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Movimentos da educação permanente em saúde, desencadeados a partir da formação de facilitadores

Resumos

Tem-se, aqui, por objetivo, cartografar os movimentos de educação permanente em saúde, na região de Araraquara, São Paulo, Brasil, disparados a partir do curso de Facilitadores de Educação Permanente em Saúde, do Ministério da Saúde e Escola Nacional de Saúde Pública. É estudo de abordagem qualitativa, sustentado pelo referencial teórico da análise institucional na linha esquizoanalítica, sendo os dados coletados mediante grupos operativos com concluintes do referido curso. Os resultados agrupados em dois planos: micropolítica e organização, apontam, em relação à micropolítica, que houve produção de diferentes conceitos sobre educação permanente e diferentes formas de institucionalização da mesma. No plano da organização, destacam-se a autonomia e o controle e, ainda, a tênue relação entre tutela e autonomia. Conclui-se que o curso foi importante dispositivo que sofreu capturas, mas, também, produziu mudanças nas práticas.

Educação; Política de Saúde; Formação de Recursos Humanos


This study mapped the movements of Permanent Health Education in the region of Araraquara, São Paulo, Brazil, begun by the Permanent Health Education Facilitators program, promoted by the Ministry of Health and the National School of Public Health. This qualitative study was grounded on the theoretical framework of institutional and schizoanalysis. Data were collected from operative groups of individuals who finished the program. The results were grouped into two plans: micropolitics and organization. Micropolitics indicates the production of different concepts concerning permanent education and different ways to establish it. Autonomy and control and also a tenuous relationship between tutorship and autonomy were highlighted, in the plan of organization. In conclusion, the program was an important device that suffered captures/overcoding but also produced changes in practice.

Education; Health Policy; Human Resources Formation


Se tuvo por objetivo cartografiar los movimientos de educación permanente en salud, en la región de Araraquara, Sao Paulo, Brasil, iniciados a partir del curso de Facilitadores de Educación Permanente en Salud, del Ministerio de la Salud y Escuela Nacional de Salud Pública. Es un estudio de abordaje cualitativo, sustentado por el referencial teórico del análisis institucional en la línea esquizoanalítica, siendo los datos recolectados mediante grupos operativos con alumnos terminando el referido curso. Los resultados fueron agrupados en dos planos: micropolítica y organización. Con relación a la micropolítica, apuntan que hubo producción de diferentes conceptos sobre educación permanente y diferentes formas de institucionalización de la misma. En el plano de la organización se destacan la autonomía y el control y también la tenue relación entre tutela y autonomía. Concluimos que el curso fue un importante dispositivo que sufrió capturas, pero también produjo cambios en las prácticas.

Educación; Política de Salud; Formación de Recursos Humanos


ARTIGO ORIGINAL

Movimentos da educação permanente em saúde, desencadeados a partir da formação de facilitadores

Cinira Magali FortunaI; Trude Ribeiro da Costa FranceschiniII; Silvana Martins MishimaIII; Silvia MatumotoI; Maria José Bistafa PereiraIV

IEnfermeiras, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: Cinira – fortuna@eerp.usp.br ; Silvia - smatumoto@eerp.usp.br

IIMédica, Mestre em Enfermagem. Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: trudefran@yahoo.com.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: smishima@eerp.usp.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: zezebis@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Tem-se, aqui, por objetivo, cartografar os movimentos de educação permanente em saúde, na região de Araraquara, São Paulo, Brasil, disparados a partir do curso de Facilitadores de Educação Permanente em Saúde, do Ministério da Saúde e Escola Nacional de Saúde Pública. É estudo de abordagem qualitativa, sustentado pelo referencial teórico da análise institucional na linha esquizoanalítica, sendo os dados coletados mediante grupos operativos com concluintes do referido curso. Os resultados agrupados em dois planos: micropolítica e organização, apontam, em relação à micropolítica, que houve produção de diferentes conceitos sobre educação permanente e diferentes formas de institucionalização da mesma. No plano da organização, destacam-se a autonomia e o controle e, ainda, a tênue relação entre tutela e autonomia. Conclui-se que o curso foi importante dispositivo que sofreu capturas, mas, também, produziu mudanças nas práticas.

Descritores: Educação; Política de Saúde; Formação de Recursos Humanos.

Introdução

Este estudo foi sustentado pelo referencial teórico metodológico da análise institucional na linha esquizoanalítica(1-2) e objetivou cartografar os movimentos e efeitos, desencadeados na região do Departamento Regional de Saúde de Araraquara (DRS III), São Paulo, Brasil, a partir do Curso de Facilitadores de Educação Permanente em Saúde (EPS) do Ministério da Saúde (MS) e Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

A EPS instituída como Política Nacional pelo MS(3) propõe que, através da análise coletiva dos processos de trabalho, seus atores possam se responsabilizar mutuamente pela produção de autonomia e de cuidados na perspectiva da integralidade da assistência(4-5).

Baseada na aprendizagem significativa, a EPS também propõe que essa análise seja desenvolvida na interlocução, em rodas de conversas sobre os problemas e dificuldades vivenciados no cotidiano da produção do cuidado, da gestão, da formação dos trabalhadores para o SUS e da participação e controle sociais(4-7). A EPS opera na micropolítica do processo de trabalho, e, nesse sentido, envolve o nível molar (macro) e molecular (micro) não como opositores, mas como expressão no cotidiano de políticas, economias, desejos e formas de andar a vida(2,8).

Para difundir e disparar rodas de EPS em todo o Brasil, o MS desencadeou diversas estratégias, dentre elas a formação de facilitadores de EPS(8). Objetivava, dessa forma, instigar trabalhadores, gestores, professores, estudantes e usuários da saúde a exercerem o papel daquele que facilita e coordena diálogos e reflexões sobre o trabalho nas rodas, gerando incômodos e reinvenções de coletivos na direção dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)(4,8). O Curso de Formação de Facilitadores de EPS introduziu um dispositivo – as rodas de EPS(4,6,8), arranjo capaz de produzir um jeito novo e inédito de trabalhar em saúde, mas que também poderia ser capturado pelos movimentos instituídos(8).

Assim, o presente estudo pretendeu mapear as linhas de uma rede complexa de muitas entradas e fluxos que compõem os movimentos e efeitos produzidos pelo referido curso. A esquizoanálise denomina esse processo de cartografia(9). Não se trata de estudo avaliativo, mas de identificar os movimentos produzidos: os sentidos e não sentidos, construídos pelos sujeitos e não sobre eles.

A Educação Permanente em Saúde é importante componente do atual cenário das políticas de saúde e educação(10), portanto, as produções(3-8,11) analisadas e relatadas no país contribuem para o fortalecimento da implementação do SUS e das políticas de formação no campo da saúde. A presente investigação apresenta contribuições nessa direção.

Percurso Metodológico

A cartografia – o caminho e a análise proposta

A cartografia é o método da esquizoanálise, consiste na atenção aos afetos, afecções e ressonâncias que se espalham em múltiplos planos e superfícies que compõem uma paisagem(1,9,12), a realidade. Neste estudo, a paisagem é psicossocial, é movimento de múltiplos que já são ou podem vir a ser. O cartógrafo entra na paisagem psicossocial com seu corpo vibrátil: afeta e é afetado, buscando sentidos e aquilo que deixa de ter sentido. A cartografia, cartógrafo e paisagem se expressam por hibridar, misturar, separar, multiplicar. Ela abre caminhos para uma história que se tece nos encontros/desencontros de produção de subjetividades. O registro escrito captura e dá materialidade ao que, por natureza, está em movimento, por isso é provisório, e esconde n outras possíveis escritas.

Os grupos também fazem ver e falar, são dispositivos em ação(13). Neles, as cartógrafas e trabalhadores de saúde produziram uma escrita, uma história, tecida através do afetar e ser afetado, do falar e do calar, do vir a ser e do sendo. A tecitura dessa cartografia se fez em encontros grupais, segundo o referencial dos grupos operativos(14), em um trajeto de construção da pesquisa, desde as definições dos grupos, dos sujeitos e do campo.

Os grupos operativos

Os grupos são composições singulares nos quais se expressam contraposições, dilemas, conflitos, sendo para alguns analistas institucionais campo de análise e intervenção(2). Os homens são gregários por natureza, vivem em grupos para satisfazer necessidades, constituídas social e historicamente e que são o motor de todo contato, vínculo e aprendizagem(14). O sujeito é emergente de sistema vincular, das contradições e do interjogo entre necessidade/satisfação, sujeito/contexto. O grupo operativo é "um conjunto de pessoas ligadas entre si por sua mútua representação interna e que se propõem a realizar, explícita ou implicitamente, uma tarefa que constitui sua finalidade, interatuando através de complexos mecanismos de assunção e adjudicação de papéis"(14).

Os grupos possuem dois organizadores fundamentais: a tarefa e os vínculos. A tarefa é composta tanto pelas ações para o alcance dos objetivos do grupo e, também, pela pré-tarefa, momento em que o grupo passa por "dificuldades" para alcançá-la. As ansiedades e medos da perda e do ataque, que são características da pré-tarefa, podem paralisar um grupo e desviá-lo, provisoriamente, de sua tarefa. O medo da perda está relacionado à perda da individualidade, conhecimentos e poder. Os movimentos de tarefa e pré-tarefa são possíveis a partir dos vínculos que se direcionam a finalidades, vão possibilitando aos envolvidos se inserirem enquanto atores, sujeitos de sua práxis, permitindo a emergência de novos modos de subjetivação(14).

Nesse processo de produção de subjetividades, o grupo e seus integrantes produzem narrativas e acontecimentos, vão se constituindo, planificando estratégias para transformação e criando projetos. O projeto e a aprendizagem articulam-se na perspectiva de sujeitos que podem apreender a realidade numa relação mutuamente modificadora.

O cenário, a definição dos sujeitos da pesquisa e a coleta de dados

Para escolha do cenário da pesquisa, realizou-se mapeamento das experiências de EPS e identificação de informantes chave (tutores do Curso de Facilitadores de EPS e profissionais envolvidos), nas diferentes regiões do país. Foram definidos cenários nos diferentes Estados, sendo dois no Estado de São Paulo, o da Grande São Paulo e o do interior _ a região do DRS III de Araraquara.

Essa região localiza-se na macrorregião nordeste do Estado de São Paulo, engloba 26 municípios e população de 929.068 habitantes, em 2007.

O DRS III é integrante do Polo Nordeste Paulista de EPS e contou com vinte vagas no 1° Curso de Formação de Facilitadores de EPS, com 65% concluintes.

O projeto foi apresentado em reunião específica aos possíveis participantes, na qual se discutiram seus objetivos e a possibilidade de serem realizadas, coletivamente, análises do processo que vivenciaram, havendo a anuência dos mesmos para a participação na investigação.

Após o estabelecimento da região a ser estudada, as definições referentes à pesquisa como sujeitos participantes, local e duração, número de encontros e experiências a serem analisadas seguiram os pressupostos da Educação Permanente em Saúde(3-4), privilegiando a pactuação e a decisão coletiva. Esses aspectos também são coerentes com o aporte teórico-metodológico dos grupos operativos(14), especialmente no que se refere à centralidade da tarefa e construção de vínculos como principais organizadores dos grupos.

Nesta pesquisa, contou-se com a participação de dez sujeitos: seis facilitadores de EPS (um odontólogo, duas fonoaudiólogas e três enfermeiras), um tutor do curso (odontólogo) e três pessoas que atuavam na EPS no DRS III (uma assistente social e duas psicólogas). Essas três pessoas foram convidadas e indicadas pelos próprios facilitadores e pelo tutor por se destacarem na execução de ações de EPS, na região, e por terem estudado o material didático do curso, mesmo não tendo sido matriculadas oficialmente.

O número de encontros, datas, horário e participantes foram definidos pelo próprio grupo em um primeiro encontro; momento em que foram definidas as experiências que seriam analisadas, seguindo o critério de espontaneidade em colocar na roda a experiência para análise e a importância das mesmas, para os participantes. Foram realizados cinco grupos operativos de duas horas cada, entre abril e maio de 2008.

A frequência média dos participantes nos grupos foi de nove integrantes por encontro, sendo que as ausências foram justificadas por questões de trabalho.

Os princípios éticos norteadores dessa investigação atenderam a Resolução 196/96 e foram os seguintes: o anonimato dos sujeitos, o compartilhamento de interpretações e hipóteses acerca das discussões e do processo grupal com os sujeitos da pesquisa, assim como o cuidado na lida com as divergências e impasses vivenciados no grupo. A coleta de dados foi iniciada após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP), sob Protocolo no0748/2007, sendo que todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

No primeiro encontro, após a negociação do contrato grupal, trabalhou-se tendo como questão disparadora as experiências de EPS, vivenciadas a partir do curso de facilitadores. Os demais encontros foram abertos pela leitura da crônica do encontro anterior e guiados pela tarefa de analisar coletivamente a experiência acordada previamente.

A crônica, como uma narrativa do grupo(14), destacava os principais assuntos abordados, os movimentos grupais de resistência e de mudança, os emergentes e indagava ao grupo sobre possíveis interpretações. O seu conteúdo provinha principalmente dos registros realizados por observador silente (um dos membros da equipe de coordenação dos grupos operativos). Eram anotados falas, gestos, expressões e silêncios e, após as sessões, o coordenador e observador se reuniam para produzir a crônica do encontro. Do ponto de vista da pesquisa, a crônica tinha sentido crítico e permitia revalidar o material empírico que estava em produção na investigação.

A coordenação do grupo guiou-se pelo referencial pichoniano(14) e o da esquizoanálise, orientando-se pela tarefa de produzir análises coletivas da vivência de facilitador de EPS e da produção de subjetividades(1-2,9,12).

Os encontros grupais foram gravados em mídia digital e transcritos. O material empírico foi constituído das transcrições, crônicas dos encontros e anotações de campo das pesquisadoras.

Resultados e Discussão

No movimento de exploração e construção do campo da pesquisa, identificaram-se dois planos de análise, concomitantes, imanentes entre si: o plano da micropolítica da EPS, enquanto ato em produção, e o plano da organização em que se evidenciam autonomia e controle no embate com a gestão. Esses planos foram identificados pela leitura do material empírico e agrupados segundo a constituição de campos de tensão, nas organizações(8), definidos no referencial da análise institucional.

Plano da micropolítica da EPS enquanto ato em produção

Nesse plano, expressaram-se os movimentos grupais e suas derivações de afetos e afecções produzidos nos reencontros dos facilitadores e tutor com as cartógrafas. Um primeiro analisador que se configurou foi uma dúvida: quem estaria incluído no grupo como sujeito da pesquisa? A questão surgiu do interesse de uma docente de uma universidade local em participar, expresso por um dos facilitadores. O grupo resolveu e explicitou racionalmente que essa pessoa não deveria ser incluída no grupo de pesquisa. Mas, ficou implícita a discussão sobre quem poderia ou não exercer a EPS, ou seja, somente aqueles a quem o curso tornou aptos: os especialistas em EPS? A discussão acionou um paradoxo entre os saberes e não saberes, expresso na fala de uma das facilitadoras, como porta-voz do receio de participar e da autoexposição: ... não sei se devo participar ou se vou contribuir, pois não tenho grandes experiências a expor [...] (Grupo 1).

Assim, expressou-se uma contradição no exercício do papel do facilitador de EPS. De um lado, o de mediar os processos de análise de coletivos, um lugar de passagem, que não dispõe de receitas e respostas, que objetiva o se tornar dispensável, estimulando a autonomia das pessoas, ou seja, a dos demais trabalhadores, usuários, gestores. De outro lado, o lugar do especialista que define o que deve ser feito e como se deve realizar alguma coisa(12), forma instituída e predominante nos processos educativos. No entanto, dificilmente se rompe com esse lugar instituído de saber e poder que estimula a dependência, mas que, potencialmente, poderia ter sido interrogado pela vivência do curso.

No relato dos participantes sobre suas experiências de coordenação nas rodas, explicitou o desejo de uma identidade: a de facilitador de EPS. A identidade é vaidosa: exige o nome, o reconhecimento, o cargo, a diferença excludente. Na sequência dos encontros, o papel do facilitador de EPS foi repensado pela possibilidade de captura desse dispositivo por sua institucionalização.

A EPS apresentou-se nesse coletivo de muitas formas e com muitas indagações: fazer EPS é - ou não é - realizar cursos previamente estruturados? Fazer EPS é fazer rodas com profissionais de uma mesma categoria ou com várias? Fazer EPS é promover eventos ou opõe-se a isso? Do ponto de vista conceitual, a EPS não se resume à realização de eventos e cursos pontuais, previamente estruturados e destinados a categorias profissionais específicas(4). Com a realização do curso de facilitadores, essas definições deveriam ter sido ressignificadas, mas estavam presentes nas discussões do grupo e foram amplamente discutidas e reconstruídas através da dialética tarefa/pré-tarefa.

São definições que se aproximam da perspectiva teórica da EPS e que o grupo construiu: é rede de conversação em rodas (coletivos) - colocar pessoas em conversas; é aprender com o simples e com o outro, o que exige desapego ao que se tem; é fazer reuniões da equipe; fazer EPS é assumir posições democráticas, dar voz àqueles que raramente podem falar e ser escutados; EPS é pactuação, uma pedagogia de fazer pactos; EPS é processo de promover crescimento; EPS é forma de cuidar da equipe. São alguns exemplos: [...] a problematização, e aquilo que é significativo [...] acho que eu posso conseguir a partir dessa negociação, que é a própria pedagogia de EP [...] (Grupo 3).

A dinâmica grupal permitiu a expressão e a revisão dessas concepções de EPS e do facilitador em ação. No movimento de pré-tarefa, que revela a dificuldade ou tensão do grupo, as discussões que emergiram no movimento grupal se binarizavam: ou uma coisa ou outra. Nos momentos de tarefa houve troca e aprendizagem, com a inclusão de uma ideia e outra e outra(12,14).

Como efeitos do curso, a análise grupal identificou a divulgação da EPS, a apropriação de conceitos, a multiplicidade deles e, também, o disparar de rodas em serviços de saúde, aspecto que será explorado no plano das organizações.

Em grupo, os participantes puderam revisitar as práticas de EPS e visualizar a diferença entre elas e, ainda, se depararam com as várias condições para executar as tarefas do curso de facilitadores e as rodas de EPS. Os participantes expressaram tensões na produção dos atos de EPS quando nomiram que alguns ficaram designados exclusivamente para o trabalho de EPS como, por exemplo, o tutor do curso, enquanto para outros, a EPS representou um sobretrabalho, algo que deveriam realizar além das atribuições habituais.

O tutor do curso de facilitadores de EPS desempenhava o papel de acompanhar o processo pedagógico, tanto nos momentos presenciais como nas atividades de educação à distância, junto às instâncias oficiais. Pode-se dizer que exercia a facilitação do processo de aprendizagem.

Nessa região, de Araraquara, o tutor pôde se dedicar integralmente a essa atribuição, o que foi uma exceção, situação incomum no país, e pode ter influenciado nos movimentos identificados.

Apesar das diferenças operacionais, alguns reconheciam a EPS como outra forma de trabalhar. [...] é de se esforçar, de ter que ler, de ter que estudar, acho que tem muita gente que não se permite, não vou dar conta, vai me dar trabalho, tenho uma série de atividades pra fazer no município, porque a gente trabalha com o município, assistência e faz a EP (Grupo 4).

O grupo não discutiu diretamente a avaliação dos resultados dos seus atos de EPS, mas essa perspectiva pairou como implícito grupal e na materialização da convocação de alguns, e não de outros para ocupação de cargos no DRS, relacionados à EPS. Desse grupo, uma ex-facilitadora foi nomeada coordenadora do Centro de Qualificação e Desenvolvimento (CDQ) que integra a Política de Humanização e a EPS, e para responder por esse último segmento do CDQ outra facilitadora foi escolhida e aguardava a nomeação oficial, durante o período de coleta de dados.

Esse relevo do plano da micropolítica do ato de produção da EPS expressa sua imanência junto ao plano da organização e da política. O modo como esse aspecto se manifestou no movimento do grupo aparece pela ausência de explicitação: as experiências de ambas as facilitadoras não foram colocadas em análise naquele aqui/agora do conjunto dos encontros grupais, embora tivesse sido inicialmente pactuado.

Ao se lembrarem dos movimentos vivenciados nas rodas que coordenaram, das resistências dos trabalhadores, puderam falar das suas próprias, vivendo-as naquele momento e construindo novos significados. [...] de resistência acho [...] porque quando o processo se inicia, as pessoas não acreditam muito, depois de um certo tempo, vê que a coisa começa a construir, gerar alguma coisa, [...] acho que isso colocava um pouco a questão de conflito tipo hierarquia de poder, de organização, a tendência é ficar uma organização muito verticalizada, quando você propõe essas rodas, você tenta horizontalizar isso (Grupo 3).

Assinalaram que a resistência tem muitas caras: a participação para fazer oposição, o apoio do gestor sem que tenha ideia do que seja a EPS e conflitos explicitados. Com decisões autoritárias, os gestores desautorizavam o coletivo e, pior, minavam a possibilidade de mudança. Novamente, os planos da micropolítica da produção dos atos de EPS, da organização e da política mostram interfaces que não se separam.

A lida com grupos e coletivos possibilitou aprendizagens sobre o manejo com as rodas, outro dos efeitos do curso: as rodas de EPS requerem aprendizado da ação em ato. [...] você vai para o grupo com um conhecimento, mas tem uma vivência diferente lá, trabalha com a necessidade do grupo (Grupo 4).

Os participantes refletem que, no início, as rodas eram marcadas por lamentações e dificuldades, e as pessoas falavam muito das coisas que não davam certo, movimento esse que poderia estar associado à resistência à mudança. O medo de ser atacado por não saber, por não ter as respostas prontas, de perder o lugar que conquistou – o de facilitador de EPS - medo de perder a admiração dos colegas de trabalho moveu o grupo para posições defensivas(15).

Essas defesas, comumente, levam os integrantes a depositar fora de si a angústia decorrente dos processos grupais, ficando os gestores, os chefes, os governos como responsáveis pelo que não dá certo, como será visto no plano das organizações. Emergiu como aprendizagem a necessária espera ativa para que as pessoas, em posições de menor reconhecimento e prestígio, expressem suas ideias e anseios. Integrantes sem nível universitário não se colocam: é preciso tempo, podem trazer grandes contribuições: quem coordena tem que ter um jeito para que essas pessoas se expressem (Grupo 3). A hierarquia habitual das equipes, em que falam primeiro os de nível universitário, pautada pela divisão técnica e social do trabalho(16-17), deixa de fazer sentido, criando outros arranjos onde todos podem se expressar.

A ansiedade circulante, depositada no coordenador, é outro aspecto do processo grupal(14), presente também nas rodas de EPS. Lidar com essa depositação, sem a onipotência de responder às demandas do grupo, mas pensando conjuntamente e facilitando diálogos, requer o aprendizado a partir da vivência. Contam que viveram essa dificuldade, o que acionou um "querer dar conta". Você consegue provocar algumas coisas, falas, explicações, levantar problemas, mas na hora amarrar tudo, de entrelaçar, e objetivar alguma coisa concreta, acho que é difícil [...] (Grupo3).

O coordenador, tomando para si a responsabilidade do processo, dos acertos e desacertos estará reproduzindo o modo instituído de funcionamento das instituições: somente alguns sabem para onde se deve ir, o que não permite o inédito, a construção coletiva, a criação(12). Assim, a responsabilidade pelo processo fica deveras pesada. Mas foi um fardo pesado, e a responsabilidade era grande, muito grande (Grupo 1).

Para esse coletivo, naquele momento, a corresponsabilidade - que é um dos objetivos da EPS - ainda precisava ser repensada: [...] não sei se foi falha minha também de ter pactuado, de ter trazido alguma coisa [...] dentro de todo esse processo, a gente tentou fazer, mas ... teve momento que senti falta de uma clareza, de um objetivo [...] eu tinha responsabilidade, entre aspas de facilitar e conduzir aquele pessoal, e você acaba sendo como referência, cê tem que tirar esse pessoal do lugar e levar pra outro, e, às vezes, eu me perdia nesse processo (Grupo 2). Com seriedade em seus rostos, a exposição do não saber, expressada por um dos integrantes, foi acolhida sinceramente pelos outros, porque lhes fazia ressonância e afetava todos.

A exploração desse plano de análise mostra que outros instrumentos poderiam auxiliar os facilitadores de EPS na lida com as rodas, mas o curso não os ofertou sendo preciso criá-los e buscá-los. Lidar com a dinâmica estruturação/desestruturação seria um instrumento, compreender que clareza e segurança podem coexistir com dúvidas e incertezas: um interjogo permanente. A pausa e movimento como possíveis e necessários.

Os participantes nominaram os seguintes indicadores para a EPS que estava dando certo: a produção da escuta, a devolução do "brilho", a participação dos médicos nas rodas e a "devolução" da fala aos agentes do trabalho, que, habitualmente, pouco se expressam nas discussões. Revisitaram os frutos da roda como mudanças positivas e irreversíveis, que ninguém tira. Há também aqui outra contradição em relação à EPS, a que se refere à vontade de permanência, de estabilidade do "bem". Um querer deixar marcas positivas de seu trabalho como facilitador e produzir mudanças irreversíveis que sequestram e negam o movimento processual do trabalho em saúde, da EPS. O imaginário de um modo/lugar "certo" os conduzia aos caminhos da ilusão de controle. Desenha-se, no relevo do plano, a dificuldade de suportar o incerto. Na finalização de um encontro, contaram sobre um desenho animado: [...] meu filho assiste o desenho do Bob Esponja [...] ele vai numa festa, ele chega com um papel já determinado e coloca, das nove às dez eu converso com o Patric, das dez às onze eu fico ... então a pessoa chega, e ele já fala oh, eu tenho que conversar das nove às dez com o fulano ... aí chega uma hora que ele fica do lado de fora da festa e fala ah!! E rola essa coisa espontânea, e ele fica desesperado, eu tô perdendo o controle, e agora? Aí termina a festa, as pessoas saem, e falam ah, essa foi a melhor festa, que eu já fui na minha vida ... risos [...] acho que a gente tem isso, a gente tem que ter o controle, e às vezes não deixa rolar (Grupo 4).

A espontaneidade como bom caminho, a ciência de que não há o controle completo das situações foram significações daquele coletivo em seu aqui/agora e que são condizentes com os pressupostos da EPS. Outra aprendizagem já citada é a da possibilidade da mudança e de libertações nesses processos de discussão, embora em outros momentos houvessem refêrencias a pessoas e situações como se essas não mudassem: não falei: não muda (Grupo 1).

Em movimento de revisão, associaram a mudança à escuta, vínculos e conversas: ... o primeiro movimento de EP a gente conseguiu construir, o vínculo entre as pessoas. [...] conversar, aprender a conversar com o outro, aprender olhar, aprender a escutar [...]. E isso teve alguns efeitos, tiveram profissionais que mudaram a sua prática, a gente conseguiu avaliar que houve mudança de práticas, que houve mudança de escuta, de acolhimento, [...] e a gente chamou pra roda, viu, usuários que têm uma certa inserção na comunidade, [...] uma, inclusive, fazia parte do Conselho Municipal de Saúde [...] ela começou a participar, outra senhora também (Grupo 3).

Conhecer melhor, conversar, olhar são atitudes que produzem efeitos nos modos de lida dos trabalhadores de saúde. As rodas de EPS podem ser um lugar/modo de cuidar desses cuidadores. Na escuta atenta e olhares para seus ditos e não ditos, os participantes também se sentiram cuidados pelas cartógrafas.

No penúltimo encontro da pesquisa, esse coletivo constatou que o curso de facilitadores de EPS deveria ter tido tempo maior para apropriação conceitual e espaços para discutir o que não entendiam. Eu acho isso fundamental porque era preciso que isso continuasse formalmente organizado enquanto grupo, [...] um colegiado que se reunisse frequentemente pra tá discutindo essas questões, durante um tempo [...] (Grupo 3).

Em um movimento de tarefa e troca intensa, o grupo construiu reflexões importantes: em processos de EPS não há como contar com uma receita pronta, e isso pode angustiar, mas ... é preciso aguentar o não saber, o processo ... Aguentar isso – esse tempo de espera ... (Grupo 4), que gesta o inédito, o novo indizível, o tempo que guarda a potência do vir a ser. Nesse devir, há possibilidades de produção de subjetividades singulares, de outros modos de expressão(2). Referem que, após o processo vivenciado, não são mais os mesmos. Eu acho que o processo da EP é um processo que ele promove desconforto [...] vai discutir um pouco mais de dificuldades, então eu acho que é isso que faz crescer, é o desconforto que faz com que a gente se transforme, a gente entendeu isso, então eu acho que isso também é uma grande beleza do processo, a gente tá acostumado a ter uma linha, a ter uma conduta, ter uma maneira de produção de fazer as coisas, aonde a gente não tá acostumado a lidar com frustrações, com desacordos, os incômodos (Grupo 2).

No plano da micropolítica, o espaço dos grupos operativos possibilitou explorar a produção da EPS enquanto ato, enquanto trabalho vivo(18). Esse processo possibilitou emergir diferenças de conceitos, ações, condições para o exercício de facilitador, entre outras. A manifestação dessas diferenças oscilou em movimentos ora pela exclusão e separação dos sujeitos e dos afetos, ora pela inclusão e pelo amparo.

Vivenciou-se um reolhar para si desde o outro e um reolhar para outrem, possibilitando a produção de um "entre" que constrói aprendizagem significativa(7,11,15).

Plano da organização: autonomia e controle no embate com a gestão

Nesse plano, operam diferentes atores a partir de suas capacidades de governo e de sua inserção no processo de gestão(18). A cartografia permitiu identificar como essa disputa no dia a dia, entre normas e regras instituídas, autonomia e o controle se tensionavam. Na realização das atividades de EPS, os facilitadores elencaram uma série de dificuldades, desde as operacionais como a realização de atividades com os trabalhadores, durante a jornada de trabalho, bem como a desautorização das rodas e decisões coletivas. A gente esbarra no operacional no funcionamento da própria unidade de saúde. [...] Complica a questão de mandar o ofício pra fechar das três às cinco, assim não dá prá chegar do meio-dia às duas trabalhando EP, no horário que eles estão atendendo. [...] é isso que eu não entendo, ele monta uma equipe, e ele coloca você e treina e coloca mais duas pessoas e não dá um apoio político? Pra que ...! (Grupo 1).

A captura dos movimentos instituintes(12), desencadeados pela EPS, caracterizaram-se pela exclusão do facilitador dos coletivos, afastando-os da gestão das rodas e produzindo o descumprimento dos acordos estabelecidos. A expressão de um dos encontros foi entregar o peixe (Grupo 2) vendido. No papel de vendedores de "um peixe", os facilitadores pactuavam a democratização do trabalho, mas não podiam "entregá-lo", pois isso estava a cargo da gestão.

Para exemplificar; em uma cidade pactuou-se com os trabalhadores de que não haveria demissões sem justa causa e que a contratação não se faria mais por indicação do prefeito, e sim por critérios técnicos e seleção; mas ocorreu uma contratação por indicação político-partidária. O efeito produzido sobre os participantes envolvidos nas rodas de EPS foi de mal-estar, de esperanças sufocadas, desmotivação, resultando em movimento de esvaziamento, confirmando o imaginário de que não adianta, não tem jeito (Grupo 2). Assim, os facilitadores que estavam "dando a cara" sentiam-se desautorizados e com governabilidade restrita nesse processo de mudanças.

Os principais atores, com poder instituído, para captura da EPS, reconhecidos como aqueles que impediam que o processo fosse adiante foram: gestores, administradores, enfermeiros, gerentes. [...] já que a gente tá falando de frustração, a minha grande frustração [...] é com as minhas colegas enfermeiras, pra mim elas são uma decepção [...] é o grupo mais resistente, é o grupo mais difícil, é o grupo mais preguiçoso e eu particularmente tenho muita dificuldade de trabalhar com este profissional, e eu olho assim, são meninas novas, que têm quatro, cinco anos de formada, extremamente assim engessada ... e com posturas assim extremamente ruim, negativas, anti-humanização, antiacolhimento ... decepcionante, pronto desabafei. Risos (Grupo 1).

Em alguns serviços de saúde as rodas de EPS permaneceram como efeito no coletivo: ... o movimento lá acabou continuando sem a gente [...] um dos enfermeiros se entusiasmou, foi se aprofundando e continuou a fazer as rodas, e pela notícia que eu sei, continua a fazer as rodas lá (Grupo 2).

Outro efeito foi a institucionalização dos cursos para trabalhadores, já demarcados com diferentes concepções de EPS no plano da micropolítica, muitas vezes apenas mudando a denominação de cursos, treinamentos para educação permanente, sem alterar efetivamente processos de trabalho através de pactos e revisões.

Foi também emergente na discussão um imaginário de "assalto" à gestão, a poderes/saberes, ameaçando atores em cargos de direção nos municípios: ... no primeiro dia pós-oficina, foi tranquilo, mas no outro ... percebeu um telefonema em que falavam dela (facilitadora) e tomou a iniciativa de pedir para que a comunicação fosse feita diretamente a ela. A assessoria do prefeito e mais uma colega interrogavam-na: o que eu tinha feito? O que eu pensava que estava fazendo? E esclarecem de maneira contundente que quem faz política aqui é o prefeito. Mas ela não se abateu propondo que eles revissem seus conceitos sobre política ... que eu só estava melhorando a gestão, autorizada por vocês, ou por quem estava aí (Crônica do Grupo 5).

Outros aspectos relacionados à tensão entre autonomia e tutela(18), publicizados pelo desenvolvimento de ações de EPS, foram as condições de trabalho e o modo como os trabalhadores enfrentaram os problemas com que se depararam, envolvendo mesmo questões da vida pessoal. [...] comecei reconhecendo qual era a realidade que eu ia trabalhar [...] um alcoólatra consumado, uma pessoa que tinha uma situação emocional, sentimental mal resolvida, [...] ah! e nesse período que eu trabalhei lá coincidência ou não, a assistente social descobriu que o marido tinha um filho com uma outra pessoa, então o emocional dessa unidade [...] era a realidade que eu tinha pra trabalhar (Grupo 3).

Nas discussões dessa experiência, o grupo pôde problematizar a sutil linha entre tutela e cuidado, e sobre as dificuldades do papel de facilitador capaz de cuidar sem produzir dependência e sem perder de foco o cuidado aos usuários dos serviços de saúde.

Ainda, no plano da organização, é necessário contextualizar a histórica disputa de poderes das Secretarias de Estado, por meio de seus técnicos e de seus DRS com os níveis locais, para se retomar, aqui, a tensão apresentada no plano da micropolítica, quando se discutiu a nomeação de alguns facilitadores para cargos no DRS. Com o processo de municipalização houve, inicialmente, esvaziamento da função desses espaços regionais enquanto ascensão técnica sobre os gestores municipais. O formato que a política de EPS assumiu, com a Portaria 1996/2006(5), acena com outros papéis e poderes essas instâncias regionais estaduais.

Nas discussões grupais, havia trabalhadores das sedes municipais e estadual e de unidades municipais de saúde, e essa tensão atravessava implicitamente a análise coletiva das vivências e o próprio processo grupal, mas o grupo não pôde reconhecer a disputa em jogo como interveniente na grupalidade.

Considerações Finais - EPS em permanente construção

Apresentam-se, aqui, dois planos de análise que são imanentes e interdependentes. Neles foram identificadas contradições entre a proposta de EPS e a vivência dos facilitadores, dentre as quais se destacam: a dificuldade de democratização dos espaços de trabalho; a construção da corresponsabilidade, a dificuldade de avançar nas práticas educativas conhecidas de produção de cursos pré-determinados, para categorias específicas; o desejo de permanência, de controle dos processos, de ocupação de cargos, dentre outros.

No plano da micropolítica, destacam-se a materialização dos conceitos sobre Educação Permanente em Saúde, as diferenças de experiências e expectativas. Como efeito do curso, podem ser destacadas a divulgação e as diferentes formas de institucionalização da EPS: os tradicionais cursos para trabalhadores na saúde com nova denominação e, ainda, a conquista de espaços de reunião das equipes. A EPS mostrou-se como dispositivo capaz de gerar incômodos ao desvendar como uma das principais formas de captura e contradição a reprodução de cursos e reuniões de equipe na lógica dos que sabem e dos que não sabem e a expectativa do reconhecimento, a partir do curso como expert.

No plano da organização, destacam-se a tensão entre autonomia e controle, autonomia e tutela. Um efeito de esvaziamento dos movimentos desencadeados pela EPS foi a desautorização dos coletivos pelos próprios gestores, a exclusão e pouca instrumentalização dos facilitadores em produzir estratégias de negociação nas disputas de projetos. Revelou-se que os gestores não tinham a dimensão clara da potência da EPS e suas implicações.

O rico processo de se colocar em análise que foi desencadeado pelo curso e pela prática dos facilitadores de EPS, e revisitado nos grupos da pesquisa, foi também produtor de bons encontros, podendo ter criado novos sentidos e significados para as práticas de formação e de saúde. No entanto, essa perspectiva pode ser facilmente capturada pelos modos instituídos de educar, cuidar, gerenciar e pesquisar.

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  • Corresponding Author:
    Cinira Magali Fortuna
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      23 Out 2009
    • Aceito
      23 Nov 2010
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