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Intenção em deixar a Enfermagem durante a pandemia de COVID-19

Resumo

Objetivo:

investigar a proporção de profissionais com intenção em deixar a Enfermagem durante a pandemia de COVID-19, bem como os fatores associados a esse desfecho.

Método:

estudo transversal realizado por meio da aplicação de questionários a 890 profissionais de Enfermagem do município de Pelotas (RS). O desfecho foi identificado por meio do autorrelato obtido a partir de questão própria. Riscos Relativos, bem como seus Intervalos de Confiança (95%), foram calculados para as variáveis independentes por meio de regressão de Poisson bruta e ajustada.

Resultados:

a proporção de profissionais que manifestaram intenção em deixar a Enfermagem foi de 24,6% (n=219). Houve associação positiva entre o desfecho e maior escolaridade, avaliação negativa do suporte institucional, sobrecarga moderada ou pesada e lesões de pele. Foi observada ainda associação negativa entre o desfecho e idade igual ou superior a 51 anos.

Conclusão:

exceto pelas lesões de pele, aspectos como a falta de suporte e a sobrecarga, embora possam ter sido exacerbadas na pandemia, não caracterizam fato novo nos serviços de saúde. Nesse sentido, as associações encontradas pelo estudo refletem a necessidade de ações transversais para promover a retenção de profissionais.

Descritores:
Enfermagem; Equipe de Enfermagem; Pandemias; COVID-19; Pessoal de Saúde; Esgotamento Psicológico

Abstract

Objective:

to investigate the percentage of professionals with an intention to leave Nursing during the COVID-10 pandemic, as well as the factors associated with this outcome.

Method:

a cross-sectional study conducted by applying questionnaires to 890 Nursing professionals from the municipality of Pelotas (RS). The outcome was identified by means of self-reports obtained from the question itself. Relative Risks, as well as their Confidence Intervals (95%), were calculated for the independent variables by means of unadjusted and adjusted Poisson regression.

Results:

the percentage of professionals who stated their intention to leave Nursing was 24.6% (n=219). There was a positive association between the outcome and higher schooling levels, negative evaluation of institutional support, moderate or intense overload, and skin lesions. A negative association was also observed between the outcome and individuals aged 51 years old or more.

Conclusion:

except for skin lesions, aspects such as lack of support and overload, although they may have been intensified during the pandemic, do not represent a new fact in the health services. In this sense, the associations found in the study reflect the need for cross-sectional actions to promote retention of professionals.

Descriptors:
Nursing; Nursing Team; Pandemics; COVID-19; Health Personnel; Burnout Psychological

Resumen

Objetivo:

investigar el porcentaje de profesionales con intención de abandonar la profesión de Enfermería durante la pandemia del COVID-19, así como los factores asociados con este desenlace.

Método:

estudio transversal realizado por medio de cuestionarios aplicados a 890 profesionales de Enfermería del municipio de Pelotas (RS). El desenlace se identificó por medio de autoinformes obtenidos a partir de la pregunta en sí. Por medio de regresión de Poisson ajustada y no ajustada, se calculó el Riesgo Relativo, al igual que sus Intervalos de Confianza (95%), para las variables independientes.

Resultados:

el porcentaje de profesionales que manifestaron su intención de abandonar la profesión de Enfermería fue del 24,6% (n=219). Se registró una asociación positiva entre el desenlace y nivel de estudios más elevado, evaluación negativa del apoyo institucional, sobrecarga moderada o intensa y lesiones en la piel. También se observó una asociación negativa entre el desenlace y personas de al menos 51 años de edad.

Conclusión:

salvo por las lesiones en la piel, aspectos como la falta de apoyo y la sobrecarga, aunque pudieran haberse visto intensificados durante la pandemia, no representan un hecho novedoso en los servicios de salud. En este sentido, las asociaciones que se encontraron en el estudio reflejan la necesidad de implementar acciones transversales para promover retención de profesionales.

Descriptores:
Enfermería; Grupo de Enfermería; Pandemias; COVID-19; Personal de Salud; Agotamiento Psicológico

Destaques

(1) Associação positiva com escolaridade de ensino superior e lesões de pele na pandemia.

(2) Associação positiva com avaliação ruim do suporte recebido no serviço de saúde.

(3) Associação positiva com sobrecarga de trabalho moderada ou pesada.

(4) Necessidade de ações transversais para permanência na profissão.

(5) Os achados contribuem para orientar as políticas públicas.

Introdução

A Enfermagem constitui mais da metade da força de trabalho no sistema de saúde do Brasil e, em junho de 2021, auxiliares, técnicos e enfermeiros computavam 2.521.155 profissionais11. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Enfermagem em números [Homepage]. 2021. Available from: https://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros
https://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-n...
. Fatores como falta de suporte do empregador, falta de autonomia, baixa remuneração, carga horária e trabalho aumentados, desmotivação, além do adoecimento físico e mental, têm marcado o contexto de trabalho da equipe de Enfermagem22. Farid M, Purdy N, Neumann WP. Using system dynamics modelling to show the effect of nurse workload on nurses' health and quality of care. Ergonomics. 2020;63(8):952-64. https://doi.org/10.1080/00140139.2019.1690674
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3. Poeira AFS, Mamede RNFP, Martins MMFPS. Predictors for changing to a non-Nursing profession. Referência. 2019;4(22):73-83. https://doi.org/10.12707/RIV19010
https://doi.org/10.12707/RIV19010...

4. Silva AGI, Mendonça SES, Moraes AC, Vasconcelos TS, Costa GF. Satisfaction and dissatisfaction of the nursing team in urgente and emergency units: integrative review. Nursing (São Paulo). 2021;24(276):5656-69. https://doi.org/10.36489/nursing.2021v24i276p5656-5669
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5. Pérez-Fuentes MC, Gázquez JJ, del Mar Molero M, Oropesa NF, Martos Á. Violence and job satisfaction of nurses: importance of a support network in healthcare. Eur J Psychol Appl Leg Context. 2020;13(1):21-8. https://doi.org/10.5093/ejpalc2021a3
https://doi.org/10.5093/ejpalc2021a3...
-66. Barreto GADA, Oliveira JML, Carneiro BA, Bastos MAC, Cardoso GMP, Figueredo WN. Nursing working conditions: an integrative review. Rev Cient Sena Aires. 2021;10(1):13-21. https://doi.org/10.36239/revisa.v10.n1.p13a21
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.

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde anunciou o surto do novo Coronavírus (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 - SARS-CoV-2) como uma emergência de saúde pública de importância internacional e, em 11 de março de 2020, declarou-o como uma pandemia. O primeiro caso foi identificado, no Brasil, em 26 de fevereiro de 2020, ocorrendo a rápida disseminação do vírus, com uma busca crescente por atendimento e sobrecarga dos serviços de saúde. O cenário inicial de desconhecimento sobre o vírus, a escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados e de testagem, a inexistência de vacina e protocolos de tratamento, somados à necessidade de exposição e ao maior enfrentamento de riscos de contaminação no trabalho da equipe de Enfermagem, acentuaram as dificuldades já existentes77. International Council of Nurses. The Global Nursing shortage and Nurse Retention [Internet]. 2021 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.icn.ch/sites/default/files/inline-files/ICN%20Policy%20Brief_Nurse%20Shortage%20and%20Retention.pdf
https://www.icn.ch/sites/default/files/i...
-88. Pickover E. MPs warn of 'emerging crisis' in nursing as one third consider leaving profession within year. Independent [Internet]. 23 Sep 2020 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.independent.co.uk/news/health/nursing-crisis-coronavirus-royal-college-public-accounts-committee-b539488.html
https://www.independent.co.uk/news/healt...
. Até o início de setembro de 2021, 4.534.755 vidas foram perdidas em todo o mundo99. World Health Organization. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard [Homepage]. 2021 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int...
, dentre elas, cerca de 3.000 eram profissionais de Enfermagem77. International Council of Nurses. The Global Nursing shortage and Nurse Retention [Internet]. 2021 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.icn.ch/sites/default/files/inline-files/ICN%20Policy%20Brief_Nurse%20Shortage%20and%20Retention.pdf
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, sendo 864 somente no Brasil1010. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Mortes entre profissionais de Enfermagem por Covid-19 cai 71% em abril [Internet]. 2021 [cited 2021 Oct 7]. Available from: http://www.cofen.gov.br/mortes-entre-profissionais-de-enfermagem-por-covid-19-cai-71-em-abril_86775.html
http://www.cofen.gov.br/mortes-entre-pro...
.

A escassez de profissionais de Enfermagem observada em muitos países e as insatisfações com as condições de trabalho foram agravadas durante a pandemia de COVID-19. O contexto atual, marcado por mortes, adoecimentos e aumento da carga de trabalho, tem influenciado a intenção destes trabalhadores em deixar a profissão e, por sua vez, impactado o atendimento à população88. Pickover E. MPs warn of 'emerging crisis' in nursing as one third consider leaving profession within year. Independent [Internet]. 23 Sep 2020 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.independent.co.uk/news/health/nursing-crisis-coronavirus-royal-college-public-accounts-committee-b539488.html
https://www.independent.co.uk/news/healt...
,1111. Buchan J, Catton H, Shaffer FA. Ageing well? Policies to support older nurses at work [Internet]. Philadelphia, PA: International Centre on Nurse Migration; 2020 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.icn.ch/sites/default/files/inline-files/Ageing%20ICNM%20Report%20December%209%202020.pdf
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Um estudo transversal, observacional e multicêntrico, realizado antes da pandemia de COVID-19 com 23.159 profissionais da equipe de Enfermagem de unidades cirúrgicas e médicas de 385 hospitais, em dez países europeus (Bélgica, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Holanda, Noruega, Polônia, Espanha, Suíça e Reino Unido), constatou que, em geral, 9% pretendiam deixar a profissão (com variação de 5% a 17% entre os dez países). Foram associados à intenção em deixar a Enfermagem uma percepção mais negativa sobre sua participação em assuntos hospitalares, idade avançada, gênero feminino, trabalho em tempo integral e síndrome de Burnout1212. Heinen MM, Achterberg TV, Schwendimann R, Zander B, Matthews A, Kózka M, et al. Nurses' intention to leave their profession: A cross sectional observational study in 10 European countries. Int J Nurs Stud. 2013;50(2):174-84. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.09.019
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. Mais recentemente, já no contexto da pandemia, um estudo transversal, conduzido com 385 profissionais da equipe de Enfermagem em serviços comunitários nas Filipinas, demonstrou que aqueles os quais expressaram medo de atuar frente aos desafios da pandemia de COVID-19, na análise multivariada, apresentavam-se mais propensos a manifestar estresse no trabalho e intenção em deixar a profissão1313. De los Santos JAA, Labrague LJ. The impact of fear of COVID-19 on job stress, and turnover intentions of frontline nurses in the community: A cross-sectional study in the Philippines. Traumatology. 2021;27(1):52. https://doi.org/10.1037/trm0000294
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.

Destaca-se que existem lacunas na literatura acerca dos fatores que contribuem para que os trabalhadores da área de Enfermagem relatem a intenção em deixar a profissão33. Poeira AFS, Mamede RNFP, Martins MMFPS. Predictors for changing to a non-Nursing profession. Referência. 2019;4(22):73-83. https://doi.org/10.12707/RIV19010
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-44. Silva AGI, Mendonça SES, Moraes AC, Vasconcelos TS, Costa GF. Satisfaction and dissatisfaction of the nursing team in urgente and emergency units: integrative review. Nursing (São Paulo). 2021;24(276):5656-69. https://doi.org/10.36489/nursing.2021v24i276p5656-5669
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,1313. De los Santos JAA, Labrague LJ. The impact of fear of COVID-19 on job stress, and turnover intentions of frontline nurses in the community: A cross-sectional study in the Philippines. Traumatology. 2021;27(1):52. https://doi.org/10.1037/trm0000294
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. Estudar estes fatores pode contribuir com vistas ao planejamento da força de trabalho, melhoria nas condições laborais, enfrentamento das dificuldades, além do desenvolvimento de estratégias e práticas de gestão para que estes trabalhadores não declinem da profissão.

Acredita-se que a intenção em deixar a profissão de Enfermagem esteja associada aos fatores relacionados às condições de trabalho e tenha sido potencializada no contexto da pandemia da COVID-19. Deste modo, este estudo teve como objetivo investigar a proporção de profissionais com intenção em deixar a Enfermagem durante a pandemia de COVID-19, bem como os fatores associados a esse desfecho.

Método

Tipo de estudo e delineamento

Trata-se de um estudo transversal realizado entre os meses de junho e julho de 2020 no município de Pelotas (RS). A população do estudo compreendeu os trabalhadores de Enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem) alocados nos serviços municipais voltados ao enfrentamento da pandemia de COVID-19, a saber: 51 unidades básicas de saúde; dois ambulatórios; dois serviços hospitalares; um pronto-socorro; um serviço móvel de urgência; um serviço de teleconsulta, além do serviço de vigilância epidemiológica municipal e a central de regulação de vagas. Segundo levantamento anterior, o total de profissionais de Enfermagem vinculados a esses serviços era de 1.297 profissionais.

Seleção dos participantes

Foram adotados como critérios de inclusão para este estudo: ser maior de 18 anos; ser um profissional de Enfermagem devidamente cadastrado no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) e estar atuando nos serviços de enfrentamento à pandemia do COVID-19 no município estudado. Os critérios de exclusão foram: estar de férias ou afastamento das atividades laborais no período da coleta de dados e não possuir um meio de contato válido (e-mail; aplicativo de mensagem; celular ou telefone fixo) registrado junto aos serviços estudados.

Procedimentos para a coleta de dados

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram identificados 1.186 profissionais elegíveis para o estudo. Entre estes, foram realizados 944 contatos com sucesso, tendo havido 242 casos em que após, pelo menos, dez tentativas em dias e horários diferentes não foi possível o contato com o profissional. O contato com os participantes foi conduzido por 18 graduandos ou pós-graduandos provenientes dos cursos de Enfermagem ou Psicologia, previamente treinados para seguir o protocolo do estudo (via e método de abordagem; esclarecimento quanto aos procedimentos e objetivos do estudo; questões éticas). Eles foram supervisionados por professores ou pesquisadores com doutorado e experiência prévia na condução de pesquisas.

Entre os contatos bem-sucedidos, após esclarecimento quanto aos objetivos do estudo, o direito de não participação e de anonimato, 54 profissionais recusaram-se a participar do estudo. Dessa forma, foram incluídos, no estudo, 890 profissionais, correspondendo a uma taxa de resposta de 75% da população elegível.

Aqueles que aceitaram participar no estudo receberam, por meio de seu e-mail, do Short Message Service (SMS) ou do aplicativo de mensagem pessoal, um link que os direcionava para um questionário online autoaplicável, hospedado na plataforma Google Forms, o qual só podia ser acessado após a leitura e concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Controle de qualidade

Os questionários recebidos eram revisados diariamente pelos supervisores a fim de identificar aqueles respondidos apenas de forma parcial ou outras questões que pudessem invalidá-los, como, por exemplo, terem sido respondidos por profissionais que não constavam nas listas fornecidas pelos serviços.

Cada participante foi orientado a responder ao questionário somente uma vez, ainda que trabalhasse em mais de um serviço. Nesses casos, foram solicitados a responder ao questionário pensando no emprego que eles considerassem como seu principal vínculo.

Desfecho e sua medida

A intenção em deixar a Enfermagem foi avaliada por meio de uma questão elaborada e validada pelos pesquisadores do estudo em um teste piloto com dez profissionais de Enfermagem, os quais não vieram a compor a amostra do estudo. A questão utilizada fazia a seguinte indagação ao profissional: “Durante a pandemia da COVID-19, você teve vontade, em algum momento, de mudar de profissão?”. A presença de intenção em deixar a Enfermagem foi considerada presente quando os profissionais responderam positivamente à questão.

Variáveis independentes

O questionário aplicado aos participantes foi de elaboração própria e levou em conta uma revisão de literatura conduzida previamente. A partir dessa revisão, foram elaboradas questões acerca do perfil sociodemográfico, formação, processo de trabalho (de forma geral e relacionado com a pandemia), suporte, mudanças na rotina e impactos da pandemia.

Neste estudo, foram incluídas como variáveis independentes: sexo (masculino e feminino); cor (branca, parda, preta); idade (até 30, 31 a 40, 41 a 50, igual ou maior que 51); escolaridade (Ensino Médio, pós-graduação, graduação); renda per capita (até um salário-mínimo, até dois salários-mínimos, até três salários-mínimos, mais de três salários-mínimos); pertencimento ao grupo de risco (caracterizado pela presença de comorbidades como hipertensão, diabetes, doenças cardíacas ou respiratórias crônicas, além de histórico de transplante ou uso de medicamentos imunossupressores - não pertence ou pertence); categoria de Enfermagem (enfermeiro, técnico de Enfermagem, auxiliar de Enfermagem); tipo de serviço (Atenção Primária à Saúde, ambulatório, emergência, hospital, administrativo); avaliação das condições de trabalho (bom, regular, ruim); avaliação do suporte institucional recebido (bom, regular, ruim); sobrecarga (leve, moderada, pesada); comparação da sobrecarga pré e pós-pandemia (a mesma ou diminuída, aumentada); grau de envolvimento com ações de enfrentamento à pandemia (nenhum, trabalho indireto - por exemplo: administrativo, contato com casos suspeitos, contato com casos confirmados); treinamento para enfrentar a pandemia (não recebeu, recebeu); falta de EPI (não houve, houve); presença de lesões de pele (não apresentou, apresentou); suspeita de contágio (não houve, houve); caso de COVID-19 na família ou em amigos próximos (não houve, houve); diminuição da interação com familiares (não houve, houve).

Análises estatísticas

As análises estatísticas foram realizadas no software Stata 16 (Stata Corporation, College Station, Texas, EUA). As prevalências do desfecho foram calculadas entre a amostra e dentro de cada estrato das variáveis estudadas.

As associações entre o desfecho com as variáveis independentes foram testadas por meio do uso de modelos de regressão de Poisson não ajustados e ajustados com estimadores de variância robustos. Na análise ajustada, para a seleção dos potenciais fatores de confusão, foi empregada a técnica stepwise forward, adotando-se, como critério de seleção, um valor de p ≤ 0,201414. Maldonado G, Greenland S. Simulation Study of Confounder-Selection Strategies. Am J Epidemiol. 1993;138(11): 923-36. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.aje.a116813
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. A significância estatística foi definida como p < 0,05.

Após a seleção, foram definidas, como potenciais confundidores, as variáveis cor, categoria de Enfermagem, avaliação do suporte institucional recebido, sobrecarga, lesões de pele e diminuição da interação com familiares. Nesse sentido, elas foram utilizadas para ajuste entre si e para cada uma das demais variáveis incluídas no estudo.

Ressalta-se que a análise de regressão foi precedida por um teste de colinearidade e os resultados foram satisfatórios para a realização das análises (Fator de Inflação da Variância - VIF < 1,36).

Procedimentos éticos

O estudo foi submetido e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos credenciado, sob Parecer Técnico nº 4.047.860, de 26 de maio de 2020, seguindo as normas brasileiras de regulamentação e diretrizes para pesquisas envolvendo seres humanos - Resolução CNS nº 466/2012, além da Declaração de Helsinque. Os princípios éticos deste estudo foram observados pela garantia do direito de não participação na pesquisa desde o primeiro contato e adoção do TCLE no qual, ao aceitar, o participante concordou com a divulgação dos dados para fins científicos, preservando o anonimato.

As Diretrizes para Relatório de Estudos Observacionais em Epidemiologia (STROBE Statement) foram aderidas neste estudo.

Resultados

No total, 890 profissionais de Enfermagem responderam ao questionário online. Destes, 319 (35,8%) eram enfermeiros, 501 (56,3%), técnicos de Enfermagem e 70 (7,86%), auxiliares de Enfermagem. A maioria dos participantes era do sexo feminino (84,8% n = 755) e a média de idade foi de 40,4 anos (DP = 8,58). Quanto ao local de trabalho, a maioria trabalhava em serviço hospitalar (64,8% n = 577) ou na Atenção Básica (10,3% n = 92). A caracterização completa dos participantes pode ser observada na Tabela 1. A variável com dados faltantes (n=80) foi a renda per capita.

Tabela 1
Dados sociodemográficos dos participantes do estudo (n=890), tipo de serviço em que trabalham e categoria de Enfermagem a qual pertencem. Pelotas, RS, Brasil, 2020

Dos 890 profissionais de Enfermagem, 24,6% (n=219) referiram a intenção em deixar a profissão. A prevalência do desfecho estratificada pela categoria de Enfermagem dos participantes foi de 29,1% para os enfermeiros, 22,9% para os técnicos de Enfermagem e 15,7% para os auxiliares de Enfermagem. A proporção desse desfecho em relação às variáveis sociodemográficas e os valores de riscos relativos brutos e ajustados em relação às demais variáveis incluídas no estudo são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Prevalências do desfecho entre os participantes do estudo (n=890) de acordo com as variáveis independentes Riscos Relativos brutos e ajustados e Intervalos de Confiança (IC: 95%) estimados pela regressão de Poisson. Pelotas, RS, Brasil, 2020

No que diz respeito aos dados sociodemográficos, foi encontrada evidência de associação negativa entre a intenção em deixar a Enfermagem e possuir 51 anos ou mais (RR: 0,58; IC 95%: 0,35-0,98). Por outro lado, foi observada evidência de associação positiva entre o desfecho e a escolaridade em nível de pós-graduação, tendo, como estrato de comparação, a escolaridade em nível de Ensino Médio (RR: 1,40; IC: 95%; 1,04-1,89).

Também foi observada evidência de associação entre o desfecho e a pior avaliação do suporte institucional recebido no trabalho. Aqueles que avaliaram o suporte recebido da pior forma apresentaram um RR de 1,64 (IC 95%:1,17-2,30) para o desfecho em relação àqueles que avaliavam o suporte positivamente.

O relato de sobrecarga moderada (RR: 1,71; IC: 95%:1,17-2,49) ou pesada (RR: 2,76; IC:95%:1,95-3,9) também esteve positivamente associado ao desfecho, havendo maior risco relativo de apresentar o desfecho quanto mais pesada a sobrecarga.

Também foi evidenciada associação entre a intenção em deixar a Enfermagem e a manifestação de lesões de pele em decorrência do uso de EPI durante o período pandêmico (RR:1,60; IC: 95%:1,22-2,11).

Discussão

Este estudo evidenciou uma alta proporção de profissionais da Enfermagem com a intenção em deixar a profissão. Esse desfecho esteve associado ao nível de escolaridade, à falta de suporte institucional e à sobrecarga moderada e pesada de trabalho, com destaque para aqueles que apresentaram lesões de pele devido ao uso de EPI.

A intenção em deixar a profissão durante a pandemia da COVID-19 também foi encontrada em estudo com 210 profissionais de Enfermagem em hospitais em Zagazig, no Egito, onde mais de 95% deles tinham a intenção em deixar seu trabalho atual em um hospital de triagem COVID-19, enquanto cerca de 25% pretendiam deixar a profissão completamente1515. Said RM, El-Shafei DA. Occupational stress, job satisfaction, and intent to leave: nurses working on front lines during COVID-19 pandemic in Zagazig City, Egypt. Environ Sci Pollut Res. 2021;28(7):8791-801. https://doi.org/10.1007/s11356-020-11235-8
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.

No estágio inicial da pandemia na Coreia do Sul, uma pesquisa com 377 profissionais da equipe de Enfermagem evidenciou que mais de 10% dos participantes relataram a intenção em deixar a profissão1616. Kim YJ, Lee SY, Cho JH. A Study on the Job Retention Intention of Nurses Based on Social Support in the COVID-19 Situation. Sustainability. 2020;12:7276. https://doi.org/10.3390/su12187276
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. Da mesma forma, os resultados de pesquisa envolvendo 1.705 profissionais de Enfermagem da linha de frente em Quebec demonstraram que, durante a pandemia da COVID-19, 29,5% da equipe de Enfermagem tinham a intenção em deixar seu ambiente atual de trabalho e 22,3%, a profissão1717. Lavoie-Tremblay M, Gélinas C, Aubé T, Tchouaket E, Tremblay D, Gagnon MP, et al. Influence of caring for COVID-19 patients on nurse's turnover, work satisfaction, and quality of care. J Nurs Manag. 2021;1-11. https://doi.org/10.1111/jonm.13462
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, assim como profissionais de Enfermagem de serviços de emergência australianos, em que 20,3% das 398 profissionais estudadas tinham a intenção em deixar a profissão1818. Cornish S, Klim S, Kelly AM. Is COVID-19 the straw that broke the back of the emergency nursing workforce? Emerg Med Australas. 2021;33:1095-9. https://doi.org/10.1111/1742-6723.13843
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.

Uma pesquisa com 512 profissionais de Enfermagem no Catar constatou um aumento na intenção de deixar o emprego de 13,24% para 15,54% durante a COVID-19. Embora haja diferenças entre a intenção de deixar o emprego e procurar outro com menor exposição e a intenção em deixar a profissão, é importante perceber que esta intenção pode ser um fato que antecede o abandono da profissão1919. Nashwan AJ, Abujaber AA, Villar RC, Nazarene A, Al-Jabry MM, Fradelos EC. Comparing the Impact of COVID-19 on Nurses' Turnover Intentions before and during the Pandemic in Qatar. J Pers Med. 2021;11(6):456. https://doi.org/10.3390/jpm11060456
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.

Além disso, em relatório do Reino Unido, evidenciou-se que 20% das associações nacionais de profissionais de Enfermagem relataram um aumento no número de profissionais deixando a profissão como resultado da pandemia1212. Heinen MM, Achterberg TV, Schwendimann R, Zander B, Matthews A, Kózka M, et al. Nurses' intention to leave their profession: A cross sectional observational study in 10 European countries. Int J Nurs Stud. 2013;50(2):174-84. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.09.019
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012....
. Observa-se que a prevalência encontrada neste estudo manteve-se próxima ou acima das encontradas em pesquisas realizadas antes e durante a pandemia.

Nesta pesquisa, observou-se que os profissionais de Enfermagem com idade igual ou superior aos 51 anos estão menos propensos a deixar a profissão. Estes resultados são corroborados por um estudo realizado na Coreia do Sul onde se verificou que profissionais de Enfermagem com idade de 41 anos ou mais encontram-se engajados no trabalho e com intenção mais forte em manter-se na Enfermagem.

Os resultados também apontaram que o desfecho esteve associado ao estrato referente às pessoas com maior escolaridade. Entretanto, em um estudo realizado com profissionais de Enfermagem, no Catar, os pesquisadores concluíram que a qualificação educacional não interferiu nesta intenção1919. Nashwan AJ, Abujaber AA, Villar RC, Nazarene A, Al-Jabry MM, Fradelos EC. Comparing the Impact of COVID-19 on Nurses' Turnover Intentions before and during the Pandemic in Qatar. J Pers Med. 2021;11(6):456. https://doi.org/10.3390/jpm11060456
https://doi.org/10.3390/jpm11060456...
.

Em contraste ao observado em outros estudos, os resultados deste apontam que a falta de EPI não esteve associada à intenção em deixar a profissão. Pesquisa realizada com profissionais de Enfermagem, nos Estados Unidos, constatou que o estresse e a ansiedade estiveram presentes em 89% dos participantes que ouviram notícias sobre a escassez de EPI. Além disso, a falta de EPI foi considerada positivamente relacionada à intenção em deixar a profissão2020. Cole A, Ali H, Ahmed A, Hamasha M, Jordan S. Identifying Patterns of Turnover Intention Among Alabama Frontline Nurses in Hospital Settings During the COVID-19 Pandemic. J Multidiscip Healthc. 2021;14:1783-94. https://doi.org/10.2147/JMDH.S308397
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. Em Israel, um terço dos profissionais da Enfermagem relatou temer ir para o trabalho devido à potencial contaminação e sentir-se inadequadamente protegido no ambiente de trabalho, reafirmando a importância dos EPI. Porém, quando questionados se havia arrependimento na escolha da profissão de Enfermagem após a pandemia, os entrevistados discordaram fortemente dessa afirmação2121. Sperling D. Ethical dilemmas, perceived risk, and motivation among nurses during the COVID-19 pandemic. Nurs Ethics. 2021;28(1):9-22. http://doi.org/10.1177/0969733020956376
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.

Também contrastando com outros estudos, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o tipo de serviço em que o profissional atuava e a intenção em deixar a profissão. Nas Filipinas, durante a pandemia da COVID-19, profissionais de Enfermagem de serviços comunitários, mesmo apresentando níveis moderados de satisfação no trabalho, indicavam a intenção em deixar seus empregos e mudar para outra carreira1313. De los Santos JAA, Labrague LJ. The impact of fear of COVID-19 on job stress, and turnover intentions of frontline nurses in the community: A cross-sectional study in the Philippines. Traumatology. 2021;27(1):52. https://doi.org/10.1037/trm0000294
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.

Os resultados da presente investigação apontaram que os profissionais da Enfermagem que apresentaram uma sobrecarga pesada e moderada de trabalho possuíam um suporte ruim no local de trabalho e aqueles que apresentaram lesões de pele estiveram mais propensos a manifestar a intenção em deixar a Enfermagem.

Destaca-se que a sobrecarga de trabalho vem sendo discutida amplamente na literatura antes mesmo do contexto pandêmico. O alto nível de demandas, especialmente a sobrecarga no trabalho e a síndrome de Burnout, colaborou para a intenção em deixar a Enfermagem1212. Heinen MM, Achterberg TV, Schwendimann R, Zander B, Matthews A, Kózka M, et al. Nurses' intention to leave their profession: A cross sectional observational study in 10 European countries. Int J Nurs Stud. 2013;50(2):174-84. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.09.019
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012....
,2222. Buchan J, Charlesworth A, Gershlick B, Seccombe I. Rising pressure: the NHS workforce challenge. Workforce Profile and Trends of the NHS in England [Internet]. London: The Health Foundation; 2017 [cited 2021 Oct 7]. Available from: https://www.health.org.uk/sites/default/files/RisingPressureNHSWorkforceChallenge.pdf
https://www.health.org.uk/sites/default/...
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Na Polônia, antes do contexto pandêmico, identificou-se que o fator mais importante para o nível geral de saúde mental da categoria era a sobrecarga de trabalho. No estudo em questão, 66,5% (n=371) dos profissionais de Enfermagem que trabalhavam em hospitais avaliaram a sobrecarga de trabalho como um aspecto negativo do serviço2323. Kowalczuk K, Krajewska-Kulak E, Sobolewski M. The effect of subjective perception of work in relation to occupational and demographic factors on the mental health of Polish nurses. Front Psychol. 2020;11:1396. http://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.591957
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.

Uma pesquisa realizada com profissionais de Enfermagem, nos Estados Unidos (n = 50.273), baseada em dados coletados em 2018, evidenciou que 9,5% dos entrevistados relataram ter efetivamente abandonado o cargo mais recente e, desses, 31,5% relataram o esgotamento como motivo que contribuiu para a decisão de deixar o emprego. Em relação aos profissionais de Enfermagem que cogitaram tomar esta decisão, 43,4% identificaram a síndrome de Burnout como motivo. Fatores adicionais nessas decisões foram um ambiente de trabalho estressante, pessoal inadequado, falta de uma boa gestão ou liderança e a necessidade de melhor remuneração e/ou benefícios2424. Shah MK, Gandrakota N, Cimiotti JP, Ghose N, Moore M, Ali MK. Prevalence of and Factors Associated With Nurse Burnout in the US. JAMA Netw Open. 2021;4(2):e2036469. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.36469
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Uma pesquisa que comparou dois grupos de profissionais de Enfermagem de hospitais no Egito apontou que o principal fator contribuinte para o estresse foi a sobrecarga de trabalho evidenciada por 98,6% dos trabalhadores de um hospital de triagem para a COVID-19, em relação a 51,4% de trabalhadores de um hospital geral1515. Said RM, El-Shafei DA. Occupational stress, job satisfaction, and intent to leave: nurses working on front lines during COVID-19 pandemic in Zagazig City, Egypt. Environ Sci Pollut Res. 2021;28(7):8791-801. https://doi.org/10.1007/s11356-020-11235-8
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. Esse ambiente de trabalho sobrecarregado contribui para a insatisfação no trabalho e pode levar ao abandono da profissão.

Em relação ao suporte institucional ruim, corroborando os achados deste estudo, uma pesquisa com profissionais de Enfermagem no Reino Unido relacionou a intenção em deixar a Enfermagem com a falta de suporte no ambiente de trabalho. O resultado apontou que os trabalhadores de Enfermagem, com falta de suporte no trabalho, tinham 4,8 vezes mais probabilidade de sentirem-se insatisfeitos2525. Senek M, Robertson S, Ryan T, King R, Wood E, Taylor B, et al. Determinants of nurse job dissatisfaction-findings from a cross-sectional survey analysis in the UK. BMC Nurs. 2020;19(1):1-10. https://doi.org/10.1186/s12912-020-00481-3
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Entretanto, uma investigação conduzida com 111 profissionais de Enfermagem do Alabama, da linha de frente no enfrentamento da COVID-19, apontou que mais de 54% relataram haver pouca preocupação dos supervisores com os profissionais. No entanto, a variável apoio do supervisor não esteve associada ao desfecho de intenção em deixar a profissão2020. Cole A, Ali H, Ahmed A, Hamasha M, Jordan S. Identifying Patterns of Turnover Intention Among Alabama Frontline Nurses in Hospital Settings During the COVID-19 Pandemic. J Multidiscip Healthc. 2021;14:1783-94. https://doi.org/10.2147/JMDH.S308397
https://doi.org/10.2147/JMDH.S308397...
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Na presente pesquisa, observou-se a associação entre ter lesões de pele e a intenção em deixar a Enfermagem. Em contraste com os demais fatores que estiveram associados com a intenção em mudar de profissão, as lesões de pele estão diretamente relacionadas ao contexto da pandemia de COVID-19. Como evidenciado pela literatura, essa relação dá-se pelo aumento no tempo de uso de EPI2626. Jiang Q, Liu Y, Song S, Wei W, Bai X. Association between N95 respirator wearing and device-related pressure injury in the fight against COVID-19: a multicentre cross-sectional survey in China. BMJ Open. 2021;11:e041880. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-041880
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Um estudo realizado com profissionais de Enfermagem e médicos em uma província da China encontrou uma prevalência de 97% de lesões de pele causadas por EPI utilizado por profissionais da linha de frente no combate à COVID-192727. Lan J, Song Z, Miao X, Li H, Li Y, Dong L, et al. Skin damage among health care workers managing coronavirus disease-2019. J Am Acad Dermatol. 2020;82(5):1215-6. https://doi.org/10.1016/j.jaad.2020.03.014
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. Da mesma forma, na Turquia, problemas de pele estiveram presentes em 90,2%2828. Daye M, Cihan FG, Durduran Y. Evaluation of skin problems and dermatology life quality index in health care workers who use personal protection measures during COVID-19 pandemic. Dermatol Ther. 2020;33(6):e14346. https://doi.org/10.1111/dth.14346
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dos profissionais. Já em um estudo realizado na província de Wuhan (China), essa prevalência foi de 91,8%2929. Hu D, Kong Y, Li W, Han Q, Zhang X, Zhu LX, et al. Frontline nurses' burnout, anxiety, depression, and fear statuses and their associated factors during the COVID-19 outbreak in Wuhan, China: A large-scale cross-sectional study. EClinicalMedicine. 2020;24:100424. https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2020.100424
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.

As lesões de pele devido ao uso prolongado dos EPI e à lavagem frequente das mãos ou antissepsia foram amplamente abordadas no contexto da pandemia de COVID-19. No entanto, não foram identificados outros estudos na literatura, até o momento, associando as lesões de pele com a intenção em deixar a profissão.

A associação entre as lesões de pele e a intenção em deixar a profissão pode ter ocorrido devido aos sentimentos subjetivos em relação às lesões, como a presença de dor, desconforto e infecções. Pontua-se ainda a falta de suporte no recebimento de produtos para proteger adequadamente a pele, como lenços faciais, hidratante e fita protetora. A proteção dos profissionais deve ser uma prioridade nos serviços de saúde para garantir que eles possam trabalhar sem danos decorrentes do uso de equipamentos que se destinam a ser, a priori, protetores3030. Moore Z, McEvoy NL, Avsar P, McEvoy L, Curley G, O'Connor T, et al. Facial pressure injuries and the COVID-19 pandemic: skin protection care to enhance staff safety in an acute hospital setting. J Wound Care. 2021;30(3):162-70. https://doi.org/10.12968/jowc.2021.30.3.162
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A COVID-19, como uma doença altamente contagiosa e patogênica, já tirou a vida de milhares de pessoas, dentre elas, muitos profissionais. Como evidenciado, o fato de o profissional pensar em deixar a profissão já era uma problemática anterior ao momento pandêmico que exacerbou questões associadas à sobrecarga e à falta de suporte institucional no trabalho1212. Heinen MM, Achterberg TV, Schwendimann R, Zander B, Matthews A, Kózka M, et al. Nurses' intention to leave their profession: A cross sectional observational study in 10 European countries. Int J Nurs Stud. 2013;50(2):174-84. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.09.019
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012....
,1919. Nashwan AJ, Abujaber AA, Villar RC, Nazarene A, Al-Jabry MM, Fradelos EC. Comparing the Impact of COVID-19 on Nurses' Turnover Intentions before and during the Pandemic in Qatar. J Pers Med. 2021;11(6):456. https://doi.org/10.3390/jpm11060456
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Embora a pandemia tenha evidenciado condições inadequadas e sobrecarga de trabalho, além de riscos físicos e mentais, esta pesquisa reforça que as más condições de trabalho e a falta de suporte institucional são fatores que não se apresentam, apenas, neste momento pandêmico. Estes fatores foram exacerbados no contexto da pandemia, sobrecarregando os serviços de saúde e levando os profissionais de Enfermagem ao esgotamento físico e emocional, colaborando para o pensamento em relação à mudança de profissão.

As informações desta pesquisa contribuem com avanços na temática, uma vez que possibilita aos gerentes de serviços de saúde, gestores do setor público, recursos humanos e escolas de formação, o planejamento de ações e estratégias a fim de diminuir o número de profissionais de Enfermagem que têm a intenção em deixar a profissão. Além disso, é importante para o panorama da profissão, uma vez que contribui para problematizar a necessidade de melhorias dos direitos trabalhistas e condições de trabalho, evidenciando a importância da avaliação das necessidades dos profissionais da Enfermagem.

Deve-se pontuar que, por tratar-se de um estudo transversal, não se pode deixar de considerar a causalidade reversa. Ressalta-se, também, que a questão utilizada para rastreio do desfecho fazia alusão a todo tempo decorrido desde o início da pandemia até a data de coleta, momento em que as curvas de contágio estavam em importante ascensão. Nesse sentido, é importante que estudos futuros possam empenhar esforços no sentido de avaliar a evolução do desfecho ao longo do período pandêmico, considerando recortes temporais específicos.

Conclusão

Foi observada uma alta prevalência de intenção em deixar a Enfermagem. Entre os fatores associados, estiveram aspectos sociodemográficos como maior grau de escolaridade (associação positiva) e idade igual ou superior a 51 anos (associação negativa), além de questões estruturais como sobrecarga e falta de suporte institucional (associações positivas). Em relação aos aspectos diretamente relacionados à pandemia de COVID-19, foi possível observar associações entre o desfecho e a manifestação de lesões de pele (associação positiva). Nesse sentido, pontua-se que, exceto pelas lesões de pele, entre os fatores modificáveis, figuram questões que, embora possam ter sido exacerbadas pela pandemia, já faziam parte do cotidiano dos serviços, convocando, assim, serviços e sistemas de saúde para o estabelecimento de ações transversais que possam contribuir para a retenção dos profissionais de Enfermagem.

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  • Apoio financeiro

    Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), Processo 20-2551/0000285-3, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    16 Mar 2022
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