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A experiência de interação da família que vivencia a doença e hospitalização da criança

Resumos

A partir do questionamento sobre quais os significados atribuídos pela família às interações vivenciadas durante a hospitalização da criança, este estudo buscou compreender a experiência interacional da família no hospital pediátrico e identificar as intervenções consideradas efetivas sob a perspectiva da família. O estudo teve como orientação teórica o Interacionismo Simbólico, que conferiu sustentação ao processo de análise dos dados e como referencial metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados. Participaram do estudo 6 famílias de crianças hospitalizadas. Os resultados permitiram a identificação dos fenômenos "sentindo-se segura para assumir riscos" e "sentindo-se insegura para assumir riscos", representativos dos significados simbólicos atribuídos aos contextos relacionais que emergem da interação entre a família e os profissionais de saúde. Os conceitos identificados contribuem especialmente para ampliar a compreensão da abordagem de cuidado centrado na família e proporcionam um caminho para a reflexão acerca da interação e intervenção com a família na prática clínica pediátrica.

família; criança; doença; hospitalização; relações interpessoais; bem-estar familiar; enfermagem familiar


Starting from the research question about the meanings the family attributes to interactions experienced during their child's hospitalization, this study tried to understand the interaction experience of families in pediatric hospitals, as well to identify the interventions considered effective the family's perspective. Symbolic Interactionism was the theoretical framework that supported the data analysis process, and Grounded Theory was the methodological framework. Six families with hospitalized children participated. The results allowed us to identify the phenomena "feeling secure to assume risks" and "feeling insecure to assume risks", representing the symbolic meanings attributed to relational contexts that emerge from interaction between families and health professionals. The identified concepts significantly contribute to achieve a better understanding of the family-centered care approach and provide a way to reflect on interaction and intervention with families in pediatric clinical care practice.

family; child; disease; hospitalization; interpersonal relations; family well-being; family nursing


A partir del cuestionamiento sobre cuales son los significados atribuidos por la familia a las interacciones vivenciadas a lo largo de la hospitalización del niño, este estudio buscó comprender la experiencia interaccional de la familia en el hospital pediátrico así como identificar las intervenciones consideradas efectivas en la perspectiva de la familia. El estudio tuvo como orientación teórica el Interacionismo Simbólico, que dio sustentación al proceso del análisis de los datos, y tuvo como referencial metodológico la Teoría Fundamentada en los Datos. Participaron del estudio 6 familias de niños hospitalizados. Los resultados permitieron identificar dos fenómenos: "sintiéndose segura para asumir riesgos" y "sintiéndose insegura para asumir riesgos", representativos de los significados simbólicos atribuidos a contextos relacionales que emergen de la interacción de la familia con los profesionales de salud. Los conceptos identificados contribuyen en especial para ampliar la comprensión de la aproximación de cuidado centrada en la familia, además de proporcionar un camino a la reflexión con respecto a la interacción e intervención con la familia en la práctica pediátrica.

familia; niño; enfermedad; hospitalización; relaciones interpersonales; bienestar familiar; enfermería de la familia


ARTIGO ORIGINAL

A experiência de interação da família que vivencia a doença e hospitalização da criança1 1 Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado, Parte do Projeto Integrado: Intervenções de enfermagem com famílias de crianças doentes: concepções e ações, financiado pelo CNPq

Aline Oliveira SilveiraI; Margareth AngeloII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem Pediátrica, Doutoranda, e-mail: alinenf@usp.br

IIEnfermeira, Professor Titular, Coordenadora do Projeto, e-mail: angelm@usp.br. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

RESUMO

A partir do questionamento sobre quais os significados atribuídos pela família às interações vivenciadas durante a hospitalização da criança, este estudo buscou compreender a experiência interacional da família no hospital pediátrico e identificar as intervenções consideradas efetivas sob a perspectiva da família. O estudo teve como orientação teórica o Interacionismo Simbólico, que conferiu sustentação ao processo de análise dos dados e como referencial metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados. Participaram do estudo 6 famílias de crianças hospitalizadas. Os resultados permitiram a identificação dos fenômenos "sentindo-se segura para assumir riscos" e "sentindo-se insegura para assumir riscos", representativos dos significados simbólicos atribuídos aos contextos relacionais que emergem da interação entre a família e os profissionais de saúde. Os conceitos identificados contribuem especialmente para ampliar a compreensão da abordagem de cuidado centrado na família e proporcionam um caminho para a reflexão acerca da interação e intervenção com a família na prática clínica pediátrica.

Descritores: família; criança; doença; hospitalização; relações interpessoais; bem-estar familiar; enfermagem familiar

INTRODUÇÃO

A família como unidade de pesquisa e cuidado tem recebido crescente interesse por parte da enfermagem. O desenvolvimento teórico da enfermagem de família vem mostrando cada vez mais a importância e a necessidade de se incluir a família no âmbito do cuidado de enfermagem, contribuindo para que os princípios de cuidado centrado na família sejam adotados pelos sistemas de saúde(1-2).

Os fundamentos da abordagem de cuidado centrado na família enfatizam o papel integral que os membros da família desempenham na vida e no bem-estar da criança(3), transformando em meta principal a criação de um ambiente de colaboração entre enfermeiras e famílias, no qual ambos os lados possam experimentar confiança mútua, comunicação efetiva e cooperação no encontro das demandas de cuidado de saúde da família(4).

As relações de cuidado de saúde são reconhecidas como influência de extrema importância para a experiência de doença da família, sendo consideradas não apenas centrais para o cuidado em si, mas o próprio cuidado(5). A relação é vista como forma distinta de intervenção, que representa o núcleo do trabalho com a família(6).

O foco de interesse da intervenção com a família é o comportamento da enfermeira e as respostas dos indivíduos e da família para os atuais ou potenciais problemas de saúde e têm como finalidade efetuar a mudança nos domínios cognitivo, afetivo, assim como do funcionamento familiar(6).

A intervenção pode ser definida como qualquer ação ou resposta do profissional que inclua ações terapêuticas e respostas internas cognitivo-afetivas evidentes, ocorridas em um contexto relacional, para afetar o funcionamento individual, familiar ou da comunidade pela qual o profissional é responsável(7). As intervenções são definidas e atualizadas no contexto de uma relação terapêutica(6,8), sendo, portanto, fenômenos de natureza inerentemente interacional(7) e compreendem "tudo aquilo que as famílias dizem fazer uma diferença"(8). A visão que se tem da relação terapêutica situa-a em uma condição chamada "contexto para a mudança", ou seja, as circunstâncias necessárias para que as intervenções atuem de modo a influenciar a mudança significativa na unidade familiar(8).

Modelos teóricos de intervenção na família no âmbito da enfermagem, como o Modelo Calgary de Intervenção(6) e o Modelo de Crenças(9), e modelos da terapia familiar como o Modelo Resiliência Familiar: stress, enfrentamento e adaptação(10) e o Modelo de Resiliência Familiar(11), entre outros, apresentam alguns caminhos que ajudam os profissionais que trabalham com a família a pensar sobre a intervenção. Entretanto, a possibilidade de uma intervenção efetuar a mudança no problema apresentado pela família envolve o reconhecimento de reciprocidade entre o conhecimento da enfermeira, suas idéias e opiniões, e a experiência de doença da família(6).

Diante do exposto, é possível perceber que as pesquisas com família têm contribuído de maneira significativa para a compreensão das respostas da família em situações de doença, para o entendimento de como as relações de saúde são processadas e vivenciadas e têm identificado uma série de intervenções consideradas efetivas. Entretanto, a preocupação com o processo de interação e de intervenção com a família é recente na enfermagem, cabendo destacar que ainda são poucos os estudos que têm como foco de interesse tais aspectos, o que não possibilita ampla compreensão do fenômeno e aplicabilidade prática desses conceitos.

A abordagem de cuidado centrado na família ainda não está incorporada à filosofia assistencial dos sistemas de saúde pediátricos brasileiros, no entanto, as famílias estão inseridas no processo de cuidar da saúde de suas crianças hospitalizadas e, dessa forma, estão interagindo, interpretando, atribuindo significado e atuando frente à situação vivenciada.

Ao articular-se tal fato com o conhecimento científico disponível, identifica-se lacunas de conhecimento especialmente no que diz respeito aos significados que emergem das experiências interacionais da família no ambiente de cuidado de saúde da criança, bem como formas de intervenção e expectativas da família, sendo esse um aspecto emergente na pesquisa de enfermagem, no sentido de aproximar e sensibilizar os profissionais a pensarem na família como unidade de cuidado.

A partir do questionamento quais os significados que a família atribui às interações vivenciadas no contexto de hospitalização da criança?, este estudo teve por objetivos compreender a experiência de interação da família que vivencia a doença e hospitalização da criança e identificar intervenções efetivas sob a perspectiva da família.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

O Interacionismo Simbólico foi a perspectiva teórica que orientou o processo de pensamento e conferiu sustentação ao desenvolvimento da pesquisa, que teve como abordagem metodológica a Teoria Fundamentada nos Dados. A articulação entre a questão de pesquisa e os referenciais teórico e metodológico está pautada na compreensão de que os significados que a família atribui aos eventos vivenciados são co-construídos na interação social e que as intervenções são fenômenos intensamente interacionais, cujas respostas encontradas pela família (intervenções) constituem-se em elementos de interação tanto intra como interpessoal.

A perspectiva interacionista concentra-se na natureza das interações, na dinâmica das atividades sociais entre as pessoas, no significado dos eventos para as pessoas no mundo em que vivem, nos ambientes naturais de seu cotidiano e nas ações por elas desempenhadas(12). A família, nessa perspectiva, é compreendida como um grupo social em interação entre si e com os elementos presentes nas experiências que vivencia, atribuindo significados a essa experiência, os quais resultam de suas interações(13).

A Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory) é uma abordagem metodológica qualitativa, que busca compreender o significado do fenômeno ou evento sob a perspectiva dos participantes, sendo esses significados derivados da interação social estabelecida. É um processo sistemático de coleta e análise de dados qualitativos, por meio de comparação constante desses, com o objetivo de gerar teoria que explique e possibilite a compreensão de fenômenos sociais e culturais(14).

Realização da Pesquisa

O local de escolha para a realização da pesquisa foi a Unidade de Internação Pediátrica de um Hospital Escola da cidade de São Paulo, SP.

Aspectos Éticos

A pesquisa de campo teve início após a aprovação e autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Os aspectos contidos na Resolução CNS196/96 foram respeitados, visando assegurar os direitos dos participantes do estudo. A oficialização da decisão dos sujeitos em participarem do estudo foi dada por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

A coleta de dados

As estratégias adotadas para a obtenção dos dados consistiram de observação e entrevista. As observações tiveram como foco o comportamento dos familiares e os momentos de interação entre tais familiares e demais pessoas presentes no contexto de hospitalização da criança.

A entrevista foi uma segunda estratégia adotada para a obtenção da narrativa das famílias sobre suas experiências interacionais. A aproximação com a família e o preparo para a entrevista foram proporcionados pelo preenchimento da ficha da família, incluindo o genograma e o ecomapa.

Foram convidados a participar do estudo familiares presentes durante a hospitalização, independente das características da família, tempo de internação ou diagnóstico médico da criança. Participaram do estudo seis famílias que vivenciavam a doença e hospitalização da criança.

As entrevistas tiveram início com uma ampla questão norteadora: como é para vocês ter a criança doente e hospitalizada? abordando a experiência de doença e hospitalização da família. Na medida em que a narrativa era obtida e aspectos interacionais surgiam, era introduzida outra ampla questão norteadora como é a relação de vocês com os profissionais de saúde? com a finalidade de explorar a experiência de interação da família.

Análise dos dados

Seguiram-se os estágios preconizados pelo Método Comparativo Constante da Teoria Fundamentada nos Dados(14), iniciando com a codificação aberta dos dados, na qual, após a codificação inicial, os códigos foram agrupados de acordo com suas similaridades e diferenças conceituais, dando origem às categorias. No segundo momento, passou-se à etapa denominada codificação teórica que tem por objetivo integrar as categorias que se referem a um mesmo fenômeno e procurou-se compreender os fenômenos que representassem o elo de integração entre as categorias e que permitissem o desenvolvimento de uma teoria fundamentada nos dados.

RESULTADOS: A EXPERIÊNCIA DE INTERAÇÃO DA FAMÍLIA

As categorias identificadas e a análise conceitual das relações e conexões teóricas realizadas demonstram que a experiência de interação da família é um processo complexo, marcada por contínuos acontecimentos que evidenciam elementos causais assim como conseqüências ao longo do tempo, representando o significado simbólico da experiência para a família. Assim, identificaram-se dois fenômenos que integram a experiência de interação da família: SENTINDO-SE SEGURA PARA ASSUMIR RISCOS e SENTINDO-SE INSEGURA PARA ASSUMIR RISCOS.

SENTINDO-SE SEGURA PARA ASSUMIR RISCOS: a família sente-se segura para assumir riscos quando as relações de cuidado de saúde geram um contexto no qual a família se vê SENTINDO-SE ACOLHIDA. A sensação de acolhimento, permite à família sentir-se segura e impulsionam-na a engajar-se em um movimento mais integrado e participativo, ou seja, assumir riscos TENTANDO UMA APROXIMAÇÃO e assumir riscos ENVOLVENDO-SE.

SENTINDO-SE ACOLHIDA é resultado de um contexto relacional no qual a família percebe que as qualidades pessoais e profissionais daqueles que encontra ao longo de sua vivência, acomodam suas expectativas e proporcionam o estabelecimento de uma relação que lhe permita sentir-se segura para agir na situação e para arriscar-se ao encontro de suas necessidades de cuidado da saúde. A família sente-se acolhida ao interagir com as pessoas e experienciar ações como recebendo atenção, tendo troca afetiva, tendo troca de amizade, recebendo palavras de conforto, ao perceber-se podendo contar com o profissional de saúde e tendo liberdade para expressar-se.

Receber atenção é um sinal de que os profissionais se preocupam e que entendem o que a família está sentindo e precisando no momento e compreende as orientações e explicações recebidas nos momentos precisos, não prolongando suas incertezas e angústias.

... a médica mesmo conversou bastante, ela me explicou tudo direitinho e, assim, passam aquelas senhoras voluntárias, que vêm orar, mas eu vou todos os dias para a capelinha também, o pai dele (filho), o avô e a avó são evangélicos, eles vêm aqui para orar, e ajuda, né?, você ouvir assim uma palavra amiga, ajuda sempre, né? do pessoal que tem família aqui também, eles vêem a gente chorando assim, desesperada, e vêm falar ah... o meu filho passou por isso, não fique assim...a gente pega amizade e acaba conversando...

A afetuosidade das pessoas, evidenciada em palavras e gestos de carinho, simboliza a compaixão, a humanidade e envolvimento emocional com a família. Quando as interações são regadas pela afetuosidade, tendem a ser mais significativas na experiência da família.

A troca de amizade representa uma confiança mútua desperta na interação. A atitude amigável do profissional é compreendida como aquela que não traz ameaças para a família, não impõe condições e, em geral, a interação ocorre de maneira espontânea e transparente, deixando perceber as intenções em ajudar e a sinceridade do profissional.

As palavras de conforto transmitem força e ajudam a família a ter mais fé e esperança diante da situação vivenciada, podem vir em forma de oração ou trazer elementos que permitam à família sentir-se acolhida em suas necessidades religiosas e espirituais e, ao mesmo tempo, compartilhar suas crenças.

A família sente-se acolhida ao perceber que pode contar com os profissionais de saúde não só para o cuidado da criança, mas, também, que suas qualidades e possibilidades de ajuda se estendem às necessidades da família como um todo. O sentimento da família de que pode falar abertamente surge quando as pessoas adotam uma postura empática, demonstrando interesse, compreensão e desejo em querer ajudá-la.

SENTINDO-SE ACOLHIDA é conseqüência de um contexto relacional interpretado de modo positivo e, ao mesmo tempo, é causa, ou seja, é a condição inicial para que a família engaje em um movimento de busca de interação com o profissional, TENTANDO UMA APROXIMAÇÃO.

TENTANDO UMA APROXIMAÇÃO representa o movimento da família, impulsionada pela sensação de acolhimento e segurança, na continuidade da busca de interação com o profissional, na tentativa de encontrar respostas frente às suas necessidades e alcançar suas metas. A família tenta aproximar-se do profissional de saúde utilizando estratégias como pedindo ajuda, fazendo perguntas e abrindo-se com o profissional.

Pedir ajuda é um movimento de aproximação da família em direção ao profissional de saúde, ainda que discreto, constitui-se em tentativa de participação. Ao sentir que pode contar com os profissionais a família não se intimida em pedir ajuda frente às suas necessidades ou intercorrências ou inadequações no cuidado da criança.

Ao sentir que o profissional está aberto a questionamentos e disposto a esclarecer todas as dúvidas, a família aproxima-se fazendo perguntas sobre a doença e sobre o funcionamento hospitalar. As perguntas sobre a doença na maioria das vezes são centralizadas no médico responsável pela criança, por acreditar que é a única pessoa capaz de lhe fornecer as explicações precisas, enquanto que perguntas sobre as questões que envolvam a dinâmica e o funcionamento do ambiente hospitalar são direcionadas à enfermeira.

Além de pedir ajuda e fazer perguntas, abrir-se com o profissional também se constitui em uma tentativa de aproximação, na qual a família expõe seus problemas e preocupações, seus sentimentos e pensamentos, seus desejos, relacionados ou não com a doença da criança. A abertura da família é motivada pelas perguntas que o profissional formula e pela condição igualitária e empática que se coloca frente à família. Ao mesmo tempo em que se abre com o profissional, a família também capta novas perspectivas, que se configuram em diferentes possibilidades de enfrentar as dificuldades trazidas com o evento de doença e hospitalização.

Como consequência de uma aproximação, na qual a família experiencia a aceitação e a valorização de seus esforços pelo profissional de saúde, o sentimento de segurança é fortalecido ao longo do tempo e a família assume novos riscos passando da fase de TENTANDO UMA APROXIMAÇÃO para ENVOLVENDO-SE.

ENVOLVENDO-SE é a conseqüência de uma aproximação recíproca entre a família e o profissional, que possibilitou a manutenção e o desenvolvimento da interação ao longo do tempo. Ao perceber que suas expectativas foram correspondidas, a família investe na interação, motivada pelos significados positivos apreendidos nas interações anteriores, os quais lhe permitiram maior segurança e controle sobre os eventos vivenciados. O envolvimento da família com o profissional de saúde é simbolizado na experiência da família como estabelecendo elos de amizade e estabelecendo vínculo de confiança.

Estabelecer um elo de amizade, na experiência da família, assume o significado de uma relação que ultrapassa a dimensão profissional, as trocas e respostas são carregadas de experiência pessoal e a relação é marcada pela sanção de papéis convencionais. O elo de amizade é um envolvimento de qualidade essencialmente afetiva, marcado pela crescente compreensão, respeito e simpatia entre família e profissional. As atitudes e os sentimentos do profissional são considerados mais importantes que seu conhecimento teórico e suas competências técnicas.

Estabelecer vínculo de confiança representa o envolvimento da família com a prática clínica do profissional sem excessivo envolvimento afetivo, os limites profissional-pessoa e os papéis convencionais são mantidos ao longo do relacionamento. O vínculo de confiança é um envolvimento no qual a família sente que é compreendida pelo profissional ao manifestar significações relacionadas à doença e hospitalização da criança, caracterizado pela transparência de ações, pela receptividade sensível, pelo interesse caloroso pelas dúvidas e sentimentos da família e comprometimento do profissional com o bem-estar da unidade familiar.

A segurança da família é mantida ao longo do tempo por meio de uma série de interações interpessoais significativas. A compreensão da relação terapêutica que assume o significado simbólico na experiência da família de SENTINDO-SE SEGURA PARA ASSUMIR RISCOS, permitiu a identificação das intervenções efetivas.

As intervenções consideradas efetivas sob a perspectiva da família, por proporcionarem o encontro de alívio e bem-estar, compreendem: receber informações e explicações, receber suporte social, receber suporte religioso e espiritual, receber cuidado adequado para a criança, receber palavras de conforto; receber apoio emocional, compartilhar a experiência, compartilhar o cuidado da criança e conversar abertamente com o profissional.

Figura 1


SENTINDO-SE INSEGURA PARA ASSUMIR RISCOS: a família sente-se insegura para assumir riscos quando o contexto interacional é interpretado pela família como ameaçador ao seu self, fazendo com que se perceba SENTINDO-SE DESAMPARADA.

As expectativas que a família traz para a interação com o profissional de saúde antecipam suas necessidades e também um tipo de profissional idealizado. A família não só precisa como espera que os profissionais se aproximem, sejam comunicativos e compreendam aquilo que ela está passando ao ter o filho hospitalizado, proporcionando condições para um contexto relacional respeitoso e agradável.

SENTINDO-SE DESEMPARADA é a sensação desencadeada na experiência da família quando suas expectativas em relação aos profisisonais de saúde não são satisfeitas ao longo da interação, o que traz em si o sentimento de insegurança em estabelecer uma linha de ação ou comportamento na situação. A família sente-se desamparada vivenciando a distância do profissional, vivenciando a incomunicação, sendo incompreendida, sofrendo imposições e tendo suas crenças destruídas.

Tanto a distância quanto a ausência de comunicação com o profissional de saúde contribuem para a desconfortável sensação de desamparo da família, por entender que não pode contar com o profissional para atender as suas necessidades.

...você está sem família, está sem ninguém perto, está vivendo uma situação atípica, uma situação difícil de passar, então seria bom os profissionais estarem mais próximos, ter mais uma atenção, tem vezes que você nem vê uma enfermeira ou uma auxiliar, eles passam, entram e saem, e você acaba nem tendo um contato...

A percepção da família de que é ignorada como alguém importante no processo de cuidado da criança surge quando o profissional é visto como fechado e imponente, por não conversar com a família. Essas atitudes geram a sensação de desamparo na família, acompanhada de inquietações, angústia e mal-estar por achar que está incomodando, que não é bem-vinda no contexto hospitalar e por não encontrar explicações para tais ações do profissional.

Ao sofrer imposições, a família sente-se desrespeitada em sua individualidade e em sua autonomia. Tanto o conteúdo das falas dos profissionais, quanto os gestos e o tom de voz são interpretados como imposições pela família, fazendo com que se sinta fragilizada e, ao memo tempo, desamparada.

O sentimento de desamparo também aparece quando a família tem suas crenças destruídas, com palavras que não levam em consideração a dificuldade do momento e a necessidade que a família tem de manter a esperança e a fé para não desabar, sendo tal fato visto como um desrespeito em relação às crenças religiosas e sentimentos da família.

A incompreensão é vivenciada pela família quando as respostas do profissional a desapontam, despertam sentimentos negativos, como desconfiança, angústia, raiva; quando o profissional infere julgamentos e ao não receber a devida atenção.

A sensação de desamparo ameaça a segurança da família, forçando-a a tomar decisões de como se posicionar na situação: SUBMETENDO-SE À SITUAÇÃO ou PERSISTINDO AO ENCONTRO DE SUAS NECESSIDADES.

SUBMETENDO-SE À SITUAÇÃO é uma decisão da família que reflete sua insegurança diante da situação vivenciada e a falta de habilidade e de flexibilidade em enfrentar as pressões existentes no contexto hospitalar e evidencia seu distanciamento em relação ao profissional da saúde. SUBMETENDO-SE À SITUAÇÃO traz em si a tentativa da família de preservar-se de conflitos e maiores desgastes, assim a família submete-se, conformando-se com a situação, tendo que respeitar as diferenças e ficando à espera de uma iniciativa ou aproximação do profissional.

A família se vê sem alternativas de enfrentar a situação e busca conformar-se, aceitando o fato de que não pode contar com o profissional para ajudá-la em suas necessidades, assim tenta passar pela situação, apoiando-se nos outros membros da família, nas famílias que compartilham da mesma vivência e em sua força interna, sua fé e esperança.

A família sabe que nem todos os profissionais são iguais e que suas expectativas nem sempre podem ser satisfeitas, vendo-se diante de uma situação que precisa respeitar e aceitar as diferenças para conviver de forma harmoniosa e evitar conflitos no contexto hospitalar.

Imobilizada pelo sentimento de insegurança, a família deixa-se guiar pelas ações do profissional, ficando à espera de uma aproximação, ou iniciativa, do mesmo para interagir. A tensão que permeia a situação de submissão da família e bloqueia suas ações é provocada tanto pelas atitudes do profissional como pela dificuldade da família em expressar suas percepções e interpretações da situação.

Outra forma da família responder à situação na qual se sente desamparada é PERSISTINDO AO ENCONTRO DE SUAS NECESSIDADES, que consiste em tentativa da família de resgatar e/ou manter o seu senso de segurança. A família persiste ao encontro de suas necessidades tendo consciência do seu papel e tendo consciência do dever do profissional.

As metas que a família tenta atingir nos encontros interpessoais sofrem profunda influência de suas necessidades, as quais atuam como motivadoras à interação, entretanto, a mobilização da família também sofre influência da consciência que tem do seu papel e do dever do profissional de saúde. Ao ter consciência de seu papel, como provedora de cuidado e defensora da criança, a família elabora estratégias e enfrenta todas as dificuldades para garantir seus direitos e respostas frente às demandas emergentes, não subjuga seus valores e crenças e, com isso, não se submete às regras determinadas pela instituição ou pressões de status e poder, implícitas ou explícitas nas trocas processadas na interação com o profissional de saúde.

Saber que o profissional tem o dever de fornecer respostas adequadas a suas indagações e necessidades é a base para a persistência da família à interação, mesmo sentindo-se desconfortada e desgastada na situação interpessoal, a família não desiste da tentativa de alcançar suas metas, que vão desde a obtenção de informações ao respeito e reconhecimento pelo profissional.

Figura 2


DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As interações interpessoais significativas desenvolvidas ao longo da experiência da família evidenciam um jeito de ser e estar com a família, cujas intervenções efetivas refletem as atitudes e as competências relacionais dos profissionais da saúde.

A compreensão da experiência de interação da família permitiu avanço teórico sobre os fenômenos interação e intervenção e estes resultados contribuem especialmente para ampliar a compreensão dos conceitos envolvidos na abordagem de cuidado centrado na família.

O cuidado centrado na família abrange amplamente os conceitos de participação dos pais no cuidado da saúde da criança; envolvimento e colaboração entre equipe de saúde e pais na tomada de decisão; proporcionar um ambiente hospitalar agradável que normalize, tanto quanto possível, o funcionamento da família dentro do contexto de cuidado da saúde e cuidar tanto dos membros da família quanto da criança doente(3).

A compreensão da experiência de interação da família demonstra que mais que participar ou envolver-se no cuidado da criança, os pais têm necessidade de se sentirem acolhidos e seguros no ambiente hospitalar, sendo valorizadas ações do profissional de estar com a família, compartilhando tanto a experiência da família quanto o cuidado da criança.

Promover um contexto relacional acolhedor, que permita à família sentir-se segura ao longo de sua vivência, que proporcione o desenvolvimento de novas competências e o encontro de recursos de enfrentamento, também é elemento fundamental do cuidado centrado na família, pois a tentativa de encontrar segurança em um ambiente não-familiar é a principal necessidade dos familiares que experienciam a hospitalização da criança e envolve tanto a segurança familiar quanto a garantia de segurança da criança(15).

As decisões da família de persistir ou de se submeter à situação são influenciadas pelo seu senso de segurança e de competência, que são profundamente afetados pelas atitudes dos profissionais. A segurança da família é alcançada e fortalecida ao longo do tempo quando consegue estabelecer uma relação de envolvimento e mutualidade expressa em vínculos de amizade e confiança com os profissionais de saúde.

As intervenções efetivas encontradas pela família ao longo de sua experiência de interação compreendem novos recursos, promotores da segurança no desempenho de competências em administrar as demandas emergentes e, conseqüentemente, promotores de equilíbrio no funcionamento familiar e de alívio e bem-estar.

A importância do componente relacional do cuidado centrado na família é evidenciada especialmente pelo desenvolvimento de uma relação colaborativa entre família e profissionais de saúde. Os familiares valorizam os profissionais que compreendem que cada criança e família são únicas e identificam que a essência de uma relação colaborativa envolve confiança e comunicação aberta, que capacita a negociação dos respectivos papéis assumidos na relação e permite que as especificidades e expectativas de cada criança e família sejam acomodadas(16).

Os resultados deste estudo sustentam a evidência de que tanto a criança doente quanto sua família têm necessidades de cuidado e, portanto, proporcionar um contexto relacional, no qual a família consiga estabelecer o seu papel ao longo da vivência, é fundamental para que a família se engaje em um movimento de busca de respostas frente às demandas emergentes na situação vivenciada.

Ao aumentar sua capacidade em superar as dificuldades e em resistir ao stress persistente, a família também conquista recursos vitais para lidar com desafios futuros(11). Assim, toda intervenção também é uma medida preventiva, que pode influenciar tanto o bem-estar imediato como o bem-estar em longo prazo da unidade familiar(11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os significados simbólicos atribuídos pela família a suas experiências de interação permitiram um avanço teórico acerca dos fenômenos interação e intervenção com família, ampliaram a compreensão dos conceitos e elementos envolvidos na perspectiva de cuidado centrado na família, e proporcionaram um caminho para a reflexão e aplicabilidade prática da abordagem.

A compreensão da experiência de interação da família no contexto de cuidado da criança demonstra que é possível cuidar da família, promover e manter o funcionamento familiar, alívio e o bem-estar familiar diante de situações de sofrimento como o da doença e hospitalização de criança. Entretanto, demonstram, também, que o cuidar da família não é um componente explícito do papel dos profissionais da saúde, evidenciando que ainda são muitos os desafios a serem superados para que o cuidado centrado na família se desenvolva enquanto prática prevalente no contexto de cuidado pediátrico.

Apesar das contribuições trazidas pelo estudo, permanece a necessidade de ampliar a compreensão da experiência de interação da família, dos conceitos identificados e das possibilidades de intervenção com a família, contribuindo tanto para validar como para ampliar os resultados aqui obtidos.

Os desafios teóricos e práticos são inúmeros e este estudo representa o início de um longo caminho a ser percorrido. Os estudos que visem clarificar processos interacionais e intervenções com famílias são extremamente relevantes para o avanço teórico e prático da enfermagem de família. É focalizando sobre o processo interacional e de intervenções que se pode fazer algo para, sistematicamente, ajudar as famílias(17).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 5.9.2005

Aprovado em: 12.7.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado, Parte do Projeto Integrado: Intervenções de enfermagem com famílias de crianças doentes: concepções e ações, financiado pelo CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      12 Jul 2006
    • Recebido
      05 Set 2005
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