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A utilização do conceito "vulnerabilidade" pela enfermagem

Resumos

Este artigo teve por objetivo realizar breve resgate do conceito de vulnerabilidade que vem sendo utilizado na área da saúde e discutir sua utilização pela enfermagem. Os estudos, em meio à diversidade de enfoques e objetos, têm buscado superar o raciocínio clássico de risco em epidemiologia, avançando para a discussão dos determinantes sociais na produção dos agravos.

enfermagem; vulnerabilidade


The objective of this article was to briefly retrieve the meaning of the vulnerability concept, which has been used in the healthcare area; also, to discuss how it has been used in the Nursing area. Amidst several different focuses and objects, studies have been attempting to overcome the classical reasoning of risk in epidemiology, advancing towards the discussion of the social determinants for the production of health problems.

nursing; vulnerability


Este artículo tuvo por objetivo hacer un breve rescate del concepto de vulnerabilidad que viene siendo utilizado en el área de la salud y discutir como viene siendo utilizado por la enfermería. Los estudios, en medio de la diversidad de enfoques y objetos, han buscado superar el raciocinio clásico de riesgo en epidemiología, avanzando para la discusión de los determinantes sociales en la producción de los agravantes de las enfermedades.

enfermería; vulnerabilidad


ARTIGO DE REVISÃO

A utilização do conceito "vulnerabilidade" pela enfermagem

Lucia Yasuko Izumi NichiataI; Maria Rita BertolozziII; Renata Ferreira TakahashiII; Lislaine Aparecida FracolliII

Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil

IDoutor em Enfermagem, Professor Assistente, e-mail: izumi@usp.br

IILivre-Docente, Professor Doutor, e-mail: e-mail: mrbertol@usp.br, rftaka@usp.br, lislaine@usp.br

RESUMO

Este artigo teve por objetivo realizar breve resgate do conceito de vulnerabilidade que vem sendo utilizado na área da saúde e discutir sua utilização pela enfermagem. Os estudos, em meio à diversidade de enfoques e objetos, têm buscado superar o raciocínio clássico de risco em epidemiologia, avançando para a discussão dos determinantes sociais na produção dos agravos.

Descritores: enfermagem; vulnerabilidade

INTRODUÇÃO

O termo vulnerabilidade é recorrentemente utilizado na literatura científica em saúde com diferentes significados. Observa-se que a partir da década de 80 se intensificam os estudos que tratam da vulnerabilidade como quadro conceitual. O presente estudo faz uma discussão, com base na literatura científica, sobre como as pesquisas em enfermagem têm utilizado o conceito de vulnerabilidade. A revisão bibliográfica foi realizada no Medline e CINAHIL por serem estas as duas bases principais na área da saúde e da enfermagem. Utilizaram-se as palavras-chaves vulnerability, vulnerable associados à nursing, encontrados tanto no titulo quanto no abstract. O período considerado para busca foi de 1996 a 2006.

No Medline, utilizando-se a busca por vulnerability and nursing encontrou-se 150 bibliografias e por vulnerable and nursing 374. No CINAHIL, vulnerability and nursing foram encontradas 204 bibliografias. Por se tratar de um artigo de revisão, restringiu-se a 25 citações de referências.

Uma consideração importante a ser feita sobre a busca bibliográfica refere-se ao fato de que muitas publicações, como, livros, periódicos, teses e outras, não se encontram indexadas nestas bases de dados, sendo assim, a produção científica sobre vulnerabilidade capturada por esta revisão bibliográfica não deve ser considerada como a totalidade existente.

REVISÃO DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE

Vulnerabilidade é um termo freqüentemente utilizado na literatura geral, aplicado no sentido de desastre e perigo. Derivada do Latin, do verbo vulnerare, quer dizer "provocar um dano, uma injúria"(1).

Nas pesquisas em saúde, os termos "vulnerabilidade" e "vulnerável" são comumente empregados para designar suscetibilidade das pessoas a problemas e danos de saúde. Segundo os descritores utilizados nas bases de dados da Bireme, que é o Centro Colaborador da Organização Pan-americana de Saúde para atualização da terminologia relacionada com as ciências da saúde, encontram-se definidos como vulnerabilidade: a) Grau de suscetibilidade ou de risco a que está exposta uma população de sofrer danos por um desastre natural; b) Relação existente entre a intensidade do dano resultante e a magnitude de uma ameaça, evento adverso ou acidente e c) Probabilidade de uma determinada comunidade ou área geográfica ser afetada por uma ameaça ou risco potencial de desastre, estabelecida a partir de estudos técnicos (Material III - Ministério da Ação Social, 1992). Grau de perda (de 0 a 100 por cento) como resultado de um fenômeno potencialmente danoso .

E por sua vez, vulnerável: a) Um setor da população, especialmente as crianças, mulheres grávidas e ou que estão amamentando, os velhos, os sem-teto, que estão mais sujeitos à doenças e deficiências nutricionais. São os que mais sofrem em situações de desastre e, b) Grupo de pessoas que a possibilidade de escolha é severamente limitada, sujeitas freqüentemente à coerção em sua decisão.

Nestas definições, se faz referência a pessoas que apresentam alguma alteração de uma situação de "normalidade" biológica, referida ao seu ciclo de vida ou a sua condição social e, desta forma, os grupos a que pertencem são entendidos como deficitários ou que foram de alguma forma prejudicados na sua "forma de andar a vida". Os descritores também apontam para a dimensão ética no sentido de proteção e defesa destes grupos.

Estes descritores apresentam definições bastante abrangentes. O termo vulnerabilidade neste sentido, não se distingue do conceito risco, usados inclusive em muitos estudos como sinônimos.

A epidemiologia tem tratado tradicionalmente o risco como núcleo central de seus estudos. De um modo geral, os estudos em epidemiologia buscam identificar nas pessoas, características que as colocam sob maior ou menor risco de exposição, com comprometimento de ordem física, psicológica e/ou social. Calcula-se a probabilidade e as chances maiores ou menores de grupos populacionais de adoecer ou morrer por algum agravo de saúde(2)

Discutindo diferenças entre vulnerabilidade e risco, considera-se que, apesar deles terem uma estreita relação, são distintos. Segundo assinalam, o risco nos estudos tradicionais em epidemiologia tem uma identidade bastante sólida, com caráter eminentemente analítico. Já a vulnerabilidade, como um conceito emergente, está mais voltada ao caráter sintético(2).

No conceito epidemiológico de risco construíram-se instrumentos teóricos capazes de identificar associações entre eventos ou condições, patológicos ou não. Os estudos nesta perspectiva buscam, o "isolamento fenomenológico", ou seja, busca-se isolar o fenômeno, associando-se as variáveis dependentes e independentes, através de um controle rigoroso do grau de incerteza acerca do não acaso das associações estabelecidas(2).

Trata-se, portanto, de um processo analítico, onde se busca produzir um conhecimento objetivo a partir da associação de caráter probabilístico. Assim, o risco epidemiológico é a probabilidade de que um indivíduo de qualquer grupo exposto a um determinado agravo ou condição venha a também a pertencer a outro grupo, o dos "afetados"(2-3).

Já a vulnerabilidade tem como propósito a busca da "síntese", ou seja, trazer os elementos abstratos associados e associáveis aos processos de adoecimentos para planos de elaboração teórica mais concreta e particularizada, onde os nexos e mediações entre esses fenômenos sejam o objeto do conhecimento sobre vulnerabilidade, diferentemente dos estudos de risco, busca universalidade não a reprodutibilidade ampliada de sua fenomenologia e inferência, segundo os autores "A vulnerabilidade quer expressar os potenciais de adoecimento/não adoecimento relacionados a todo e cada indivíduo que vive em certo conjunto de condições"(3-4).

Na perspectiva da vulnerabilidade, a exposição a agravos de saúde e mesmo acometimento que leva a morte resulta tanto de aspectos individuais como de contextos ou condições coletivas que produzem maior suscetibilidade aos agravos e morte em questão e, simultaneamente, a possibilidade e os recursos para o seu enfrentamento(3-4).

O surgimento da epidemia de aids foi um fenômeno determinante para que pesquisadores e profissionais de saúde pudessem repensar o conceito de risco e avançar nas discussões sobre vulnerabilidade.

Propõe-se que a epidemia seja interpretada segundo a interação de três dimensões, a individual, a programática e a social. Segundo os autores, entende-se que a chance de exposição das pessoas ao adoecimento é resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoecimento e, de modo inseparável, maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger de ambos(5).

No mesmo processo de vulnerabilidade encontra-se a capacidade de luta e de recuperação dos indivíduos e grupos para o seu enfrentamento(6-7). Sugere-se que a vulnerabilidade seja compreendida como a integração de três dimensões(8), a do entitlement, referente ao direito das pessoas, do empowerment, ou seja, quanto a sua participação política e institucional e da política econômica, referente à organização estrutural-histórica da sociedade e suas decorrências.

No conceito de vulnerabilidade, não há como desconsiderar o seu caráter interdisciplinar. No modelo de análise baseado na identificação de três níveis para se realizar a leitura de vulnerabilidade das pessoas ao vírus HIV compreendem a intersecção entre as dimensões sócio-estrutural e sócio-simbólica com os níveis de trajetória social, interação e contexto social. Na dimensão sócio-estrutural, na intersecção com a trajetória social, toma-se o ciclo de vida, a mobilidade social e da identidade social entre outros. Nesta mesma dimensão na interseção com o nível de interação têm-se características do parceiro (idade, status sorológico, etc), espaço onde esta interação ocorre, etc. E por fim, ainda na dimensão sócio estrutural em sua interseção com o contexto social consideram-se as normas sociais vigentes, as normas institucionais, as relações de gênero, a iniqüidade, etc(8).

Agora, tomando-se a dimensão sócio-simbólica, em sua interseção com a trajetória social, compreendem-se as subjetividades, projeto de vida, percepção do futuro, etc. Na interseção entre esta dimensão e o nível de interação se refere à representação subjetiva que se tem do parceiro, a percepção da utilização do condom em função do status sorológico, etc. E na interação entre a dimensão simbólica com o contexto social que compreendem a percepção subjetiva das normas, a interpretação pessoal e a expectativa de punição, etc.

Este modelo traz importante contribuição no sentido de dar visibilidade à dimensão social e da subjetividade na questão da vulnerabilidade de homens frente ao HIV/AIDS, apontando inclusive algumas possibilidades de intervenção.

No Brasil, enfatiza-se que o termo vulnerabilidade é originário da área de advocacia internacional pelos Direitos Humanos, e designa em sua origem, grupos ou indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia dos seus direitos de cidadania(2-3).

Dessa forma, para a interpretação do processo saúde-doença, considera-se que, enquanto o risco indica probabilidades, a vulnerabilidade é um indicador da iniqüidade e da desigualdade social. Segundo os autores, a vulnerabilidade antecede ao risco e determina os diferentes riscos de se infectar, adoecer e morrer(3).

A expansão da aids na década de 1980 e as intervenções pouco eficazes para seu controle provocaram o questionamento dos modelos epidemiológicos vigentes - que tinham o risco individual como elemento nuclear de suas análises - e dos modelos de prevenção, baseados numa abordagem comportamental centrada no indivíduo.

Considerando que o caminho que leva o indivíduo a se infectar é determinado por um conjunto de condições, dentre as quais o comportamento é apenas uma, não há como pensar intervenções voltadas somente para o indivíduo, sem dar conta das situações que interferem em seus comportamentos privados e sem acessar os elementos externos - políticos, econômicos, culturais e de oferta de serviços de saúde - que podem apoiar e direcionar as pessoas numa perspectiva de maior ou menor autoproteção.

O conceito de vulnerabilidade ao HIV/AIDS vem sendo desenvolvido desde o final da década de 1980 e expressa o esforço para produção e divulgação de conhecimento, debate e ação sobre os diferentes graus e naturezas da suscetibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pelo HIV, segundo a particularidade de sua situação quanto ao conjunto integrado dos aspectos sociais, programáticos e individuais que os põem em relação com o problema e com os recursos para o seu enfrentamento(3-4).

A vulnerabilidade neste aspecto pode ser analisada segundo três dimensões interdependentes: individual, programática e social: a) Vulnerabilidade individual, que diz respeito à ação individual de prevenção frente a uma situação de risco. Envolve aspectos relacionados a características pessoais (idade, sexo, raça, etc), ao desenvolvimento emocional, percepção do risco e atitudes voltadas à adoção de medidas de autoproteção; bem como a atitudes pessoais frente à sexualidade, conhecimentos adquiridos sobre doenças transmissíveis e aids; vivência da sexualidade e habilidades de negociar práticas sexuais seguras, crenças religiosas etc; b) Vulnerabilidade programática que se refere a políticas públicas de enfrentamento do HIV/AIDS, metas e ações propostas nos programas de DST/AIDS e organização e distribuição dos recursos para prevenção e controle e c) Vulnerabilidade social que se refere à estrutura econômica, políticas públicas, em especial de educação e saúde, a cultura, ideologia e relações de gênero que definem a vulnerabilidade individual e programática.

Talvez a maior contribuição no debate e ação sobre a distinção do conceito de risco e vulnerabilidade esteja no esforço de deslocamento da noção do risco individual para uma nova percepção de vulnerabilidade social(9). Sem desconsiderar que todo ser humano é biologicamente suscetível à infecção pelo HIV, ou que a transmissão realmente ocorra mediante atos comportamentais de indivíduos específicos, na perspectiva de ampliação do entendimento da epidemia, colocam alguns indivíduos e grupos em situações de maior vulnerabilidade, o que permite perceber mais amplamente como a desigualdade e injustiça, o preconceito e a discriminação, a opressão, exploração e violência da sociedade aceleram a disseminação da epidemia nos diferentes países. A vulnerabilidade social relaciona-se à processos de exclusão, discriminação ou enfraquecimento dos grupos sociais, e sua capacidade de reação(9).

A UTILIZAÇÃO DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE E A CONTRIBUIÇÃO DA ENFERMAGEM

A vulnerabilidade é um conceito importante para a pesquisa em enfermagem porque está ligado intrinsecamente à saúde e a problemas de saúde(10).

Para a enfermagem, a relevância do conhecimento sobre a vulnerabilidade aos agravos de saúde, tomando como exemplo a infecção pelo HIV e doença aids, reside nas implicações que produz na saúde daqueles que são vulneráveis e conseqüentemente, na identificação das suas necessidades de saúde, com o propósito de lhes assegurar maior proteção(11).

A utilização do conceito de vulnerabilidade para compreender o seu objeto pelos pesquisadores na área de enfermagem tem o propósito de melhor responder a finalidade do trabalho em enfermagem.

O termo vulnerabilidade é freqüentemente utilizado nas pesquisas de enfermagem(10), no entanto, muitas vezes não é adequadamente definido, não existindo consenso sobre o seu significado e utilização.

De fato, na revisão bibliográfica realizada sobre vulnerabilidade, nos últimos 10 anos, observou-se que a maioria dos trabalhos que de alguma forma referem-se ao termo, trata de relatos de investigação e poucos trazem discussões sobre vulnerabilidade na perspectiva teórica da produção do conhecimento sobre sua definição ou conceituação.

Muitos dos estudos em enfermagem tratam de vulnerabilidade no sentido da identificação de pessoas ou grupos que se encontra com alguma deficiência, expostos aos agravos. A vulnerabilidade é referida mais à dimensão do indivíduo, ou seja, trazem pouca ou nada tratam da dimensão social, das relações sociais(12).

Alguns estudos tratam de caracterizar como vulneráveis, as mulheres, os adolescentes, as pessoas com deficiências e outros grupos vivendo em exclusão social(13-14). Notam-se alguns estudos mais recentes em enfermagem, abordando situações de geram violência, sejam vividas por enfermeiras ou por pacientes e populações(15-16). Outros abordam especificamente questões em torno do risco ocupacional(17). Mais recentemente, há trabalhos na perspectiva de advocacy(18) e da Ética(19).

A vulnerabilidade é definida como um processo dinâmico estabelecido pela interação dos elementos que a compõe, tais como idade, raça, etnia, pobreza, escolaridade, suporte social e presença de agravos à saúde. Admite-se que cada pessoa possui um limiar de vulnerabilidade que, quando ultrapassado, resulta em adoecimento(20).

Ampliando a discussão, alguns estudos consideram que alguns segmentos da sociedade são mais vulneráveis ao adoecimento e a morte do que outros, como jovens e idosos, mulheres, minorias raciais, pessoas com pouco suporte social, pouco ou nenhum acesso à educação, baixa renda e desempregados e que sua vulnerabilidade é afetada grandemente pela percepção que cada um possui sobre o processo saúde-doença e sobre a vida(11).

Alguns estudos propõem como variáveis para análise, a idade, o sexo, a etnia, o apoio social, a escolaridade, a renda, o estilo de vida e os fatores de risco modificáveis e não modificáveis. A vulnerabilidade é definida não só pelas características pessoais, mas também pelas condições adquiridas no decorrer da vida ou resultantes do estilo de vida, do desenvolvimento de estratégias e habilidades para enfrentar trauma e doença(11).

Considera-se que o grau de vulnerabilidade se altera a depender da modificação na condição ou ambiente social. Dessa forma, o modelo analítico proposto pela autora, representado por um triângulo eqüilátero, baseia-se na identificação dos componentes individual e social da vulnerabilidade.

A avaliação da vulnerabilidade pode ser útil para identificar características ou condições para potencializar os recursos disponíveis para o enfrentamento da doença(21). A identificação de condições, características e situações de proteção e fortalecimento dos indivíduos e grupos contra o adoecimento constituem um dos diferenciais do conceito de vulnerabilidade(4).

Ainda que alguns estudos ampliam a discussão para uma dimensão mais coletiva dos fenômenos da saúde, a maioria ainda privilegia a dimensão individual. Além disso, a despeito desta maior compreensão sobre as questões sociais, considera-se que muitas pesquisas em enfermagem tratam desta dimensão de forma pouco critica, pois entende esta dimensão na perspectiva de mais um elemento, como suporte social. Esta fragilidade diz respeito à forma como analisa os fenômenos sociais, como por exemplo, a violência, o papel social da mulher, a influência da mídia na cultura, fazendo uma discussão, que se considera superficial destes fenômenos, limitando-se a uma análise sobre a aparência destes fenômenos, não discutindo apropriadamente a essência de sua produção. Os estudos não dão destaque, por exemplo, às ações dos serviços de saúde, aquelas de âmbito das políticas públicas de saúde(4).

As pesquisas na América do Norte, principalmente na enfermagem tendem a utilizar métodos como a fenomenologia e o interacionismo simbólico e este tipo de abordagem epistemológica acaba por privilegiar o enfoque no individuo. Já as pesquisas na América Latina por sofrerem influência de base teórica marxiana tendem a focar as questões sociais de forma critica(22).

Algumas pesquisas na enfermagem no Brasil têm se utilizado do conceito de vulnerabilidade à infecção pelo HIV, ainda que em diferentes perspectivas, mas para discutir o processo de adoecer e morrer em relação a outros fenômenos de saúde(23-25).

É indiscutível a relevância da contribuição do conhecimento construído sobre vulnerabilidade na renovação das medidas de prevenção à aids, especialmente por sua "aspiração prática"(2).

A análise da vulnerabilidade permite conhecer e compreender as diferenças como cada um individualmente e em grupo vivencia e enfrenta o processo saúde-doença. Propõe-se a construção de marcadores que podem ser utilizados para avaliar as condições de vida e saúde de indivíduos e grupos para subsidiar a intervenção orientada para os determinantes do estado de vulnerabilidade(4).

Um dos alcances do conceito é dado pelo seu potencial de ampliação sobre a compressão dos fenômenos da saúde, resultante do entrecruzamento de comportamento e vivências individuais, subjetivas, condições sociais, políticas e culturais, juntamente com as ações de saúde voltadas para a prevenção e controle dos agravos.

Outro alcance é a possibilidade de conferir maior integralidade às ações de saúde, ao fortalecer a proposta de intervenções que considerem as três dimensões da vulnerabilidade, incorporando as influências exercidas pelos seus componentes.

Na perspectiva da determinação social da saúde-doença e da vulnerabilidade, está implícito o seu caráter multidisciplinar, o que é fundamental quando se trata de problemas ou de necessidades de saúde, na medida em que a complexidade do objeto da saúde requer diferentes aportes teórico-metodológicos, sob pena de reduzir as ações à "tarefas" pontuais, de caráter emergencial que não modificam a estrutura da teia de causalidade(2,4).

A operacionalização do conceito de vulnerabilidade pode contribuir para renovar as práticas de enfermagem. Ao apresentar diferentes modelos para se discutir vulnerabilidade, entende-se que a enfermagem precisa ter instrumentos e modelos teóricos que direcionem suas práticas de pesquisa e de intervenção em saúde. Contudo, estes modelos teóricos não devem ser entendidos como uma estrutura "rígida e imutável". De uma perspectiva dialética, os modelos teóricos são instrumentos para se recortar o objeto de estudo que estão sempre em construção.

Ao se adotar a vulnerabilidade como marco conceitual numa pesquisa é importante atentar para esta não se transforme numa reprodução do status quo pela naturalização da opressão, uma vez que a pesquisa deve produzir conhecimento para se emancipar as pessoas e grupo. É imprescindível que não seja dada ênfase no pólo da "debilidade" e que da mesma forma enfatize-se o pólo da resistência e da capacidade criadora dos indivíduos de superação(2,4).

Sugerir que a enfermagem utilize modelos teóricos apresentados acima contribui para que a enfermagem possa partilhar e debater mais amplamente o conceito de vulnerabilidade.

A utilização de modelos teóricos assemelhados possibilitaria a interlocução do conhecimento sobre vulnerabilidade entre enfermeiras/pesquisadoras de diferentes paises, com a finalidade de aprimorar os saberes e a pratica de enfermagem.

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  • The use of the "vulnerability" concept in the nursing area

    Lucia Yasuko Izumi NichiataI; Maria Rita BertolozziII; Renata Ferreira TakahashiII; Lislaine Aparecida FracolliII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      08 Ago 2008
    • Recebido
      27 Out 2007
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