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Fatores associados ao risco relacionado ao uso de substâncias psicoativas por homens privados de liberdade

Resumo

Objetivo:

avaliar os fatores associados ao risco relacionado ao uso de substâncias psicoativas em homens internos de uma prisão em um município do Sul do Brasil.

Método:

dados transversais de 220 homens privados de liberdade, internos de uma instituição de custódia provisória no Estado do Paraná, coletados com instrumento de rastreamento e questionário. Utilizaram-se análise de regressão logística binária e razão de chances para verificar associações entre o risco relacionado ao uso de substâncias psicoativas e as características sociodemográficas das condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual.

Resultados:

o modelo ajustado revelou associação do consumo com a cor da pele parda/preta e amarela, aqueles que tiveram apenas um dos pais responsável até os 15 anos de idade, idade da primeira prisão com 18 anos ou mais, professar religião, trabalhar antes da prisão, moradia própria, morar sozinho, receber visitas na prisão.

Conclusão:

os fatores identificados são úteis para inserir propostas de tratamento eficazes e reduzir as lacunas e a vulnerabilidade social existentes na prisão.

Descritores:
Programas de Rastreamento; Transtornos Relacionados ao Uso de Drogas; Prisioneiros; Prisões; Drogas Ilícitas; Enfermagem em Saúde Pública

Abstract

Objective:

to evaluate the factors associated with risk related to the use of psychoactive substances in male inmates of a prison in a city in the South of Brazil.

Method:

a cross-sectional data from 220 men deprived of liberty, inmates of a provisional custody institution in the State of Paraná, collected with a screening instrument and questionnaire. Binary logistic regression and odds ratio analysis were used to verify associations between risk related to substance use and socio-demographic characteristics of living conditions before incarceration and current incarceration.

Results:

the adjusted model revealed association of consumption with skin color brown/black and yellow, those who had only one parent responsible until age 15, age at first arrest 18 or older, professing religion, working before arrest, owning their own house, living alone, receiving visitors in prison.

Conclusion:

the identified factors are useful to insert effective treatment proposals and reduce the gaps and social vulnerability existing in prison.

Descriptors:
Mass Screening; Substance-Related Disorders; Prisoners; Prisons; Illicit Drugs; Public Health Nursing

Resumen

Objetivo:

evaluar los factores asociados al riesgo relacionado con el uso de sustancias psicoactivas en hombres internados en una prisión, en un municipio en el Sur de Brasil.

Método:

datos transversales de 220 hombres privados de libertad, internados en una institución de custodia provisional, en el estado de Paraná, recolectados con instrumento de rastreo y cuestionario. Se utilizó el análisis de regresión logística binaria y la razón de chances para verificar asociaciones entre el riesgo relacionado con el uso de sustancias psicoactivas y las características sociodemográficas, de las condiciones de vida antes del encarcelamiento y del encarcelamiento actual.

Resultados:

el modelo ajustado reveló asociación del consumo con: el color de la piel marrón/negra y amarilla; aquellos que tuvieron apenas uno de los padres responsables hasta los 15 años de edad; edad de la primera prisión con 18 años o más; profesar religión; trabajar antes de la prisión; residencia propia; vivir solo; y, recibir visitas en la prisión.

Conclusión:

los factores identificados son útiles para introducir propuestas de tratamientos eficaces y reducir los vacíos y la vulnerabilidad social existentes en la prisión.

Descriptores:
Tamizaje Masivo; Trastornos Relacionados con Sustancias; Prisioneros; Prisiones; Drogas Ilícitas; Enfermería en Salud Pública

Destaques

(1) Resultados significativos entre características das PPLs e riscos relacionados ao uso.

(2) A maconha foi a droga ilícita mais consumida pelas pessoas privadas de liberdade.

(3) Associações entre cocaína/crack com morar sozinho e idade da primeira prisão.

(4) A autodeclaração de cor da pele parda/preta e amarela predominou neste estudo.

(5) Associações entre idade e estrutura familiar até os 15 anos com o uso de hipnóticos.

Introdução

O ambiente prisional tem ocupado lugar de destaque nas políticas públicas mundiais devido ao ritmo acelerado de crescimento da população carcerária. No mundo, há mais de dez milhões de pessoas vivendo no cárcere, estando o Brasil na terceira posição no ranking dos países com a maior população prisional do mundo, com cerca de 730 mil pessoas privadas de liberdade (PPLs)11. World Prison Brief. World Prison Brief Data [Homepage]. London: Institute for Crime & Justice Policy Research; 2020 [cited 2020 Nov 20] Available from: https://www.prisonstudies.org/world-prison-brief-data
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-22. Nascimento LG, Bandeira MMB. Penitentiary Health, Health Promotion and Harm Reduction of Imprisonment: Challenges to the Psychologist's Practice in the Prison System. Rev Psicol Cienc Prof. 2018;38:102-16. doi: 10.1590/1982-3703000212064
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.

Investigar as condições de saúde das PPLs representa um desafio aos pesquisadores, uma vez que essa população é considerada, pela opinião pública, como desmerecedora de qualquer assistência, e os problemas identificados são vistos como punição pelos atos precedentes. Entretanto, entende-se que um ambiente prisional hostil e adoecedor pode dificultar o processo posterior de ressocialização33. Ranuzi C, Santos TG, Araujo ACMC, Rodrigues LR. Suicidal thinking, depression, and religiosity in a freedom-deprived population. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3368. doi: 10.1590/1518-8345.3713.3368
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.

O ambiente prisional é considerado prejudicial às condições de saúde física e emocional das PPLs, culminando não apenas na privação de liberdade, mas também de dignidade44. Lima SL. Care for drug users in deprivation of liberty. Rev Physis. 2019;29(3):e290305. doi: 10.1590/S0103-73312019290305
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. As prisões apresentam instalações superlotadas, aumentando o risco de exposição a diversas patologias não tratadas ou não detectadas, violência e consumo de substâncias psicoativas (SPAs)55. Allgayer MF, Ely KZ, Freitas GH, Valim ARM, Gonzales RIC, Krug SBF, et al. Tuberculosis: health care and surveillance in prisons. Rev Bras Enferm. 2019;72:1304-10. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0260
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.

O uso de substâncias ilícitas ao longo da vida e a consequente dependência química são uma realidade para mais de 50% das PPLs66. Annaheim B, Wangmo T, Bretschneider W, Vogel M, Elger BS. Can routine data from prisoners' files be used to estimate prevalence rates of illicit drug use among prisoners? Int J Public Health. 2018;63:33-40. doi: 10.1007/s00038-017-1030-1
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-77. Wagner P, Rabuy B. Prison Policy Iniciative Mass Incarceration: The Whole Pie [Internet]. 2017 Mar 14 [cited 2020 Nov 20]. Available from: https://www.prisonpolicy.org/reports/pie2017.html
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. Muitas PPLs relatam estar sob a influência de SPA no momento em que cometeram o crime pelo qual foram presas ou ainda que o motivo da prisão estava relacionado a delitos conexos ao tráfico, porte ou consumo de SPAs88. Kirwan A, Curtis M, Dietze P, Aitken C, Woods E, Walker S, et al. The Prison and Transitions Health (PATH) Cohort Study: Study Protocol and Baseline Characteristics of a Cohort of Men with a History of Injecting Drug Use Leaving Prison in Australia. J Urban Health. 2019;96:400-10. doi: 10.1007/s11524-019-00353-5
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.

Como consequência, o índice mundial de transtornos mentais relacionados à dependência química por SPAs tem aumentado significativamente nas últimas décadas, tendo alcançado, em 2015, aproximadamente 29,5 milhões de pessoas99. United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report 2017. Viena: UNODC; 2017 [cited 2020 Dec 18]. Available from: https://www.unodc.org/wdr2017/
https://www.unodc.org/wdr2017/...
. Neste contexto, observa-se que as SPAs estão frequentemente presentes nos sistemas prisionais no mundo todo, sendo particularmente utilizadas no início, como forma das PPLs lidarem com as mazelas do encarceramento, como a superpopulação, as condições de insalubridade, a exposição à violência, a falta de assistência à saúde e o rompimento dos laços familiares1010. Dalmaso TF, Meyer DEE. Drug circulation and consumption in a female penitentiary: perceptions of a prison health team. Saúde Debate. 2017;41:1156-67. doi: 10.1590/0103-1104201711513
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11. Banks DE, Rowe AT, Mpofu P, Zapolski TCB. Trends in typologies of concurrent alcohol, marijuana, and cigarette use among US adolescents: An ecological examination by sex and race/ethnicity. Drug Alcohol Depend. 2017;179:71-7. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2017.06.026
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-1212. Lind K, Salonen AH, Järvinen-Tassopoulos J, Alho H, Castrén S. Problem gambling and support preferences among Finnish prisoners: a pilot study in na adult correctional population. Int J Prison Health. 2019;15(4):316-31. doi: 10.1108/IJPH-07-2018-0041
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. Com a continuação e o prolongamento do uso, as SPAs deixam de ser um meio para a sobrevivência e o consequente desenvolvimento de dependência torna-se um fim em si1313. Oliveira LVE, Coelho AA, Salvador PTCDO, Freitas CHSDM. Visible and invisible walls: reflections on the itinerary of drug users in Brazil. Physis 2019;29:e290411. doi: 10.1590/S0103-73312019290411
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.

É consenso na literatura nacional e internacional que os dependentes de SPAs estão sobrerepresentados nas populações carcerárias e com características semelhantes: baixa situação socioeconômica, baixa escolaridade e com problemas de saúde física e mental1212. Lind K, Salonen AH, Järvinen-Tassopoulos J, Alho H, Castrén S. Problem gambling and support preferences among Finnish prisoners: a pilot study in na adult correctional population. Int J Prison Health. 2019;15(4):316-31. doi: 10.1108/IJPH-07-2018-0041
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,1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
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15. Yitayih Y, Abera M, Tesfaye E, Mamaru A, Soboka M, Adorjan K. Substance use disorder and associated factors among prisoners in a correctional institution in Jimma, Southwest Ethiopia: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2018;18(314):1-9. doi: 10.1186/s12888-018-1901-x
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-1616. Heller D, Galea S. The Role of Academic Public Health in Reducing Incarceration. Am J Public Health. 2020;110:S16-7. doi: 10.2105/AJPH.2019.305265
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. Pelo encarceramento representar um desafio constante a ser enfrentado pelas PPLs, o campo da saúde pública deve preocupar-se com as prisões como causa das iniquidades em saúde1616. Heller D, Galea S. The Role of Academic Public Health in Reducing Incarceration. Am J Public Health. 2020;110:S16-7. doi: 10.2105/AJPH.2019.305265
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.

As condições econômicas, familiares, de moradia, cor da pele, idade, dentre outras, são determinantes sociais de saúde que impactam diretamente as PPLs1717. Sugarman OK, Bachhuber MA, Wennerstrom A, Bruno T, Springgate BF. Interventions for incarcerated adults with opioid use disorder in the United States: A systematic review with a focus on social determinants of health. PLoS One 2020;15:e0227968. doi: 10.1371/journal.pone.0227968
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-1818. Blankenship KM, del Rio Gonzalez AM, Keene DE, Groves AK, Rosenberg AP. Mass incarceration, race inequality, and health: Expanding concepts and assessing impacts on well-being. Social Sci Med. 2018;215:4552. doi: 10.1016/j.socscimed.2018.08.042
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. Por isso, as relações entre encarceramento, SPAs e determinantes sociais da saúde são evidências urgentemente necessárias para melhorar a qualidade de vida e posterior ressocialização para as PPLs1717. Sugarman OK, Bachhuber MA, Wennerstrom A, Bruno T, Springgate BF. Interventions for incarcerated adults with opioid use disorder in the United States: A systematic review with a focus on social determinants of health. PLoS One 2020;15:e0227968. doi: 10.1371/journal.pone.0227968
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. Embora se estime que o abuso de substâncias nas PPLs seja dez vezes mais prevalente do que na população em geral, os problemas com essas substâncias nem sempre são detectados nas prisões1212. Lind K, Salonen AH, Järvinen-Tassopoulos J, Alho H, Castrén S. Problem gambling and support preferences among Finnish prisoners: a pilot study in na adult correctional population. Int J Prison Health. 2019;15(4):316-31. doi: 10.1108/IJPH-07-2018-0041
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. Além disso, a percepção de pertencer a grupos sociais excluídos da maioria dos benefícios de uma população gera sentimentos de inferioridade, sofrimento e discriminação, o que influencia, diretamente, as escolhas individuais sobre saúde.

Diante desta problemática e pela elevada presença da dependência química nas PPLs, em 2014, foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que reformulou a composição das equipes de saúde no sistema prisional e ampliou o escopo da atuação às especificidades da saúde mental1919. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Nov 25]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html
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.

Sabe-se que o consumo de SPAs é permitido no ambiente carcerário no caso de psicofármacos prescritos e o tabaco, porém, qualquer outra SPAs é proibida durante o encarceramento44. Lima SL. Care for drug users in deprivation of liberty. Rev Physis. 2019;29(3):e290305. doi: 10.1590/S0103-73312019290305
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. Entretanto, dados sobre esse consumo em PPLs são ainda bastante escassos. Acredita-se que a falta de informações sobre sua circulação e consumo em estabelecimentos prisionais pode estar relacionada com a complexidade em discutir esses fenômenos em instituições de segurança pública1010. Dalmaso TF, Meyer DEE. Drug circulation and consumption in a female penitentiary: perceptions of a prison health team. Saúde Debate. 2017;41:1156-67. doi: 10.1590/0103-1104201711513
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. Por ser uma situação velada e negada, acredita-se que as PPLs não recebam assistência em saúde mental adequado às premissas da redução de danos porque os dados sobre o número de usuários de SPAs nas prisões e os tipos de SPAs utilizados são, muito provavelmente, subnotificados1313. Oliveira LVE, Coelho AA, Salvador PTCDO, Freitas CHSDM. Visible and invisible walls: reflections on the itinerary of drug users in Brazil. Physis 2019;29:e290411. doi: 10.1590/S0103-73312019290411
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Diante desse contexto, é fundamental identificar preditores e fatores de risco para o uso de SPAs pelas PPLs a fim de corrigir a escassez de literatura atual e informar respostas adequadas de prevenção e minimização de danos. O conhecimento dos preditores e dos fatores de riscos para o consumo de SPAs por PPLs pode permitir a previsão do consumo de SPAs consequente à geração de dados utilizados para informar políticas específicas e opções de prevenção do alto consumo nas PPLs.

Neste sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar o consumo de SPAs e os fatores associados em homens privados de liberdade, internos de uma prisão em um município do Sul do Brasil.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo transversal, realizado com homens privados de liberdade, internos de uma unidade prisional provisória de segurança máxima de um município do noroeste do Paraná. Foram seguidas as diretrizes para o fortalecimento do relato de estudos observacionais em epidemiologia (STROBE)2020. Von Elm EV, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Bull World Health Organ [Internet]. 2007 Nov [cited 2020 Out 12];85(11):867-72. Available from: https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/bwho/v85n11/a13v8511.pdf
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.

Cenário da coleta de dados

O cenário da pesquisa foi uma casa de custódia provisória de um município de médio porte localizado no noroeste do Estado do Paraná, Brasil. A instituição foi inaugurada em 2008, tratando-se de um estabelecimento penal de segurança máxima cujo objetivo é destinar as vagas somente para PPLs provisórias, aguardando condenação penal, especificamente para a população do sexo masculino. Entretanto, devido à escassez de vagas na penitenciária estadual de referência, em decorrência da superlotação, a unidade penal absorve PPLs provisórias e também os já condenados.

Período

Os dados foram coletados nos meses de junho a novembro de 2019, nos períodos matutino e vespertino.

População

Foram selecionados homens privados de liberdade, internos de uma instituição de custódia provisória. No mês que antecedeu o início da coleta dos dados, a unidade abrigava 1183 detentos; 535 eram condenados e 648 eram provisórios.

Critérios de seleção

Como a casa de custódia é destinada para PPLs sem condenação penal, considerou-se como critério de seleção somente homens em regime provisório (software de gestão prisional SPR, v2).

Foram excluídos aqueles com diagnósticos clínicos relacionados à Neurologia e Psiquiatria e/ou com limitações cognitivas que dificultassem a comunicação e as respostas às entrevistas (4) e com tempo de reclusão inferior a 25 dias (1).

Definição da amostra

Com a lista disponibilizada pela instituição contendo todos os homens privados de liberdade e considerando que a população é finita (643 PPLs), foi realizada a amostragem estratificada, com erro de estimativa de 5%, Intervalo de Confiança de 95% e prevalência de 30%2121. Voulgaris A, Hartwig S, Konrad N, Opitz-Welke A. Influence of drugs on prison suicide - A retrospective case study. Int J Law Psychiatry. 2019;66:101460. doi: 10.1016/j.ijlp.2019.101460
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22. Freire ACC, Pondé MP, Mendonça MSC. Saúde mental entre presidiários na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. In: Coelho MTAD, Carvalho MJ Filho, organizators. Prisões numa abordagem disciplinar. Salvador: EDUFBA; 2012. p. 121-30
-2323. Guimarães CF, Santos DVV, Freitas RC, Araujo RB. Perfil do usuário de crack e fatores relacionados à criminalidade em unidade de internação para desintoxicação no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre (RS). Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30:101-8. doi: 10.1590/S0101-81082008000300005
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, resultando na amostra mínima de 216 pessoas.

Posteriormente ao cálculo amostral, realizou-se sorteio aleatório e estratificado de 160 celas que abrigam, em média, oito pessoas. Desta forma, todos as PPLs consideradas como provisórias possuíram chances de pertencer à amostra e, ao final de todo o processo de seleção, a amostra final do estudo foi constituída de 220 pessoas.

Variáveis do estudo

Para avaliar o risco relacionado ao uso (RRU) de SPAs em PPLs, foram coletadas informações referentes a três grupos de variáveis independentes. O primeiro grupo continha as características sociodemográficas: idade em anos e categorizada (19 a 39 anos e 40 a 64 anos); cor da pele autorreferida, que foi classificada em branca e outra (parda/preta ou amarela); possui parceira(o) (não e sim); se professa religião (sim e não) e tem filhos (sim e não). No segundo grupo, foram consideradas as condições de vida antes do encarceramento: condição de moradia, classificada em própria, alugada e outras (emprestada, casa de parentes ou pessoa em situação de rua); morava sozinho (sim e não); trabalhava antes da prisão (sim e não); rendimento familiar (sem renda e com renda); familiar responsável até os 15 anos categorizado em ambos os pais, somente um dos pais e outros (outros parentes ou nenhum) e idade da primeira prisão (12 a 17 anos e 18 anos ou mais). O último grupo apresentava as características do encarceramento atual: motivo da prisão atual, categorizado em tráfico SPAs e/ou associação ao tráfico e outros (assalto, latrocínio, roubo, receptação, homicídio, crime sexual, violência doméstica e falsificação de moeda); tempo de prisão atual (até um ano e mais de um ano) e se recebe visitas (sim e não).

Instrumento de coleta de dados

Um roteiro estruturado de entrevista, em papel e caneta, foi administrado a todos os participantes, levando, aproximadamente, 40 minutos para ser concluído. Foi composto por dois módulos: o primeiro módulo apresentava as características das PPLs divididas em três grupos (sociodemográficas, condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual); já o segundo módulo era o instrumento de rastreamento Alcohol, Smoking and Substance Involvment Screening Test (ASSIST versão 3.1), desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), traduzido e validado no Brasil, utilizado para o rastreamento e o diagnóstico do nível de RRU e a dependência de derivados do tabaco, bebidas alcoólicas, maconha, cocaína/crack, anfetaminas ou êxtase, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos, opioides/opiáceos, injetáveis e outras SPAs2424. Gorenstein C, Wang YP, Hungerbühler I. Instrumentos de avaliação em saúde mental. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.-2525. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MLOS. Validation of the Brazilian version of Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST). Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):199-206. doi: 10.1590/s0104-42302004000200039
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O instrumento foi adaptado à cultura brasileira, é composto de oito questões, de fácil aplicação, que abordam a frequência de uso de SPAs na vida e nos últimos três meses, problemas relacionados ao uso, preocupação a respeito do uso por parte de pessoas próximas ao usuário, prejuízo na execução de tarefas esperadas, tentativas malsucedidas de cessar ou reduzir o uso, sentimento de compulsão e uso por via injetável. Cada resposta corresponde a um escore em que a soma total pode variar de zero a 39. O escore resulta no RRU das SPAs triadas. Considera-se baixo risco (escore de zero a dez para o álcool e zero a três para as demais SPAs) o uso ocasional, indicando nenhuma intervenção. O risco moderado (escore de quatro a 26) é indicativo de abuso e recomenda-se receber intervenção e/ou conselhos breves. Já o risco elevado (escore 27 ou maior) é sugestivo de dependência, com indicação de encaminhamento para tratamento intensivo2424. Gorenstein C, Wang YP, Hungerbühler I. Instrumentos de avaliação em saúde mental. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015.

25. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MLOS. Validation of the Brazilian version of Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST). Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):199-206. doi: 10.1590/s0104-42302004000200039
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-2626. Humeniuk R, Ali R, Babor TF, Farrel M, Formigoni ML, Jittiwutikam J, et al. Validation of the alcohol, smoking and substance involvement screeningtest (ASSIST). Addiction. 2008;103(6):1039-47. doi: 10.1111/j.1360-0443.2007.02114.x
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. Após a aplicação do instrumento, os indivíduos que nunca utilizaram nenhuma das SPAs são considerados como de nenhum risco.

Coleta de dados

A coleta de dados foi desenvolvida por uma única pesquisadora, enfermeira do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá, com treinamento e autorização específicos para a realização da mesma dentro da instituição prisional. Os (as) funcionários (as) da instituição carcerária não participaram do processo de recrutamento ou coleta de dados e não tinham conhecimento das taxas de participação ou respostas. As entrevistas foram realizadas no setor de saúde do local, em uma sala privativa, onde se encontravam apenas a pesquisadora e o detento. Por motivos de segurança, a porta permanecia aberta e o agente penitenciário ficava do lado de fora da sala. A pesquisa ocorreu por meio de entrevista individual, conduzida por dois instrumentos, conforme descritos anteriormente.

Tratamento e análise de dados

Após a coleta das informações, os dados foram compilados em planilhas eletrônicas. Na sequência, realizou-se a análise descritiva (média, desvio-padrão, mediana e frequências absolutas e relativas) para as variáveis que caracterizavam as PPLs (sociodemográficas, condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual).

Foi considerada como variável de desfecho a presença (baixo, moderado e elevado) ou ausência (nenhum) do RRU de SPAs em PPLs após a triagem pelo ASSIST. Foram empregados modelos de regressão logística binária univariados e múltiplos para a determinação dos fatores associados à presença do RRU. Utilizou-se o método stepwise both para a seleção das variáveis e ajuste dos modelos finais. A adequação desses modelos foi verificada com a análise dos resíduos quantílicos aleatorizados2727. Dunn PK, Smyth GK. Randomized Quantile Residuals. J Comput Graph Stat. 1996;5:236. doi: 10.2307/1390802
https://doi.org/10.2307/1390802...
e a colinearidade foi testada com o fator de inflação da variância (VIF). As associações foram estimadas por meio do cálculo da razão de chances (RC), adotando o Intervalo de Confiança (IC) de 95% como medida de precisão2828. Hosmer DW, Lemeshow S, Sturdivant RX. Applied Logistic Regression. 1. ed. Hoboken, NJ: John Wiley and Sons; 2013. doi: 10.1002/9781118548387
https://doi.org/10.1002/9781118548387...
. As análises foram realizadas no software R, versão 4.0.42929. R Core Team. R: A language and environment for statistical computing. Version 4.0.4 [Internet]. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2021 [cited 2020 Oct 20]. Available from: https://www.R-project.org/
https://www.R-project.org/...
.

Aspectos éticos

Após a apreciação do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá (PR) (Parecer nº 3.211.746/2019), a pesquisa foi aprovada com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) de número 08936619.4.0000.0104, em 20 de março de 2019, e cumpriu todos os preceitos éticos das Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Destaca-se que não houve recusas e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

A média de idade (anos) dos homens foi de 30,9, com desvio-padrão de 10,1 e mediana de 29, sendo que a idade mínima foi de 19 e a máxima de 64. Houve predomínio de indivíduos adultos, de 19 a 59 anos (n=216), quando comparados com os idosos, com 60 a 64 anos (n=4). O perfil sociodemográfico e as condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual dos 220 homens estão detalhados na Tabela 1.

A cor autorreferida por 61,8% das PPLs foi outra, sendo 133 pretas/pardas e três amarelas, 50,5% não possuíam parceira(o) e a maioria (94,5%) professava crença religiosa e tinha filhos (65,9%). Com relação às condições de vida antes do encarceramento, 60% residiam em casas próprias, 82,7% não moravam sozinhos, 89,1% trabalhavam antes do encarceramento, 93,2% possuíam atividade remunerada antes do encarceramento, 45% tinham somente um dos pais como responsável até os 15 anos e 76,8% tinham a idade da primeira prisão com 18 anos ou mais.

Quando comparado aos demais motivos da prisão, o tráfico de drogas e/ou a associação ao tráfico de drogas foi o tipo mais comum (39,5%) de crime que levou ao aprisionamento nesta amostra, sendo que, por tratar-se de instituição de custódia provisória, a maioria dos aprisionados (71,4%) tinha até um ano de encarceramento e 60,9% recebiam visitas.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica, da condição de vida antes de encarceramento e do encarceramento atual de pessoas privadas de liberdade (n=220). Maringá, PR, Brasil, 2019

A Tabela 2 apresenta a caracterização do uso, ou seja, aquelas drogas que já foram, pelo menos, uma vez experimentadas pelas PPLs e a classificação do RRU de SPAs triadas pelo ASSIST. Os dados relativos ao uso atual de SPAs consumidas pelas PPLs e a classificação do RRU mostraram que 79,5% dos homens foram triados como usuários de derivados do tabaco, estando, assim, distribuídos: 9,5% classificados como de baixo risco, 59,5%, de risco moderado e 10,5%, como de risco elevado. Já para o RRU para bebidas alcoólicas, observou-se uso em 97,7% dos homens, sendo que 85,9% foram classificados como de baixo risco, 9,5%, de risco moderado e 2,3%, de risco elevado.

Para as SPAs ilícitas, observou-se o seguinte padrão de distribuição da classificação do RRU: para a maconha, 72,3% com uso sustentado, sendo 12,3% de baixo risco, 55,0% de risco moderado e 5,0% de risco elevado. Já para a cocaína/crack, 60% com consumo sustentado atual, sendo 9,1% de baixo risco, 48,6% de risco moderado e 2,3% de risco elevado. As anfetaminas ou êxtase foram utilizadas por 33,2%, sendo 19,1% de baixo risco, 14,1% de risco moderado e ausência de RRU elevado para esta substância. Observou-se que seis homens (2,7%) referiram ter feito uso de SPAs por via injetável, em caráter experimental.

Tabela 2
Caracterização do uso na vida e da classificação do risco relacionado ao uso (RRU) de substâncias psicoativas (SPAs), triadas pelo ASSIST 3.1 em pessoas privadas de liberdade (PPLs) (n=220). Maringá, PR, Brasil, 2019

A Tabela 3 apresenta a presença do RRU das SPAs segundo as características sociodemográficas e as condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual de acordo com cada SPA triada pelo ASSIST 3.1. Destaca-se o percentual do RRU de todas as SPAs triadas para a cor da pele parda/preta e amarela, exceto para os opioides/opiáceos. A maioria possuía parceira(o), professava a religião, tinha filhos, casa própria, não morava sozinha, trabalhava e possuía renda. Com relação ao familiar responsável até os 15 anos, a prevalência de RRU para as SPAs triadas foi para somente um dos pais responsável até os 15 anos, com exceção dos opioides/opiáceos.

Tabela 3
Presença do risco relacionado ao uso (RRU) das substâncias psicoativas segundo as características sociodemográficas, das condições de vida antes de encarceramento e do encarceramento atual de pessoas privadas de liberdade (n=220). Maringá, PR, Brasil, 2019

Os resultados dos modelos de regressão logística univariados das variáveis sociodemográficas, condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual sobre o desfecho RRU (presente ou ausente) para as substâncias derivadas do tabaco, bebidas alcoólicas, maconha, cocaína/crack, anfetaminas ou êxtase, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos e opioides/opiáceos estão demonstrados na Tabela 4.

Para os modelos univariados, houve associação significativa das variáveis: idade (anos) com a presença do RRU de hipnóticos e sedativos (RC=0,39; IC=0,22;0,71) e opioides/opiáceos (RC=1,06; IC=1,01;1,12); da cor da pele com o uso de derivados do tabaco (RC=3,1; IC=1,58;6,10) e de maconha (RC=1,88; IC=1,04;3,43); professa religião com derivados do tabaco (RC=4,33; IC=1,33;14,16), bebidas alcoólicas (RC=13,67, IC=2,04;91,23) e opioides/opiáceos (RC=0,17; IC=0,03;0,95); outra condição da moradia com o uso de anfetaminas ou êxtase (RC=0,12; IC=0,02;0,93); morar sozinho com o uso de inalantes (RC=3,22; IC=1,55;6,72); trabalhava antes de ser preso com o uso de maconha (RC=0,10; IC=0,01;0,75), cocaína e/ou crack (RC=0,27; IC=0,09;0,81), inalantes (RC=0,32; IC=0,13;0,79) e alucinógenos (RC=0,44; IC=0,21;0,90); somente um dos pais como familiar responsável até os 15 anos com o uso de derivados do tabaco (RC=6,81; IC=2,79;16,66), maconha (RC=3,67; IC=1,84;7,34), inalantes (RC=2,06; IC=1,16;3,81) e alucinógenos (RC=1,93; IC=1,13;3,27); idade da primeira prisão com o uso de derivados do tabaco (RC=0,12; IC=0,03;0,51), maconha (RC=0,18; IC=0,06;0,49), cocaína e/ou crack (RC=0,14; IC=0,06;0,35), inalantes (RC=0,34; IC=0,18;0,64) e alucinógenos (RC=0,26; IC=0,14;0,51); motivo da prisão atual com cocaína e/ou crack (RC=1,77; IC=1,02;3,07) e se recebe visitas com o uso de anfetaminas ou êxtase (RC=1,96; IC=1,07;3,58).

Tabela 4
Razão de chances (RC) bruta para as associações entre as características sociodemográficas, das condições de vida antes de encarceramento e do encarceramento atual e a presença do risco relacionado ao uso (RRU) das substâncias psicoativas em pessoas privadas de liberdade (n=220). Maringá, PR, Brasil, 2019

Os modelos de regressão logística finais ajustados para os três grupos de variáveis (sociodemográficas, condições de vida antes do encarceramento e do encarceramento atual) sobre o RRU (presente ou ausente) para as SPAs estão na Tabela 5.

Para a presença de RRU dos derivados do tabaco (Modelo 1), verificou-se associação significativa com as variáveis cor da pele parda/preta/amarela (RC=2,57; IC=1,18;5,62), aqueles que tiveram somente um dos pais como responsável familiar até os 15 anos (RC=6,17; IC=2,36;16,61) e primeira prisão com 18 anos ou mais (RC=0,12; IC=0,03;0,56). As variáveis idade, professa religião, morava sozinho, trabalhava antes da prisão e familiar responsável até os 15 anos não foram associadas na análise univariada (p>0,05), no entanto, foram analisadas na regressão múltipla por ter p<0,20.

Para o RRU do álcool (Modelo 2), verificou-se associação significativa com a variável professar a religião (RC=19,99; IC=2,50;159,80). Já para a maconha (Modelo 3), foram verificadas associações significativas entre o RRU de maconha com trabalhar/estar empregado antes da prisão (RC=0,12; IC=0,02;0,92), somente um dos pais ser o responsável até os 15 anos de idade, indicando que a chance foi quase três vezes maior em relação àqueles cujos ambos os pais foram responsáveis até os 15 anos de idade (RC=2,93; IC=1,42;6,03). Quanto à idade do primeiro encarceramento, quando a idade da primeira prisão ocorreu após 18 anos de idade, a chance de RRU foi menor em relação àqueles que tiveram a primeira prisão antes de completar 18 anos (RC=0,19; IC=0,06;0,56).

Foram verificadas associações significativas para o uso de cocaína/crack (Modelo 4) com a PPL morar sozinha antes do encarceramento. A chance de RRU foi mais de duas vezes maior em relação àqueles que moravam acompanhados (RC=2,27; IC=1,01;5,06) e a idade do primeiro encarceramento ter ocorrido na faixa etária dos 18 anos ou mais (RC=0,13; IC= 0,05;0,32).

Para a presença de RRU das anfetaminas e do êxtase (Modelo 5), foram observadas associações significativas entre as variáveis outra condição de moradia (RC=0,10; IC=0,01;0,85), morar sozinho (RC=2,27; IC=1,02;5,06), idade da primeira prisão ser 18 anos ou mais (RC=0,48; IC=0,24;0,96) e o fato de receber visitas no presídio (RC=2,00; IC=1,05;3,80). Para a presença de RRU de SPAs inalantes (Modelo 6), foram observadas associações estatísticas significativas com morar sozinho (RC=3,93; IC=1,82;8,49), trabalhar antes da prisão (RC=0,36; IC=0,14;0,93) e idade da primeira prisão na faixa dos 18 anos ou mais (RC=0,29; IC=0,14;0,56).

Para a presença do RRU de hipnóticos e sedativos (Modelo 7), verificou-se associação significativa com idade (RC=0,96; IC=0,93;0,99) e somente um dos pais responsável até os 15 anos (RC=1,99; IC=1,02;3,85). Já para a presença do RRU de alucinógenos (Modelo 8), foi observada associação significativa com a idade da primeira prisão na faixa etária de 18 anos ou mais (RC=0,28; IC=0,14;0,55). O modelo 9, referente à análise múltipla do RRU de opioides/opiáceos, não foi ajustado, pois a frequência observada de PPL com o risco presente foi muito baixa (n=9).

Tabela 5
Modelos ajustados para as associações entre as características sociodemográficas, das condições de vida antes de encarceramento e do encarceramento atual e a presença do risco relacionado ao uso (RRU) das substâncias psicoativas em pessoas privadas de liberdade (n=220). Maringá, PR, Brasil, 2019

Discussão

Os principais achados deste estudo foram: o perfil sociodemográfico, a frequência do uso de substâncias de abuso na vida, os níveis de RRU de SPAs e a associação de variáveis sociodemográficas com os níveis de RRU de tabaco, álcool, maconha, cocaína/crack, anfetaminas, inalantes, hipnóticos/sedativos, alucinógenos e opioides.

O perfil das PPLs neste estudo foi, majoritariamente, de adultos jovens, presos pelo crime de tráfico de SPAs, com menos de um ano de encarceramento, reincidentes no sistema prisional, solteiros, de cor preta/parda, providos de religião, renda, filhos e moradia própria. A maioria das PPLs é preta/parda, jovem, com curto tempo de detenção, respondendo, principalmente, pelo crime de tráfico de SPAs, solteira e com filhos44. Lima SL. Care for drug users in deprivation of liberty. Rev Physis. 2019;29(3):e290305. doi: 10.1590/S0103-73312019290305
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,3030. Fawcett T. An introduction to ROC analysis. Pattern Recognit Letters [Internet]. 2006 [cited 2020 Aug 12] 27:861-74. Available from: https://people.inf.elte.hu/kiss/13dwhdm/roc.pdf
https://people.inf.elte.hu/kiss/13dwhdm/...
. A vivência da realidade do sistema prisional pelos filhos de pais apenados pode contribuir para o aumento da vulnerabilidade ao crime e para a consequente perpetuação do encarceramento pelas gerações futuras3030. Fawcett T. An introduction to ROC analysis. Pattern Recognit Letters [Internet]. 2006 [cited 2020 Aug 12] 27:861-74. Available from: https://people.inf.elte.hu/kiss/13dwhdm/roc.pdf
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.

A experiência do aprisionamento é um processo complexo e pode causar uma elevada prevalência de transtornos mentais, colocando em risco a saúde daqueles que se encontram encarcerados, perpetrando comportamentos autodestrutivos44. Lima SL. Care for drug users in deprivation of liberty. Rev Physis. 2019;29(3):e290305. doi: 10.1590/S0103-73312019290305
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,3030. Fawcett T. An introduction to ROC analysis. Pattern Recognit Letters [Internet]. 2006 [cited 2020 Aug 12] 27:861-74. Available from: https://people.inf.elte.hu/kiss/13dwhdm/roc.pdf
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. O consumo de SPA pode estar relacionado com a própria socialização no ambiente prisional, facilitando a inserção dos apenados em grupos sociais dominantes no cárcere. Além disso, o uso de SPA pode funcionar como um mecanismo de defesa e fuga para a saúde mental dos privados de liberdade com presumível agravamento psicopatológico, uma vez que o vício é mantido mesmo após o cumprimento da pena no processo de ressocialização44. Lima SL. Care for drug users in deprivation of liberty. Rev Physis. 2019;29(3):e290305. doi: 10.1590/S0103-73312019290305
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,1313. Oliveira LVE, Coelho AA, Salvador PTCDO, Freitas CHSDM. Visible and invisible walls: reflections on the itinerary of drug users in Brazil. Physis 2019;29:e290411. doi: 10.1590/S0103-73312019290411
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.

Diante deste cenário, identificou-se uma prevalência significativa do consumo de substâncias de abuso na vida das PPLs, principalmente álcool, tabaco, maconha e cocaína/crack. A maconha é a substância ilícita mais comumente consumida, corroborando a literatura nacional e internacional1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
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,3131. Caravaca-Sánchez F, Falcón Romero M, Luna A. Prevalencia y predictores del consumo de sustâncias psicoactivas entre varones en prisión. Gac Sanit. 2015;29(5):358-63. doi: 10.1016/j.gaceta.2015.06.005
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, com taxas de prevalência muito superiores às observadas entre a população geral brasileira (maconha 7,7%, cocaína 3,1%, crack 0,9%)3232. Krapp J. Pesquisa revela dados sobre o consumo de drogas no Brasil [Internet]. Oct 8 2019 [cited 2020 Oct 20]. Available from: https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-revela-dados-sobre-o-consumo-de-drogas-no-brasil
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. A maconha foi a droga ilícita mais usada, seguida por cocaína/crack e inalantes, e cerca de um quarto tinha usado hipnóticos, alucinógenos, opioides e anfetaminas ou êxtase, corroborando estudos internacionais que apontam a maconha como a droga ilícita mais usada entre as PPLs3333. Bukten A, Lund IO, Kinner SA, Rognli EB, Havnes IA, Muller AE, et al. Factors associated with drug use in prison - results from the Norwegian off ender mental health and addiction (NorMA) study. Health Justice. 2020 May 12;8(1):10. doi: 10.1186/s40352-020-00112-8
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.

Em relação ao RRU de SPAs de abuso, identificou-se, neste estudo, um consumo moderado de maconha, com risco relacionado à baixa idade na primeira prisão. Um estudo encontrou resultados semelhantes cujo uso de maconha foi relatado por 67,5% das PPLs com início na idade entre dez a 15 anos3434. Apostolopoulos A, Michopoulos I, Rizos E, Manthou V, Tzeferakos G, Kalemi G, et al. Prisoners in Greek prisons: Correlation of demographic and psychosocial data with committed crimes. Psychiatriki. 2018;29(2):137-48. doi: 10.22365/jpsych.2018.292.137
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. A cannabis é a substância ilícita mais consumida e pode funcionar como “porta de entrada” para outras drogas mais pesadas1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
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Ao corroborar os achados desta pesquisa, estudo realizado na França concluiu que o abuso de substâncias no ambiente prisional pode estar relacionado à alta concentração de prisões por crimes relacionados à SPA, ao baixo nível socioeconômico e a transtornos psiquiátricos frequentes nas PPLs1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
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. Países de baixa e média renda, como o Brasil, podem ter uma prevalência de abuso e dependência de SPAs de 25% entre as PPLs3535. Mundt AP, Baranyi G, Gabrysch C, Fazel S. Substance Use During Imprisonment in Low- and Middle-Income Countries. Epidemiologic Reviews. 2018;40(1):70-81. doi: 10.1093/epirev/mxx016
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. Pesquisa realizada nas prisões da Etiópia identificou que a falta de apoio social, a moradia em áreas urbanas, a psicopatia e o histórico familiar de uso de substâncias estão associados ao uso de SPAs de abuso em PPLs1515. Yitayih Y, Abera M, Tesfaye E, Mamaru A, Soboka M, Adorjan K. Substance use disorder and associated factors among prisoners in a correctional institution in Jimma, Southwest Ethiopia: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2018;18(314):1-9. doi: 10.1186/s12888-018-1901-x
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.

Pessoas em uso de SPA na prisão tendem a ter transtornos mentais e sociais mais amplos, incluindo qualificações educacionais mais baixas, taxas mais baixas de emprego, mais dificuldades de moradia, saúde física mais pobre e mais problemas comportamentais, psicológicos e psiquiátricos, em comparação com outras PPLs3333. Bukten A, Lund IO, Kinner SA, Rognli EB, Havnes IA, Muller AE, et al. Factors associated with drug use in prison - results from the Norwegian off ender mental health and addiction (NorMA) study. Health Justice. 2020 May 12;8(1):10. doi: 10.1186/s40352-020-00112-8
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,3636. Dolan K, Farrell M, Moghaddam SS. Prisoners With a Substance Use Disorder and a Mental Illness. In: Kinner AS, Rich JDJ, editors. Drug Use in Prisoners: Epidemiology, Implications, and Policy Responses. Oxford: Oxford University Press; 2018. doi: 10.1093/med/9780199374847.003.0010
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. Um estudo internacional semelhante encontrou associações do uso de SPAs à saúde mental e à atividade criminosa, como o número de drogas usadas na vida, o uso diário de droga nos seis meses anteriores à prisão e estar embriagado ao cometer o crime relacionado à prisão atual3333. Bukten A, Lund IO, Kinner SA, Rognli EB, Havnes IA, Muller AE, et al. Factors associated with drug use in prison - results from the Norwegian off ender mental health and addiction (NorMA) study. Health Justice. 2020 May 12;8(1):10. doi: 10.1186/s40352-020-00112-8
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.

O tabaco, há muito tempo, é considerado parte da cultura carcerária e a situação do tabagismo entre as PPLs é mais grave3737. Zhang J. Prison smoking bans in the United States: current policy, impact and obstacle. J Hosp Manag Health Policy. 2018;2(20):1-4. doi: 10.21037/jhmhp.2018.04.06
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. Neste estudo, identificou-se um risco moderado ao consumo do tabaco relacionado à idade na primeira prisão, cor da pele e familiar responsável pelo cuidado até os 15 anos. Um estudo norte-americano demonstrou que adolescentes criados por ambos os pais é um fator de proteção contra o uso de tabaco, álcool e SPAs ilícitas1111. Banks DE, Rowe AT, Mpofu P, Zapolski TCB. Trends in typologies of concurrent alcohol, marijuana, and cigarette use among US adolescents: An ecological examination by sex and race/ethnicity. Drug Alcohol Depend. 2017;179:71-7. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2017.06.026
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.

Esses achados corroboram uma pesquisa que identificou o aumento da frequência do uso de tabaco entre presos com a justificativa de conseguirem lidar com o estresse associado ao encarceramento3838. Awooda EM, Shashati DE. Tobacco use among male in mates and their atitudes toward its prevention in Khartoum State: A cross-sectional study. Tob Prev Cessat. 2019;5(25):1-7. doi: 10.18332/tpc/109784
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. O maior consumo de SPAs pelos prisioneiros no Equador também esteve associado ao encarceramento3939. Benavides A, Chuchuca J, Klaic D, Waters W, Martín M, Romero-Sandoval N. Depression and psychosis related to the absence of visitors and consumption of drugs in male prisoners in Ecuador: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2019;19(248):1-7. doi: 10.1186/s12888-019-2227-z
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, retratando a necessidade de abordar esse assunto no ambiente prisional para o planejamento de ações eficazes e efetivas com as PPLs.

Em relação ao álcool, seu consumo no ambiente prisional apresentou risco baixo e esteve associado à prática da religiosidade. O papel que a religião e a espiritualidade desempenham na cessação do comportamento criminoso e do uso de SPAs ainda não foi totalmente compreendido, mas sugere uma importância relativamente alta no uso de substâncias no ambiente prisional, particularmente em relação ao álcool e à cocaína4040. Bakken NW, DeCamp W, Visher CA. Spirituality and desistance from substance use among reentering of fenders. Int J Offender Ther Comp Criminol. 2014;58(11):1321-39. doi: 10.1177/0306624x13494076
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. Outro estudo brasileiro também identificou que a cocaína inalada, nos níveis moderado e elevado, apresentou associação estatística significativa com as variáveis não professar religião, ter comportamento sexual de risco, ter idade de 18 até 34 anos e conviver com usuário de drogas4141. Gavioli A, Pazin PTN, Marangoni SR, Hungaro AA, Santana CJ, Oliveira MLF. Drug use by men admitted to a psychiatric hospital. Rev. Latino-Am. Enfermagem 2020;28:e3296. doi: 10.1590/1518-8345.3370.3296
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.

O contexto familiar surge como preponderante na discussão do uso de substâncias de abuso e a família emerge como o primeiro círculo de socialização, internalização de emoções e comportamentos, que serão experienciados em outros ambientes. Um estudo realizado em prisões gregas também encontrou associações entre variáveis sociodemográficas com o consumo de SPA como o início do consumo em idades precoces, baixa escolaridade e realização de atividades laborais3434. Apostolopoulos A, Michopoulos I, Rizos E, Manthou V, Tzeferakos G, Kalemi G, et al. Prisoners in Greek prisons: Correlation of demographic and psychosocial data with committed crimes. Psychiatriki. 2018;29(2):137-48. doi: 10.22365/jpsych.2018.292.137
https://doi.org/10.22365/jpsych.2018.292...
.

O uso de SPAs injetáveis leva o indivíduo a um risco aumentado de contrair doenças infecciosas, como a hepatite C e o vírus da imunodeficiência humana. Neste estudo, o uso de SPAs injetáveis foi menor quando comparado a outros estudos internacionais1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
,4242. Sahajian F, Berger-Vergiat A, Pot E. Use of psychoactive substances in prison: Results of a study in the Lyon-Corbas prison, France. Rev Epidemiol Sante. 2017;65(5):361-7. doi: 10.1016/j.respe.2017.05.007
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. Entretanto, observou-se uma prevalência aumentada do consumo de medicamentos durante o cárcere. Aproximadamente 15% das PPLs utilizaram medicamentos na prisão, mostrando que a principal tendência foi um crescimento no consumo de medicamentos controlados e uma diminuição no consumo de outras substâncias de abuso ilícitas, utilizadas como justificativas para esquecerem a condição de encarceramento1414. Rousselet M, Guerlais M, Caillet P, Le Geay B, Mauillon D, Serre P, et al. Consumption of psychoactive substances in prison: Between initiation and improvement, what trajectories occur after incarceration? COSMOS study data. PLoS One. 2019;14(12):e0225189. doi: 10.1371/journal.pone.0225189
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
,4242. Sahajian F, Berger-Vergiat A, Pot E. Use of psychoactive substances in prison: Results of a study in the Lyon-Corbas prison, France. Rev Epidemiol Sante. 2017;65(5):361-7. doi: 10.1016/j.respe.2017.05.007
https://doi.org/10.1016/j.respe.2017.05....
.

Estudo semelhante sobre os fatores associados ao uso de drogas nas prisões da Noruega mostrou que, após ajustes sobre o perfil sociodemográfico, fatores relacionados à saúde mental e à atividade criminosa apresentaram significância estatística ao número de drogas usadas na vida, uso diário de drogas nos seis meses anteriores à prisão e estar embriagado ao cometer o crime relacionado à prisão atual3333. Bukten A, Lund IO, Kinner SA, Rognli EB, Havnes IA, Muller AE, et al. Factors associated with drug use in prison - results from the Norwegian off ender mental health and addiction (NorMA) study. Health Justice. 2020 May 12;8(1):10. doi: 10.1186/s40352-020-00112-8
https://doi.org/10.1186/s40352-020-00112...
.

O uso contínuo de SPAs pelas PPLs traz grandes preocupações, visto que, muitas vezes, elas não recebem tratamento adequado na prisão, nem após a liberdade, têm um risco maior de retornar ao vício, retroalimentando o ciclo à vulnerabilidade de cometer novos crimes. Diante das altas taxas de prevalência de transtornos mentais e de dependência química nos ambientes prisionais, o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a OMS emitiram orientações sobre medidas de tratamento, educação, cuidados posteriores, reabilitação e reintegração social, como alternativas à condenação ou punição por delitos relacionados à posse de drogas. Ressalta-se que as PPLs com transtornos mentais graves não devem ser detidas e sim transferidas para unidades de saúde adequadas4343. United Nations Office on Drugs and Crime. UNODC promove consulta sobre cuidados para presos usando drogas e com transtornos mentais [Internet]. Jan 11 2022 [cited 2022 Apr 11]. Available from: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2022/01/repensando-o-encarceramento-unodc-organiza-consulta-sobre-tratamento-de-transtornos-relacionados-ao-uso-de-drogas-e-transtornos-de-saude-mental-associados-em-presidios.html
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. A PNAISP apresenta, como proposta, a ampliação da garantia dos direitos sociais, representando um avanço significativo nas políticas de atenção à saúde da pessoa encarcerada. Entretanto, o fato de ainda existir abuso de SPAs nos ambientes prisionais ainda retrata uma realidade distante da ideal.

Identifica-se como limitação deste estudo o seu desenho transversal, não sendo possível estabelecer temporalidade ou causalidade. Outra limitação deve-se ao fato da não inclusão das variáveis específicas aos transtornos mentais, abordando somente as relacionadas à dependência química.

Conclusão

Neste estudo, as PPLs apresentaram alta prevalência de uso de SPAs na vida, e os riscos relacionados ao uso foram moderados para tabaco e maconha no ambiente prisional. Os resultados apontaram a importância de desenvolver ações voltadas para o problema de uso de SPAs no ambiente prisional e de inserir propostas de tratamento eficazes, reduzindo as lacunas e a vulnerabilidade social existentes na prisão.

A promoção da saúde para as PPLs é um grande desafio para os governantes e deve ser incentivada por políticas públicas. O encarceramento pode representar uma oportunidade para identificar as pessoas que possuem histórico de uso de SPAs desde o momento da sua admissão na unidade prisional. Destaca-se a importância de avançar em novos estudos de grupos marginalizados e pouco estudados, como as PPLs, para, assim, fortalecer e ampliar políticas públicas de saúde e compreender as desigualdades sociais em saúde.

Agradecimentos

A todos aqueles que contribuíram, de alguma forma, para a realização deste trabalho.

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  • Artigo extraído da dissertação de mestrado “Doenças Crônicas Não Transmissíveis em População Privada de Liberdade”, apresentada à Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2022
  • Aceito
    23 Maio 2022
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