Efeitos da fotobiomodulação (laser 660 nm) no extravasamento de antraciclina: estudo experimental

Resumo

Objetivo:

investigar o efeito do uso de diferentes agentes (hialuronidase tópica, fotobiomodulação e da associação da fotobiomodulação com a hialuronidase tópica) na prevenção de formação de lesões causadas por extravasamento de doxorrubicina bem como na diminuição de lesões formadas pelo extravasamento desta droga.

Método:

estudo experimental com 60 ratos Wistar, randomizados em quatro grupos de 15 animais. Grupo 1 (Controle); Grupo 2 (Hialuronidase); Grupo 3 (Fotobiomodulação) e Grupo 4 (Hialuronidase + Fotobiomodulação). Induziu-se ferida aplicando 1 mg de doxorrubicina no subcutâneo do dorso dos animais. A concentração da hialuronidase tópica foi de 65 unidades de turbidez/g, a energia empregada foi de 1 joule de laser vermelho 100 mW por centímetro quadrado. Com avaliação macroscópica a cada dois dias por 28 dias, observou-se as variáveis: integridade da pele, presença de flictema, hiperemia, exsudato, sangramento, edema, crosta, descamação e tecido de granulação.

Resultados:

os animais dos grupos com fotobiomodulação obtiveram melhores resultados na avaliação das variáveis: sangramento, hiperemia, exsudato, pele íntegra e edema.

Conclusão:

evidenciou-se que a associação da fotobiomodulação com a hialuronidase tópica foi eficaz na diminuição dos efeitos locais e auxiliou no processo de cicatrização da ferida e que a FBM isolada foi capaz de prevenir o aparecimento de lesões.

Descritores:
Terapia Com Luz de Baixa Intensidade; Extravasamento de Materiais Terapêuticos e Diagnósticos; Antineoplásicos; Ratos Wistar; Cuidados de Enfermagem; Efeitos Adversos

Abstract

Objective:

to investigate the effect of using different agents (topical hyaluronidase, photobiomodulation, and the association of photobiomodulation with topical hyaluronidase) in preventing the formation of lesions caused by doxorubicin extravasation, as well as in the reduction of lesions formed by extravasation of this drug.

Method:

a quasi-experimental study conducted with 60 Wistar rats, randomized into four groups with 15 animals each. Group 1 (Control); Group 2 (Hyaluronidase); Group 3 (Photobiomodulation); and Group 4 (Hyaluronidase + Photobiomodulation). A wound was induced by applying 1 mg of doxorubicin to the subcutaneous tissue of the back of the animals. The concentration of topical hyaluronidase was 65 turbidity units/g and the energy employed was 1 joule of 100 mW red laser per square centimeter. With macroscopic evaluation every two days for 28 days, the following variables were observed: skin integrity, presence of blisters, hyperemia, exudate, bleeding, edema, crust, peeling and granulation tissue.

Results:

the animals from the groups subjected to photobiomodulation obtained better results in the assessment of the following variables: bleeding, hyperemia, exudate, intact skin and edema.

Conclusion:

it was evidenced that the association of photobiomodulation with topical hyaluronidase was effective in reducing the local effects and assisted in the wound healing process, and that PBM alone was able to prevent appearance of lesions.

Descriptors:
Low-Level Light Therapy; Extravasation of Diagnostic and Therapeutic Materials; Antineoplastic Agents; Wistar Rats; Nursing Care; Adverse Effects

Resumen

Objetivo:

investigar el efecto del uso de diferentes agentes (hialuronidasa tópica, fotobiomodulación y la combinación de fotobiomodulación y hialuronidasa tópica) en la prevención de la formación de lesiones causadas por la extravasación de doxorrubicina y en la reducción de las lesiones formadas por la extravasación de ese fármaco.

Método:

estudio experimental con 60 ratas Wistar, distribuidos aleatoriamente en cuatro grupos de 15 animales. Grupo 1 (Control); Grupo 2 (Hialuronidasa); Grupo 3 (Fotobiomodulación) y Grupo 4 (Hialuronidasa + Fotobiomodulación). La herida se indujo aplicando 1 mg de doxorrubicina por vía subcutánea en el lomo de los animales. La concentración de hialuronidasa tópica fue de 65 unidades de turbidez/g, la energía utilizada fue de 1 joule de láser rojo de 100 mW por centímetro cuadrado. En la evaluación macroscópica cada dos días durante 28 días se observaron las siguientes variables: piel intacta, presencia de flictena, hiperemia, exudado, sangrado, edema, costra, descamación y tejido de granulación.

Resultados:

los animales de los grupos con fotobiomodulación obtuvieron mejores resultados en la evaluación de las variables: sangrado, hiperemia, exudado, piel intacta y edema.

Conclusión:

se demostró que la combinación de fotobiomodulación y hialuronidasa tópica fue eficaz para reducir los efectos locales y ayudó en el proceso de cicatrización de heridas y que la FBM por sí sola previno la aparición de lesiones.

Descriptores:
Terapia de Luz de Baja Intensidad; Extravasación de Materiales Terapéuticos y Diagnósticos; Antineoplásicos; Ratas Wistar; Atención de Enfermería; Efectos Adversos

Destaques

(1) O uso da fotobiomodulação mostrou-se eficaz no extravasamento de doxorrubicina.

(2) A fotobiomodulação pode ser considerada um possível antídoto para extravasamento.

(3) Favorece melhor qualidade de vida do paciente, por diminuição na formação de lesões.

(4) Não há efeitos deletérios no organismo como alguns medicamentos. (5) Terapêutica de baixo custo comparado a outros antídotos.

Introdução

O extravasamento de antineoplásicos (EA) é o evento adverso mais temido na oncologia, podendo causar lesões graves, principalmente quando a medicação envolvida é classificada como vesicante¹. Medicamentos vesicantes quando infundidos fora do vaso causam bolhas e necrose. Com uma incidência reportada em literatura de 0,1 a 6%, tem como principais sinais e sintomas a parada na infusão, ausência de retorno venoso, ardor, hiperemia, edema e dor. Por também ser considerado uma emergência oncológica, requer equipe de enfermagem capacitada e treinada para o atendimento imediato desse evento. Visto isso, é necessário que condutas frente à prevenção de complicações referentes ao extravasamento sejam investigadas^1-2.

Uma das medicações vesicantes mais temidas é a doxorrubicina (DOX), uma antraciclina ligante ao Ácido Desoxirribonucleico (DNA) que se liga aos ácidos nucleicos dos tecidos, gerando radicais livres, inibindo a síntese de proteínas local e levando o tecido a uma necrose crônica, progressiva e aumentada, tornando a lesão mais profunda, extensa e dolorosa, impactando diretamente a qualidade de vida do paciente. Pode permanecer no tecido por até 28 dias, o que requer avaliação constante³.

Atualmente, o dexrasoxane é o antídoto utilizado em extravasamentos de DOX. Seu uso é aprovado pelo Food and Drugs Administration (FDA) e pela Comissão Europeia e possui uma eficácia de 98%. O mecanismo de ação é pela ligação da droga à molécula de ferro impedindo a formação de radicais livres⁴. Além de ser inviável para o setor público (pelo preço) pode causar efeitos colaterais como náuseas, vômitos, dor discreta no local da infusão e aumentos reversíveis das enzimas hepáticas^2,5.

A hialuronidase é um antídoto muito utilizado no extravasamento de quimioterápicos, no entanto é especifico para os vesicantes não ligantes ao DNA (alcaloides da vinca e taxanos), embora seja um potencial antídoto para as antraciclinas. Este medicamento modifica a permeabilidade do tecido pela hidrólise do ácido hialurônico, promovendo a reabsorção de fluidos e diminuindo o edema. Esta enzima é um antídoto recomendado pela Oncology Nursing Society (ONS) que orienta a aplicação de forma subcutânea 1,0 ml de 150UI/ml na área de extravasamento^1,6-8. Após dez minutos da aplicação, é possível observar um aumento da difusão do líquido extravasado em uma área 3 a 5 vezes maior do que uma área não tratada. A permeabilidade do tecido é restaurada de 24 a 48 horas após a aplicação do antídoto^2,7,9.

A fotobiomodulação (FBM) consiste na irradiação de luz não ionizante e é classificada de acordo com seu comprimento de ondas em vermelho visível (622-780 nm) ou infravermelho (780 a 1.500 nm). É muito utilizada para acelerar o processo cicatricial de diversos tipos de lesões, promovendo melhorias na qualidade de vida dos pacientes e acelerando os tratamentos¹⁰. Ao aplicar a FBM acontecem reações fotoquímicas e fotofísicas onde é estimulada a excitação dos elétrons que liberam adenosina trifosfato (ATP) utilizado pelas células para o desenvolvimento de suas funções^8,11-13.

Para isso, é necessário que a luz seja absorvida por cromóforos que são moléculas inter-relacionadas (enzimas, membranas celulares, substancias extracelulares) que apresentam a capacidade de absorver luz. O citocromo C oxidase (CCO) é o principal cromóforo e está localizado na unidade IV da cadeia respiratória mitocondrial. A absorção do CCO principalmente pelo comprimento de onda vermelho leva a um fotodesligamento do óxido nítrico (NO), resultando em uma redução do estresse oxidativo e como consequência um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), ATP e íons de Ca²⁺, favorecendo a resposta biológica pretendida (anti-inflamatória, analgésica, cicatricial) aumentando a diferenciação, proliferação e migração celular^11,13.

A associação entre hialuronidase tópica 65 UTR/g e FBM já é utilizada em um Ambulatório de Oncologia de um Hospital Público Terciário do interior do estado de São Paulo, porém, apesar de resultados excelentes, o número de pacientes com extravasamento é baixo, além de não existir evidência científica acerca dessa associação. Dessa forma, houve a necessidade da realização de um estudo experimental para evidenciar essa prática, justificando esse estudo.

Portanto, o objetivo desta pesquisa foi investigar o efeito do uso de diferentes agentes (hialuronidase tópica, da FBM e da associação do FBM com a hialuronidase tópica) na prevenção de formação de lesões causadas por extravasamento do antineoplásico DOX, bem como a diminuição de lesões formadas após o extravasamento desta droga.

Método

Tipo do estudo

Estudo experimental realizado em 60 ratos fêmeas adultas da linhagem Wistar albina da espécie Rattus norvegicus, com idade entre 3 e 4 meses. Em estudos experimentais randomizados, o pesquisador atribui aleatoriamente os sujeitos a um grupo controle e a um ou mais grupos experimentais, minimizando o viés de seleção, além de permitir isolar o efeito de uma intervenção¹⁴.

Local e período do estudo

O experimento foi realizado no período de 15/08/2019 a 16/09/2019 no Laboratório Experimental de Diagnóstico de Zoonoses, Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP, campus de Botucatu-SP, Brasil.

População

Os animais foram provenientes do Biotério de Criação localizado no Instituto de Biotecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (IBTEC). Logo depois, foram mantidos no Biotério de Experimentação, por um período de adaptação de 15 dias, e só então submetidos ao experimento. Foram selecionadas ratas pela diferença comportamental e de agressividade em comparação ao macho, facilitando a manipulação. Durante todo o período, foram controlados temperatura, nível de amônia, troca de cama, além de fornecimento de água e ração ad libitum. Foram examinadas clinicamente por um médico veterinário durante a admissão no laboratório e durante todo o experimento. Para garantir o enriquecimento ambiental, foram colocados rolos de papel nas gaiolas na tentativa de diminuir o estresse causado pela manipulação e isolamento.

Critérios de seleção e randomização

Para realizar a randomização, após o período de adaptação, os animais foram identificados com número de 1 a 60 com caneta piloto na região dorsal. Quatro envelopes foram confeccionados e identificados com o tipo de tratamento, da seguinte forma:

• Envelope 1: grupo controle (sem antídoto).

• Envelope 2: grupo hialuronidase (H).

• Envelope 3: grupo fotobiomodulação (FBM).

• Envelope 4: grupo fotobiomodulação + hialuronidase (L+H).

Após, um membro da equipe do laboratório realizou um sorteio do número 1 ao 60.

Os primeiros 15 animais sorteados fizeram parte do envelope 1 e assim sucessivamente.

Cada grupo foi composto por 15 animais que ficaram acondicionados em gaiolas com 5 animais cada, retangulares de polipropileno, colocadas em estantes ventiladas ALESCO^®, mantidos em temperatura ambiente, com movimentação livre. Importante salientar que após a inoculação da DOX, os animais foram separados, mantendo-se em gaiolas individuais.

As gaiolas eram identificadas com o número dos animais e com o grupo ao qual pertenciam.

Definição da amostra

Considerando que existe uma ocorrência de 50% dos casos de necrose (controle) e supondo que a aplicação do tratamento reduza esse percentual para zero (sem necrose), o tamanho mínimo para a realização do experimento com uma margem de erro de 5%, compatibilidade de 95% e poder de 90%, será de 15 animais por grupo (60 animais para os 4 grupos).

Variáveis do estudo

As variáveis qualitativas analisadas estavam relacionadas ao aspecto do local do extravasamento e com relação a formação ou não de lesões como: pele íntegra, flictema (íntegro ou rompido), hiperemia (marginal, central, ou generalizada), exsudato (ausente, pouco, moderado, acentuado), sangramento (ausente, pouco, moderado, acentuado), edema (ausente, pouco, moderado, acentuado), crosta (ausente e presente: pouco aderida, muito aderida), descamação (ausente ou presente - pouca, moderada, acentuada) e tecido de granulação (presente, ausente).

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

O processo de formação de feridas foi acompanhado pela pesquisadora a cada 48 horas durante 28 dias, por meio de ficha de avaliação que contemplava a presença de: pele íntegra, flictema, hiperemia, exsudato, sangramento, edema, crosta, descamação e tecido de granulação¹⁵. Concomitantemente, foi confeccionado um banco de registros fotográficos, (câmera digital CANON Power Shot SX170IS com velocidade 1/250 e distância de 0,7), para auxiliar na interpretação da evolução das feridas. O ângulo da foto e distância foram calculados por fotógrafa profissional da Faculdade de Medicina de Botucatu, a fim de padronizar as imagens.

Coleta de dados

Após o período de adaptação, os animais foram submetidos à anestesia geral inalatória com gás isoflurano e tricotomia da região dorsal com tricotomizador elétrico, administrado 1,0 mg de DOX (0,5 ml) em tecido subcutâneo localizado entre a escápula e o final das costelas, utilizando seringa graduada de 1 ml e agulha hipodérmica 13 G x 4,5 mm.

O frasco ampola da DOX apresentava-se com 10 mg em 5 ml, perfazendo um equivalente de 2mg/ml. Foi aspirado 0,5 ml da solução, contendo um total de 1 mg de DOX. Pesquisa realizada com extravasamento em ratos, comprovou que a injeção intradérmica de 1mg de DOX, foi capaz de causar lesão com necrose⁶.

A hialuronidase utilizada no estudo foi manipulada na Farmácia Cruz Vermelha de Botucatu-SP, com concentração de 65 UTR com creme base de 1 grama.

Após a inoculação da DOX, a aplicação dos antídotos foi da seguinte forma:

• - Grupo controle (sem antídoto): não foi aplicado antídoto;

• - Grupo hialuronidase (H): foi aplicado o antídoto hialuronidase tópica 15 minutos após a inoculação e, diariamente, em forma de pomada em todo o dorso do animal, mesmo na presença de lesão;

• - Grupo FBM: a aplicação de FBM 100 mW, vermelho 1 joule (10 segundos), comprimento de onda de 660 nm no ponto de inoculação ocorreu 10 minutos após a administração de doxorrubicina. Nos dias subsequentes, nos animais que não apresentaram lesão, foi realizado 1 ponto de 1 joule (10 segundos) de FBM no ponto de inoculação. Ao surgirem lesões, em feridas até 1 cm de área, irradiava-se um ponto de 1 joule (10 segundos), com energia total de 1 joule no centro da lesão, em feridas até 2 cm de área, irradiava-se a norte, sul, leste e oeste (totalizando-se 4 pontos - 40 segundos), com energia total de 4 joules. Não foram realizados curativos tópicos com coberturas primárias, ficando exposta a área da lesão.

• - Grupo FBM+H: a FBM foi realizada conforme relatado no grupo FBM e imediatamente após o laser foi aplicado o antídoto hialuronidase, conforme descrito no grupo H.

Foi utilizado um equipamento a base de lasers de diodo semicondutor, em forma de caneta (Therapy EC, DMC group, São Carlos, SP, Brasil) que emite dois comprimentos de onda: um diodo laser no 660 nm (vermelho) e um diodo laser 808 nm (infravermelho). A potência pico de emissão foi de 100 mW, entregando de modo contínuo. Foi utilizado o espaçador na ponta do aparelho, bem como um filme de PVC para evitar a contaminação cruzada e desgaste do aparelho.

O processo de formação de feridas foi acompanhado pela pesquisadora a cada 48 horas durante 28 dias e a eutanásia foi realizada no 30º dia.

Tratamento e análise dos dados

Após tabulação dos dados foi realizada análise descritiva qualitativa das variáveis (flictema, hiperemia, exsudato, sangramento, edema, crosta, descamação e tecido de granulação), por grupo (controle, hialuronidase, FBM e FBM + H) ao longo dos dias de tratamento.

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada em 11/02/2019 pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) instalada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu - UNESP, com o protocolo 0026/2019.

Resultados

Observou-se que os grupos que faziam uso de hialuronidase apresentaram as maiores perdas de animais (H: 09/15:60% e FBM+H: 8/15: 53,3%). Acreditamos que essa perda pode estar relacionada a diversos fatores como: toxicidade gerada pela antraciclina, toxicidade pela hialuronidase e a fatores relacionados ao comportamento animal. Apesar de os grupos serem avaliados a cada dois dias, a hialuronidase foi administrada diariamente, podendo, essa manipulação do animal ser considerada estressante.

Observou-se que alguns animais do grupo FBM (4/15:26%), não apresentaram lesões (Figura 1). Nos animais que apresentaram lesões, observou-se que se iniciaram no D4, ficando mais evidente no grupo C (7/15: 46%) sendo que o tempo máximo de formação de feridas deu-se no D8 para o grupo da fotobiomodulação.

Figura 1
Animal do grupo FBM + L no D28, sem lesão em dorso após extravasamento de doxorrubicina. Botucatu, SP, Brasil, 2019

A hiperemia foi observada já no primeiro dia de avaliação (D2), na maioria dos analisados do grupo C e H, estendendo-se até o D16. Observou-se que nos grupos em que foi utilizada a FBM, poucos animais apresentaram hiperemia, com pico máximo em D4 para ambos os grupos, em uma frequência menor de animais envolvidos, FBM (5/15: 33%) e FBM+H (9/15: 60%) (Figura 2).

Figura 2
Frequência de animais com hiperemia após a inoculação de DOX em tecido subcutâneo, nos quatros grupos, ao longo dos tratamentos. C = Controle; H = Hialuronidase; FBM = Fotobiomodulação; FBM+H = Fotobiomodulação + hialuronidase. Botucatu, SP, Brasil, 2019

O exsudato esteve presente em maior parte no grupo C (14/15: 93%) iniciando-se em D10, atingindo um número máximo de animais em D12 e estendendo-se até o final do experimento. Já os animais que participavam dos grupos FBM e FBM+H não apresentaram a formação de exsudato até o fim do experimento.

Dos animais dos grupos com FBM, apenas um apresentou sangramento durante toda a pesquisa. Entretanto, nos animais dos grupos C (9/15= 60%), e H (7/15: 46,6%), evidenciou-se o sangramento já no terceiro dia de avaliação (D6).

A crosta foi observada durante toda a pesquisa em animais de todos os grupos. Porém, em menor quantidade de animais dos grupos H, FBM e FBM+H.

A Figura 3 demonstra que o tecido de granulação esteve mais presente em animais do grupo FMB e FBM+H, já no D12. As lesões mostravam-se em processo de cicatrização, com substituição do tecido de granulação por epitélio a partir do D20.

Figura 3
Frequência de animais com tecido de granulação após a inoculação de DOX em tecido subcutâneo, nos quatros grupos, ao longo dos tratamentos. C = Controle; H = Hialuronidase; FBM = Fotobiomodulação; FBM+H = Fotobiomodulação + hialuronidase. Botucatu, SP, Brasil, 2019

Os animais do grupo C apresentaram uma taxa de necrose maior em todos dias de tratamento, iniciando-se já no quarto dia de avaliação (D4) e estendendo-se constante e progressivamente ao longo da pesquisa. Os animais dos grupos H, FBM e FBM+H também apresentaram necrose, porém, mais superficial e em menor número e com melhora da lesão ao final do tratamento.

O edema foi observado em 14 (93%) dos animais do grupo controle já no primeiro dia de avaliação (D2) (Figura 4). Um menor número de animais do grupo FBM apresentou edema (4/15=26%) apenas nos dias 20, 22 e 28. Por outro lado, animais do grupo FBM+H apresentaram as melhores condições nesse aspecto. Apenas dois animais apresentaram edema nos dois primeiros dias de avaliação, sendo que apenas um animal continuou com edema até o D10.

Figura 4
Frequência de animais com edema após a inoculação de DOX em tecido subcutâneo, nos quatros grupos, ao longo dos tratamentos. C = Controle; H = Hialuronidase; FBM = Fotobiomodulação; FBM+H = Fotobiomodulação + hialuronidase. Botucatu, SP, Brasil, 2019

O processo de cicatrização, com tecido epitelial foi observado no D12 com animais do grupo FBM+H. Observou-se que após 28 dias de avaliação dois animais do grupo FBM e FBM+H apresentaram cicatrização completa das lesões. Ao final do estudo, seis animais (40%) do grupo FBM e dois animais (13%) do grupo FBM+H apresentavam pele íntegra (Figura 5).

Figura 5
Animal do grupo FBM em dois momentos: A: presença de ferida em D16 e B: cicatrização completa da lesão em D28. Botucatu, SP, Brasil, 2019

Discussão

Houve morte prematura de 23 animais, que pode relacionar-se a diversos fatores como: a toxicidade gerada pela antraciclina e a hialuronidase e o comportamento animal. Observou-se que os animais que mais morreram faziam parte dos grupos que continham hialuronidase. Inferimos que que mesmo a pomada sendo aplicada de forma correta do dorso do animal, por apresentar grande fluidez, gerava uma facilidade de lambedura e possível intoxicação pela mesma.

A hialuronidase tem sido muito utilizada em cirurgias oftálmicas e dermatológicas, pelo fato de a enzima degradar a matriz de ácido hialurônico aumentando a permeabilidade do tecido e favorecendo a absorção de medicamentos. Além disso, já é amplamente utilizada no manejo do EA, de forma subcutânea¹⁶. Apesar de utilizarmos na nossa pesquisa apresentação tópica, não foram encontradas na literatura referências a essa via de aplicação em extravasamentos, nem tampouco sobre os efeitos tóxicos da mesma quando ingeridos.

A toxicidade gerada pela antraciclina corresponde aos sintomas observados nos animais como: diarreia e emagrecimento. A DOX, por não ser seletiva, causa diversas efeitos colaterais, entre eles náusea, vômito, diarreia e anorexia com consequente emagrecimento¹⁷. Além desses efeitos, a inflamação aguda e o estresse oxidativo causados pela DOX podem estar relacionados à toxicidades em múltiplos órgãos¹⁸. Observamos que um animal do grupo controle, apresentou ascite ao final do estudo. Após a eutanásia foi realizada a autópsia, onde observou-se grande aderência no fígado, baço, coração e intestinos.

Uma melhor preservação da morfologia da pele, diminuição do edema e do tamanho da úlcera, foram observadas em pesquisa experimental com ratos Wistar que receberam injeção intradérmica de vincristina, e foram tratadas com hialuronidase⁶. Fato esse que corrobora com os resultados encontrados em nosso estudo, em que apenas 2 animais do grupo FBM+H apresentaram edema.

A FBM também tem papel importante na prevenção ou diminuição de edema durante processos de reparo tecidual, afinal os benefícios relacionados à redução de edema, do estresse oxidativo e das citocinas pró-inflamatórias, já estão bem estabelecidos¹⁹. Fato esse que está relacionado a um considerável aumento no fluxo sanguíneo decorrente da ação vasodilatadora do óxido nítrico (NO), porém, ao mesmo tempo, ocorre um estímulo da drenagem linfática diminuindo o edema, por meio do controle das citocinas pró-inflamatórias²⁰.

Durante a realização dessa pesquisa, nosso grupo de estudos publicou um estudo transversal retrospectivo do Ambulatório de Oncologia de um Hospital Público do interior do Estado de São Paulo, Brasil, com objetivo de analisar o efeito da FBM e da hialuronidase tópica nos extravasamentos e infiltrações de antineoplásicos no período de 21 meses. Foram relatados 8 extravasamentos (entre eles 01 de antraciclina) e 7 infiltrações. Todos foram acompanhados e receberam em média 2 sessões de FBM (1 joule - 100 mw) e a hialuronidase tópica (65 UTR) 3 vezes ao dia, por 4 dias. Constatou-se que não houve formação de lesões mesmo no paciente que fez uso de antraciclina²¹.

Durante o extravasamento por DOX, ocorre morte celular dos tecidos subjacentes ao local do extravasamento, ocorrendo a liberação de radicais livres desencadeando um estresse oxidativo acentuado, aumentando o processo inflamatório e causando necrose²².

A FBM, a partir de reações fotoquímicas, restaura a função celular, por meio de liberação de espécies reativas de oxigênio causando uma restauração do equilíbrio celular pela produção de enzimas antioxidantes e o mais importante, sem efeitos deletérios ao organismo⁴. Diferentemente do dexrazoxane, que apesar de ter uma eficiência comprovada de 98% de eficácia, ainda causa alguns efeitos colaterais como náuseas, vômitos, dor discreta no local da infusão e aumentos reversíveis das enzimas hepáticas^1,5,23. Infelizmente, ainda é inviável a muitos serviços pelo seu alto custo.

Este é primeiro trabalho que investigou a associação da FBM com a hialuronidase tópica no extravasamento de DOX. Porém, a eficácia da FBM já foi comprovada em outros tipos de lesões, podendo ainda ser associada a terapias tópicas.

A FBM já é muito utilizada para cicatrização de feridas de diversas etiologias. Em pesquisa realizada para avaliar o efeito da terapia a laser em diferentes comprimentos de onda na expressão de fatores de crescimento e mediadores inflamatórios nos processos de cicatrização de úlceras por pressão, observou-se que o comprimento de onda de 658 nm, foi mais efetivo. Acredita-se esse efeito esteja associado à inibição dos processos inflamatórios²⁴.

Em um estudo de caso sobre o extravasamento de antraciclina (epirrubicina) em um acesso venoso central (cateter totalmente implantado) em hemitórax direito, observou-se que a paciente apresentou necrose em 2/3 da mama logo nos primeiros 10 dias, perdurando por 32 dias quando foi submetida a procedimento cirúrgico para ressecamento da necrose. Importante relatar, que não foi aplicado antídoto nessa paciente, pois já havia passado 24 horas do extravasamento. Um enxerto de pele foi colocado no local, e após 8 meses foi realizada a reconstrução mamária²⁵. Resultado semelhante foi encontrado no nosso trabalho em relação ao antídoto e formação de necrose. Nos animais que não receberam antídoto, observou-se maior quantidade de necrose em todos os momentos avaliados, iniciando-se no quarto dia de avaliação e estendendo-se constante e progressivamente ao longo da pesquisa. Diferentemente do que foi encontrado com os animais dos grupos que utilizaram antídotos. Todos os grupos apresentaram necrose, porém em menor quantidade e com melhora da lesão e desaparecimento da necrose no final do estudo.

Constatamos no estudo que o tecido de granulação ficou mais evidente nos animais do grupo FBM, ocorrendo o início do seu aparecimento em D12, pico máximo em D18, com estabilização a partir do D20 com queda acentuada no D26, demonstrando a substituição do tecido de granulação pela epitelização gradual com consequente cicatrização das feridas de 2 animais do grupo FBM e 2 animais do grupo FBM+H.

Esse estudo traz evidências para o uso da FBM associada à hialuronidase no extravasamento de DOX, fornecendo informações importantes e relevantes para a formulação de protocolos por profissionais da área de oncologia. Apresenta relevância clínica suficiente para a possibilidade de incorporação de novas tecnologias pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Limitações do estudo

Consideramos como limitação nesse estudo a perda de alguns animais dos grupos que utilizavam a hialuronidase, que pode ter ocorrido por toxicidade.

Outro fator limitante é a literatura inexistente sobre a fotobiomodulação no extravasamento de antraciclina. Sugerimos que essa técnica seja incentivada em diversas Instituições de Saúde e que sejam publicados relatos de caso, a fim de aumentar a evidência, já que não seria viável realizar estudos experimentais ou estudos clínicos com extravasamentos em seres humanos.

Avanços para área da enfermagem/saúde

Essa pesquisa pode ser considerada o marco inicial no uso da fotobiomodulação no extravasamento de antraciclina, garantindo uma autonomia profissional ao enfermeiro na prevenção e tratamento desse evento adverso tão importante.

Novas tecnologias devem ser incorporadas a fim de garantir uma melhor assistência ao paciente oncológico.

Conclusão

Os resultados evidenciaram que a associação da FBM (660nm - 1J) com a hialuronidase tópica (65UTR) sobre o extravasamento de DOX, foi eficaz na diminuição dos efeitos locais e auxiliou no processo de cicatrização da ferida e que a FBM isolada foi capaz de prevenir o aparecimento de lesões. Tal terapia é uma boa alternativa para o tratamento do extravasamento, podendo ser incorporada à prática clínica.

Agradecimentos

Agradecemos a Talita Oliveira de Lima, Alessandra Passarelli Vigliassi e Dayane Oliveira Borges pela colaboração na fase de coleta de dados.

References

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• Artigo extraído da tese de doutorado “Efeitos da fotobiomodulação (laser 660 nm) no extravasamento de antraciclina: estudo experimental”, apresentada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Medicina de Botucatu, Departamento de Enfermagem, Botucatu, SP, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Evelin Capellari Cárnio

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  18 Out 2021
• Aceito
  17 Jun 2022