o uso de forma rápida [...] não estou querendo justificar! O fato é que expõe uma situação numa premissa que não necessariamente é verdadeira, que todo gestor estava utilizando recurso público para favorecer interesses privados em detrimento dos coletivos, e não é verdade! (GE4G22.35)

A relação com Ministério da Saúde (MS) foi pífia [...] se tivermos que contabilizar o quantitativo de mortes, boa parte se deve ao apoio que não foi dado pelo Governo Federal. [...] vimos as várias mudanças no ministério e isso ainda prevaleceu, tudo e qualquer liberação de recurso, foi feita com pelo menos três meses de atraso[...] governo federal não colaborou nas ações do enfrentamento da COVID-19 no Amazonas (GE4G22.45).

Discussão

Os relatos revelam diversas iniciativas voltadas principalmente às modificações ou adaptações no âmbito dos serviços de saúde em Manaus, que isoladamente coincidem com medidas propostas em outros cenários, mas que compõem conjuntos únicos e apenas nitidamente perceptíveis em seu contexto peculiar.

No que concerne à atenção à saúde, destacam-se a implantação de fluxo de atendimentos diferenciados para pessoas com sinais de síndromes gripais ocorridos nos serviços da esfera estadual e municipal, configurando medidas importantes para potencializar a quebra da cadeia de transmissão e identificação oportuna de pessoas sintomáticas, contribuindo para diminuição da morbimortalidade1414. Garg S, Basu S, Rustagi R, Borle A. Primary health care facility preparedness for outpatient service provision during the COVID-19 Pandemic in India: cross-sectional study. JMIR Public Health Surveill. 2020;6(2). doi: http://dx.doi.org/10.2196/19927
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. Enunciam estratégias para oferta de cuidados à população vulnerável no contexto da APS, reafirmando a relevância deste nível de atenção em assumir o protagonismo nos sistemas de saúde, especialmente, diante de emergências em saúde pública, com ênfase no acompanhamento dos casos com responsabilidade territorial1515. The Lancet COVID-19 Commissioners, Task Force Chairs, Commission Secretariat. Lancet COVID-19 Commission Statement on the occasion of the 75th session of the UN General Assembly. The Lancet; 2020;396:1102-24. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31927-9
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. Estudos desenvolvidos na Africa do Sul abordam a importância da APS no enfrentamento da COVID-19, reforçando a necessidade urgente de investimentos, especialmente com foco nos trabalhadores, por impactar diretamente na resposta mais resolutiva e oportuna das necessidades contextualizadas de saúde, além de, proporcionar o fortalecimento do sistema de saúde, com grandes impactos no enfrentamento de pandemias1515. The Lancet COVID-19 Commissioners, Task Force Chairs, Commission Secretariat. Lancet COVID-19 Commission Statement on the occasion of the 75th session of the UN General Assembly. The Lancet; 2020;396:1102-24. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31927-9
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-1616. Crowley T, Kitshoff D, Lange-Cloete F, Baron J, Lange S, Yong C, et al. Reorganisation of primary care services during COVID-19 in the Western Cape, South Africa: Perspectives of primary care nurses. S Afr Fam Pract. 2021;63(1). doi: https://doi.org/10.4102/safp.v63i1.5358
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.

Outra ação evidenciada pelos relatos, ainda no âmbito da APS, é a implantação da urgência básica em UBS ocorrida em abril de 2020, no ápice da primeira crise no município, motivada pelas deliberações oriundas dos colegiados instituídos. Esta medida foi considerada um avanço para a APS, ampliando a resolutividade do cuidado, amenizando a sobrecarga da Rede de Urgência e Emergência (RUE), configurando-se um recurso estratégico e valioso para o enfrentamento da pandemia1717. Souza CD, Gois-Santos VT, Correia DS, Martins-Filho PR, Santos VS. The need to strengthen primary health care in Brazil in the context of the COVID-19 pandemic. Braz Oral Res. 2020;34:1-3. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-3107bor-2020.vol34.0047
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. Estudo ocorrido na Noruega evidenciou que as pessoas com COVID-19 demandam mais cuidados primários entre a primeira e a oitava semana, repercutindo na recuperação e na diminuição da sobrecarga dos outros níveis de atenção1818. Skyrud KD, Hernæs KH, Telle KE, Magnusson K. Impacts of mild COVID-19 on elevated use of primary and specialist health care services: A nationwide register study from Norway. PLoS One. 2021 Oct 8;16(10):e0257926. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0257926
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.

Notou-se a tentativa de gestores em constituir grupos, comitês e afins, além da busca por parcerias locais, nacionais e internacionais, consideradas fundamentais para o fortalecimento e agilidade na tomada de decisão, com foco em uma gestão compartilhada da crise, baseada no cenário epidemiológico, objetivando a elaboração de diretrizes para o enfrentamento da pandemia. É consenso que, em momentos de crise, o caminho do diálogo com especialistas de diversas áreas e a participação da sociedade civil torna-se essencial para promover impactos positivos e evitar efeitos indesejados das decisões tomadas sobre a atenção à saúde e a proteção social1919. Rajan D, Koch K, Rohrer K, Bajnoczki C, Socha A, Voss M, et al. Governance of the COVID-19 response: a call for more inclusive and transparent decision-making. BMJ Glob Heal. 2020;5(5):1-8. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmjgh-2020-002655
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.

É notório o esforço coletivo na elaboração de POP’s, notas técnicas e demais documentos normativos, tencionando os serviços de saúde para a vigilância e tratamento oportuno dos casos. Apesar do país dispor de um robusto sistema de saúde, com capilaridade significativa, o planejamento estratégico para responder às emergências em saúde pública ainda é desafiador e incipiente, o que não se mostrou diferente no município de Manaus, tornando-se o símbolo da catástrofe, em decorrência do total colapso do sistema de saúde, com hospitais lotados, mortes em domicílio por falta de acesso aos serviços, além de cemitérios saturados e sepultamentos em covas coletivas2020. Henriques CMP, Vasconcelos W. Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate a pandemia da COVID-19 no Brasil. Estud Avançados. 2020;34(99):25-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003
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Diante do caos, os relatos sinalizam a adoção de diversos arranjos tecnoassistenciais para minimizar as barreiras de acesso aos serviços e potencializar a comunicação com a sociedade. Destacou-se a incorporação de boletins de saúde virtuais, atendimento online de casos suspeitos e acompanhamento de casos confirmados, além do uso de chamadas virtuais para promover comunicação com os familiares das pessoas hospitalizadas, pautadas na humanização e alívio da dor e sofrimento. Iniciativas internacionais semelhantes demonstraram que essas formas inovadoras de ofertar cuidado podem ser estendidas para diversos níveis de atenção, envolvendo instituições públicas e privadas, amplificando o acesso e cuidado oportuno, uma vez que locais tradicionais no âmbito da APS tiveram que fechar devido à dinâmica incomum da COVID-1933. Tahan HM. Essential Case Management Practices Amidst the Novel Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Crisis Part 2: End-of-Life Care, Workers' Compensation Case Management, Legal and Ethical Obligations, Remote Practice and Resilience. Professional Case Manag. 2020;25(5):267-84. doi: http://doi.org/10.1097/NCM.0000000000000455
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. Aprofundando a discussão relativa à adoção das tecnologias citadas pelos gestores, como telemonitoramento, chatbots automatizados e aplicativos, observa-se um caráter ambivalente para saúde pública, afinal é indiscutível que oportunizam o acesso, ampliam a resolutividade e potencializam a identificação oportuna dos sinais de agravamento, mas por outro lado, raciocinando sob a perspectiva da ética pública, da equidade, inclusão e justiça social, tornam-se claras as dificuldades para uso por populações mais vulneráveis, evidenciando mais uma vez as desigualdades socias no país2121. Botrugno C. The role of technology in the containment of COVID-19 pandemic. Rev RedBioética/UNESCO. 2020 Jun;11(21):13-20. Available from: https://www.sbbioetica.org.br/uploads/repositorio/2021_03_19/RevistaBioetica21.pdf
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Revelam ainda as iniciativas em configurar e estruturar painéis, como o sistema de BI, para gestão das informações em tempo real relativas a casos, óbitos, sepultamentos, atendimentos e capacidade instalada nos diversos níveis de atenção. Porém, observam-se informações fragmentadas e que não permitem a análise global e integrada dos serviços de saúde do município. Um estudo comparativo dos sistemas de saúde em cinco países europeus revela que o investimento na gestão de dados configura-se uma estratégia valiosa para as medidas de vigilância em saúde na pandemia de COVID-192222. Rigoine FT, Puig BJ, Kassianos G, Vanhems P, Schelling J, Crepey P, et al. A comparison of coronavirus disease 2019 and seasonal influenza surveillance in five European countries: France, Germany, Italy, Spain and the United Kingdom. Influenza Other Respir Viruses. 2021 Dec 5. doi: https://doi.org/10.1111/irv.12941
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. Lamentavelmente, o investimento em tecnologias de informação no SUS ainda é insuficiente, sendo imperioso que os serviços sejam fortalecidos para fornecer e gerir os dados em tempo real para vigilância oportuna, garantindo a proteção, privacidade, intercâmbio e extração segura das informações geradas2323. Organisation for Economic Co-operation and Development. Beyond Containment: health systems responses to COVID-19 in the OECD [Internet]. 2020 (cited 2020 Apr 8);1-22. Available from: https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=119_119689-ud5comtf84&title=Beyond_Containment:Health_systems_responses_to_COVID-19_in_the_OECD
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Na esperança de amplificar os cuidados de saúde, minimizar o colapso do sistema e os danos a sociedade, ocorreram a implantação de dois HC, considerados unidades de caráter emergencial e temporário, para responder às necessidades de atenção à saúde naquele momento2424. Smith SR, Jenq G, Claflin T, Magnant C, Haig AJ, Hurvitz E. Proposed workflow for rehabilitation in a field hospital setting during the COVID-19 pandemic. PM&R. 2020;12(8):823-8. doi: https://doi.org/10.1002/pmrj.12405
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. O primeiro foi implantado em abril de 2020, sob a gestão municipal, em parceria com setor privado, sediado em uma escola municipal readaptada para este fim, dispondo de 43 leitos de UTI e 137 leitos clínicos exclusivos para casos de COVID-19, com atividades encerradas em junho do mesmo ano2525. Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (BR). Relatório simplificado: hospital de campanha municipal Gilberto Novaes [Internet]. Manaus: SEMSA; 2020 [cited 2021 Sep 10]. Available from: https://covid19.manaus.am.gov.br/hospital-de-campanha/
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Em abril de 2020, ocorreu a implantação do HC sob gestão estadual, utilizando a estrutura de um hospital particular inativo, alcançando o número de 148 leitos, encerrando as atividades em julho de 2020, contabilizando 1800 atendimentos2626. Secretaria do Estado do Amazonas (BR). SUSAM encerra atividades do Hospital de Combate à Covid-19 após baixa no número de internações [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 23]. Available from: http://www.saude.am.gov.br/visualizar-noticia.php?id=4820
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. Apesar da relevante contribuição, não se identificou qualquer registro no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) sinalizando o funcionamento deste ponto de atenção como HC voltado para COVID-19. O fechamento dos HC foi entendido como precoce pela comunidade científica e sociedade, diante da gravidade e incertezas inerentes à pandemia, culminando na reativação do HC estadual em janeiro de 2021, em decorrência do segundo pico e colapso do sistema de saúde em Manaus.

Os gestores reconhecem que o sistema não estava preparado para o enfrentamento desta pandemia, agravado pela atuação frágil do MS, marcada pela alternância de Ministros e posições contrárias às medidas científicas mundialmente reconhecidas para controle da doença, em meio ao colapso vivenciado pelo município. O enfrentamento da pandemia é dinâmico, exigindo do sistema resiliência, planejamento estratégico, celeridade de respostas, flexibilidade e adaptabilidade no uso dos recursos existentes (pessoal, suprimentos e estrutura física), pontos relacionados diretamente à liderança política. Ou seja, posturas de governo que simplificam a gravidade da situação e não reconhecem a ciência, geram desinformação, comportamentos coletivos inapropriados, conflitos e ações ineficazes, além de comprometerem o estabelecimento de cooperações nacionais e internacionais, baseadas nas melhores práticas1515. The Lancet COVID-19 Commissioners, Task Force Chairs, Commission Secretariat. Lancet COVID-19 Commission Statement on the occasion of the 75th session of the UN General Assembly. The Lancet; 2020;396:1102-24. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31927-9
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,2020. Henriques CMP, Vasconcelos W. Crises dentro da crise: respostas, incertezas e desencontros no combate a pandemia da COVID-19 no Brasil. Estud Avançados. 2020;34(99):25-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.003
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Liderança ousada e corajosa é apontada como condição prioritária para implantar abordagens inovadoras de comunicação, visando a mitigação do vírus e cuidados de saúde ancorados às evidências científicas2727. Guest JL, del Rio C, Sanchez T. The three steps needed to end the COVID-19 pandemic: bold public health leadership, rapid innovations, and courageous political will. JMIR Public Health Surveill. 2020;6(2). doi: http://dx.doi.org/10.2196/19043
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, sendo extremamente relevante a adoção de postura pró-ativa pelos gestores2828. Stoller JK. Reflections on leadership in the time of COVID-19. BMJ Lead. 2020;4(2):77-9. doi: http://dx.doi.org/10.1136/leader-2020-000244
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, lançando mão de diferentes formas de comunicar à sociedade as políticas adotadas, ancorados em princípios éticos utilitaristas, republicanos/democráticos2929. Haÿry M. The COVID-19 pandemic: healthcare crisis leadership as ethics communication. Cambridge Q Healthc Ethics. 2020;42-50. doi: http://dx.doi.org/10.1017/S0963180120000444
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. O Brasil desresponsabilizou-se de uma comunicação precisa e adequada, capaz de esclarecer e obter apoio às medidas cientificamente embasadas, levando os cidadãos à volatilidade de opiniões, fake-news, ou circunstâncias políticas momentâneas, contribuindo para o agravamento da situação.

Destacou-se a necessidade da valorização da intersetorialidade, sinalizada pelos gestores como frágil ou mesmo inexistente, onde o setor saúde protagonizou isoladamente as ações de combate à pandemia. O desenvolvimento de ações intersetorias na saúde configura-se historicamente desafiador, um desejo coletivo de concretização, especialmente em tempos de pandemias que emanam decisões complexas com grandes impactos à sociedade, requerendo construção de parcerias adaptadas e integradas aos sistemas existentes, compostas por membros multidisciplinares, com capacidade de execução, contextualizados às necessidades sociais e do território3030. Perez C, Aguirre D, Clark T, Morgan J, Agueda O, Thompson G, et al. Developing and employing ideal teams for optimal global health outcomes. J Glob Health. 2021;11:1-6. doi: http://dx.doi.org/10.7189/jogh.11.02001
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Revela-se ainda a superjudicialização, com disputas e juízo de valores perante situações dramáticas, envolvendo o valor da vida. A pandemia levantou questões sobre como os recursos escassos devem ser alocados e as complexidades de equilibrar as perspectivas éticas e as realidades futuras dos cuidados de saúde, além de expor preocupações sobre as consequências jurídicas de tomar essas decisões3131. Gunn MA, McDonald FJ. COVID-19, rationing and the right to health: can patients bring legal actions if they are denied access to care? Med J Aust. 2021;214(5):207-8. doi: http://dx.doi.org/10.5694/mja2.50952
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. A judicialização da pandemia deve ser vista com cautela e prudência, reconhecendo as limitações do sistema de saúde mundialmente.

Embora o estudo não tenha a intencionalidade de analisar por categorias profissionais, estão implícitos a relevância e o protagonismo da enfermagem, evidenciado pela maior concentração, dentre os entrevistados, de enfermeiros ocupando cargos de gestão. Destaca-se que as diretrizes curriculares da graduação em enfermagem contemplam noções de administração de serviços, além de buscar fortemente o desenvolvimento de competências profissionais voltadas à integralidade do cuidado e visão holística de saúde. Portanto, é possível afirmar que dentre os arranjos analisados há uma forte presença da categoria de enfermagem, contribuindo significativamente para gestão dos serviços e do cuidado em tempos de pandemia.

O estudo traz contribuições para o avanço de conhecimentos com potencial de qualificar e fortalecer as práticas de gestão pública em cenários críticos e o desenvolvimento de políticas voltadas às emergências sanitárias. Para o campo de conhecimento da Enfermagem ressalta o importante protagonismo deste profissional como liderança criativa no desenvolvimento de inovações, formas de gestão dinâmicas e responsivas aos desafios dos serviços, a necessidade de atuação cada vez mais integrada entre diferentes profissionais e setores; as crescentes demandas por atualização científica e tecnológica, baseada em fontes confiáveis, assim como seu papel na qualidade da informação produzida e consumida nas equipes de trabalho. Desta forma, aponta elementos fundamentais para a formação permanente de gestores, para a melhoria da comunicação entre profissionais, equipes, níveis de gestão e com os usuários de serviços de saúde.

Embora, o estudo apresente potencial contribuição para gestão em saúde diante de emergências em saúde pública, destaca-se que os relatos limitaram-se às vivências relativas ao primeiro pico da doença ocorrido em Manaus, sendo premente estudos voltados às experiências ocorridas em outros cenários e momentos da pandemia.

Conclusão

O estudo demonstrou que o enfrentamento da pandemia de COVID-19 exigiu dinamicidade e reestruturação dos serviços para responder às necessidades da população, evidenciando-se novos arranjos tecnoassistenciais tanto no âmbito da gestão, quanto da atenção à saúde, destacando-se a implantação célere de fluxo de atendimentos diferenciados para pessoas com sinais de síndromes gripais, boletins de saúde virtuais e atendimentos online (telemonitoramento, chatbots e aplicativos).

Evidenciou-se a implantação da urgência básica em UBS durante a pandemia, configurando-se um avanço na visão dos gestores, uma vez que o serviço não era ofertado em Manaus. Foi notório o esforço para implantação de hospitais de campanha e a relevância para os momentos de pico da doença no município.

Destacou-se, dentre os entrevistados, o grande número de enfermeiros ocupantes em cargos de gestão, evidenciando o protagonismo e a significativa contribuição da categoria para o enfrentamento da pandemia em Manaus.

Reforçou-se a fragilidade do SUS em diversos campos, tais como, a gestão das informações e a intersetorialidade incipiente e frágil. Os relatos explicitaram que o sistema não estava preparado para o enfrentamento desta pandemia, agravando-se pela postura e conduta do MS, sob a perspetiva técnica e política, contribuindo para celeridade do colapso em Manaus.

O estudo apresenta potencial contribuição para qualificação e fortalecimento das práticas de gestão pública em cenário crítico e o desenvolvimento de políticas voltadas às emergências sanitárias. Mostra-se imprescindível o desenvolvimento de outros estudos voltados à apreensão das experiências construídas durante pandemias, abrangendo não só os aspectos técnicos, mas toda a subjetividade do trabalho, inclusive das mútuas relações entre as tecnologias implementadas e as vivências dos atores.

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  • Apoio financeiro

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), Brasil.

Editado por

Editora Associada

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2021
  • Aceito
    22 Fev 2022
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