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Projeto político de atenção ao adolescente no município de São Carlos

Resumos

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, ampliou a atuação do Estado brasileiro na implementação das políticas públicas aos adolescentes. Há muitas instituições que visam atender aos adolescentes, entretanto, o sinergismo delas é pouco conhecido. O objetivo deste estudo foi o de saber como elas atuam e estão organizadas no âmbito municipal. A metodologia é descritiva e a população foi representada pelas instituições que atendem os adolescentes na cidade de São Carlos, SP. Os dados foram colhidos por meio de documentos e de entrevistas junto aos dirigentes institucionais. Vinte instituições participaram da pesquisa. O resultado mostrou que elas são bastante distintas entre si: enquanto a maioria delas está centrada em atividades de complementação escolar e ensino profissionalizante, outras atendem exclusivamente adolescentes autores de atos infracionais. Embora presente numericamente, as instituições de atenção ao adolescente não se encontram ainda orquestradas em prol da consecução do ECA.

adolescente; políticas públicas; saúde pública


The Brazilian Child and Adolescent Statute was established in 1990. Since then many institutions have been created to attend adolescents. This study aimed to understand how these institutions have been organized in São Carlos, Northeast of São Paulo, Brazil. This is a descriptive study, whose data were collected through interviews with the directors of 20 institutions. They reported differences in terms of objectives, target public age, religious orientation, etc. While most institutions have focused on leisure activities and professional education, some of them attend only adolescents who have committed some kind of illegal act. Although there are many different ways to assist adolescents, it seems that their actions are not integrated towards the implementation of the Child and Adolescent Statute.

adolescent; public policies; public health


El Estatuto del Niño y del Adolescente (ECA) fue establecido en Brasil en 1990 y amplió la actuación del estado en la implementación de las políticas a los adolescentes. En las ciudades, hay muchas instituciones que asisten a estos grupos poblacionales, pero su actuación sinérgica todavía no es conocida. El objetivo de esta investigación fue conocer como ellas actúan e están organizadas en el nivel municipal. El escenario de estudio fue el Municipio de Sao Carlos, localizada en el noroeste del Estado de Sao Paulo. Fueron entrevistados 20 dirigentes institucionales. El resultado mostró que hay muchas diferencias en la actuación: la mayoría de ellas ofrece actividades de deportes y recreación; pero otra parte se ocupa de los adolescentes autores de actos infracciónales. Aunque el municipio cuenta con numerosas instituciones, todavía no está organizada para el total cumplimiento del ECA.

adolescente; políticas públicas; salud pública


ARTIGO ORIGINAL

Projeto político de atenção ao adolescente no município de São Carlos1 1 Trabalho extraído de dissertação de mestrado. Apoio financeiro da Fapesp

Lara de Paula EduardoI; Emiko Yoshikawa EgryII

ITerapeuta ocupacional, Mestranda

IIEnfermeira, Livre-docente em Enfermagem em Saúde Coletiva, Professor Titular. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, ampliou a atuação do Estado brasileiro na implementação das políticas públicas aos adolescentes. Há muitas instituições que visam atender aos adolescentes, entretanto, o sinergismo delas é pouco conhecido. O objetivo deste estudo foi o de saber como elas atuam e estão organizadas no âmbito municipal. A metodologia é descritiva e a população foi representada pelas instituições que atendem os adolescentes na cidade de São Carlos, SP. Os dados foram colhidos por meio de documentos e de entrevistas junto aos dirigentes institucionais. Vinte instituições participaram da pesquisa. O resultado mostrou que elas são bastante distintas entre si: enquanto a maioria delas está centrada em atividades de complementação escolar e ensino profissionalizante, outras atendem exclusivamente adolescentes autores de atos infracionais. Embora presente numericamente, as instituições de atenção ao adolescente não se encontram ainda orquestradas em prol da consecução do ECA.

Descritores: adolescente; políticas públicas; saúde pública

INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente(1) (ECA) fez emergir um novo paradigma, pois esse grupo social passa a ser compreendido como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento e, portanto, devem receber atenção prioritária e acesso garantido aos serviços e condições de saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, esportes, profissionalização, dignidade, respeito e convívio social (Art.4º. Título I - Das Disposições Preliminares).

A sociedade contemporânea tem cada vez mais se preocupado com os adolescentes. Na mídia, os principais alvos de discussão são adolescentes que cometem atos infracionais por estarem se tornando ameaça em termos de violência, agressividade e delinqüência. Conseqüência disso, punições e medidas socioeducativas, citadas no ECA, e projetos de lei como a redução da idade penal para 16 ou até 14 anos, também têm gerado discussões.

O Estatuto trouxe no título a mudança principal: a expressão para designar esse grupo passa de "menor" (expressão que se tornou pejorativa), para "criança e adolescente", o que parece revelar uma orientação diferente de que esses indivíduos são dotados não só de deveres, mas principalmente de direitos.

Até o século XVIII, não havia o que se chama hoje de adolescência, pois essa fase era confundida com a infância. A noção de juventude estava ligada à força da idade. Entre os séculos XIV e XVIII as idades de vida não correspondiam apenas às etapas biológicas e sim às funções sociais(2).

Enquanto alguns autores utilizam referências, ou demarcadores cronológicos, agregados a outros componentes e atributos para conseguirem uma definição mais ampla de adolescência, há trabalhos que questionam uma definição universal e genérica sem considerar o momento histórico das sociedades na qual estão inseridos. Verificou-se, portanto, um esboço de compreender a adolescência como um construto social, em oposição à comumente adotada concepção de adolescência como estatuto de fixidez e imutabilidade, por estar referida a um fenômeno físico, há a ampliação desse entendimento enquanto fenômeno social, subordinada ao modo de produção vigente(3).

Os indivíduos que pertencem à mesma geração, que nasceram no mesmo ano, são dotados de situação comum na dimensão histórica do processo social. Assim, poder-se-ia compreender esse fenômeno social como situação que poderia ser seria e deduzida dos fatores biológicos básicos, mas se fosse realizado, estar-se-ia ignorando o fato de que os, seres humanos se relacionam e que isso se dá de acordo com a dimensão histórica do processo social(4).

Se por um lado a posição de classe pode ser explicada pelas condições econômicas e sociais, a situação etária é determinada pela forma como certos padrões de experiência e pensamento foram passados na transição de uma geração para a outra. O fato é que a criação e a acumulação cultural não se dão pelos mesmos indivíduos, e sim pelo surgimento contínuo de novos grupos etários e pela forma como esses novos indivíduos entram em contato com essa herança acumulada, determinando como uma geração apreende os valores, os comportamentos, sentimentos, cultura e o conhecimento adquirido na época(4).

Tornar-se adulto e amadurecer significa adquirir todas as habilidades imprescindíveis para a vida cotidiana da sociedade, no caso, da camada social em questão(5).

Na sociedade contemporânea, o jovem passa por transição complexa para chegar ao mundo adulto. A família aparece como principal instituição de socialização, na qual são apreendidos os valores pós-modernos (neoliberais) de auto-realização, prazer, apologia à performance individual, consumo, competição entre outros. A escola possui o papel da instituição de socialização pela educação formal, sendo que essa se encontra abalada pela posição tomada pelo Estado. As perspectivas de trabalho ao sair da escola estão diretamente relacionadas ao mercado de trabalho terceirizado, flexível e autônomo. Há, inclusive, questionamento atual da real necessidade da educação formal como perspectiva de inserção social(6).

As necessidades do adolescente extrapolam as condições orgânico-biológicas, e a organização de programas voltados a esse grupo requer a consideração das dimensões social e coletiva. Há, ainda, a necessidade do conhecimento e do envolvimento com o cotidiano dos adolescentes e do contexto em que os mesmos estão inseridos para que os conteúdos dos programas sejam adaptados às diferentes modalidades de demandas individuais e coletivas(7).

Embora a população adolescente seja grande, existe baixa demanda nos serviços de saúde e há estudos que comprovam que esse é um grupo etário sadio, ao menos tem sido, do ponto de vista biológico. Entretanto, a violência, as doenças como a AIDS, a drogadição que a cada dia expande entre os adolescentes, principalmente das classes subalternas, têm mostrado exatamente o inverso.

Há quatro décadas que, nos países em desenvolvimento, a faixa demográfica adolescente vem sendo reconhecida, pois além de representar 25% da população geral, os adolescentes têm sido os principais alvos de violências, resultando em número alarmante de mortes e seqüelas causadas por atos violentos, acidentes de trânsito e contaminações por doenças, decorrentes das condições precárias a que está sujeita a maior parte das populações desses países(7).

O Brasil, seguindo as recomendações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), implantou, a partir de 1989, através do Ministério da Saúde, o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD). Foi realizada pesquisa no município do Rio de Janeiro, em 1994, para verificar as condições básicas para a prestação da atenção integral aos adolescentes nas unidades de saúde. Os resultados obtidos das 70 unidades estudadas, nas quais 49 participavam do PROSAD, mostraram que apenas terça parte atendia meninos e meninas de rua, tendo os adolescentes que requisitavam o programa por problemas de saúde como maior alvo de atenção(8).

No município de São Carlos, SP, verificou-se preocupação maior com o cumprimento das medidas socioeducativas e a prevenção de delitos, do que opções quando o adolescente está desassistido ou lesado no seu direito. Isso ocorre principalmente naquele conjunto formado por adolescentes que vivenciam situações de extrema humilhação social e familiar, violência, drogadição, falta de suporte para o seu desenvolvimento físico e psíquico, histórias essas tão freqüentes.

Apesar da preocupação existente por parte dos profissionais que contatam adolescentes através de projetos e programas, não há estudo sistematizado acerca das políticas de atenção ao adolescente no município de São Carlos, SP, objeto e razão deste estudo. De fato, em pesquisa realizada no primeiro semestre deste ano durante a primeira fase deste estudo, junto às principais bases de referências verificou-se que existem muitos estudos que tratam das questões pontuais de adolescente, mas raramente das políticas. Ainda, constata-se que, nos últimos anos, foram criados serviços específicos para o atendimento do adolescente para possibilitar o acesso dos mesmos aos seus direitos. Assim, este trabalho tem por finalidade subsidiar a renovação do projeto político de atenção ao adolescente no âmbito municipal.

OBJETIVOS DO ESTUDO

O presente estudo tem por objetivo conhecer os programas de atendimento aos adolescentes, suas finalidades ou motivações.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo descritivo utilizando-se da Teoria de Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva(9), principalmente na captação da realidade objetiva das instituições que atendem adolescentes em São Carlos, SP.

O cenário de estudo é o município de São Carlos, situado na região nordeste do Estado de São Paulo, distante 228km da capital, ocupando área geográfica de 1.141km, da qual o perímetro urbano é de 67,25km. A população atual, segundo o IBGE, é de 192.998 habitantes, dos quais 35.000 são adolescentes de 10 a 19 anos. A economia de São Carlos, SP gira em torno das atividades industriais e de agropecuária, pertencendo ao "cinturão do leite" do Estado de São Paulo; produz também laranja, cana-de-açúcar, tomate, café, milho, arroz, ovos, frango e carne. A cidade é um dos pólos de alta tecnologia no Brasil, abriga diversas indústrias, das quais mais de 70 produzem itens de alta tecnologia(10). Esse município abriga hoje duas universidades públicas: a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal de São Carlos, além de duas unidades de pesquisa da EMBRAPA e duas faculdades particulares, contando aproximadamente com oito mil universitários e 2.500 pesquisadores. São Carlos, SP tornou-se um dos pólos tecnológicos, educacionais e científicos mais importantes do País e, a partir das descrições realizadas, pode-se considerá-lo como campo bastante propício para a realização da pesquisa proposta no presente trabalho.

O estudo recorreu à fonte primária (depoimentos dos atores envolvidos na gestão de programas) e fonte secundária documental (programas, projetos, relatórios e regimentos). Para identificar os programas existentes no município, destinados ao atendimento de adolescentes, foi realizado levantamento junto aos órgãos responsáveis pelo cadastramento dos programas e entidades que desenvolvem trabalhos específicos com essa população. A principal fonte de identificação dos programas é o cadastro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), em conformidade com as determinações do ECA. Participaram também no reconhecimento dos programas as Secretarias Municipais de Educação, Saúde, Esportes e Lazer, Infância e Juventude, Cidadania e Assistência Social, além do Conselho Municipal de Cidadania e Assistência Social.

Identificados os programas, entidades e projetos, foram realizadas entrevistas com os responsáveis institucionais, utilizando-se de questionário semi-estruturado. As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise simples de conteúdo ou respostas. Por se tratar de pesquisa que lida com seres humanos o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP (Resolução nº196/96 do CONEP ).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram identificados 44 programas cadastrados nos conselhos e/ou ligados às secretarias municipais. Vinte instituições foram entrevistadas, respondendo coincidentemente por 44 programas. As demais não foram entrevistadas pelas seguintes razões: não permitiram entrevista, mudaram de finalidade, não atenderam no período de coleta de dados.

De maneira geral, os programas de atenção ao adolescente apontam para quatro principais finalidades ou motivações: profissionalização, complementação escolar, esportes e saúde/educação. O primeiro está voltado para a faixa etária entre 14 e 18 anos, o segundo 12 e 14 anos e os dois últimos entre 12 e 18 anos, embora a oferta maior ocorra até os 14 anos. Além desses trabalhos ocorrem aqueles que visam cumprir as medidas socioeducativas descritas no ECA, o abrigo e as atividades realizadas nos centros comunitários. A motivação de profissionalização é realizada por três instituições de cunho filantrópico que oferecem ao todo os seguintes cursos: auxiliar administrativo, padaria, confeitaria, marcenaria, elétrica, aerografia, corte e costura e pedraria, cabeleireiro e informática. Após a realização desses cursos há o oferecimento de estágio remunerado que pode durar até dois anos e/ou até que o adolescente complete dezoito anos. Além do oferecimento dos cursos, as instituições oferecem alimentação, sendo que uma delas possui também atividade para os adolescentes que estão atrasados na escola, em parceria com o SESI. A inserção do adolescente nesse tipo de atendimento acontece na maior parte por procura espontânea das famílias, mas uma pequena parcela é encaminhada pelo judiciário. Na primeira situação, após a inscrição nos programas, o adolescente realiza prova de conhecimentos gerais, português e matemática. Quem passa na prova, vai para o segundo critério de seleção, a situação socioeconômica e a situação de risco pessoal e social, avaliadas em entrevistas realizadas com os adolescentes e suas famílias. Em havendo empate, opta-se pelo mais novo em relação à faixa etária. É obrigatório que o adolescente esteja freqüentando a escola para participar desses programas. A procura por esse serviço ocorre em média de três a quatro vezes mais que o número de vagas, que chega ao total de 730. Quando questionadas em relação aos objetivos e finalidades, as instituições apresentaram preocupações distintas: uma delas coloca a prevenção de delitos e diminuição da ociosidade e conseqüente exposição à criminalidade como principal objetivo. As demais centram no oferecimento de formação e profissionalização para o mercado de trabalho, sendo que uma delas especifica que o objetivo é oferecer esse tipo de oportunidade ao adolescente de baixa renda. As dificuldades apresentadas pelas instituições foram: falta de recursos financeiros para ampliação de vagas; contratação de mais recursos humanos; falta de sede própria; uma minoria de adolescentes que não consegue aderir ao programa. Em relação aos trabalhos frente ao ECA, todos afirmam cumpri-lo adequadamente, sendo que são citados os artigos 68 e 69 (que ditam sobre a prevalência do caráter educativo sobre o aspecto produtivo, a consideração da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação adequada para o mercado de trabalho) por uma das instituições, e as demais falam de maneira geral sobre o direito à profissionalização. Citam também a inserção do Conselho Tutelar quando o adolescente apresenta alguma forma de exposição a riscos pessoais e sociais.

A segunda motivação dos programas é a de maior ocorrência e está destinada à complementação escolar das crianças e adolescentes de sete a quatorze anos, no caso deste estudo deu-se ênfase aqueles que se encontram na faixa etária de doze a quatorze anos. O primeiro requisito para participar desses programas é estar matriculado e freqüentado a escola, o segundo está vinculado principalmente à renda, em algumas situações abrem-se exceções quando há situações de risco pessoal (violência, uso de drogas, explorações...). As atividades oferecidas, no geral, tratam de: alimentação, recreação, reforço escolar, oficinas artesanais, orientação familiar, informática, higiene e orientação religiosa. Mais duas entidades podem ser incluídas nesse item por oferecerem as mesmas atividades, porém possuem a condição particular de não exigirem que o adolescente esteja na escola, abrindo, portanto, a possibilidade de participação de pessoas que se encontram em situações de risco pessoal e social maior como, por exemplo, a situação de rua. Essas duas últimas não possuem número de vagas definido, acolhendo todos que aparecerem naquele dia de atendimento, ambas relatam que a oscilação desses adolescentes na freqüência ao programa é muito grande, e que os mesmos não são desligados como acontece nos demais casos, e entendem que tal população exige essa flexibilidade. Nas outras seis instituições, a procura por vagas ocorre quase duas vezes a mais que o número definido, que chega a 369 adolescentes. Os objetivos e finalidades dessas instituições estão centrados fortemente na idéia de tirar os adolescentes carentes das ruas e mantê-los em atividades, sendo que assim acreditam manter essa população afastada da criminalidade, do uso de drogas e outras situações de risco. Apenas uma enfatiza o objetivo de resgatar a auto-estima e trabalhar as potencialidades dos adolescentes. A falta de dinheiro é a dificuldade mais apresentada pelas instituições, embora tenha aparecido também certa escassez de recursos humanos e a falta de sede própria. Surgiram questões interessantes sobre a falta de conhecimento dos representantes políticos sobre o trabalho realizado, e a reivindicação de que as universidades presentes no município contribuíssem de alguma forma com a instituição. O preconceito da sociedade em relação aos adolescentes que freqüentam essas instituições apareceu no relato de uma delas, como uma das principais dificuldades da intervenção com essa população. Valorização e resgate da dignidade, acesso ao lazer, educação, alimentação, cidadania, responsabilidade dos pais em relação ao adolescente, estar em um ambiente saudável foram alguns dos conceitos citados em relação ao trabalho realizado frente ao ECA. A ampliação da atuação em relação à família e maior participação do poder público em relação ao acesso dos adolescentes aos seus direitos foram reivindicadas por uma das entidades. Somente um dos trabalhos declarou não usar o ECA como referência.

A motivação dos programas para a educação e saúde foi encontrado em cinco programas: dois ligados à deficiência mental, um à deficiência física, um de lábios fissurados e deficientes auditivos, e o último relacionado à saúde mental. Com exceção dos dois primeiros que tratam de escolas de educação especial e preparação para o trabalho, os demais estão ligados diretamente ao atendimento à saúde e à inclusão social. A entrada nesses serviços exige avaliação de equipe multidisciplinar ou encaminhamento médico. Atualmente são atendidos 163 adolescentes e a procura por esse atendimento varia muito, dificultando a precisão da demanda. Poucos trabalhadores e a falta de recursos financeiros são as dificuldades maiores. O preconceito da sociedade em relação à população atendida cria muitos obstáculos para a atuação na inclusão social. Considerações sobre o ECA aparece de forma muito difusa, relacionadas à proteção e à procura pelo Conselho Tutelar em situações de abandono de tratamento ou maus-tratos por parte dos familiares.

Existem dois programas no município referentes ao esporte: um programa com dez projetos da Secretaria de Esportes e Lazer, e um de uma escola filantrópica de futebol. Ambos recebem adolescentes por procura espontânea, com muitas vagas (cerca de 1500) e, em alguns momentos, ficam inclusive com vagas ociosas. Avaliam que isso ocorre por falta de divulgação do trabalho, pela dificuldade do transporte e adesão dos adolescentes aos projetos. A formação do cidadão através do esporte, o esporte, a competição, o lazer e atividade física coordenada são os objetivos e finalidades desses trabalhos, cuja meta é ampliar a oferta de modalidades esportivas e a compreensão do esporte como direito da população ao lazer, à cultura, à atividade física orientada e aos hábitos saudáveis de vida, até para a implantação de políticas públicas de esporte e lazer. Ambos os programas acreditam que o esporte pode agregar forças com os demais trabalhos realizados no município para acrescentar às atividades caráter educativo de formação de cidadania e conquista de igualdade social, para isso, falta a compreensão por parte dos administradores das secretarias por um lado, e a ausência de união entre as instituições sem fins lucrativos pelo outro. Frente ao ECA, dizem segui-lo enquanto princípio.

A implantação das medidas socioeducativas citadas no estatuto está sendo realizada através de duas das vinte entidades entrevistadas: uma delas é responsável pela acolhida dos adolescentes encaminhados pela polícia, triagem, orientação e encaminhamento aos demais serviços da região, apoio e orientação familiar, defensoria pública, cadastro, atendimento inicial em regime de internação e pela internação provisória por até 45 dias; a outra entidade administra as medidas de prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida e semiliberdade. A soma das vagas de todos esses atendimentos chega a atingir 245 adolescentes. Os objetivos estão diretamente ligados ao cumprimento do Tìtulo III do ECA - Da prática de Ato Infracional. As dificuldades das atividades estão vinculadas principalmente à integração dos setores e à interação com os parceiros, que cria obstáculos e aumenta o tempo de resposta entre os serviços. O trabalho com as famílias também tem sido alvo de discussão para haver melhora e eficácia no atendimento. O programa de semiliberdade possui vagas somente para adolescentes do sexo masculino, e quando ocorre a necessidade de inclusão de meninas são tomadas medidas provisórias e alternativas.

Existem dois abrigos no município para crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos. Em relação ao ECA, afirmam ter seu trabalho pautado no mesmo, no entanto, fornecer atenção integral às crianças e aos adolescentes é uma das maiores dificuldades do abrigo, que se vê cumprindo melhor a área social e procura por parceria na área da educação para a realização de projeto pedagógico.

Por fim, os nove Centros Comunitários ligados à Secretaria de Cidadania e Assistência Social realizam as atividades que mais chamam a atenção das crianças e adolescentes, e permite a participação dos mesmos: futebol, jazz, dança, cinema e oficinas de contar histórias. A freqüência dos adolescentes aos CC é grande, no entanto, varia de acordo com a região e atividades oferecidas, há intensidade maior em três deles, em torno de 350 adolescentes. De maneira geral, muitas vezes funciona como postos de assistência social (alvo de campanhas de arrecadação de casacos, cestas básicas e distribuição dos mesmos), no entanto, mescla atividades comunitárias, de lazer e cultura, a depender do profissional presente e da maneira como a comunidade local compreende e ocupa o espaço. O direito à infância, à recreação, ao lazer e á cultura são apontados como forma de cumprimento ao ECA, entretanto, é perceptível que a potência desse recurso poderia ser muita maior se houvesse política pública mais sinérgica de atenção.

De maneira geral, foram apontados benefícios aos adolescentes que conseguem participar dos programas existentes no município, porém, com exceção dos esportes e das medidas socioeducativas, todos os outros trabalhos têm demanda muito maior do que o número de vagas oferecidas. A principal motivação de cada uma das instituições diferem entre si, mesmo que o tipo de atendimento seja parecido, na Figura, a seguir, isso poder ser visualizado.



Percebe-se que os programas focalizam o que alguns autores afirmam sobre a adolescência e sobre os fenômenos que estão ligados a esse conceito como, por exemplo, a duração, os comportamentos e as formas de articulação que são ensinados durante o processo de socialização da criança, e vão variar de acordo com a sociedade e cultura na qual estão inseridos(3). Não há clara compreensão da adolescência enquanto fenômeno social, com reflexos na maneira de inserção social dos adolescentes no modo de produção vigente. Ainda vigora a percepção do estudo(7) que avalia a cobertura, a adequação, a acessibilidade e o padrão de utilização do serviço de Saúde dos Adolescentes da comunidade de Emaú, Belém, Pará, entre 1994 e 1996, em que foi constatado bom grau de adequação do programa à sua finalidade, embora necessitasse ajustes principalmente no item recursos humanos, atendimentos direcionados especialmente à assistência curativa e individual. Os autores deixaram recomendações percebidas como necessidades no sentido de reverter o modelo assistencial prevalente, de modo a enfatizar atividades preventivas, coletivas e educativas para maior potencial de efetividade na promoção da saúde da população adolescente.

Na retomada da história, verifica-se que a preocupação social com os jovens aparece a partir da era industrial moderna, quando surge o interesse na capacitação técnica do jovem para o trabalho. Coincidentemente ou não, a maioria dos programas e projetos hoje existentes no Brasil para o atendimento de adolescentes está relacionada à capacitação do jovem para o trabalho, para a inserção no modo capitalista de produção. Aqui se fala de jovens de certas classes sociais e, nesse sentido, os projetos políticos encontram-se direcionados.

Chama atenção o fato de que, embora a maioria das instituições tenha citado que o ECA rege seus objetivos, nenhuma delas coloca a garantia do acesso do adolescente aos serviços prestados como prioridade, quer dizer, elas agem em cima de recortes ocorridos na vida do adolescente, seja ele a falta de renda, a situação de risco, a perda da auto-estima, o envolvimento em ocorrência de ato infracional ou até mesmo a ameaça que ele pode vir a representar para a sociedade. Esse dado confere com outro estudo realizado(11), que buscou conhecer o lugar ocupado por adolescentes, concretos, no discurso dominante da Saúde Pública, sobre saúde integral do adolescente, o que permitiu identificar os reais destinatários do Programa de Saúde Integral do Adolescente: adolescentes pobres. É possível identificar também que as políticas públicas funcionam como meios de regulação social, materializando determinados contratos sociais estabelecidos, que acarretam desigualdades sociais(12).

CONCLUSÕES

As instituições estudadas apresentaram-se muito diferentes entre si em termos de objetivos, tamanho e faixa etária do público-alvo, orientação religiosa ou laica, tipo e quantidade de trabalhadores, entre outros. Enquanto a maioria delas focaliza as atividades de assistencialismo e complementação escolar, outras oferecem ensino profissionalizante, esportes, atendimentos de saúde e educação, e, por fim, algumas atendem exclusivamente os adolescentes autores de atos infracionais, seja proporcionando abrigo e cumprindo ações aos adolescentes em situação de risco pessoal e social, ou administrando medidas socioeducativas, tais como prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e semiliberdade. Formar o adolescente através do esporte e prevenir a delinqüência são as motivações ou finalidades que cobrem maior quantidade de adolescentes. Embora haja diversos órgãos para a atenção ao adolescente, há muito a ser feito para a orquestração e sinergismo de suas ações em prol da consecução do Estatuto da Criança e do Adolescente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 28.7.2006

Aprovado em: 7.5.2007

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    Prefeitura de São Carlos [Página na Internet]. Governo do Estado de São Paulo: Prefeitura de São Carlos. [uptaded em fevereiro de 2006; acesso fevereiro de 2006]. Disponível em: http://www.websaocarlos.com.br
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  • 1
    Trabalho extraído de dissertação de mestrado. Apoio financeiro da Fapesp
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      28 Jul 2006
    • Aceito
      07 Maio 2007
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