Associação entre síndrome metabólica e categoria profissional: estudo transversal com profissionais de Enfermagem ^*

Resumo

Objetivo:

avaliar a associação da Síndrome Metabólica e dos seus componentes entre os profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde do estado da Bahia, Brasil, segundo a categoria profissional.

Método:

estudo transversal, populacional e multicêntrico conduzido com 1.125 profissionais de Enfermagem. A variável independente foi a categoria profissional, dicotomizada em nível técnico e superior de ensino. O desfecho foi a Síndrome Metabólica seguindo os critérios da National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III, a partir de aferições antropométricas e de amostras sanguíneas. A análise estatística deu-se pelo cálculo das razões de prevalência e pelo Teste Qui-quadrado de Pearson.

Resultados:

a prevalência da Síndrome Metabólica foi maior na categoria de nível técnico (RP=1,64; IC 1,29 - 2,06; p≤0,01). Estes profissionais quando comparados com os Enfermeiros eram mais velhos, tinham renda inferior, trabalhavam mais em regime de plantão e realizavam menos atividades físicas de maneira regular. Entre Enfermeiros, o componente mais prevalente foi o colesterol alterado (40,5%); entre Técnicos de Enfermagem/Auxiliares, a obesidade abdominal (47,3%).

Conclusão:

ficou evidente a associação entre categoria de Enfermagem e Síndrome Metabólica, cuja ocorrência foi maior entre profissionais de nível técnico.

Descritores:
Síndrome Metabólica; Técnicos de Enfermagem; Enfermeiras e Enfermeiros; Atenção Primária à Saúde; Estudos Epidemiológicos; Saúde do Trabalhador

Abstract

Objective:

to evaluate the association of Metabolic Syndrome and its components among Primary Health Care Nursing professionals in the state of Bahia, Brazil, according to professional category.

Method:

a cross-sectional, population-based and multicenter study conducted with 1,125 Nursing professionals. The independent variable was the professional category, dichotomized into technical and higher education levels. The outcome was Metabolic Syndrome following criteria from the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III based on anthropometric measurements and blood samples. The statistical analysis was performed by calculating the prevalence ratios and using Pearson’s Chi-square test.

Results:

the prevalence of Metabolic Syndrome was higher in the technical level category (PR=1.64; CI=1.29 - 2.06; p≤0.01). When compared to Nurses, these professionals were older, had lower incomes, worked more on duty and performed less physical activity on a regular basis. Among the Nurses, the most prevalent component was altered cholesterol (40.5%) and among the Nursing Technicians/Assistants, it was abdominal obesity (47.3%).

Conclusion:

the association between the Nursing category and Metabolic Syndrome was evident, with higher occurrence among technical level professionals.

Descriptors:
Metabolic Syndrome; Licensed Practical Nurses; Nurses; Primary Health Care; Epidemiologic Studies; Occupational Health

Resumen

Objetivo:

evaluar la asociación que hay entre el Síndrome Metabólico y sus componentes y los profesionales de Enfermería de la Atención Primaria de Salud en el estado de Bahía, Brasil, según la categoría profesional.

Método:

estudio transversal, de base poblacional y multicéntrico realizado con 1.125 profesionales de Enfermería. La variable independiente fue la categoría profesional, dicotomizada en niveles de educación técnica y superior. El resultado fue Síndrome Metabólico siguiendo los criterios del National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III a partir de mediciones antropométricas y muestras de sangre. El análisis estadístico se realizó calculando las razones de prevalencia y utilizando la prueba de Chi-cuadrado de Pearson.

Resultados:

la prevalencia de Síndrome Metabólico fue mayor en la categoría de nivel técnico (RP=1,64; IC 1,29 - 2,06; p≤0,01). Dichos profesionales tenían mayor edad, menor ingreso, más guardias y realizaban menos actividad física de forma regular que los Enfermeros. En los Enfermeros, el componente más prevalente fue el colesterol alterado (40,5%); en los Técnicos en Enfermería/Auxiliares fue la obesidad abdominal (47,3%).

Conclusión:

fue evidente la asociación entre la categoría de Enfermería y el Síndrome Metabólico, fue mayor en los profesionales de nivel técnico.

Descriptores:
Síndrome Metabólico; Enfermeros no Diplomados; Enfermeras y Enfermeros; Atención Primaria de Salud; Estudios Epidemiológicos; Salud Laboral

Destaques:

(1) Apresenta a prevalência da síndrome metabólica entre profissionais de enfermagem.

(2) Evidencia a ocorrência do agravo por categoria profissional.

(3) Conclui que existem no trabalho fatores de exposição para a ocorrência da síndrome.

Introdução

A Síndrome Metabólica (SM) é uma condição clínica que se configura como um fator de risco relevante para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, contribuindo significativamente para a manutenção das estatísticas de morbidade e mortalidade no Brasil e no mundo¹. Estudos recentes apresentam uma prevalência da SM de 8,9% a 44,0% na população adulta brasileira, apresentando associação com variáveis biológicas, estilo de vida e trabalho^2-3.

Por se tratar de uma síndrome, compõe-se de fatores de risco que refletem a alteração da homeostase de diferentes sistemas orgânicos, cujos indicadores são utilizados como critérios, a saber: pressão arterial elevada, redução dos níveis de colesterol de alta densidade, aumento dos níveis de glicose sérica e dos triglicerídeos e acúmulo de gordura visceral⁴. É um estado orgânico inflamatório, caracterizado por resistência à insulina e, consequentemente, apresenta uma tríade complexa, sendo: aterosclerose; catarse de células pró-inflamatórias [ênfase para Interleucina-1 (IL-1), Interleucina-6 (IL-6), Fator de Necrose Tumoral-α (TNF-α) e Proteína C Reativa Ultrassensível (PCR-us)] e os próprios componentes da SM⁵. A despeito do risco cardiovascular já bem estabelecido na literatura, essas alterações impõem diversos desfechos deletérios sobre a saúde, tais como neoplasias⁶ e aumento da mortalidade por qualquer causa⁷.

Há que se destacar que a SM reflete uma consequência do estilo de vida, cujo principal condicionante é o trabalho, uma vez que este determina os modos de ser e de viver dos indivíduos⁸. Nesse aspecto, não foram identificados na literatura estudos que se propuseram investigar a prevalência da SM entre profissionais de Enfermagem levando em consideração a variável ocupação. No entanto, torna-se necessário discutir o status de saúde desses profissionais, uma vez que prestam um serviço essencial em todas as instituições de saúde no mundo⁹. No Brasil, a profissão de Enfermagem representa mais da metade do contingente dos recursos humanos de saúde e possui a peculiaridade de estar dividida em categorias que pressupõem diferentes níveis de formação e, portanto, exposições aos fatores de riscos ocupacionais distintos¹⁰.

A despeito do que foi proposto para o trabalho da Enfermagem na Política Nacional da Atenção Básica¹¹, na Atenção Primária à Saúde (APS) a profissão apresenta características do trabalho especializado, mas também do trabalho artesanal. Está fundamentada no modo taylorista-fordista de organização do trabalho com ênfase no fazer, na execução de rotinas e fluxogramas¹². A divisão de tarefas é marcante, legitimada pela hierarquia instituída e pela fragmentação da assistência. Por um lado, temos o profissional de nível técnico que não possui autonomia para participar dos processos decisórios que irão determinar a dinâmica do seu trabalho; por outro, o profissional de ensino superior que desempenha atividades de cunho gerencial e assistencial cuja perspectiva é obedecer aos protocolos estabelecidos, erradicando a necessidade de produção a partir de um trabalho qualificado¹³.

Nesse sentido, a organização do trabalho na APS expõe o trabalhador da Enfermagem a uma situação de demandas crescentes com um grau cada vez menor de autonomia. Essas questões, associadas à precarização do trabalho e do emprego na atualidade, configuram os fatores que podem conduzir ao adoecimento psicológico e físico desses trabalhadores, cujo conjunto de agravos inclui a SM^14-15.

Considerando que o trabalho desempenhado pelos profissionais de Enfermagem na APS pode implicar no desenvolvimento de distúrbios metabólicos, cujas repercussões se fazem ecoar nas taxas de morbidade e mortalidade pelas doenças crônicas não transmissíveis, este estudo assume relevância científica, uma vez que reconhece a esfera produtiva como elemento importante na dimensão social da vida, pressupondo uma dimensão ética no âmbito da Saúde do Trabalhador, ao admitir o bem-estar no trabalho enquanto direito.

A hipótese do estudo presume que a ocorrência da SM difere entre as categorias da Enfermagem apresentando-se maior entre os profissionais de nível técnico. Assim sendo, em virtude da importância da temática em questão e de não terem sido identificados estudos dessa natureza ao nível nacional, o objetivo da presente investigação foi avaliar a associação da SM e dos seus componentes entre os profissionais de Enfermagem da APS do estado da Bahia, Brasil, segundo a categoria profissional.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de estudo transversal orientado pelas recomendações da iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)¹⁶, de base populacional e multicêntrico. Considerando as dimensões territoriais do cenário do estudo, o desenho multicêntrico permitiu incluir indivíduos dos mais diversos contextos populacionais e, consequentemente, a obtenção de um panorama mais amplo do desfecho investigado, produzindo achados confiáveis por melhor traduzir a realidade existente¹⁷.

Local da coleta de dados

O cenário do estudo foi o estado da Bahia (BA), Brasil, que segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística¹⁸, é formado por 417 municípios, organizados em 7 mesorregiões. Para fins de cálculo equiprobabilístico, estas foram estratificadas por conglomerados, cuja unidade era representada pela unidade municipal. Por amostra aleatória simples foram sorteados 10% dos conglomerados de cada estrato, perfazendo um total de 43 municípios, utilizando o programa Microsoft Office Excel versão 2010.

Período

Os dados foram coletados por meio de visita às Unidades de Saúde nas quais os profissionais selecionados atuavam, entre os anos de 2017 e 2018. Foi realizado treinamento prévio dos entrevistadores para padronizar as condutas.

População

A população do estudo incluiu amostra representativa de profissionais de Enfermagem da APS cujo quantitativo era de 9.955 trabalhadores alocados em Unidades de Atenção Primária à Saúde no ano de referência 2016¹⁹.

Critérios de seleção

Foram considerados elegíveis todos os profissionais de Enfermagem da APS em pleno exercício de suas atividades laborais, com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos estando, inclusive, dispostos a se submeter à coleta de material sanguíneo e às medidas antropométricas. Foram utilizados como critérios de exclusão o fato de atuar na APS por um período inferior a 6 meses, não prestar assistência direta ao paciente ou encontrar-se afastado de suas atividades habituais por motivo de licença médica ou férias. Também foram excluídas as profissionais que estivessem grávidas, com diagnóstico de síndrome de Burnout, depressão ou ansiedade prévio à admissão no serviço, os portadores de cirrose hepática e os que apresentassem dependência de drogas ilícitas ou álcool^14,20.

Participantes

Foram considerados elegíveis todos os 1.195 profissionais de Enfermagem que atuavam nas unidades da APS dos 43 municípios sorteados^14,20.

O cálculo amostral foi baseado em estudo piloto com população semelhante. Foram utilizadas prevalências de SM para o grupo de expostos e não expostos de 20,0% e 33,3%, respectivamente. Considerando erro α de 0,05, poder de 90%, razão 1:1 e utilizando a fórmula de cálculo para estudos de corte transversal²¹ obteve-se amostra de 464 profissionais.

$N_{Kelsey}=\frac{{(Z_{\frac{\alpha }{2}}+Z_{\beta })}^{2}p(1-p)(r+1)}{r{(p_0-p_1)}^2}$

Em virtude do desenho de estudo, duplicou-se o valor amostral, obtendo-se um n de 928, acrescentando-se um excedente de 20% para possíveis perdas e recusas, sendo a amostra final de 1.114 profissionais de Enfermagem representativos da APS do Estado da Bahia, Brasil^14,20.

Variáveis do estudo

A variável de exposição foi mensurada a partir do instrumento de pesquisa no bloco destinado aos dados de identificação do participante. No campo intitulado “profissão” as possibilidades de resposta incluíam: 1-Enfermeiro, 2-Técnico de Enfermagem e 3-Auxiliar de Enfermagem. Para fins de análise a variável foi dicotomizada em “Enfermeiro” e “Técnico de Enfermagem/Auxiliar”. Ressalta-se que a variável refletia a ocupação que o profissional desempenhava na unidade de saúde e não necessariamente seu nível de formação.

A variável desfecho foi a SM, dicotomizada em sim/não, cuja confirmação diagnóstica adotou os critérios da I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica²² e da National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III²³. Foi classificado como “caso” o indivíduo que apresentou, no mínimo, três dos cinco parâmetros considerados para diagnóstico de SM: obesidade abdominal (homens:≥102 centímetros-cm; mulheres:≥88 cm); triglicerídeos elevados (≥150 miligramas por decilitro-mg/dL); High Density Lipoprotein (HDL) colesterol baixo (homens:<40; mulheres:<50 ou tratamento farmacológico para dislipidemia); hipertensão arterial (sistólica:≥130 milímetros de mercúrio-mmHg e diastólica:≥85 mmHg ou uso de anti-hipertensivos); glicemia de jejum alterada (≥110 mg/dL ou tratamento para diabetes mellitus).

Outras variáveis utilizadas na análise foram: sexo (feminino/masculino); remuneração mensal (renda mensal familiar em salários mínimos, dicotomizada em até 2 salários mínimos/3 ou mais salários mínimos); idade (obtida em anos, dicotomizada em até 35 anos/36 anos ou mais); vínculo de trabalho [tipo de contratação na unidade da APS, dicotomizada em estável (concurso ou carteira assinada)/temporário (contratos por cooperativas, prestadores de serviço ou cargos de confiança)]; trabalho em turnos (realização de trabalho noturno, dicotomizada em sim/não); agressão no trabalho (qualquer episódio de violência praticada por usuário no âmbito da APS, dicotomizada em sim/não); tabagismo (hábito de fumar atual, possibilidades de resposta sim/não); etilismo (consumo habitual ou ocasional de bebidas alcoólicas, possibilidades de resposta sim/não) e realização de atividades físicas regulares (realização semanal de exercícios físicos intencionais e de forma regular, possibilidades de resposta sim/não).

Instrumentos utilizados

A coleta de dados envolveu aplicação de instrumento de pesquisa construído a partir de revisão da literatura contendo questões referentes às características sociodemográficas e laborais, estilo de vida e biologia humana. O formulário de coleta foi testado mediante realização de estudo piloto conduzido com 30 profissionais de Enfermagem de uma instituição hospitalar.

Coleta de dados

A abordagem inicial dos profissionais envolveu a explicitação dos objetivos, riscos e benefícios da pesquisa, critérios de exclusão considerados e procedimentos a serem adotados, tais como: aferições antropométricas e coleta de material sanguíneo, após jejum de 12 horas. Caso o profissional se enquadrasse nos critérios propostos e aceitasse fazer parte da população de estudo, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) era solicitada, garantindo assim a formalização da sua participação.

Para o diagnóstico da SM os participantes eram direcionados para a realização dos exames laboratoriais em um único laboratório, considerado como de referência para cada conglomerado, onde eram coletadas amostras sanguíneas. As técnicas laboratoriais enzimáticas e colorimétricas convencionais foram utilizadas para obtenção das dosagens séricas da glicemia de jejum, colesterol HDL e dos triglicerídeos^14,20.

A obesidade abdominal foi verificada a partir da mensuração da circunferência da cintura (CC), cujos valores refletem um indicador confiável do tecido adiposo visceral²⁴. A CC foi medida em consultório reservado, resguardando a privacidade do profissional, com o indivíduo em posição anatômica utilizando fita métrica inelástica da marca ISP^®, em duplicata e sem comprimir a pele. Foram utilizados como marcos corporais de referência o ponto médio da distância entre a borda inferior do gradil costal e o osso ilíaco, seguindo as recomendações do Departamento de Nutrição da Universidade de São Paulo, Brasil^14,20.

A pressão arterial foi aferida seguindo as recomendações da 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial²⁵, com o uso do estetoscópio (Littmann^®) e esfigmomanômetro anaeroide (BD^®), previamente calibrados. Foram feitas duas aferições no membro superior esquerdo livre de roupas, com o profissional de Enfermagem sentado após 5 minutos de repouso (o esvaziamento vesical foi solicitado), membros inferiores descruzados, utilizando a média das duas últimas aferições, tendo intervalo de 5 minutos entre elas²².

Para a mensuração do peso foi solicitado que o profissional permanecesse com o mínimo de roupas possível, livre de calçados. Foi utilizada balança antropométrica digital com capacidade máxima de 200 quilogramas-kg da marca Welmy^®. A estatura foi aferida com estadiômetro retrátil em alumínio, medindo até 2 metros-m com graduação de 0,5 cm. O indivíduo era solicitado a permanecer imóvel, em pé, com o dorso encostado no aparelho, coluna ereta e cabeça no plano de Frankfurt²⁶. De posse das medidas de peso e altura calculou-se o Índice de Massa Corporal (IMC) de acordo com a fórmula IMC=peso (kg)/altura (m)². Os valores de IMC considerados na análise foram dicotomizados em eutrofia (IMC=18,5-24,99) e excesso de peso (IMC≥25,00)²². Para esta variável foram excluídos 11 indivíduos que pontuaram como baixo peso, ou seja, apresentaram valores de IMC≤18,49.

Tratamento e análise dos dados

A análise estatística deu-se por análise descritiva das frequências absolutas e relativas das variáveis de interesse, possibilitando estimativas de prevalência da variável dependente principal, assim como de seus componentes. A análise bivariada foi realizada utilizando o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para verificar as associações entre a variável ocupação com a SM e seus componentes. Foram calculadas razões de prevalência (RP), seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% e valor de p≤0,05, por meio do Teste Qui-quadrado de Pearson, para avaliar as significâncias estatísticas das associações.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), sob o parecer de nº 872.365/2014. A obtenção das informações estava condicionada à assinatura do TCLE pelo participante e obtenção de anuência para coleta de dados, junto às respectivas Secretarias Municipais de Saúde de todos os municípios envolvidos. Ressalta-se que foi assegurada a desistência de participação do estudo, em qualquer etapa da pesquisa.

Resultados

A população de estudo constituiu-se de 1.125 profissionais de Enfermagem (94,1% de taxa de resposta), cuja maioria era representada pela categoria de nível técnico (59,6%). Percebeu-se que os profissionais de nível técnico, quando comparados com os Enfermeiros, eram mais velhos, apesar de possuírem vínculo mais estável tinham renda inferior, trabalhavam mais em regime de plantão e realizavam menos atividades físicas de maneira regular. A ocorrência da SM foi maior entre os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares para todas as variáveis estudadas (Tabela 1). Ficou evidente a discrepância entre o cargo exercido e o nível de escolaridade, uma vez que o número de profissionais com nível superior (45,6%) era maior que o número de Enfermeiros (40,4%).

Tabela 1
Características sociodemograficas, laborais e de estilo de vida dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde (n=1.125). Bahia, BA, Brasil, 2017-2018

Variáveis	Enfermeiros		Técnicos de enfermagem /Auxiliares		Síndrome Metabólica
	n* (%)	SM† (%)	n* (%)	SM† (%)	RP‡	IC§	p||
Sexo
Feminino	391(85,9)	17,0	598(89,3)	28,1	1,65	1,28 - 2,13	˂0,01
Masculino	64(14,1)	21,9	72(10,7)	36,1	1,65	0,94 - 2,87	0,05
Remuneração mensal¶
Até 2 salários mínimos	86(18,9)	17,9	437(65,2)	29,4	1,64	1,01 - 2,66	0,02
3 ou mais salários mínimos	369(81,1)	17,7	233(34,8)	28,1	1,59	1,17 - 2,15	˂0,01
Idade
Até 35 anos	320(70,3)	16,1	267(39,9)	22,5	1,40	0,99 - 1,96	0,03
36 anos ou mais	135(29,7)	21,5	403(60,1)	33,2	1,54	1,09 - 2,19	˂0,01
Vínculo de trabalho
Estável	319(70,1)	18,4	547(81,6)	30,2	1,64	1,26 - 2,14	˂0,01
Temporário	136(29,9)	16,2	123(18,4)	23,8	1,48	0,89 - 2,41	0,06
Trabalho em turnos
Sim	90(19,8)	23,6	141(21,0)	31,9	1,35	0,86-2,11	0,08
Não	365(80,2)	16,3	529(79,0)	28,2	1,73	1,32- 2.27	˂0,01
Agressão no trabalho
Sim	145(31,9)	22,9	229(34,2)	31,3	0,42	0,32- 0,53	˂0,01
Não	310(68,1)	15,3	441(65,8)	27,8	1,82	1,34- 2,46	˂0,01
Tabagismo
Sim	46(10,1)	23,9	87(13,0)	36,8	1,53	0,85 -2,75	0,06
Não	409(89,9)	17,0	583(87,0)	27,8	1,63	1,26-2,09	˂0,01
Etilismo
Sim	312(68,6)	17,3	400(59,7)	47,8	1,72	0,72 -4,06	0,09
Não	143(31,4)	27,8	270(40,3)	28,3	1,63	1,28-2,08	˂0,01
Realização de atividades físicas regulares
Sim	303(66,6)	14,6	336(50,1)	26,1	1,78	1,28-2,48	˂0,01
Não	152(33,4)	23,8	334(49,9)	31,8	1,33	0,96-1,84	0,04

• *n = Número de observações; ^†SM = Síndrome metabólica; ^‡RP = Razão de prevalência; ^§IC = Intervalo de confiança; ^||p = Valor de p; ^¶Salário mínimo vigente = R$ 954,00, Brasil, 2018

A prevalência de SM entre os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares apresentou ocorrência de 29,0% e entre os Enfermeiros de 17,7% (RP=1,64; IC 1,29 - 2,06; p≤0,00). No que diz respeito aos componentes da SM, em ambos os grupos, a maior parte estava na faixa de apenas 1 componente da SM com tendência decrescente de ocorrência (Figura 1).

Figura 1
Componentes da Síndrome Metabólica de acordo com a categoria dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde (n=1.125). Bahia, BA, Brasil, 2017-2018

O excesso de peso foi mais prevalente entre Técnicos de Enfermagem/Auxiliares (60,1%) do que entre Enfermeiros (46,3%), com diferença das médias para o IMC entre os grupos de 1,31 pontos (RP=1,30; p<0,01; IC=1,16-1,46). Apesar disto, os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares consideravam sua qualidade de vida boa (51,2%) e estavam mais satisfeitos com sua forma física (74,9%), quando comparados com os Enfermeiros. A Figura 2 evidencia os valores médios dos componentes da SM por categoria profissional.

Figura 2
Valores médios dos componentes da Síndrome Metabólica de acordo com a categoria dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde (n=1.125). Bahia, BA, Brasil, 2017-2018

Entre os Enfermeiros, o componente mais prevalente foi o colesterol alterado (40,5%) e o menos prevalente a glicemia de jejum elevada (5,3%). Entre os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares, os maiores percentuais obtidos foram para a obesidade abdominal (47,3%) e os menores para a glicemia de jejum (9,0%). Ficou evidente a diferença entre os grupos pela significância estatística das associações (Tabela 2).

Tabela 2
Associação da Síndrome Metabólica e seus componentes com a categoria dos profissionais de Enfermagem da Atenção Primária à Saúde (n=1.125). Bahia, BA, Brasil, 2017-2018

Variáveis	Síndrome metabólica			p§	Obesidade abdominal			p§	Hipertrigliceridemia			p§	HDL colesterol alterado			p§	Glicemia de jejum elevada			p§	Hipertensão arterial			p§
	n* (%)	RP†	IC‡		n* (%)	RP†	IC‡		n* (%)	RP†	IC‡		n* (%)	RP†	IC‡		n* (%)	RP†	IC‡		n* (%)	RP†	IC‡
Enfermeiros	80 (17,7)	1,0			150 (33,0)	1,0	1,15 - 1,39	<0,01	130 (28,8)	1,0	1,04-1,26	<0,01	183 (40,5)	1,0	1,02-1,21	0,02	24 (5,3)	1,0	1,05-1,41	0,01	99 (21,8)	1,0	1,14-1,35	<0,01
Técnicos de Enfermagem/ Auxiliares	191 (29,0)	1,64	1,29-2,06	<0,01	317 (47,3)	1,26			241 (36,6)	1,15			306 (46,4)	1,10			59 (9,0)	1,21			217 (32,4)	1,22

• *n = Número de observações; ^†RP = Razão de prevalência; ^‡IC = Intervalo de confiança; ^§p = Valor de p

Discussão

Percebeu-se que a força de trabalho da Enfermagem da APS do estado da Bahia, Brasil, é representada por características discrepantes entre suas categorias profissionais, uma vez que quando comparados com os Enfermeiros, os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares eram mais velhos, com hábitos de vida menos saudáveis, trabalhavam mais por regime de turnos, sofriam mais agressão no trabalho e apresentavam maior ocorrência de SM, assim como dos seus componentes.

Escassos são os estudos que se propuseram elucidar especificamente a relação entre SM entre profissionais de Enfermagem na APS, especialmente considerando a variável ocupação. Essa classificação da Enfermagem por categorias mantém suas raízes na divisão do trabalho que remonta ao início da história da profissão que, assim como nos seus primórdios, resguarda a divisão do trabalho em essencialmente assistencial braçal e em um trabalho assistencial mais complexo, contemplando atividades gerenciais, de ensino e supervisão²⁷.

Nos serviços que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, a Enfermagem abriga status de essencialidade, pois não há como se pensar em desenvolver o trabalho e garantir a execução dos seus princípios sem a figura desses profissionais. Na APS em particular, o serviço prestado pelos profissionais de Enfermagem garante assistência à saúde mesmo na ausência de outras categorias profissionais nas regiões mais remotas do país, cujas dimensões são continentais, fazendo-nos compreender a importância desse profissional para a consolidação dos princípios do SUS²⁸.

No entanto, já está bem estabelecido na literatura internacional o contexto real da precarização do trabalho para os profissionais de Enfermagem, que no âmbito do Brasil sequer possuem um piso salarial e o reconhecimento social⁹. Acredita-se que por ser uma profissão eminentemente feminina, questões de gênero estejam interferindo negativamente nesta questão, cuja luta vem se arrastando por anos, sem conquista palpável ou visível. Pesquisa sobre a SM entre trabalhadores sob perspectiva de gênero concluiu que sua ocorrência difere entre homens e mulheres, apresentando entre as mulheres relação inversa com as variáveis renda e escolaridade²⁹.

Nesse sentido, aspectos relacionados ao trabalho são capazes de interferir sobre a saúde do trabalhador, uma vez que determinam seus modos de vida. Revisão de literatura recente que incluiu investigações conduzidas em vários países e com diversas categorias profissionais evidenciou a associação entre SM e as variáveis do trabalho com destaque para a ocupação³⁰.

A ocupação determina o nível de remuneração que, por sua vez, associa-se com a SM. Recursos limitados impelem o consumo de alimentos de menor custo, porém de maior teor calórico, o que favorece o desenvolvimento da resistência à insulina, hipertrigliceridemia e ganho de peso corporal. Além do acesso à alimentação, a menor renda também pode interferir na possibilidade de praticar atividades físicas e de lazer, aumentando o risco de SM³¹.

Na perspectiva de aumentar a renda, não raro os profissionais de Enfermagem, principalmente os de nível médio³², são obrigados a assumir mais de uma escala de trabalho, achado corroborado no presente estudo. É plausível refletir sobre a seguinte hipótese: na APS o regime de contrato para esses profissionais prevê jornada de 40 horas semanais diurnas, obrigando o trabalho noturno como forma de segundo vínculo. Assim, um segundo vínculo de trabalho determina a falta de tempo livre, portanto, menor realização de atividades físicas, maior nível de estresse com consequente adoção de hábitos de vida menos saudáveis, tais como etilismo, tabagismo e dieta desequilibrada³³. No presente estudo, o uso de drogas ilícitas foi referido em mais do que o dobro das vezes pelos Técnicos de Enfermagem/Auxiliares quando comparados com os Enfermeiros (dados não mostrados em tabelas).

O trabalho noturno como segundo vínculo modifica, sobremaneira, os hábitos de vida e é capaz de induzir alterações no ciclo circadiano, cujas implicações incluem desequilíbrios no metabolismo corporal. Nesse aspecto, a literatura aponta que a curta duração do sono imposta pelo trabalho em turnos eleva a concentração do hormônio grelina e, por conseguinte, a diminuição do hormônio leptina, contribuindo para o aumento do apetite e o ganho de peso³⁴. Outras evidências têm demonstrado que a má qualidade do sono pode ativar o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando ao aumento na secreção de cortisol e nas catecolaminas, fatores importantes na fisiopatologia da SM³⁵. Tem se investigado ainda o papel da atividade reduzida de melatonina como um fator de risco associado ao desenvolvimento da SM³⁶.

No quesito alimentação, impõe menor tempo de preparo de refeições mais saudáveis implicando em consumo de alimentos calóricos, além de horários de refeições irregulares. Comer durante a noite pode ser considerado como metabolicamente desfavorável uma vez que o corpo está com tolerância à glicose diminuída, tempo de esvaziamento gástrico aumentado e temperatura corporal alterada³⁷. Além disto, profissionais de Enfermagem que trabalham durante a noite normalmente não praticam atividades físicas regulares devido à fadiga associada à natureza do seu trabalho³⁸.

No contexto da APS, durante a jornada de trabalho, os Enfermeiros permanecem mais tempo sentados atendendo no consultório ou deliberando sobre demandas administrativas. Técnicos de Enfermagem/Auxiliares locomovem-se mais durante o dia de trabalho e realizam atividades de maior demanda energética; no entanto, aqui se percebeu que estes últimos apresentaram maior prevalência da SM. O papel da atividade física como fator que atua na prevenção da SM já está bem estabelecido na literatura, desde que seja realizado de maneira regular e intencional³⁹.

Os mecanismos pelos quais a atividade física previne a ocorrência da SM incluem: (i) o aumento no número de mitocôndrias na fibra muscular através da produção de proliferadores de peroxissoma, melhorando a capacidade oxidativa do músculo e redução da inflamação sistêmica; (ii) secreção de hormônios metabolicamente benéficos, com destaque para a irisina; (iii) reversão da resistência à insulina pelo músculo promovendo a utilização da glicose sérica como substrato; (iv) redução na lipogênese hepática pelo aumento da utilização dos ácidos graxos pelo músculo⁴⁰. A realização de exercício físico regular pode promover o escurecimento dos adipócitos tornando-os metabolicamente ativos, o que em última instância culmina em termogênese e gasto energético aumentado⁴¹.

Ficou evidente que os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares estavam com mais excesso de peso, maior circunferência da cintura e IMC alterado. A obesidade central cujo correspondente clínico mais facilmente aferido é a circunferência da cintura tem se apresentado como forte preditor da SM, mesmo independente do IMC²⁴.

Evidências científicas sugerem que um dos principais fatores que podem acelerar o caminho para a obesidade é a resistência à insulina que, até certo ponto, é geneticamente predeterminada⁴². O tecido adiposo visceral promove, além da resistência à insulina, a liberação de ácidos graxos livres não esterificados que, por sua vez, acumulam-se em órgãos como fígado e no músculo, predispondo ainda mais à resistência à insulina e à dislipidemia. Além disso, os adipócitos que compõem a gordura visceral podem produzir várias adipocinas como leptina, resistina, TNF-α, IL-6 e angiotensina II, que podem, adicionalmente, impactar na resistência à insulina e em estados pró-trombóticos e pró-inflamatórios, além de outros fatores de risco cardiovascular⁴¹.

No que diz respeito à idade, apesar de os Técnicos de Enfermagem/Auxiliares serem mais velhos, o estudo evidenciou uma população representada principalmente pelo estrato da terceira década de vida, cuja diferença entre as médias foi de 6 anos. A relação entre idade e SM ainda permanece controversa, uma vez que a grande variação na idade de início em indivíduos com um perfil de risco muito semelhante sugere uma grande interação entre fatores genéticos e ambientais⁴³. Para a ocorrência da obesidade e do estado pró-inflamatório, sua relação com o envelhecimento já está bem estabelecida, no entanto, essa variável apesar de constituir um fator importante na fisiopatologia da SM não se configura como único. Torna-se possível afirmar que as características do trabalho, a despeito das vulnerabilidades individuais e dos fatores de risco não modificáveis, exercem impacto na ocorrência da SM entre profissionais de Enfermagem.

O estudo possui limitações que merecem ser consideradas. Por se tratar de um desenho transversal não se pode estabelecer relações de causa e efeito. Em virtude de termos incluído apenas trabalhadores em pleno exercício das suas atividades laborais, aqueles adoecidos, inclusive, pelo próprio trabalho podem ter sido excluídos da casuística. Ainda assim, consideramos que essas limitações não invalidam os achados aqui apresentados, uma vez que a amostra representa a população de profissionais da APS de um grande Estado brasileiro. Ademais, o rigor metodológico adotado na condução da coleta e análise dos dados permite inferir a associação entre categoria profissional e SM sugerida, a partir dos resultados obtidos.

O estudo contribui para o conhecimento na medida que evidencia a significativa prevalência da SM entre profissionais de Enfermagem, acometendo 1 a cada 5 indivíduos investigados, apresentando-se ainda maior na categoria de nível técnico. Nesse sentido, presume-se que esses profissionais parecem estar mais expostos aos fatores de exposição laborais capazes de culminar com a ocorrência da SM. Avaliar a relação entre SM e categoria profissional pode contribuir para a prevenção da sua ocorrência representando redução em um número significativo de casos, cujo impacto poderá se fazer sentir nas estatísticas das doenças crônicas não transmissíveis.

Conclusão

Neste estudo, ficou evidente a associação entre categoria profissional e SM, indicando uma ocorrência discrepante entre profissionais de nível técnico e superior de ensino. Considerando o enorme contingente de profissionais de enfermagem de nível técnico no Brasil e a centralidade do trabalho na vida das pessoas, torna-se necessário elucidar os possíveis caminhos para o adoecimento nessa população específica, a fim de reduzir o impacto negativo da SM e garantir ações assertivas no âmbito da Saúde do Trabalhador.

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  Artigo extraído da tese de doutorado “Interação entre aspectos laborais e síndrome metabólica: estudo transversal de base populacional”, apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 408390/2016-6, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  05 Dez 2021
• Aceito
  25 Jan 2022