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Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem

Resumos

O conhecimento didático do conteúdo se constrói mediante a síntese idiossincrásica entre o conhecimento da disciplina, o conhecimento pedagógico geral e o conhecimento dos alunos e também a biografia do professor. O estudo teve como objetivos compreender o processo de construção e as fontes do Conhecimento Didático do Conteúdo e analisar as suas manifestações e variações, no ensino interativo de docentes considerados competentes pelos estudantes. Os dados foram coletados junto a docentes de um curso de graduação em Enfermagem da Região Sul do Brasil, por meio de observação não participante e entrevista semiestruturada. A análise dos dados foi submetida ao método de comparações constantes. Os resultados evidenciam a necessidade de contemplar, na formação inicial, aspectos pedagógicos aos enfermeiros, tomar a formação permanente como essencial diante da complexidade do conteúdo e do ensino, usar o mentoring/monitoramento e a valorização da aprendizagem com docentes experimentados, para o desenvolvimento do ensino com qualidade.

Enfermagem; Educação Superior; Docentes; Ensino


Didactic knowledge about contents is constructed through an idiosyncratic synthesis between knowledge about the subject area, students’ general pedagogical knowledge and the teacher’s biography. This study aimed to understand the construction process and the sources of Pedagogical Content Knowledge, as well as to analyze its manifestations and variations in interactive teaching by teachers whom the students considered competent. Data collection involved teachers from an undergraduate nursing program in the South of Brazil, through non-participant observation and semistructured interviews. Data analysis was submitted to the constant comparison method. The results disclose the need for initial education to cover pedagogical aspects for nurses; to assume permanent education as fundamental in view of the complexity of contents and teaching; to use mentoring/monitoring and the value learning with experienced teachers with a view to the development of quality teaching.

Nursing; Education, Higher; Faculty; Teaching


El conocimiento didáctico del contenido se construyó mediante una síntesis idiosincrática entre el conocimiento de la disciplina, el conocimiento pedagógico general y el conocimiento de los alumnos y también la biografía del profesor. El estudio tuvo como objetivos comprender el proceso de construcción y las fuentes del Conocimiento Didáctico del Contenido y analizar sus manifestaciones y variaciones en la enseñanza interactiva de docentes considerados competentes por los estudiantes. Los datos fueron recolectados junto a docentes de un curso de graduación en Enfermería de la Región Sur de Brasil, por medio de observación no participativa y entrevista semiestructurada. El análisis de los datos fue sometido al método de comparaciones constantes. Los resultados evidencian la necesidad de contemplar, en la formación inicial, aspectos pedagógicos para los enfermeros; considerar la formación permanente como esencial delante de la complejidad del contenido y de la enseñanza; usar el mentoring/monitorización y la valorización del aprendizaje con docentes expertos para el desarrollo de la enseñanza con calidad.

Enfermería; Educación Superior; Docentes; Enseñanza


ARTIGO ORIGINAL

Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem1

Vânia Marli Schubert BackesI; Jose Luis Medina MoyáII; Marta Lenise do PradoIII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: oivania@ccs.ufsc.br

IIDoutor em Filosofia e Ciências da Educação, Professor Titular, Faculdade de Pedagogia, Universidade de Barcelona, Espanha. E-mail:jlmedina@ub.edu

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: mpradop@ccs.ufsc.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O conhecimento didático do conteúdo se constrói mediante a síntese idiossincrásica entre o conhecimento da disciplina, o conhecimento pedagógico geral e o conhecimento dos alunos e também a biografia do professor. O estudo teve como objetivos compreender o processo de construção e as fontes do Conhecimento Didático do Conteúdo e analisar as suas manifestações e variações, no ensino interativo de docentes considerados competentes pelos estudantes. Os dados foram coletados junto a docentes de um curso de graduação em Enfermagem da Região Sul do Brasil, por meio de observação não participante e entrevista semiestruturada. A análise dos dados foi submetida ao método de comparações constantes. Os resultados evidenciam a necessidade de contemplar, na formação inicial, aspectos pedagógicos aos enfermeiros, tomar a formação permanente como essencial diante da complexidade do conteúdo e do ensino, usar o mentoring/monitoramento e a valorização da aprendizagem com docentes experimentados, para o desenvolvimento do ensino com qualidade.

Descritores: Enfermagem; Educação Superior; Docentes; Ensino.

Introdução

A atividade docente é prática social complexa que combina conhecimentos, habilidades, atitudes, expectativas e visões de mundo, condicionadas pelas diferentes histórias de vida dos professores. É, também, altamente influenciada pela cultura das instituições(1) onde se realiza. Em seu confronto com a prática e com as condições e exigências concretas da profissão, os professores estão continuamente produzindo saberes específicos, conhecimentos tácitos, pessoais e não sistematizados que, relacionados com outros tipos de conhecimento, passam a integrar a sua identidade de professor(2), constituindo-se em elementos importantes nas práticas e decisões pedagógicas, inclusive renovando a sua concepção sobre ensinar e aprender(3).

Nessa perspectiva, movimentos nacionais, como a implantação das diretrizes Curriculares Nacionais(4), e internacionais e a criação do Espaço Europeu de Educação Superior (Processo de Bolonha)(5) organizaram-se para promover mudanças significativas nos processos formativos. As mudanças de ordem paradigmáticas e estruturais propõem, dentre muitos aspectos, novos métodos de ensino centrados na aprendizagem do aluno, nova concepção de trabalho docente com capacidade para fomentar, provocar no aluno aprendizagem significativa, habilidades de pensamento reflexivo e crítico, aprender a aprender mediante a revisão do exercício profissional(6-7).

Os estudos sobre o conhecimento do docente(1) têm-se convertido em frutífero campo de investigação, recentemente consolidado. A escola, a profissão docente e a formação inicial e permanente dos professores(2) são também analisadas, uma vez que oferecem elementos para abandonar o conceito de professor(a) tradicional, acadêmico(a) ou enciclopedista, bem como o de especialista/técnico, cuja função primordial é transmitir conhecimento, aplicando, de forma mecânica e prescritiva, procedimentos de intervenção planejados e oferecidos a partir de fora.

Assim, estudar o Conhecimento Didático do Conteúdo traz evidências de como essas transformações ocorrem. Nessa perspectiva, Lee Shulman tem sido pioneiro em definir e conceptualizar o conhecimento "base", exigido dos docentes para o exercício competente da docência. Para explicar o processo de elaboração e utilização do conhecimento didático do conteúdo, o estudioso(8) propõe seu Modelo de Raciocínio e Ação Pedagógicos. Segundo esse modelo, o docente, com maior ou menor grau de consciência, transforma o conteúdo em algo ensinável e compreensível para os alunos. Uma vez determinado o conteúdo a ensinar, os docentes o transformam, selecionando os materiais a utilizar, os exemplos e analogias, explicações e metáforas, com o fim de adaptar o conteúdo aos alunos, levando em consideração seus interesses, preconceitos, idade, entre outros. Esse processo implica na compreensão que não é exclusivamente técnica nem reflexiva, tampouco não é somente o conhecimento de conteúdo, nem o domínio das técnicas didáticas. É a mescla de todos esses elementos orientada pedagogicamente.

Os objetivos do estudo visaram compreender o processo de construção e as fontes do Conhecimento Didático do Conteúdo em docentes considerados altamente competentes pelos estudantes e analisar as manifestações e variações do Conhecimento Didático do Conteúdo, no ensino interativo, em função de três momentos de trajetória profissional do docente: novato, intermediário e experimentado.

Metodologia

O estudo corresponde a pesquisa do tipo descritiva, exploratório-analítica, de natureza qualitativa. O objetivo da pesquisa exploratório-analítica é compreender as razões e motivações subentendidas para determinadas atitudes e comportamentos das pessoas/fenômenos, proporcionando a formação de ideias para o entendimento do conjunto do problema, concretizado por meio de análise aprofundada dos achados(9). A investigação seguiu os princípios éticos da Resolução nº196/96, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovada mediante Processo nº184/09, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Os sujeitos da investigação foram 3 docentes universitários do curso de graduação em Enfermagem de uma universidade federal da Região Sul do Brasil, respectivamente, um considerado novato (com experiência de 1 a 5 anos); um intermediário (de 6 a 14 anos) e um experimentado (com mais de 15 anos de experiência docente universitária). Para manter o anonimato, os docentes receberam codinomes, respectivamente, Hortênsia, Rosa e Margarida. A seleção dos sujeitos foi composta por amostra intencional(10), que consiste em determinar as características dos sujeitos que vão participar da investigação com o fim de obter toda a informação necessária para o objeto de estudo. Os docentes participantes foram identificados por meio de enquete entre 35 alunos formandos, que indicaram um docente que consideraram ser um bom professor durante seu processo formativo, quer por sua reconhecida preparação e domínio de conteúdos de ensino, por sua capacidade de motivar os alunos para a aprendizagem, pelo compromisso com a melhora e inovação do ensino universitário e pela obtenção de bons resultados junto aos seus alunos. Para tanto, os alunos responderam a duas questões, uma nomeando o docente com quem mais teriam aprendido e, a segunda, dizendo porquê. Dessa forma, elegeram-se os sujeitos, que foram contatados e aceitaram participar do estudo.

Foram utilizadas como técnicas de coleta de dados a observação não participante de aulas dos docentes universitários sujeitos da pesquisa. As aulas foram gravadas em áudio e vídeo e também registradas em notas de campo pela pesquisadora. Foi observada uma sessão para cada professor, com o tempo de 3 horas aulas cada sessão. A entrevista semiestruturada com os docentes foi orientada para obter informações acerca das intenções, objetivos e metodologia didática que os docentes planejaram para cada uma das sessões de aula.

A análise dos dados foi submetida ao método das comparações constantes(10). Essa estratégia combina a codificação de categorias indutivas com um processo simultâneo de comparação de todas as incidências sociais observadas. Ao se comparar constantemente os acontecimentos ou fenômenos detectados com outros anteriores, podem-se descobrir novas dimensões tipológicas e novas relações, advindo novo conhecimento. Por fim, realizou-se a interpretação e discussão dos achados, triangulando-se os dados em cada um dos momentos da trajetória docente (novo, intermediário e experimentado) e à luz do referencial teórico do Conhecimento Didático de Conteúdo(11) e dos seus elementos constitutivos(1). Dessa forma, foram estruturadas duas categorias centrais, de acordo com a fundamentação teórica e os objetivos da investigação: a) Fontes do Conhecimento Didático do Conteúdo e os elementos aprendizagem com colegas experimentados, aprendizagem na e sobre a prática, formação pedagógica, mentoring/monitoria, recursos e material para a docência e b) o Processo de Ensino Interativo com os elementos presença de diálogo reflexivo, uso de analogias, exemplos e histórias anedóticas, explicitação do pensamento experto e integração disciplinar, empatia didática, padrões perceptivos, transferência e ações de finalização e feedback da aula.

Resultados

O Conhecimento Didático do Conteúdo, foco desta investigação, tratou de explicitar os diferentes tipos de conhecimento e destreza que o professor lança mão para transformar seu conhecimento da matéria em representações didáticas efetivas(11-12).

Assim, em relação às Fontes do Conhecimento Didático do Conteúdo, tem-se que Margarida é uma professora com mais de 25 anos de docência, portanto, considerada, no estudo, como docente experimentada. Logo após a graduação em Enfermagem, cursou Especialização em Metodologia do Ensino Superior. Dessa forma, ao ingressar como docente em um curso de graduação em enfermagem, ficou responsável pela disciplina Didática Aplicada à Enfermagem. Seguiu sua formação continuada, realizando curso de mestrado e de doutorado na área da Educação. Vários professores seus foram alunos do educador Paulo Freire, tendo também a oportunidade de ter sido aluna de Freire em cursos de formação continuada. Refere aplicar os ensinamentos freireanos em sua prática docente, promovendo o diálogo e a participação comprometida e buscar atualização permanente. É responsável pela disciplina Terapias Alternativas, há 5 anos. Demonstra conhecimento do conteúdo e destaca a importância da disciplina no currículo e para a formação profissional.

Eu fiz metodologia do ensino superior que era um curso de especialização, e foi com esse mesmo curso de especialização que eu comecei a me sentir incomodada com o modo com que eu dava aula. É claro, porque quando você começa, você começa a partir dos modelos que teve, dando aulas expositivas, dando apostilas, dando isso, dando aquilo, eu trabalhava em uma disciplina bastante densa. Ia para o hospital com eles, era bem pesada a disciplina e acabava sendo muito tradicional (Margarida).

Já Rosa é professora há 10 anos e, no estudo, está qualificada como docente intermediário. Fez graduação em Enfermagem e nenhuma formação especial para a docência. Iniciou o gosto pelo ensino enquanto enfermeira assistencial de um hospital escola que recebia alunos e professores em seu campo de atuação profissional. Essa aproximação a fortaleceu e iniciou como docente em uma instituição privada de ensino em área diferente da sua. Menciona ter estudado muito para responder pela nova área e cita o uso de feedback de suas aulas como importante recurso para se autoavaliar. Ao cursar o mestrado em Enfermagem e realizar leituras sobre educação, especialmente de Paulo Freire, diz ter mudado sua forma de interagir com o aluno e de conduzir suas aulas. Percebeu que seguia, inicialmente, o modelo tradicional, pois assimilava e reproduzia o conhecimento aos alunos. Destacou a importância de se colocar no lugar do aluno. Algumas outras experiências, como o contato com metodologias ativas de ensino em curso de formação continuada, serviram para solidificar novas posturas. Considera a disciplina em que atua, que é o cuidado ao paciente cirúrgico, importante para o aluno, e o conteúdo trabalhado na sessão observada versou sobre ética, moral e bioética. Demonstrou conhecimento do conteúdo e manejo participativo.

No mestrado, a gente teve uma disciplina de Paulo Freire, então aquelas leituras que eu fiz e eu tenho aquele livrinho dele pequenininho, a pedagogia da autonomia. Então, essa filosofia do Paulo Freire eu procuro usar aquela filosofia de olhar o que aquele aluno sabe, de valorizar o que ele traz para agregar, eu tenho muito disso também. O meu preparo como professora tem base no Paulo Freire e foi no mestrado que adquiri (Rosa).

A professora Hortênsia é graduada em Enfermagem e docente novata, com 5 anos de experiência. Conta que já, na graduação, ao realizar atividades interativas de educação em saúde com adolescentes, usava de sua intuição para promover aproximação com os alunos e construir com eles o conhecimento. Revela que, nesse momento, não conhecia os ensinamentos do educador Paulo Freire e que ainda hoje está conhecendo melhor seu método. Depois de formada, foi trabalhar como enfermeira assistencial e docente no ensino médio. Teve oportunidade de trabalhar em um projeto de educação à distância e com metodologia problematizadora. Atualmente, está cursando o doutorado e atuando como professora substituta de um curso de Enfermagem. Atua na disciplina em que os alunos, pela primeira vez, adentram o ambiente hospitalar e realizam o cuidado integral aos pacientes. Sabe da importância da disciplina na formação e, constantemente, se coloca no lugar do aluno, pois se lembra de como foi quando ela era aluna e, com isso, sabe o que é melhor para a aprendizagem do aluno. Faz cursos de formação continuada, foi professora voluntária para participar da implantação de metodologias ativas na disciplina. O conteúdo que trabalhou na sessão observada versou sobre ética e relações interpessoais no campo de prática. Aplicou dinâmicas de ensino/aprendizagem e o diálogo para promover a aula, demonstrando conhecimento do conteúdo.

A minha trajetória como docente já nasceu muito antes de eu ser enfermeira. Eu estava na quinta fase e nós tínhamos uma atividade na comunidade preparamos aquela aula tradicional, lógico como a gente aprendia, nós estávamos também querendo ensinar No meio da discussão os alunos começaram a se movimentar na sala e ficar dispersos veio uma luz divina e eu disse - gente vamos sentar no chão, porque eu imaginei se a gente sentasse no chão a conversa ficaria mais tranquila, porque era um assunto complicado, abordava gravidez e tal. ... aí já começou a destruir todo aquele planejamento que a gente tinha feito... quando eu fiz esse movimento, aqueles adolescentes de uma comunidade carente, que nunca ninguém tinha conversado com eles sobre isso, desarmaram, então começaram- o que é se masturbar?... eu nem lembrava mais que tinha o meu planejamento, o que tinha nas sequências das transparências... e comecei a explicar, isso é normal, e começaram a surgir várias perguntas e eu fui relaxando, os alunos também. Então se tornou uma conversa e aquilo foi muito bom (Hortênsia).

As evidências em relação ao Processo de Ensino Interativo se referem à sessão de aula observada e registrada em áudio e vídeo.

A sessão da professora Margarida foi em forma de seminário, apresentado pelo grupo de alunos responsáveis por conteúdo referente às terapias alternativas. Os alunos, sentados em círculo, apresentavam o conteúdo e a professora intervinha com perguntas e questionamentos, fazendo-os relacionar com conteúdos já vistos, referenciava a literatura e também acrescentava com uso de exemplos, anedotas e enfatizava relações de uso na prática atual e na vida profissional dos alunos. Chamava-os pelo nome e considerava a opinião dos alunos. Os alunos mostraram-se interessados, alguns davam depoimento do uso e aplicação de alguma modalidade de terapia alternativa.

Sempre se destaca muito que o aluno acadêmico não vai sair com competência para desenvolver nenhuma delas, mas ele vai poder compreender que existem essas outras possibilidades para que eles possam buscar o conhecimento necessário quando conclui o curso, muitos já, durante a disciplina, procuram formação em medicina tradicional chinesa, em Reiki, é um movimento bem interessante (Margarida).

A professora Rosa desenvolveu aula expositiva dialogada com uso de data show. Demonstrou domínio do conteúdo, evocava a literatura, indagava os alunos, provocava a participação dos mesmos e fazia relações do conteúdo por meio de exemplos vividos, de anedotas e falava muito da importância do conteúdo no curso e na vida profissional. Chamava os alunos pelo nome.

Vejam a última frase ali: ética é uma tentativa racional de averiguar e conviver melhor. Aí a gente volta à história da pesquisa clínica, da tecnologia que está ao nosso dispor. Eu pergunto para vocês, a tecnologia, ela é uma coisa boa ou é uma coisa ruim? Alunos- depende de como eu vou usá-la. Professora- se depende de como eu vou usar, eu faço a pergunta de novo: tecnologia é uma coisa boa ou uma coisa ruim? Aluno- os dois ou nenhum dos dois. Professora- porque a bondade não está na tecnologia, a bondade está em quem a utiliza. Aí a gente chega a um outro ponto. O homem é um fim ou é um meio? Na tecnologia, eu uso o homem como um meio ou como um fim? Se eu uso como um fim, eu uso a tecnologia a favor dele, se eu uso como meio, a tecnologia é o meu final. Quem serve a quem? A tecnologia serve o homem ou o homem serve a tecnologia? Aluno- é o homem que vai decidir se ele vai usar a tecnologia como instrumento (Rosa).

A professora Hortênsia usou dinâmica integrativa com alunos, provocando a participação imediata deles. O conteúdo foi mais restrito para as vivências atuais dos alunos no campo de prática antes da avaliação propriamente dita. Chamava-os pelo nome e usou exemplos próprios, anedotas e relacionou o conteúdo com perspectivas futuras dos alunos, mas não fez referência ao mesmo no currículo como um todo. Não chegou a apresentar ou discutir essa perspectiva. Entretanto, os aspectos ilustrados num exemplo da professora Hortênsia dão a exata dimensão da diferença e, ao mesmo tempo, da complementaridade necessária entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento didático do conteúdo.

A gente pode discutir o que está no livro, mas tragam um artigo para complementar. Passou um mês, eu falei– gente, que estranho ninguém mais trouxe o livro- não deu mais professora, limita muito, a gente não consegue ver outras coisas. Isso que tu vê o teu trabalho, o aluno cresceu com aquilo. Daí eles falaram: professora, acho que a gente vai ter que fazer um novo acordo.- que acordo?- vamos trazer todos os dias 2 artigos? Então a gente faz um e-mail de grupo que vai tendo um depositório de artigo, eles têm gosto de buscar. Tem dia que eu paro, que eu estou vendo que eles não estão conseguindo buscar... vamos fazer uma aula de internet aqui, vamos ver os bancos de dados?... então eles passam a deslumbrar um novo mundo. Essa metodologia faz com que a gente tenha essa flexibilidade (Hortênsia).

Discussão

Em relação às Fontes do CDC, encontrou-se que as três docentes mencionaram e demonstraram realizar aprendizagem na e sobre a prática(13-14), refletindo e planejando a melhor forma de ensino do conteúdo, interagindo ativamente com os estudantes em sala de aula e consideraram importante o momento de correção dos trabalhos.

Já aspectos como a aprendizagem com colegas experimentados, a influência e busca por formação permanente mais próxima à docência, na área da Educação propriamente dita, foram evidenciados pela docente experimentada Margarida. As demais docentes, Rosa e Hortênsia, não tiveram formação específica que contemplasse capacitação para o ensino, apenas experiências de formação permanente subsidiaram esse preparo.

A professora Margarida, ao mesmo tempo em que destaca sua formação continuada, preparando-a para a docência, expõe a inexistência de preparo pedagógico na formação inicial profissional, por isso, a fonte de conhecimento, baseada na reprodução de modelos pedagógicos, vivenciados na formação, foi um aspecto referido e corrobora os achados de outros estudos no Brasil(15-17), justificando a necessidade de formação específica também para o campo da docência. A formação permanente e o apoio ou assessoramento de um professor veterano, como ideias implicadas na construção do conhecimento didático do conteúdo(18), foram ressaltados pelas docentes.

Esse aspecto tem sido enfatizado sistematicamente em estudos(8,12), e um exemplo é o caso da professora Nancy, retratada como professora expert, ou seja, além do domínio teórico atualizado, possui consciência situacional do desenvolvimento de sua atividade docente, capacidade e habilidade para reflexionar na ação e sobre a ação, desenvolvida no processo ensino/aprendizagem, junto a professores mais antigos. No presente estudo, percebe-se que as professoras consideram essa socialização profissional importante fonte para seu conhecimento didático do conteúdo. Já em outros estudos brasileiros, acerca da formação docente do professor enfermeiro(15,19-20), esse aspecto não é encontrado, denotando importante reflexão a ser realizada no contexto da formação inicial e continuada do docente enfermeiro. Os escassos estudos sobre a formação do docente universitário em Enfermagem denotam o grande desafio que se tem nessa área, criando a necessidade de fortalecer essa linha de investigação nesse importante tema emergente.

Chamou atenção o uso da intuição referida pela docente novata Hortênsia e as suas crenças. Esse fato corrobora estudos(11-12) que vêm identificando a intuição como elemento importante para o processo de ensino, presente na cultura e no contexto pessoal do docente. Indicam que as crenças dos professores acerca do ensino e da aprendizagem estão relacionadas àquilo que pensam acerca do ensino, como aprendem de suas experiências e como se conduzem em suas aulas.

As crenças dependem muito mais da avaliação afetiva e pessoal subjetiva do que da objetiva e também são mais discutíveis, abertas, do que o conhecimento, que depende da evidência de critérios para sua incorporação. Portanto, os mesmos autores recomendam a valorização de oportunidades aos professores novatos, para que identifiquem e examinem as crenças que têm acerca do conteúdo que ensinam e a influência dessas na forma de ensino.

O mentoring/monitoramento ou acompanhamento na etapa inicial de ensino não foi evidenciado ou lembrado por nenhuma das docentes. Esses achados levam a acreditar que não há prática de mentoring ou valorização da aprendizagem com docentes experimentados(11). Perde-se, com isso, a oportunidade de aprendizagem e socialização com o docente experimentado, geralmente expert no conhecimento do conteúdo e do conhecimento didático do conteúdo, e, assim, a possibilidade de inovar o processo ensino/aprendizagem de maneira segura, crítica e refletida.

O Processo de Ensino Interativo, captado na observação das sessões de aula, aportou importantes considerações. O diálogo reflexivo, as anedotas, os exemplos e analogias, usadas constantemente e de modo coerente, conferiram aprendizagem leve e significativa. A rápida e perspicaz percepção de dificuldades ou desinteresse por um ou outro estudante também foi prontamente atendida e sensivelmente trabalhada pelas docentes, assim como a transferência, ou seja, a aplicação de estratégias explorando e articulando os conteúdos para a futura prática profissional.

Elementos, entretanto, como a explicitação competente do modelo cognitivo/teórico, presente no conteúdo abstrato, e sua articulação concreta com a realidade profissional, bem como o uso da indagação didática – diferentes estratégias para alcançar os objetivos da disciplina e participação dos estudantes, a integração disciplinar e ações de finalização do conteúdo – foram brilhantemente presentes na sessão de aula da professora Margarida, a docente experimentada. A indagação didática(12) está associada à aquisição de novo conhecimento, seja acerca da didática ou da matéria, e requer, entre outras coisas, a habilidade para refletir sobre e aprender com a experiência, aspecto esse evidenciado na investigação. A propriedade com que a professora Margarida manejava o conteúdo e as formas para a compreensão do mesmo assemelham-se às que reverenciam o ensino da professora Nancy(11), promovendo processo de aprendizagem de aspectos mais simples, evoluindo para mais complexos e de forma criativa. Essa questão está diretamente relacionada ao conhecimento do conteúdo do docente e afeta diretamente o estilo de instrução, podendo demonstrar, em maior ou menor grau de segurança, manejo crítico do conteúdo, de forma a envolver o estudante no processo ensino/aprendizagem(12) .

O fator tempo de docência/experiência(18) é abordado como situação que oportuniza ao docente redefinir seu conhecimento do conteúdo e construir o conhecimento didático, sugerindo capacidade para perceber sua unidade disciplinar de forma mais ampla, em termos de currículo, e se torna, ao mesmo tempo, elemento importante no desenvolvimento didático do conteúdo. Outro importante destaque foi para a explicitação das docentes Rosa e Hortênsia, quando mencionam a importância de se colocarem no lugar do aluno, ou seja, do uso da empatia didática. Trata-se de algo que os docentes se esquecem de fazer, ao lembrar que já estiveram no lugar em que os seus alunos estão e sabem das dificuldades sentidas, diante de um conteúdo ou de uma situação vivida. A influência do educador Paulo Freire foi unânime entre as três docentes, permitindo base crítica reflexiva e participativa em sua atuação docente, fortalecida pelo diálogo crítico, pela escuta atenta e estimulando o protagonismo do aluno.

Assim, o processo de ensino inicia, necessariamente, em circunstância na qual o professor compreende o que há para aprender e como deve ensiná-lo.

Conclusões

Não se deseja finalizar esta investigação com uma simples emissão de comportamentos docentes estandartizados e generalizáveis à profissão docente universitária, mas estudar o ensino a partir do conhecimento dos docentes e não como trabalhos de processamento de informações sobre o conhecimento dos docentes.

Assim, pensa-se colocar à disposição da comunidade universitária de Enfermagem algumas ideias chave, tanto teóricas como operativas, que permitem a excelência no ensino, e aquelas que concretamente distinguem os docentes experientes/expertos daqueles que não conseguem bons resultados com seus alunos.

Apesar de o ensino estar entre as profissões mais antigas do mundo, o estudo sistemático da docência, em especial, do professor de profissão, é recente. Dessa forma, à medida que se aprender mais acerca da docência, chegar-se-á a reconhecer novas categorias de desempenho e compreensão que caracterizam os bons professores, possibilitando reconsiderar e redefinir outros âmbitos. Entre eles, a necessidade e a importância de contemplar, na formação inicial, aspectos pedagógicos aos enfermeiros; tomar a formação permanente como condição necessária ante a competência e complexidade do conteúdo e do ensino e o domínio para explicitação do pensamento experto, melhoria da indagação didática e da integração disciplinar/curricular, que faz toda a diferença no ensino. Ainda, destaca-se o uso do mentoring/monitoramento e a valorização da aprendizagem com docentes experimentados para o desenvolvimento do ensino com qualidade.

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  • Corresponding Author:
    Vânia Marli Schubert Backes
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  • 1
    This research was supported by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNpq), process # 201130/2009-2.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Maio 2010
    • Aceito
      22 Fev 2011
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