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Vulnerabilidade de mulheres vivendo com HIV/Aids 1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “Saúde Sexual e Reprodutiva de Mulheres Vivendo com HIV/aids Atendidas em Hospital Dia”, apresentada ao Departamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2008/55416-9.

Resumos

OBJETIVO:

traçar o perfil de mulheres vivendo com o vírus da imunodeficiência humana/Aids em municípios do interior do Estado de São Paulo, buscando-se identificar características relacionadas à vulnerabilidade individual, social e programática e analisar as condições em que tiveram conhecimento de seu status sorológico.

MÉTODO:

entre outubro de 2008 e dezembro de 2010, foi realizado estudo transversal, envolvendo 184 mulheres atendidas em serviço especializado. Os dados foram obtidos por entrevista e exame ginecológico, com coleta de amostras para diagnóstico etiológico de doenças sexualmente transmissíveis.

RESULTADOS:

predominaram mulheres brancas, entre 30 e 49 anos de idade, com companheiro, baixo nível escolar, múltiplos parceiros sexuais durante a vida e prática de sexo inseguro. A prevalência de doenças sexualmente transmissíveis foi de 87,0%.

CONCLUSÃO:

o estudo sugere a necessidade de ofertar assistência ginecológica em serviços especializados e realização de ações multiprofissionais que reforcem a autonomia feminina na tomada de decisões protetoras.

Infecções por HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Vulnerabilidade em Saúde; Mulheres


OBJECTIVE:

outline the profile of women living with the human immunodeficiency virus/aids in interior cities in São Paulo State, in the attempt to identify characteristics related to individual, social and programmatic vulnerability and to analyze the conditions in which they discovered their serological status.

METHOD:

between October 2008 and December 2010, a cross-sectional study was undertaken with 184 women attended at a specialized service. The data were collected through an interview and gynecological test, including the collection of samples for the etiological diagnosis of sexually transmissible conditions.

RESULTS:

the women were predominantly white, between 30 and 49 years of age, lived with a partner, had a low education level, multiple sexual partners across the lifetime and unsafe sexual practices. The prevalence of sexually transmitted diseases corresponded to 87.0%.

CONCLUSION:

the study suggests the need to offer gynecological care in specialized services and the accomplishment of multiprofessional actions to reinforce the female autonomy in protective decision making.

HIV Infections; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Health Vulnerability; Women


OBJETIVO:

trazar el perfil de mujeres viviendo con el Virus de la Inmunodeficiencia Humana/SIDA en municipios del interior del Estado de Sao Paulo, buscando identificar características relacionadas a la vulnerabilidad individual, social y programática y analizar las condiciones en que tuvieron conocimiento de su estatus serológico.

MÉTODO:

entre octubre de 2008 y diciembre de 2010 fue realizado un estudio transversal, con la participación de 184 mujeres atendidas en un servicio especializado. Los datos fueron obtenidos por medio de entrevista y examen ginecológico, con recolección de muestras para diagnóstico etiológico de enfermedades sexualmente transmisibles.

RESULTADOS:

predominaron mujeres blancas, entre 30 y 49 años de edad, con compañero, bajo nivel escolar, múltiples compañeros sexuales durante la vida y práctica sexual insegura. La prevalencia de enfermedades sexualmente transmisibles fue de 87,0%.

CONCLUSIÓN:

el estudio sugiere la necesidad de ofrecer asistencia ginecológica en servicios especializados y la realización de acciones multiprofesionales que refuercen la autonomía femenina en la toma de decisiones protectoras.

Infecciones por VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Vulnerabilidad en Salud; Mujeres


Introdução

A epidemia de Aids é problema de saúde pública mundial. Dados da Joint United Nations Programme on HIV/Aids (Unaids) apontam que 34 milhões de pessoas estavam infectadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) até dezembro de 2011, sendo que as mulheres respondiam por mais da metade dos casos( 11. UNAIDS/WHO. UNAIDS Report on the global aids epidemic 2012 [Internet]. Geneva: UNAIDS/WHO; 2012[acesso 5 maio 2013]. Disponível. em:http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/documents/epidemiology/2012/gr2012/20121120_UNAIDS_Global_Report_2012_with_annexes_en.pdf
Disponível. em:http://www.unaids.org/en/...
). No Brasil, de 1980 até junho de 2012, foram notificados 656.701 casos de Aids( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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), 34% (217.367 casos) no Estado de São Paulo, dos quais 1.401 pertenciam aos 30 municípios que compõem o Grupo de Vigilância Epidemiológica da microrregião de Botucatu( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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). Com relação ao gênero feminino, no mesmo período, foram identificados 230.161 casos no país( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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), sendo 67.522 deles no Estado de São Paulo( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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).

A feminização e a interiorização da epidemia no Brasil são comprovadas pela diminuição sistemática na razão de gêneros, passando de 15,3 homens para uma mulher em 1986, para 1,7 homens para uma mulher em 2010( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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), e pelo aumento progressivo do número de municípios brasileiros com pelo menos um caso de Aids( 44. Granjeiro A, Escuder MML, Castilho EA.Magnitude e tendência da epidemia de Aids em municípios brasileiros de 2002-2006. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):430-40. ).

A maior vulnerabilidade de mulheres e meninas à infecção pelo HIV decorre de aspectos biológicos e de fatores sociais, econômicos, legais e culturais, com destaque para os papeis de gênero, relações de poder desequilibradas e a aceitação pela sociedade da violência contra a mulher( 55. UNAIDS.Agenda for accelerated country action for women, girls, gender equality and HIV: operational plan for the UNAIDS action framework: addressing women, girls, Gender Equality and HIV [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2010 [acesso 9 dez 2010]. Disponível em:http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/dataimport/pub/manual/2010/20100226_jc1794_agenda_for_accelerated_country_action_en.pdf
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). Porém, os aspectos econômicos e culturais têm importante papel não apenas em situação desfavorável: estudo realizado em dois países africanos detectou maior vulnerabilidade ao HIV/Aids entre mulheres que já haviam sido casadas, que tinham trabalho e eram mais ricas, pois, apesar de melhores condições, mantinha-se a desigualdade de gênero( 66. Abimanyi-OchomJ. The better the worse: risk factors for HIV infection among women in Kenya and Uganda - demographic and health survey. AIDS Care. 2011;23(12):1545-50. ).

O conceito de vulnerabilidade é complexo, com variedade de definições provenientes de várias disciplinas( 77. Bates I, Fenton C, Gruber J,Lalloo D, LaraAM, Squire SB, et al. Vulnerability to malaria, tuberculosis, and HIV/AIDS infection and disease. Part 1: determinants operating at individual and household level. Lancet Infect Dis. 2004;4:267-77. ). Com ele, busca-se compreender como indivíduos e grupos de indivíduos se expõem a dado agravo à saúde, a partir de totalidades conformadas por sínteses pragmaticamente construídas, com base em três dimensões analíticas: a individual, a social e a programática ou institucional( 88. Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde Soc. 2009;18 Supl 2:11-22. ). Do ponto de vista individual, envolve aspectos relacionados a características biológicas, pessoais, percepção de risco, atitudes para a autoproteção e habilidades de negociação, entre outros, que implicam em exposição e suscetibilidade a determinado agravo. A vulnerabilidade social se refere à estrutura econômica, políticas públicas de saúde e educação, cultura, ideologia e relações de gênero e a programática às políticas públicas de enfrentamento, com suas metas, ações propostas, organização e distribuição dos recursos para prevenção e controle( 99. Nichiata LYI, Bertolozzi MR, Takahashi RF, Fracolli LA. The use of the "vulnerability" concept in the nursing area. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(5):923-8. ).

Tendo por pressuposto a importância da adoção do conceito de vulnerabilidade no cuidado à saúde de pessoas vivendo com HIV/Aids, a fim de se adquirir um olhar ampliado para as suas necessidades e planejar respostas mais efetivas( 1010. Nichiata LYI, Bertolozzi MR, Gryschek ALPL, Araujo NVDL,Padoveze MC, CiosakSI, et al. The potential of the concept of vulnerability in understanding transmissible diseases. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(Esp 2):1766-70. ), propôs-se a realização do presente estudo, visando responder a questão: quem são as mulheres atendidas em serviço especializado do interior paulista e qual sua vulnerabilidade à reinfecção e às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)?

Com o intuito de gerar evidências e conhecimento sobre as necessidades específicas dessas mulheres, teve-se por objetivo traçar o perfil de mulheres vivendo com HIV/Aids em municípios do interior do Estado de São Paulo, buscando identificar características relacionadas à vulnerabilidade individual, social e programática e analisar as condições em que tiveram conhecimento de seu status sorológico em relação ao HIV.

Método

Trata-se de estudo transversal, desenvolvido em Serviço Ambulatorial Especializado de Infectologia (Saei), ligado a uma universidade pública. A Instituição é referência para atendimento de pacientes infectados pelo HIV/Aids em região do interior paulista, especialmente para 30 municípios da microrregião de Botucatu.

Estavam em seguimento no serviço, no período do estudo, 210 mulheres, das quais, 10 (4,8%) não atenderam os critérios de inclusão (não estar grávida, ter 18 anos completos e iniciado atividade sexual) e 16 (7,6%) se recusaram a participar. Dessa forma, a amostra foi constituída por 184 mulheres (87,6% do total).

Os dados foram obtidos por entrevista, conduzida pela primeira autora, em ambiente privado. O instrumento utilizado continha questões abertas e fechadas e foi primeiramente submetido à avaliação de dois especialistas da área de infectologia/DST. Em seguida, foi testado com uma paciente do Saei que participou apenas dessa etapa da pesquisa, sofrendo pequenas mudanças para facilitar sua compreensão.

Para permitir a análise da vulnerabilidade individual e social, o instrumento incluiu três grupos de variáveis: sociodemográficas, comportamentais e clínicas. No primeiro grupo considerou-se: idade, cor da pele, situação conjugal, anos de estudo concluídos, desenvolvimento de atividade remunerada, ocupação, acesso à previdência social e município de procedência. No segundo, número de parceiros sexuais, prática sexual em troca de dinheiro ou drogas na vida, parceria eventual no momento da entrevista, forma de utilização do preservativo, consumo de drogas lícitas ou ilícitas e número de parceiros sexuais nos doze meses que antecederam a inclusão no estudo e, no terceiro grupo, tempo de diagnóstico da soropositividade para o HIV, uso de terapia antirretroviral e história referida de DST e de lesões precursoras ou neoplásicas do colo uterino.

Considerando-se que o Departamento de DTS/Aids e Hepatites Virais preconiza o diagnóstico e tratamento das DSTs e prevenção do câncer de colo uterino, optou-se por conduzir a discussão sobre vulnerabilidade programática a partir do acesso das mulheres a essas ações. Para tanto, foi realizado exame ginecológico em todas as participantes do estudo, pela mesma pesquisadora, com coleta de amostras de conteúdo vaginal e secreção cervical. O diagnóstico de Trichomonas vaginalis e de Neisseria gonorrhoeae foi realizado por cultura em meio líquido de Diamond e Thayer Martin, respectivamente. Para pesquisa de Chlamydia trachomatis e de Papiloma Vírus Humano (HPV) utilizou-se reação em cadeia da polimerase. Alterações cervicouterinas foram identificadas por colpocitologia convencional.

O monitoramento do controle da doença, também preconizado, foi realizado pela contagem de linfócitos T CD4+ e determinação da carga viral plasmática do HIV, realizados na rotina do atendimento, respectivamente, pelos métodos de citometria de fluxo e branched-DNA.

As mulheres foram também interrogadas sobre a forma com que se contaminaram pelo HIV e como tomaram conhecimento do seu estado sorológico.

Para a apresentação dos dados foi utilizada estatística descritiva, com frequência simples e absoluta e cálculo de medidas de tendência central, quando indicados.

O projeto deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Protocolo nº501/2007) e cumpriu todos os pressupostos éticos de pesquisas realizadas com seres humanos.

Resultados

Considerando-se as 184 mulheres investigadas, predominaram aquelas que se encontravam na faixa etária entre 30 e 49 anos (69,5%), de cor da pele branca (71,7%), casadas ou em união estável (49,5%) e com baixo nível de escolaridade, visto que 56,5% delas tinham menos de oito anos de estudo. Parcela da população estudada (37,5%) não realizava atividade remunerada, assim como não tinha acesso a benefícios da previdência social (42,9%). As mulheres residiam em 45 municípios do interior do Estado de São Paulo, sendo que 96,0% em cidades com população de até 150 mil habitantes (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das 184 mulheres infectadas pelo HIV/Aids, segundo variáveis sociodemográficas. Botucatu, SP, Brasil, 2008-2010

Dentre as 93 (50,5%) mulheres inseridas no mercado de trabalho, 76 (81,7%) estavam exercendo atividades profissionais no momento da inclusão no estudo e 17 (18,3%) encontravam-se afastadas por morbidades associadas à Aids. As ocupações predominantes foram relacionadas à prestação de serviços (55,3%), destacando-se serviços domésticos (23,7%) e gerais (17,1%), setor rural (11,8%) e comércio (11,8%).

A maioria das mulheres investigadas (65,8%) relatou parceria sexual fixa no momento da inclusão no estudo, assim como ter tido cinco ou mais parceiros sexuais ao longo da vida (59,2%). A mediana do número de parceiros sexuais na vida foi de cinco (1-100), excetuando-se as 19 mulheres (10,3%) que referiram terem praticado sexo em troca de dinheiro ou drogas. Nos doze meses que antecederam a inclusão no estudo, a maioria delas (62,5%) declarou parceria sexual única e apenas sete (3,8%), cinco ou mais parceiros, sendo que, dessas, cinco praticavam sexo por dinheiro ou drogas. Quanto ao status sorológico dos parceiros em relação ao HIV, 57 (31,0%) mulheres referiram que eles eram soropositivos e 19 (10,3%) não ter parceria fixa no momento da entrevista (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das 184 mulheres infectadas pelo HIV/Aids, segundo aspectos relativos à sexualidade. Botucatu, SP, Brasil, 2008-2010

Das 136 mulheres que relataram vida sexual ativa nos seis meses que antecederam à inclusão no estudo, 44,1% referiram uso do preservativo em todas as relações. Dentre as mulheres, cujos parceiros eram sorodiscordantes ou tinham condição sorológica ignorada e, ainda, dentre aquelas com parceiros eventuais, 43,7 e 37,5%, respectivamente, não utilizavam o preservativo em todas as relações.

Quanto ao consumo de drogas ilícitas nos doze meses que antecederam a inclusão no estudo, 20 mulheres (10,9%) utilizavam pelo menos uma droga. Uso diário ou mais de uma vez na semana de álcool foi relatado por 12,5%, sendo que, do total das mulheres estudadas, 42,9% eram tabagistas e 11,4% ex-tabagistas.

A análise do perfil clínico-laboratorial relativo à infecção pelo HIV demonstrou que a mediana do tempo de diagnóstico da soropositividade foi de oito anos (uma semana - 23 anos), sendo que 30,4% das mulheres tinham acima de dez anos. A mediana das contagens de linfócitos T CD4+ foi de 488 células/mm3 (4-1678), sendo que 67,9% apresentavam essa contagem acima de 350/mm3, 55,4% tinham carga viral plasmática do HIV indetectável e 79,9% faziam uso de terapia antirretroviral.

Considerando-se, ainda, outros aspectos clínicos, 52,7% das mulheres relataram DST pregressa, 23 (12,5%) lesões precursoras ou neoplásicas do colo uterino e apenas 89 (48,4%) delas haviam realizado o exame de colpocitologia oncótica há menos de um ano. A maioria das mulheres (61,4%) referiu corrimento vaginal, 31,5 e 28,8% relataram mau odor e prurido genital, respectivamente.

A prevalência geral de DST identificada no presente estudo foi de 87,0%. Isoladamente, a infecção pelo HPV foi a mais prevalente (83,6%), seguida da infecção clamidiana (24,6%) e tricomoníase (14,7%). Nenhum caso de gonorreia foi identificado. Tinham infecções mistas 59 (32,1%) mulheres. Lesões precursoras do câncer do colo do útero e atipias celulares foram observadas em 39 mulheres (21,2%).

Com relação à categoria de exposição ao HIV, a grande maioria das mulheres (94,0%) referiu a via sexual como forma de infecção. Dentre essas, 155 (84,2%) foram contaminadas por seus parceiros ou ex-parceiros fixos. As principais formas relatadas de infecção dos parceiros foram relações sexuais com múltiplas parceiras (38,6%) e Uso de Droga Injetável (UDI): 18,5% (Tabela 3). Nove mulheres (4,9%) que referiram comportamento bissexual dos seus parceiros relataram conhecimento desse fato após o resultado da sorologia para o HIV ou diagnóstico de Aids deles ou dela própria.

Tabela 3
Distribuição das 184 mulheres infectadas pelo HIV/Aids, segundo categoria de exposição. Botucatu, SP, Brasil, 2008-2010

A investigação sobre as circunstâncias em que ocorreu o diagnóstico da infecção pelo HIV/Aids mostrou que a maioria das mulheres foi testada a partir do seu próprio adoecimento (27,2%) ou do seu parceiro (26,6%). Trinta e nove (21,2%) foram testadas na rotina do atendimento pré-natal/parto/aborto, 15 (8,1%) por meio de solicitação de profissionais de saúde, quer pelo fato do teste integrar protocolos de rotina, quer pela percepção de risco do profissional. Apenas 15 (8,1%) mulheres foram testadas a partir de autopercepção de risco, 11 (6,0%) por adoecimento de filho e 5 (2,7%) por meio de doação de sangue.

As situações referidas pelas mulheres que as impeliu para a busca da testagem sorológica foram: ter conhecimento de que o ex-parceiro estava infectado pelo vírus e/ou havia morrido de Aids, ou que havia utilizado e/ou utilizava droga injetável, adoecimento de pessoa com quem compartilhou droga injetável, multiplicidade de parceiros e associação da sua própria sintomatologia ou de seu parceiro à Aids.

Discussão

Os resultados são relativos ao conjunto de mulheres que faziam seguimento médico pela infecção pelo HIV no serviço estudado e não à totalidade das mulheres infectadas pelo HIV na região para a qual esse serviço é referência, constituindo-se em limitação. Contudo, considerando-se sua característica de serviço de referência, ele concentra grande parte das mulheres da região em acompanhamento regular. O fato de a população investigada ser proveniente de municípios do interior do Estado o diferencia da maioria dos demais estudos nacionais( 1111. Brito DMS, Galvão MTG, Pereira MLD. Markers of vulnerability for cervical cancer in HIV-infected women. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):500-7.

12. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33.

13. Silveira MF, Santos IS, Victora CG. Poverty, skin colour and HIV infection: a case-control study from southern Brazil. AIDS Care. 2008;20(3):267-72.
- 1414. Lopes F, Buchalla CM, Ayres JRCM. Mulheres negras e não-negras e vulnerabilidade ao HIV/aids no estado de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl 2:39-46. ), que retrataram contextos de mulheres vivendo com o HIV/Aids residentes em grandes centros urbanos, revelando aspectos específicos dessa realidade.

A análise do conjunto dos dados permitiu o reconhecimento de características, comportamentos e contextos que tornavam as mulheres vulneráveis à reinfecção pelo HIV, DST e outras afecções ginecológicas, compreendendo suas três dimensões inter-relacionadas: individual, programática e social( 88. Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde Soc. 2009;18 Supl 2:11-22. ).

A grande maioria (70%) das mulheres estudadas tinha entre 30 e 49 anos, semelhante aos dados nacionais( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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) e estaduais( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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) que, também, apontam maior prevalência de casos de Aids notificados em mulheres nessa faixa etária. Quanto à cor da pele, percebeu-se diferença quando se comparou dados deste estudo às notificações do Brasil( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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) e do Estado de São Paulo( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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), visto que, no período de 2004 a 2012, a proporção de mulheres brancas foi mais baixa, próxima a 50%. Tratando-se da análise da cor, é necessário, porém, ter cautela, visto que a diferença pode decorrer da forma como o dado foi obtido, se por autorreferência, como no caso da presente investigação, ou por classificação de um profissional de saúde, situação geralmente utilizada nos dados oficiais.

A média de anos de estudo concluídos (sete) foi inferior à alcançada pela população geral entre 15 e 64 anos do Estado de São Paulo( 1515. Fundação Sistema Estadual de Análise de dados (BR). [Internet]. 2011 [acesso 20 jul 2011]. Disponível em: http://www.seade.gov.br
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), indicando pior nível socioeconômico e ratificando a hipótese de pauperização da epidemia( 1616. Pinto ACS, Pinheiro PNC, Vieira NFC,Alves MDS. Compreensão da pandemia da aids nos últimos 25 anos. DST - J Bras Doenças Sex Transm.2007;19(1):45-50. ). Por outro lado, a situação encontrada não difere da observada entre o conjunto das mulheres notificadas por Aids no Brasil( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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). Aproximadamente 10% das mulheres tinham 12 ou mais anos de estudo, o dobro do encontrado em São Paulo( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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) (5,0%) e no Brasil( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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) (4,4%), demonstrando, também, a importância relativa das mulheres universitárias entre as infectadas pelo HIV, nessa região do interior do Estado. Assim, o discurso da pauperização da epidemia deve ser relativizado, evitando trazer às mulheres com maior grau de escolaridade a impressão de distanciamento da doença e a sensação de estar protegida pela condição socioeconômica mais favorável( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. ), o que resultaria em maior vulnerabilidade à infecção. Nesse sentido, recente estudo africano sugere que as políticas de saúde pública, voltadas à prevenção do HIV/Aids, devam atingir todas as camadas sociais( 66. Abimanyi-OchomJ. The better the worse: risk factors for HIV infection among women in Kenya and Uganda - demographic and health survey. AIDS Care. 2011;23(12):1545-50. ).

As mulheres investigadas tiveram cinco ou mais parceiros ao longo da vida, em maior proporção que o relatado em pesquisas anteriores( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. , 1717. Paiva V, Latorre MR, Gravato N,Lacerda R. Enhancing care initiative - Brasil. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/aids em São Paulo. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1609-20. ), realizadas em centros de referência para o HIV/Aids, localizados em grandes metrópoles. Da mesma forma, em relação ao número de parceiros sexuais no ano anterior à inclusão no estudo, as mulheres estudadas relataram ter mais de um, muito mais frequente do que o verificado em estudo de base populacional( 1818. Barbosa RM, Koyama MAH. Comportamento e práticas sexuais de homens e mulheres, Brasil 1998 e 2005. Rev Saúde Pública. 2008;42 Supl 1:21-33. ) para todas as regiões do país. Constatou-se, assim, maior multiplicidade de parceiros sexuais entre as mulheres aqui investigadas, importante aspecto de vulnerabilidade ao HIV e às DSTs.

As mulheres que praticam sexo em troca de dinheiro ou drogas são reconhecidas como vulneráveis à infecção pelo HIV e DST, no plano político e programático( 55. UNAIDS.Agenda for accelerated country action for women, girls, gender equality and HIV: operational plan for the UNAIDS action framework: addressing women, girls, Gender Equality and HIV [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2010 [acesso 9 dez 2010]. Disponível em:http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/dataimport/pub/manual/2010/20100226_jc1794_agenda_for_accelerated_country_action_en.pdf
Disponível em:http://www.unaids.org/en/m...
) de enfrentamento da feminização da epidemia de Aids. No presente estudo, observou-se proporção maior de mulheres com esse tipo de prática do que em estudo de âmbito nacional( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. ).

O consumo de drogas ilícitas, nos 12 meses que antecederam à inclusão no estudo, foi citado, respectivamente, pelo dobro de mulheres em comparação aos achados de pesquisa anterior( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. ) com mulheres vivendo com HIV/Aids e em inquérito nacional, de base populacional, realizado em 2005( 1919. Bastos FI, Bertolini N, Hacker MA. Consumo de álcool e drogas: principais achados de pesquisa de âmbito nacional, Brasil 2005. Rev Saúde Pública. 2008;42 Supl 1:109-17. ) com mulheres cujo status sorológico em relação ao HIV era desconhecido. Além disso, o consumo diário de álcool pelas mulheres da presente pesquisa foi superior ao reportado em inquérito anterior( 1919. Bastos FI, Bertolini N, Hacker MA. Consumo de álcool e drogas: principais achados de pesquisa de âmbito nacional, Brasil 2005. Rev Saúde Pública. 2008;42 Supl 1:109-17. ), cujo consumo foi relatado entre homens e mulheres. O uso de álcool e drogas ilícitas tem sido associado com aumento da vulnerabilidade ao HIV( 2020. Granjeiro A, Holcman MM, Onaga ET,Alencar HDR, PlaccoALN, Teixeira PR. Prevalence and vulnerability of holmeless people to HIV infection in Sao Paulo, Brazil. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):674-84. ), o que pode ser parcialmente explicado pela associação desse com práticas sexuais de risco, como o sexo desprotegido( 77. Bates I, Fenton C, Gruber J,Lalloo D, LaraAM, Squire SB, et al. Vulnerability to malaria, tuberculosis, and HIV/AIDS infection and disease. Part 1: determinants operating at individual and household level. Lancet Infect Dis. 2004;4:267-77. , 2020. Granjeiro A, Holcman MM, Onaga ET,Alencar HDR, PlaccoALN, Teixeira PR. Prevalence and vulnerability of holmeless people to HIV infection in Sao Paulo, Brazil. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):674-84. ).

Considerando-se o uso de preservativos, observou-se, no presente estudo, prática de sexo desprotegido por mais de 40% das mulheres, independente de parceria fixa ou eventual, assim como da condição sorológica do parceiro. Estudos internacionais( 66. Abimanyi-OchomJ. The better the worse: risk factors for HIV infection among women in Kenya and Uganda - demographic and health survey. AIDS Care. 2011;23(12):1545-50. - 77. Bates I, Fenton C, Gruber J,Lalloo D, LaraAM, Squire SB, et al. Vulnerability to malaria, tuberculosis, and HIV/AIDS infection and disease. Part 1: determinants operating at individual and household level. Lancet Infect Dis. 2004;4:267-77. , 2121. Higgins JA, Hoffman S, Dworkin SL.Rethinking gender, heterosexual men, and women's vulnerability to HIV/aids. Am J Public Health. 2010;100(3):435-45. ) e nacionais( 2020. Granjeiro A, Holcman MM, Onaga ET,Alencar HDR, PlaccoALN, Teixeira PR. Prevalence and vulnerability of holmeless people to HIV infection in Sao Paulo, Brazil. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):674-84. , 2222. Maia C, Guilhem D,Freitas. Vulnerabilidade ao HIV/aids de pessoas heterossexuais casadas ou em união estável. Rev Saúde Pública. 2008;42(2):242-8. ) revelaram que as desigualdades de poder com base no gênero, assim como as normas que regem as relações estáveis, determinam baixo poder de negociação das mulheres em relação ao sexo seguro. A expectativa com relação à maternidade é outro fator que contribui para a prática de sexo inseguro( 66. Abimanyi-OchomJ. The better the worse: risk factors for HIV infection among women in Kenya and Uganda - demographic and health survey. AIDS Care. 2011;23(12):1545-50. ).

Identificou-se alta prevalência de história referida de DSTs. Essas já foram consistentemente relatadas na literatura aumentando a biovulnerabilidade à infecção pelo HIV( 77. Bates I, Fenton C, Gruber J,Lalloo D, LaraAM, Squire SB, et al. Vulnerability to malaria, tuberculosis, and HIV/AIDS infection and disease. Part 1: determinants operating at individual and household level. Lancet Infect Dis. 2004;4:267-77. , 2020. Granjeiro A, Holcman MM, Onaga ET,Alencar HDR, PlaccoALN, Teixeira PR. Prevalence and vulnerability of holmeless people to HIV infection in Sao Paulo, Brazil. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):674-84. - 2121. Higgins JA, Hoffman S, Dworkin SL.Rethinking gender, heterosexual men, and women's vulnerability to HIV/aids. Am J Public Health. 2010;100(3):435-45. ).

Com base no perfil sociodemográfico, comportamental e clínico, a dimensão individual da vulnerabilidade pôde ser apreendida pelo baixo nível de escolaridade, multiplicidade de parceiros sexuais, história de DST e uso irregular de preservativo, aspectos observados entre a maior parte das mulheres. Apesar de menos frequente, também constituiu fator de vulnerabilidade o uso regular de drogas ilícitas e o consumo de álcool.

Com relação à vulnerabilidade social, observou-se que parcela importante das mulheres investigadas encontrava-se excluída do mercado de trabalho e do acesso à seguridade social. Dentre aquelas que trabalhavam, as ocupações predominantes foram nos setores de serviços e rural, cujas tarefas não requerem qualificação e tendem à precariedade nas relações do trabalho, mostrando-se coerente com a baixa escolaridade predominante. Em estudo realizado no Sul do Brasil( 1313. Silveira MF, Santos IS, Victora CG. Poverty, skin colour and HIV infection: a case-control study from southern Brazil. AIDS Care. 2008;20(3):267-72. ), comparando mulheres infectadas pelo HIV/Aids com mulheres da população geral, constatou-se associação entre ter a infecção pelo HIV, baixo nível de escolaridade e menor renda.

O elevado percentual de mulheres com queixa ginecológica, DST, alterações citológicas no colo uterino e não realização do exame colpocitológico na periodicidade recomendada( 2323. Centers for Disease Control and Prevention (US). Department of Health and Human Services. Morbidity and Mortality Weekly Report [Internet] . 2010 [acesso 5 maio 2013];59(RR-12):1 -110. Disponível em:http://www.cdc.gov/mmwr
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) aponta alta vulnerabilidade na dimensão programática. Esses dados demonstram que os serviços de saúde podem contribuir para o aumento da vulnerabilidade de mulheres infectadas pelo HIV, à medida que deixam de realizar diagnósticos de afecções ginecológicas. Tais achados enfatizam a necessidade de rastreamento regular dessas mulheres, a fim de reduzir a morbidade por essas afecções, bem como a transmissão de algumas delas e do próprio HIV aos parceiros sexuais não infectados.

A ausência de atendimento ginecológico em serviços especializados no cuidado de mulheres infectadas por HIV/Aids, a dificuldade de acesso, a irregularidade na oferta desse e desarticulação com outros serviços de saúde e a ausência de educação em saúde, voltada à prevenção do câncer de colo uterino são elementos relacionados à vulnerabilidade programática dessa neoplasia observados em estudo recente( 1111. Brito DMS, Galvão MTG, Pereira MLD. Markers of vulnerability for cervical cancer in HIV-infected women. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):500-7. ) e que poderiam justificar, também, o encontrado na presente investigação. Por outro lado, o longo tempo de seguimento desde o diagnóstico da infecção pelo HIV da maioria das mulheres aqui investigadas, o alto percentual de utilização da terapia antirretroviral e de mulheres com controle clínico adequado da infecção, evidenciado pelos indicadores laboratoriais de contagem de células T CD4+ e carga viral plasmática do HIV apontam para resultados positivos do cuidado médico recebido. Assim, nota-se maior atenção às questões mais específicas voltadas ao atendimento especializado em infectologia, em detrimento do cuidado integral em relação a outros aspectos ligados à infecção pelo HIV e sua evolução.

A via de infecção do HIV, predominante entre as mulheres do presente estudo, foi a sexual, coerente com os dados estaduais( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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) e nacionais( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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) das últimas três décadas para mulheres com 13 anos de idade ou mais. A maioria das que referiram essa categoria de exposição identificou, como forma de contaminação dos parceiros, a ocorrência de relações sexuais com múltiplas parceiras e o uso de drogas injetáveis. Assim, observaram-se, mais uma vez, diferenças entre as informações desta pesquisa e dados estaduais( 33. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (BR). Programa Estadual de DST. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Bol Epidemiol DST/AIDS [Internet]. jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];29(1):1-112.Disponível em: http://www.crt.saude.sp.gov.br
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) e nacionais( 22. Ministério da Saúde (BR). Programa Nacional de DST e Aids. Bol Epidemiol AIDS e DST [Internet] . jan-jun 2012 [acesso 5 maio 2013];9(1):3-24.Disponível em: http://www.aids.gov.br
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). Parte das entrevistadas relatou desconhecimento do comportamento bissexual de seus parceiros até seu diagnóstico de infecção pelo HIV o que, possivelmente, aumentou sua vulnerabilidade a essa. A não percepção sobre o comportamento bissexual do parceiro também foi observada em estudo anterior, com mulheres residentes em área rural de Minas Gerais( 2424. Guimarães PN, Martin D, Quirino J. Aids em área rural de Minas Gerais: abordagem cultural. Rev Saúde Pública. 2007;41(3):412-8. ).

As condições em que as mulheres souberam de sua soropositividade para o HIV foram semelhantes às observadas em poucas investigações anteriores( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. , 1717. Paiva V, Latorre MR, Gravato N,Lacerda R. Enhancing care initiative - Brasil. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/aids em São Paulo. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1609-20. ). Estudo realizado em 2002( 1717. Paiva V, Latorre MR, Gravato N,Lacerda R. Enhancing care initiative - Brasil. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/aids em São Paulo. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1609-20. ) demonstrou que 23,0% das mulheres realizaram a testagem para o HIV por iniciativa própria, imaginando que poderiam estar infectadas, enquanto que, na presente investigação, apenas 7,8% delas buscaram sua condição sorológica por se perceberem em risco. Tais resultados, associados aos referentes à categoria de exposição, uso inconsistente do preservativo por parcela significativa das mulheres, a referência de história anterior de DST e sua elevada prevalência podem demonstrar a baixa percepção de risco de mulheres que vivem em municípios do interior, em relação à infecção pelo HIV/DST, fatores que aumentam sua vulnerabilidade( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA,Aidar T, FilileEMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública. 2009;25 Supl 2:S321-33. , 2424. Guimarães PN, Martin D, Quirino J. Aids em área rural de Minas Gerais: abordagem cultural. Rev Saúde Pública. 2007;41(3):412-8. ). Tal fato reveste-se de grande significado clínico e epidemiológico, uma vez que, além de predispor ao diagnóstico tardio com piora da qualidade de vida, contribui para a manutenção da cadeia de transmissão do HIV e das DSTs.

Destaca-se, ainda, no presente estudo, a baixa percepção de risco para o HIV/Aids, também por parte dos profissionais de saúde, indicando que ações de educação permanente em saúde, relacionadas à infecção pelo HIV/Aids e DSTs devem ser efetivadas para as equipes dos municípios de residência dessas mulheres. Essa necessidade pode ser corroborada, também, no que se refere ao diagnóstico precoce e tratamento de afecções do trato genital inferior, associadas ou não à Aids.

Conclusão

Este estudo evidenciou elevada prevalência de DSTs entre mulheres vivendo com HIV/Aids, reforçando que a prática sexual insegura continua sendo mantida. Aliada a isso, contatou-se baixa percepção de risco e a manutenção das características pessoais e dos contextos socioculturais, econômicos e clínicos, apontando a vulnerabilidade do grupo estudado em suas três dimensões.

O conhecimento das características das mulheres, especialmente aquelas que as tornam mais vulneráveis, deve subsidiar a proposição de estratégias de proteção e empoderamento desse grupo, com vistas ao cuidado integral e ao aumento de sua autonomia. Nesse sentido, sugere-se a necessidade de ofertar assistência ginecológica em serviços especializados, visando o diagnóstico e o tratamento precoces de DSTs e outras afecções ginecológicas, bem como a realização de ações multiprofissionais que reforcem a autonomia feminina na tomada de decisões protetoras, contribuindo para redução da desigualdade de gênero a que essas mulheres estão sujeitas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2012
  • Aceito
    23 Set 2013
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