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Fatores influenciadores do processo decisório de enfermeiros em hospitais universitários ibero-americanos

Resumo

Objetivo:

analisar os fatores que influenciam o processo decisório de enfermeiros em hospitais universitários ibero-americanos.

Método:

estudo de caso, com abordagem qualitativa, do tipo multicêntrico, realizado com 30 enfermeiros ibero-americanos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, analisados por categorias temáticas e interpretados de acordo com o referencial teórico da obra Criando Organizações Eficazes.

Resultados:

identificou-se que o processo decisório permeia o desenvolvimento de competências próprias dos enfermeiros, sofrendo influências da formação em gestão em saúde e de experiências individuais prévias. Emergiram as categorias: Preparo técnico-científico na tomada de decisão; Hierarquização do processo decisório; e Prática profissional autônoma.

Conclusão:

a ausência/presença de rígida hierarquização, bem como de preparo técnico-científico, e a autonomia são fatores que limitam ou ampliam a gama de possibilidades na tomada de decisão de enfermeiros, com reflexos na gestão do cuidado. Assim, discussões acerca dessa temática devem ser fomentadas, no intuito de promover a autonomia dos enfermeiros para a tomada de decisão e favorecer a desburocratização dos processos que impedem/dificultam os avanços nesses serviços.

Descritores:
Administração dos Serviços de Saúde; Enfermagem; Organizações de Serviços Gerenciais; Tomada de Decisões; Liderança; Autonomia Profissional

Abstract

Objective:

to analyze the factors that influence nurses’ decision-making process in Ibero-American university hospitals.

Method:

a case study with a qualitative approach and of the multicenter type, carried out with 30 Ibero-American nurses. The data were collected through semi-structured interviews, analyzed by thematic categories and interpreted according to the theoretical framework of Creating Effective Organizations.

Results:

it was identified that the decision-making process permeates the development of nurses’ own competencies, suffering influences from health management training and previous individual experiences. The following categories emerged: Technical-scientific preparation in decision-making; Hierarchization of the decision-making process; and Autonomous professional practice.

Conclusion:

the absence/presence of a rigid hierarchy, as well as technical-scientific preparation and autonomy, are factors that limit or expand the range of possibilities in nurses’ decision-making, with consequences in care management. Thus, discussions about this theme should be encouraged, in order to promote nurses’ autonomy for decision-making and favor a reduction of bureaucracy in the processes that prevent/hinder advances in these services.

Descriptors:
Health Services Administration; Nursing; Management Service Organizations; Decision Making; Leadership; Professional Autonomy

Resumen

Objetivo:

analizar los factores que influyen en el proceso de toma de decisiones de los enfermeros en hospitales universitarios iberoamericanos.

Método:

estudio de caso, con enfoque cualitativo, de tipo multicéntrico, realizado con 30 enfermeros iberoamericanos. Los datos fueron recolectados mediante entrevistas semiestructuradas, analizados por categorías temáticas e interpretados según el marco teórico de la obra Diseño de Organizaciones Eficientes.

Resultados:

se identificó que el proceso de toma de decisiones permea el desarrollo de las competencias de los enfermeros, se ve influenciado por la formación en gestión en salud y las experiencias individuales previas. Surgieron las siguientes categorías: Preparación técnico-científica en la toma de decisiones; Jerarquización del proceso de toma de decisiones; y Ejercicio profesional autónomo.

Conclusión:

la ausencia/presencia de una jerarquización rígida, así como la preparación técnico-científica y la autonomía son factores que limitan o amplían el abanico de posibilidades en la toma de decisiones de los enfermeros, que se reflejan en la gestión del cuidado. Por lo tanto, hay que incentivar las discusiones sobre este tema, con el fin de promover la autonomía de los enfermeros para la toma de decisiones y favorecer la reducción de la burocracia en los procesos que impiden/dificultan el avance de estos servicios.

Descriptores:
Administración de los Servicios de Salud; Enfermería; Organizaciones de Gestión de Servicios; Toma de Decisiones; Liderazgo; Gestión en Salud; Autonomía Profesional

Destaques

(1) Apontam-se ferramentas que influenciam no processo decisório de enfermeiros.

(2) Processo decisório cerceado pelo nível hierárquico organizacional que ocupam.

(3) Necessidade de investimento na formação em gestão em saúde.

(4) Importância do aporte técnico científico associado as experiências dos enfermeiros.

(5) Em oposição evidenciou-se a limitação do poder decisório.

Introdução

No decorrer das atividades laborais, é comum que o enfermeiro tenha dúvidas sobre quais ferramentas gerenciais podem ser utilizadas para a melhor tomada de decisão e favorecimento da autonomia e liderança11. Landman C, Arriola Y, Chacón A, De Giorgis A, Esparza C, Herrera E, et al. Transitando hacia el ejercicio de autonomía y liderazgo. Enferm Univ. 2019;6(2):157-70. doi: https://doi.org/10.22201/eneo.23958421e.2019.2.644
https://doi.org/https://doi.org/10.22201...

2. Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Martins MM, Varanda PAG, Santos IAR. Fragilities and potentialities in the training of nurse leaders. Rev Gaúcha Enferm. 2021.42;e20200196. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200196
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...

3. Triviño-Vargas P, Barría R. Nivel de autonomía de enfermeras en la práctica pediátrica. Una experiencia chilena. Enferm Univ. 2016;13(4):216-25. doi: https://doi.org/10.1016/j.reu.2016.09.002
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

4. Santos IAR, Amestoy SC, Silva GTR, Backes VMS, Silva CCR, Conceição MM, et al. Theoretical-practical articulation of the continuous learning of leadership in Nursing in light of Peter Senge. Rev Bras Enferm. 2021;74:4:e20201200. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1200
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-55. Santos IAR, Amestoy SC, Silva GTR, Backes VMS, Varanda PAG, Virgens CDR. Methodological approaches that facilitate the constant learning in nursing leadership. Rev Gaúcha Enferm. 2021.42:e20200175. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200175
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. Para tanto, torna-se imprescindível compreender quais elementos compõem o processo decisório, por se tratar de um instrumento de competência gerencial da profissão do enfermeiro, bem como conhecer suas implicações para o trabalho e qualidade dos serviços.

A autonomia do enfermeiro depende diretamente do ambiente de trabalho, de modo que aspectos culturais e organizacionais da instituição podem influenciá-la, favorecendo ou prejudicando o processo decisório deste profissional. Em ambos os casos, há impactos diretos nos serviços de saúde e nas relações de trabalho (individuais ou coletivas)66. Santos FAPS, Enders BC, Brito RS, Farias PHS, Teixeira GA, Dantas DNA, et al. Autonomy for obstetric nurse on low-risk childbirth care. Rev Bras Saude Mater Infant. 2019 June;19(2):471-9. doi: https://doi.org/10.1590/1806-93042019000200012
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.

Por tomada de decisão, entende-se a escolha entre duas ou mais alternativas que possibilitam o alcance de determinado objetivo. Estudo internacional77. Johansen ML, O'Brien JL. Decision Making in Nursing Practice. Nurs Forum. 2016;51:40-8. doi: https://doi.org/10.1111/nuf.12119
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descreve a tomada de decisão no ambiente de prática do enfermeiro como um processo conceitual dinâmico, capaz de afetar os resultados dos serviços. Assim, no decorrer das atividades laborais, é preciso que esses profissionais saibam identificar e utilizar recursos que contribuam para decisões acertadas e autorreflexivas.

O modelo organizacional instaurado pode evidenciar tanto a presença da burocracia profissional, caracterizada pela democracia no nível operacional, quanto da burocracia mecanizada, que consiste em um estilo autocrático. A presença de ambos os modelos na mesma organização pode representar um sistema hierarquizado do processo de trabalho88. Strapazzon BM, Pinno C, Camponogara S. Potencialidades e limites da autonomia do enfermeiro em ambiente hospitalar. Rev Enf UFPE online. 2018;12(8):2235-46. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-2i8a234915p2235-2246-2018
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, o que também se aplica ao ambiente hospitalar.

Instituições com propriedades da burocracia mecanizada são apontadas como limitadoras da comunicação entre os diferentes níveis da administração99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., pois exibem um mecanismo de trabalho hierárquico, autocrático e verticalizado, que faculta a autonomia profissional de determinada categoria em detrimento do exercício laboral de outro, nesse caso, do enfermeiro.

Ademais, nessas instituições, não são outorgados aos enfermeiros cargos da alta gestão, em virtude da ausência de reconhecimento profissional, sobretudo, de sua autonomia nas instâncias sociais, econômicas, políticas e jurídicas1010. Silva IS, Arantes CIS. Relações de poder na equipe de saúde da família. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):580-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0171
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. No entanto, tendo em vista que o enfoque principal do exercício deste profissional reside na implementação de atividades, para o alcance da máxima efetividade e produtividade, as quais também precisam ser valorizadas, torna-se indispensável flexibilizar as relações hierárquicas, a fim de permitir a participação deste profissional nas ações e decisões, bem como a abertura de diálogo entre os diversos atores envolvidos.

Por outro lado, um modelo organizacional com propriedades da burocracia profissional, implementado em serviços de saúde, contribui para o desenvolvimento de competências gerenciais pelo enfermeiro, a exemplo da liderança, da comunicação e da tomada de decisão99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., dada a presença de protocolos menos enrijecidos, que favorecem melhores condições de trabalho. Assim, o foco de tal burocracia não possui relação com a disputa de poder para obtenção e predomínio de determinada categoria profissional, mas sim com o desempenho de ações pensadas, coordenadas, integradas e compartilhadas com o grupo.

Nesta perspectiva gerencial, nota-se uma cultura organizacional que prioriza o aprimoramento profissional e a qualidade do cuidado disponibilizado ao público-alvo1111. Castilho DEC, Silva AEBC, Gimenes FRE, Nunes RLS, Pires ACAC, Bernardes CA. Factors related to the patient safety climate in an emergency hospital. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3273. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.3353.3273
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-1212. Armenteros ALI, Esperón JMT. Un acercamiento al Clima Organizacional. Rev Cubana Enfermer [Internet]. 2018 Mar [cited 2021 Jun 02];34(1):e1257. Available from: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-03192018000100016&lng=es
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, em razão do reconhecimento do trabalho, do engajamento e do desenvolvimento da autonomia para a tomada de decisão pelo enfermeiro. Além disso, tal cultura favorece mudanças de comportamentos e dos cenários de atuação, neste caso, dos hospitais universitários. Vale mencionar que esses hospitais são reconhecidos como espaços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, estando vinculados às instituições de ensino superior responsáveis pela formação de profissionais para a área da saúde.

Em síntese, diante da importância de identificar como ocorre o processo decisório no ambiente hospitalar e sua interface com o trabalho do enfermeiro, questiona-se: quais fatores influenciam o processo decisório de enfermeiros em hospitais universitários ibero-americanos?

Para responder a essa questão, estabeleceu-se o objetivo de analisar os fatores que influenciam o processo decisório de enfermeiros em hospitais universitários ibero-americanos. Para subsidiar a análise, adotou-se o referencial teórico da obra Criando Organizações Eficazes99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., que aborda a dinâmica das organizações. Observou-se a influência como fator de contingência nos fluxos de autoridade, no controle do comportamento humano e nos fluxos de informação relacionados com os processos decisórios, e a tomada de decisão como uma característica organizacional em instituições de saúde.

Quanto à relevância da investigação, o intuito foi fomentar a reflexão sobre a prática da gestão em enfermagem no âmbito hospitalar, a fim de contribuir para o desenvolvimento de estudos nesta área. Almejou-se ainda impulsionar o estado da arte acerca da temática e subsidiar a implementação ou reconfiguração dos modelos de gestão, de modo a estimular o protagonismo dos enfermeiros nesses espaços.

Acresce-se a intenção de agregar conhecimentos na enfermagem, mediante a aproximação dos resultados identificados, interpretando-os à luz das perspectivas teóricas da área da administração, como é o caso das concepções das burocracias mecanizada e profissional99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., as quais podem colaborar para o entendimento da dinâmica das organizações e da gestão na área da saúde, com vistas a facilitar a conduta gerencial dos enfermeiros.

Método

Delineamento do estudo

Estudo de caso, com abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, de caráter multicêntrico, tendo como referencial teórico a tríade pensar-ver-fazer99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., em que a tomada de decisão está relacionada a ações racionais, intuitivas e improvisadas. E, na saúde, a aplicação desses conceitos possibilita um re-olhar para a configuração organizacional, na presença de elementos capazes de interferir no sucesso de reformas em sistemas de saúde.

Para a estruturação dos dados, utilizou-se o instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)1313. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ). Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: https://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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.

Cenário e participantes

Pesquisa realizada em hospitais universitários de três países ibero-americanos: um na região nordeste da Bahia, Brasil; outro em Coimbra, Portugal; e o terceiro em Toledo, Espanha.

No Brasil, os hospitais universitários apresentam uma estrutura organizacional de caráter linear/hierárquica, que segue uma nítida cadeia de comando. Esses hospitais são entidades do governo federal, mantidas pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que, desde 2011, encontram-se sob a administração da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)1414. Druck G. A terceirização na saúde pública. Trab Educ Saúde. 2016;14(1):15-43. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00023
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.

Na Espanha e em Portugal, os hospitais universitários também seguem um alinhamento estrutural, tal como ocorre no Brasil. São hospitais públicos, geridos pelos Serviços Nacionais de Saúde. Todavia, há uma contratualização de prestação e contraprestação de serviços, supervisionados pelo setor público regional, com administração interna e de organismos autônomos em cada um desses países.

Salientamos que, em consonância com os estudos destes autores1515. Cunha MLS, Freire JM, Repullo JR, Hortale VA. Bureaucratic state and health management training from a historical perspective. Saude Soc. 2019;28(2):80-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902019180616
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-1616. Major MJ, Magalhães A. Reestruturação do serviço nacional de saúde em Portugal. Rev Adm. 2014;49(3):476-90. doi: https://doi.org/10.5700/rausp1162
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, é necessário esclarecer que os países ibéricos desde os anos noventa implementam políticas públicas e investimentos em programas de excelência para a gestão dos serviços hospitalares vinculados a universidades. O referido investimento destina-se a formação dos profissionais para a qualificação em gestão em saúde. As políticas públicas referidas têm por foco a proteção à saúde como direito de cidadania por meio de sistemas públicos e universais de saúde.

Destarte, a legislação vigente tanto na Espanha como em Portugal possui princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde, o que convoca os hospitais universitários a assumirem sua natureza de entidade pública empresarial, explicitada em seu plano estratégico. Nesse caso, devem batalhar para o alcance das metas preestabelecidas e mensuração dos resultados.

Participantes

Participaram da pesquisa 30 enfermeiras: oito brasileiras, nove espanholas e 13 portuguesas. Todas desenvolviam atividades gerenciais em nível micro, meso ou macro-organizacional em áreas assistenciais e/ou administrativas.

Critérios de seleção

Foram incluídas no estudo enfermeiras que atuavam nos serviços há pelo menos um ano. A escolha dessas participantes decorreu da significativa experiência que tinham com tomadas de decisão no serviço, o que as habilitava a opinar com mais propriedade a esse respeito. Foram excluídas do estudo enfermeiras afastadas por motivo de licença ou férias ou que não compareceram a três tentativas de entrevista.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

A técnica escolhida para coleta de dados foi a realização de entrevistas individuais mediante a aplicação de um questionário semiestruturado, elaborado e validado por especialistas em Portugal e no Brasil. Tal questionário continha 12 questões fechadas, com informações sobre o perfil sociodemográfico (idade, sexo, estado civil e escolaridade), e três questões abertas, cada qual com cinco subperguntas relacionadas ao modelo de gestão organizacional; cinco referentes ao modelo de gestão em enfermagem; e duas relativas a práticas e instrumentos de gestão.

Quanto à ferramenta utilizada para a seleção das participantes, optou-se pela técnica de amostragem em bola de neve, ou snowball sampling1717. Ghaljaie F, Naderifar M, Goli H. Snowball Sampling. Stride Dev Med Educ. 2017;14(3). doi: http://dx.doi.org/10.5812/sdme.67670
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, que utiliza cadeias de referências a partir de um grupo denominado semente. Assim, a abordagem dessas participantes ocorreu mediante convite formal para participação na pesquisa, tanto presencialmente quanto por meio de contato telefônico e/ou envio de mensagens curtas e textos breves via celular ou correio eletrônico, conhecido como WhatsApp. A escolha desta técnica decorreu da dificuldade de acesso à população pesquisada, em virtude da rotina de trabalho na função desempenhada e/ou dos cargos ocupados por essas profissionais. Cabe citar a adoção do critério de saturação dos dados para a finalização da coleta, ou seja, a interrupção no momento em que não houve novos contatos e as informações apenas se repetiam.

Todas as entrevistas foram gravadas com o auxílio de um aparelho celular do tipo smartphone.

Período e coleta de dados

A pesquisa ocorreu no período de setembro de 2019 a fevereiro de 2020, e os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, com duração média de 90 minutos cada. Elas ocorreram em local, data e horário previamente estabelecidos pelos profissionais e foram conduzidas por pesquisadores (docente responsável e estudantes de doutoramento) previamente preparados.

Todas as participantes foram devidamente orientadas sobre a pesquisa e expressaram anuência em participar mediante assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias (participante e pesquisador). Elas também foram informadas da possibilidade de desistir de participação a qualquer momento, sem nenhum prejuízo. Vale referir que as participantes integraram todas as etapas da investigação.

As gravações das entrevistas foram autorizadas por meio de assinatura na Declaração de Cessão dos Direitos Sobre o Depoimento Oral. Após as transcrições das entrevistas na íntegra, estas foram devolvidas às participantes, para fins de validação e/ou correção do conteúdo.

No intuito de preservar o anonimato, as participantes foram identificadas por nomes de flores: Girassol, para participantes brasileiras; Cravo, para espanholas; e Violeta, para portuguesas. A esses codinomes foram acrescentados números correspondentes à ordem de realização das entrevistas: Girassol 1 a 8; Cravo 1 a 9; Violeta 1 a 13. A escolha desses codinomes foi sugestão de uma das enfermeiras que participou do estudo.

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram tratados e analisados, mediante a análise de conteúdo1818. Minayo MC, Costa AP. Técnicas que fazem uso da palavra, do olhar e da empatia. Aveiro: Ludomedia; 2019. 63 p.. A utilização desta técnica possibilita a replicação e validação das inferências sobre determinado fenômeno, com a aplicação de procedimentos especializados e científicos. Iniciou-se pela organização dos materiais, etapa de ordenação, leitura atenta e impregnada dos textos e referências utilizadas para balizar ou complementar as informações do estudo, juntamente com as anotações descritas pelos pesquisadores e as transcrições das entrevistas. Em seguida, fez-se a categorização temática com a busca das unidades de sentidos, na qual, a partir da releitura cuidadosa do material, procedeu-se ao recorte e à organização dos dados em uma tabela elaborada no programa do Word. Assim, conforme a relevância dos assuntos que se apresentavam, estes foram classificados/tipificados em gavetas. Ao final, emergiram três categorias temáticas: Preparo técnico-científico na tomada de decisão; Hierarquização do processo decisório; e Prática profissional autônoma. Em seguida, teve início a etapa de aprofundamento e interpretação dos achados à luz do referencial teórico99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p. adotado, mais especificamente acerca da estrutura simples da organização, com as burocracias mecânica e profissional.

Os dados foram gerenciados com auxílio dos softwares Nvivo® 11 e WebQda®.

Aspectos éticos

A presente pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, sob parecer no 3.374.244. Foram seguidas todas as recomendações das Resoluções No 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

A análise dos dados evidenciou alguns fatores que influenciam o processo decisório dos enfermeiros em hospitais universitários ibero-americanos. Esses aspectos foram desvelados por meio da construção de três categorias temáticas, as quais, ao serem observadas atentamente, representam momentos distintos do processo de tomada de decisão (Figura 1).

Figura 1
Descrição dos momentos

1) Preparo técnico-científico na tomada de decisão

Os resultados apresentam interface com os três modelos fundamentais de decisões identificados pelo referencial teórico, a saber: decisões racionais, intuitivas e improvisadas. O modelo racional pode ser caracterizado pelo “pensar primeiro”; o intuitivo indica o “ver primeiro”; e o “improvisado” se justifica pelo “fazer primeiro”. Com base nesta abordagem, é possível sintetizar o modelo para a tomada de decisão na tríade pensar-ver-fazer.

Assim, o conhecimento científico, a formação em gestão e a experiência profissional emergiram como ferramentas essenciais para as boas práticas na tomada de decisão pelo enfermeiro, conforme evidenciado nos fragmentos dos discursos a seguir: não tenho dúvidas que a gestão do Hospital Universitário tendo enfermeiras comprometidas, competentes, com formação em gestão, qualidades, características, habilidades comportamentais [...] e liderança.... Porque profissionais técnicas ela pode contratar, indicar alguém, nomear, fica mais fácil [...] e se ela não tiver esses requisitos, não vai conseguir gerir, mas, se tiver, acredito que é o espaço ideal para as enfermeiras e que pode melhorar muitos hospitais universitários no país (Girassol 1). Para mim, sempre foi assim, as decisões sempre têm que ser sustentadas em conhecimento científico, também é necessária muita experiência, mas as decisões têm que ser sustentadas no conhecimento científico (Violeta 7).

2) Hierarquização do processo decisório

Pressupostos teóricos indicam que a hierarquização do processo decisório pode acontecer implicitamente, como parte integrante e/ou resultado da estrutura organizacional, a depender de como a coordenação e a divisão de trabalho são conduzidas pelos gestores.

Por outro lado, a prática do processo decisório pelos enfermeiros expressa uma limitação na capacidade deste profissional decidir, visto que está sob a égide de um modelo específico de gestão, o que pode impactar nos serviços e na insuficiência de pessoal. Alguns fragmentos evidenciam essa faceta: Em relação ao poder, também não temos poder suficiente, ou seja, somos apenas uma correia de transmissão, portanto, não há movimento à autonomia. A partir do momento em que as direções das unidades de gestão intermédia, negoceiam subscrevem, assinam e concordam com o contrato de programa, por exemplo, contrato de 2020, e nesse contrato de programa estão lá discriminados todos os meios que são necessários e os resultados, obviamente que nos propomos conseguir, as equipas de gestão intermédia, deviam ter poder para contractualizar, para autorizar trabalho suplementar, contratar mais um enfermeiro para substituir o que se aposenta (Violeta 2).

Identificou-se, em consonância com o relato acima e com o referencial de análise, a existência de uma cadeia de comando verticalizada, associada ao modelo da organização, na qual a participação dos enfermeiros na tomada de decisão segue as relações trabalhistas e/ou o regime de trabalho praticado. Isso pode ser observado nos seguintes trechos extraídos das entrevistas: Os processos decisórios, é centralizado, hierárquico[...]. Nós tínhamos uma gestão sobre o funcionário contratado pela fundação de apoio à pesquisa nos hospitais universitários, essa experiência já foi melhor. Porque nós fazíamos um processo seletivo mais simplificado e escolhia o indivíduo de acordo com a necessidade do serviço (Girassol 4). La gestión de servicios de salud, de modo general como que usted mira el proceso de decisión de las enfermeras o dos enfermeros, como lo veo a nivel hospitalario muy vertical, o sea, de arriba para abajo, la directora de enfermería y las adjuntas, las adjuntas son como las supervisoras, de los supervisores, siguen una línea vertical es muy muy jerárquico verticales, estilo asertivo es lo que diga la directora y las adjuntas se cumple hacia abajo (Cravo 4).

3) Prática profissional autônoma

De acordo com o referencial teórico, o processo decisório representa um conjunto de ações e fatores dinâmicos que se inicia com a identificação de um estímulo, que requer ação e termina com uma decisão, ou seja, necessita da implementação de um processo decisório, formal ou informal, estruturado ou não estruturado. O primeiro estágio deste processo é o reconhecimento e análise de um problema ou oportunidade, que vai orientar as decisões. Em seguida, são definidos os objetivos que estabelecerão as alternativas.

Nesse contexto, a autonomia profissional dos grupos depende e é determinada pela capacidade dos gerentes centrais ouvirem e acolherem as sugestões destes profissionais, que estão em contato direto com os pacientes, uma vez que sua amplitude está condicionada ao quantitativo de recursos disponíveis para tomada de decisão. Esse aspecto pode ser observado nas falas de alguns participantes: [...] a gestão da enfermagem é muito boa [...]. Apesar desse modelo médico assistencial, nós ainda temos muita autonomia aqui. Temos muita liderança, muita voz. O pessoal escuta muito o que nós, que estamos diariamente com o paciente, temos a falar (Girassol 9). [...] Yo reafirmando que tienes autonomía, porque puedes decidir mi proceso de trabajo puedes decidir que es mejor para la población, para los ciudadanos y para todos. Yo tengo autonomía en mi consultorio y todos los enfermeros también, [...] (Cravo 7). Os enfermeiros têm uma posição autônoma, portanto, são decisões dos cuidados que obviamente descrevem e que escutam aos doentes. Enquanto isso, enquanto enfermeiro-chefe tem que promover esse sentido crítico (no sentido de uma análise correta das necessidades do utente) e, assim, identificação dessas necessidades e depois da prescrição autônoma daquilo que são cuidados dos enfermeiros. Obviamente os enfermeiros têm funções interdependentes e, portanto, assumir as responsabilidades, do mesmo nível que as funções autônomas, porque estar a cuidar do doente no seu todo e, portanto, tem uma forma independente, autônoma, rigorosos de responsabilidade de competência de envolvimento o mesmo (Violeta 4).

Discussão

O desenvolvimento da autonomia foi evidenciado neste estudo como um processo influenciado por aspectos individuais e pelas características da organização. Neste caso, identificou-se predomínio de um modelo de gestão hierarquizado, que interfere diretamente na qualidade da tomada de decisão.

Com base na tríade pensar-ver-fazer99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., que contempla as ações racionais, intuitivas e improvisadas para a tomada de decisão, percebe-se que, diante da complexidade dos serviços ofertados, o desenvolvimento de competências pelos enfermeiros atrela-se a um eventual investimento da instituição na formação em gestão em saúde1919. Ferraciolli GV, Oliveira RR, Souza VS, Teston EF, Varela PLR, Costa MAR. Competências gerenciais na perspectiva de enfermeiros do contexto hospitalar. Enferm Foco. 2020;11(1):15-20. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.2254
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. Aplicado nos serviços como um aporte para o desempenho laboral, com a utilização conjunta dos conhecimentos técnico- científicos e das experiências vivenciadas por esses profissionais.

A possibilidade de alcançar melhores e mais significativos resultados nos serviços gerenciados pelos enfermeiros é também reforçada pela presença de profissionais com elevado know-how para adoção do pensamento crítico em prol da tomada de decisão1919. Ferraciolli GV, Oliveira RR, Souza VS, Teston EF, Varela PLR, Costa MAR. Competências gerenciais na perspectiva de enfermeiros do contexto hospitalar. Enferm Foco. 2020;11(1):15-20. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.2254
https://doi.org/https://doi.org/10.21675...

20. Rababa M, Al-Rawashdeh S. Critical care nurses' critical thinking and decision making. Intensive Crit Care Nurs. 2021;63. doi: https://doi.org/10.1016/j.iccn.2020.103000
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

21. Lunden A, Teräs M, Kvist T, Häggman-Laitila A. Transformative agency and tensions in knowledge management. J Clin Nurs. 2019;28(5-6):969-79. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.14694
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...

22. Oshodi TO, Bruneau B, Crockett R, Kinchington F, Nayar S, West E. Registered nurses' perceptions and experiences of autonomy. BMC Nurs. 2019;18:51. doi: https://doi.org/10.1186/s12912-019-0378-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
-2323. Abdullah MI, Huang D, Sarfraz M, Ivascu L, Riaz A. Effects of internal service quality on nurses' job satisfaction, commitment and performance. Nurs Open. 2021;8(2):607-19. doi: https://doi.org/10.1002/nop2.665
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.

Não obstante, tem-se, na burocracia profissional99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., uma estrutura descentralizada e especializada, apoiada em uma coordenação padronizada, mediada pelo treinamento (conhecimentos e habilidades adquiridos na formação) e doutrinação (uso do conhecimento formal, integrado à prática experenciada no serviço). Isso possibilita a todos os atores envolvidos a operacionalização dos serviços de maneira independente de outros profissionais e mais próxima dos clientes.

Nesse sentido, o modelo de hierarquização do processo decisório adotado pela instituição pode representar uma limitação ou uma possibilidade para os gestores2222. Oshodi TO, Bruneau B, Crockett R, Kinchington F, Nayar S, West E. Registered nurses' perceptions and experiences of autonomy. BMC Nurs. 2019;18:51. doi: https://doi.org/10.1186/s12912-019-0378-3
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. Se a tomada de decisão do enfermeiro inclui a elaboração das escalas de serviço e o dimensionamento de pessoal, porém exclui a efetiva contratação da equipe de enfermagem, fica evidente a limitação da autonomia exercida por este profissional na instância decisiva para resolução do problema, com consequências na sobrecarga de trabalho, gestão da qualidade, resolutividade, dentre outros.

Assim, a presença de fatores limitadores da autonomia está relacionada com o modelo de gestão institucional, e este será determinante para que as ações gerenciais em enfermagem se caracterizem como independentes, interdependentes ou dependentes.

A ausência de resolutividade para essas demandas resultará na sobrecarga de trabalho, diante de um contexto de carência de pessoal, o que, por sua vez, comprometerá a satisfação profissional e, por conseguinte, a qualidade da assistência ofertada2222. Oshodi TO, Bruneau B, Crockett R, Kinchington F, Nayar S, West E. Registered nurses' perceptions and experiences of autonomy. BMC Nurs. 2019;18:51. doi: https://doi.org/10.1186/s12912-019-0378-3
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23. Abdullah MI, Huang D, Sarfraz M, Ivascu L, Riaz A. Effects of internal service quality on nurses' job satisfaction, commitment and performance. Nurs Open. 2021;8(2):607-19. doi: https://doi.org/10.1002/nop2.665
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24. Guesdon-Caltero C, Cherchem N, Frota MA, Rolim KMC. Health and nursing system in France. Cien Saude Colet. 2020;25(1):293-302. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27692019
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25. Pereira MV, Spiri WC, Spagnuolo RS, Juliani CMCM. Transformational leadership. Rev Bras Enferm. 2020;73(3):e20180504. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0504
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...

26. Masum AKM, Azad MAK, Hoque KE, Beh LS, Wanke P, Arzlan Ö. Job satisfaction and intention to quit. PeerJ. 2016;4:e1896. doi: http://doi.org/10.7717/peerj.1896
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27. Molina-Mula J, Peter E, Gallo-Estrada J, Perelló-Campaner C. Instrumentalisation of the health system. Nurs Inq. 2017;00:e12201. doi: https://doi.org/10.1111/nin.12201
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-2828. Abdolmaleki M, Lakdizaji S, Ghahramanian A, Allahbakhshian A, Behshid M. Relationship between autonomy and moral distress in emergency nurses. Indian J Med Ethics. 2018;4(1):20-5. doi: https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
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. Pesquisa realizada na Espanha2727. Molina-Mula J, Peter E, Gallo-Estrada J, Perelló-Campaner C. Instrumentalisation of the health system. Nurs Inq. 2017;00:e12201. doi: https://doi.org/10.1111/nin.12201
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, revelou o impacto da instrumentalização da saúde na prática do enfermeiro e na presença de modelo de gestão com padrões rígidos e inflexíveis. Outrossim, investigação sobre a relação entre a autonomia e o sofrimento moral em enfermeiras que trabalham em serviços de emergência no Irã2828. Abdolmaleki M, Lakdizaji S, Ghahramanian A, Allahbakhshian A, Behshid M. Relationship between autonomy and moral distress in emergency nurses. Indian J Med Ethics. 2018;4(1):20-5. doi: https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
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sinaliza que a redução da independência profissional prejudica a tomada de decisão e a capacidade de implementar intervenções adequadas.

Tais aspectos são consoantes com os conceitos da burocracia mecanizada99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., cuja estrutura organizacional segue padrões normativos para o processo de trabalho e apresenta uma cadeia formal para a tomada de decisão. Nesse sentido, pode-se afirmar, tal como verificado também no presente estudo, que esta burocracia ainda se encontra fortemente presente nas instituições hospitalares. Assim, refletir acerca de suas amarras pode ser o primeiro passo para transpor condutas engessadas nesses ambientes de trabalho.

No Brasil, esses hospitais são mantidos pelo Governo Federal, mas as relações de trabalho costumam incluir dois ou mais vínculos empregatícios (celetista, estatutário e terceirizado). Dessa forma, presume-se que o processo decisório do enfermeiro gestor e/ou dos serviços atendam ao regimento específico do funcionário contratado.

Vale citar que a Constituição Brasileira não recomenda o emprego da terceirização nas atividades fins, em virtude dos prejuízos causados pelo vínculo precarizado dos profissionais da saúde, os quais, em geral, recebem baixos salários e cumprem jornadas extensas e exaustivas. Trata-se de uma situação que compromete significativamente o processo de trabalho1414. Druck G. A terceirização na saúde pública. Trab Educ Saúde. 2016;14(1):15-43. doi: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00023
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,2929. Silva RM, Vieira LJES, Garcia-Filho C, Bezerra IC, Cavalcante NA, Borba-Netto FC, et al. Precarização do mercado de trabalho de auxiliares e técnicos de Enfermagem no Ceará, Brasil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):135-45. doi: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.28902019
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-3030. Santos TA, Saltos HS, Sampaio ES, Melo CMM, Souza EA, Pires CGS. Intensity of nursing work in public hospitals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3267. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.3221.3267
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.

Estudo internacional3131. Labrague LJ, Pettite DMM, Leocadio MC, van Bogaert P, Tsaras K. Perceptions of organizational support and its impact on nurse's outcomes. Nurs Forum. 2018;1-8. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nuf.12260
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identificou falta de reconhecimento, desigualdade de salário e distinções entre os enfermeiros permanentes e temporários que exercem as mesmas funções. Além disso, foi constatado que, eventualmente, esses profissionais tinham alguma/nenhuma participação no processo decisório. Tais condições prejudicam a rotina dos serviços que apresentam essa multiplicidade de vínculos e agem como um elemento desmotivador para a atuação profissional e cumprimento das rotinas padronizadas, uma vez que há disparidades na forma de tratamento dispensado aos profissionais inseridos neste contexto.

No entanto, em oposição ao modelo estrutural preconizado pela burocracia mecanizada99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., algumas organizações apresentam características da burocracia profissional99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p. e, nelas, os profissionais usufruem de certa autonomia e liberdade para a tomada de decisões. Nesses ambientes, não só a qualidade dos serviços prestados fica favorecida, como também a segurança do paciente.

Ressalta-se, portanto, a responsabilidade das organizações de saúde promoverem e disponibilizarem meios para que os enfermeiros atuem de forma autônoma, mediante o estabelecimento de funções, responsabilidades e comportamento, de maneira clara3131. Labrague LJ, Pettite DMM, Leocadio MC, van Bogaert P, Tsaras K. Perceptions of organizational support and its impact on nurse's outcomes. Nurs Forum. 2018;1-8. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nuf.12260
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32. Menezes SR, Priel MR, Pereira LL. Nurses' autonomy and vulnerability in the Nursing Assistance Systematization practice. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):953-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0080-62342011000400023
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33. El Haddad M, Wilkinson G, Thompson L, Faithfull-Byrne A, Moss C. Perceptions of the impact of introducing administrative support for nurse unit managers. J Nurs Manag. 2019;27:1700-11. doi: https://doi.org/10.1111/jonm.12860
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...

34. Setoodegan E, Gholamzadeh S, Rakhshan M, Peiravi H. Nurses' lived experiences of professional autonomy in Iran. Int J Nurs Sci. 2019;6(3):315-21. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.05.002
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34. Wei H, Sewell KA, Woody G, Rose MA. The state of the science of nurse work environments in the United States. Int J Nurs Sci. 2018;5(3):287-300. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2018.04.010
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36. Wardani E, Ryan T. Barriers to Nurse Leadership in an Indonesian Hospital Setting. J Nurs Manag. 2019;27(3):671-8. doi: https://doi.org/10.1111/jonm.12728
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-3737. Marañón AA, Pera MPI. Confusion about professional autonomy among final-year nursing students in Spain. J Prof Nurs. 2019;35(2):147-52. doi: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2018.07.008
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. Torna-se primordial, em consonância com a burocracia profissional99. Mintzberg H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas; 2009. 334 p., eleger como objetivo estratégico da instituição o desenvolvimento de lideranças na enfermagem. Paralelamente, a união entre os enfermeiros para a busca da autonomia deve ser incentivada, bem como o compromisso de assumir as responsabilidades advindas de tal autonomia.

Em suma, os resultados aqui apresentados evidenciam similaridades entre as realidades vivenciadas pelos enfermeiros ibero-americanos. Logo, transformar tal realidade é uma preocupação comum e que precisa ser discutida junto com esses profissionais.

Sugere-se a integração destes profissionais mediante a criação de espaços dialógicos (virtuais/presenciais), com o intuito de socializar experiências a respeito do papel/atuação do enfermeiro nesses três países. Além disso, recomenda-se oportunizar voz a esses profissionais junto à alta cúpula gerencial, no sentido de desvelar as especificidades inerentes a cada hospital universitário e a seus respectivos modelos de gestão.

Como contributos, os resultados da presente investigação evidenciam a necessidade de melhor compreender a inserção da enfermagem nos serviços de saúde. Nesse sentido, embora a atuação profissional do enfermeiro tenha sido definida de maneira objetiva e notória ao longo da história, mediante o desenvolvimento de competências e habilidades, nota-se que a preservação de sua autonomia para o pleno exercício profissional, no momento de sua inserção institucional requer uma maior discussão, a fim de reconhecer, valorizar e preservar a identidade profissional.

Assinala-se como limitação deste estudo, a sua realização apenas com hospitais universitários, uma vez que seus resultados não podem ser generalizados ou atribuídos à categoria como um todo.

Conclusão

Neste estudo, foram apontadas ferramentas que influenciam o processo decisório de enfermeiros. São elas: preparo técnico-científico, hierarquização e autonomia. Destaca-se que embasaram as análises desta pesquisa os preceitos teóricos acerca das estruturas organizacionais, os quais foram correlacionados com as categorias temáticas construídas.

Constatou-se que, muitas vezes, o processo decisório na prática profissional de enfermeiros é cerceado pelo nível ocupado por esses profissionais na hierarquia organizacional, algo, vale reforçar, bastante característico do modelo de burocracia profissional. No entanto, nota-se que esse ambiente, quando permeado pelo desenvolvimento das competências gerenciais pelos enfermeiros, é capaz de promover um avanço da autonomia vinculada ao aperfeiçoamento da formação.

No que se refere à formação dos futuros profissionais enfermeiros, os hospitais universitários, por sua configuração (ensino, pesquisa e extensão), necessitam empregar recursos que forneçam suporte para a construção da autonomia e do pensamento crítico, para que possam aperfeiçoar as tomadas de decisão. Ademais, recomenda-se investir na educação permanente e continuada dos profissionais inseridos nesse contexto.

Destaca-se a aquisição conjunta dos conhecimentos técnico-científicos e das vivências práticas como recursos que contribuem para o desenvolvimento do posicionamento crítico durante o processo decisório. Do mesmo modo, pontua-se a importância da participação do gestor hospitalar como um facilitador das ações na implementação de estratégias que proporcionem maior engajamento do grupo com os serviços e, consequentemente, na oferta de maior autonomia aos enfermeiros.

Outro ponto observado diz respeito à prática profissional autônoma voltada para o cuidado direto com o paciente. Em oposição, evidenciou-se limitação do poder decisório no que se refere ao atendimento das necessidades dos serviços, sobretudo ao manejo da escala de serviço.

Esta investigação analisou fatores influenciadores do processo decisório de enfermeiros durante a atuação profissional em hospitais universitários ibero-americanos e, portanto, limitou-se a estudar o fenômeno por meio de olhares específicos, em determinadas instituições de ensino. Entretanto, ainda que a presente análise não possa ser generalizada a outros contextos, contribui para a reflexão acerca da temática e indica a necessidade de favorecer elementos como a autonomia de profissionais enfermeiros, no intuito de facilitar os processos de tomada de decisão e desburocratizar os serviços. São medidas importantes, que favorecem uma dinâmica de assistência ágil e segura no ambiente hospitalar.

Para fins de comparação dos resultados obtidos, sugere-se que tal estudo seja replicado em outros cenários de atuação da rede básica (ambulatórios, clínicas especializadas), bem como que futuras investigações incluam os demais atores sociais que atuam na gestão do cuidado. Também é considerada válida a aplicação de métodos para realização de estudos transversais e longitudinais que ampliem a gama de observações e favoreçam a compilação de respostas para verificação do fenômeno relativo ao processo decisório por uma ótica quantitativa.

Agradecimentos

Agradecemos às estudantes de graduação em enfermagem da Universidade Federal da Bahia Ingryd Vanessa Santos do Nascimento e Letícia Melquíades Nascimento pela colaboração na fase de organização e tematização dos dados.

Referências

  • Financiamento

    Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo nº 205736/2018-1, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
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