Significado da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto

Resumo

Objetivo:

conhecer o significado da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto, à luz do pensamento da complexidade.

Método:

pesquisa qualitativa, fundamentada no pensamento da complexidade. Participaram 27 puérperas com filhos entre um mês e seis meses de idade. Os dados foram coletados, entre agosto e novembro de 2021, a partir de entrevistas individuais, com questões norteadoras. Utilizou-se para a análise dos dados a Análise Temática.

Resultados:

obtiveram-se três temáticas: A indissociabilidade entre cuidado espiritual e cuidado emocional; Conexão entre dimensão espiritual e útero - templo sagrado; Técnicas alternativas e complementares de cuidado espiritual em saúde.

Conclusão:

a dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto pode ser considerada recurso essencial no despertar da autonomia, da segurança e do conforto, além de possibilitar desfechos favoráveis no parto pelo fortalecimento do vínculo materno-fetal.

Descritores:
Enfermagem; Espiritualidade; Gestação; Parto; Puerpério; Pesquisa Qualitativa

Abstract

Objective:

to know the importance of the spiritual aspects of health care during pregnancy and childbirth, in the light of complexity thinking.

Method:

qualitative research, based on complexity thinking. Twenty-seven postpartum women with children between one month and six months old participated in the study. The data were collected between August and November 2021, based on individual interviews with guiding questions. Thematic analysis was used for data analysis.

Results:

three themes were obtained: The inseparability of spiritual care and emotional care; Connection between spirituality and the uterus - sacred temple; Alternative techniques for spiritual health care.

Conclusion:

the spiritual aspect of health care during pregnancy and childbirth can be considered an essential resource in the support of autonomy, security, and comfort. In addition, it can enable favorable outcomes in childbirth by strengthening the maternal-fetal attachment.

Descriptors:
Nursing; Spirituality; Pregnancy; Parturition; Postpartum Period; Qualitative Research

Resumen

Objetivo:

conocer el significado de la dimensión espiritual de la atención en la salud durante el embarazo y el parto, a la luz del pensamiento de la complejidad.

Método:

investigación cualitativa, basada en el pensamiento de la complejidad. Participaron 27 puérperas con hijos entre un mes y seis meses. Los datos fueron recolectados entre agosto y noviembre de 2021, a partir de entrevistas individuales, con preguntas orientadoras. Para el análisis de los datos se utilizó el Análisis Temático.

Resultados:

se obtuvieron tres temas: La inseparabilidad entre el cuidado espiritual y el cuidado emocional; Conexión entre dimensión espiritual y útero - templo sagrado; Técnicas alternativas y complementarias del cuidado de la salud espiritual.

Conclusión:

la dimensión espiritual de la atención en la salud durante el embarazo y el parto puede ser considerada un recurso esencial en el despertar de la autonomía, la seguridad y el confort, además de posibilitar resultados favorables en el parto al fortalecer el vínculo materno-fetal.

Descriptores:
Enfermería; Espiritualidad; Embarazo; Parto; Periodo Posparto; Investigación Cualitativa

Destaques

(1) Concebe-se o cuidado em saúde como unidade complexa.

(2) A gestação e o parto configuram-se em percurso singular e complexo.

(3) O cuidado espiritual à gestante contribui para desfechos favoráveis no parto.

(4) A espiritualidade dá sentido à existência humana em qualquer período da vida.

(5) Enfermeiro tem potencial para ampliar o campo de visão e abranger o cuidado multidimensional.

Introdução

A gestação e o parto configuram-se em percurso singular e complexo¹. Cada gestante/parturiente possui uma organização distinta e com aspectos de ordem física, mental, social e espiritual. Nesse itinerário gestacional, as dimensões física, mental e social são facilmente reconhecidas e consideradas no cuidado em saúde. Já a dimensão espiritual é superficialmente percebida, estimulada e assumida pelos profissionais de saúde^2-4. Logo, advêm os questionamentos: o que mesmo se entende por cuidado em saúde? É possível fragmentar o cuidado ao ser humano - sistema complexo em sua unicidade bio-psico-sócio-espiritual?

O estudo demostra que a gestação e o parto envolvem um misto de sentimentos, como dor, medo, angústia, incertezas, alegrias e, ao mesmo tempo, escolhas e a tomada de decisões autônomas por parte da gestante. Essas escolhas relacionam-se ao preparo e ao tipo de parto, à acompanhante preferencial, aos cuidados básicos com o recém-nascido, entre outros⁵. Outro estudo evidencia, paralelamente, que o pré-natal necessita considerar, sobremaneira, o cuidado multidimensional/multiprofissional. Nessa perspectiva, a dimensão espiritual se constitui em recurso potencializador das decisões e coadjuvante na superação de eventos adversos e antagônicos⁶.

Ao conceber a Enfermagem como ciência, arte e tecnologia de promover o cuidado ao ser humano/gestante/parturiente em sua singularidade e multidimensionalidade, articulada com os demais profissionais comprometidos com o fenômeno saúde⁷, admite-se que somente uma compreensão ampliada e complexa de cuidado é capaz de dinamizar processos interativos e associativos. A espiritualidade é um fenômeno que dá sentido aos diversos movimentos do ser humano, ao mesmo tempo em que dá sentido à sua própria existência, a partir de vivências e experiências originais e indivisíveis. É importante, para tanto, que a espiritualidade seja acolhida e encorajada como dimensão indissociável do cuidado multidimensional^8-9.

Estudos demonstram que a ela se constitui, crescentemente, em estratégia prospectiva para o enfrentamento das mais diversas dores e adversidades existenciais. Na infertilidade, a espiritualidade aumenta entre os casais a capacidade de superação do vazio existencial. Em pacientes com diagnóstico de câncer, ameniza angústias e sofrimentos, além de fortalecer a esperança. Em pacientes sob cuidados paliativos, propicia e fortalece o vínculos entre os integrantes da equipe e pacientes/famílias, entre outros benefícios^10-12. Já em relação à gestação e ao parto, permanece o questionamento: qual o significado da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto?

Na busca pela compreensão singular e multidimensional do cuidado em saúde, bem como pelo desejo de contribuir com a institucionalização de um pensamento que distingue, integra e amplia, tem-se por objetivo: conhecer o significado da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto, à luz do pensamento da complexidade.

O termo complexo é apreendido, neste estudo, como sendo tudo aquilo que é tecido junto e que evoca, no mínimo, mais de uma circunstância ou possibilidade interativa. Compreende-se que tanto o conhecimento do todo depende das partes quanto o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo^13-14.

Método

Tipo de estudo

Pesquisa qualitativa fundamentada no pensamento da complexidade. Concebe-se a singularidade e a multidimensionalidade do cuidado em saúde como fio condutor. Visa-se a um percurso metodológico em que o pesquisador é induzido a aprender, a inventar e a (re)criar o seu próprio caminho, mediante processos interpretativos e significativos no aqui e agora¹⁵.

Cenário, participantes e critérios de seleção

O estudo foi desenvolvido com 27 puérperas de uma cidade da região central do Rio Grande do Sul-RS, Brasil. A referida cidade possui 34 unidades de saúde, das quais 20 são de estratégia saúde da família e 14 são de unidades básicas no modelo tradicional.

Incluíram-se no estudo puérperas com filhos entre um e seis meses de idade as quais haviam participado de grupos de gestantes em uma das 14 unidades básicas de saúde. Esse período foi adotado por entender-se que, no primeiro mês, as modificações decorrentes da chegada do bebê são intensas no contexto familiar. Excluíram-se as puérperas menores de 18 anos, com filhos maiores de seis meses e indisponíveis para a coleta de dados no dia e horário previamente agendado.

Técnica e período de coleta dos dados

Os dados foram coletados entre agosto e novembro de 2021. Com base nos critérios de inclusão e exclusão, participaram da pesquisa 27 puérperas, indicadas pelos profissionais das unidades básicas de saúde, a partir das consultas pré-natais nas referidas unidades. De posse dos nomes e endereços das interessadas, os pesquisadores enviaram convite formal a elas, com o cronograma de dias e horários para a coleta de dados. Estes foram obtidos por um profissional, autor deste estudo, previamente instrumentalizado para este fim, a partir de entrevistas individuais com questões norteadoras, as quais foram abordadas em profundidade.

As entrevistas foram realizadas em local, dia e horário indicados pelas participantes. Primou-se, sempre que possível, por um ambiente acolhedor e livre de ruídos. As questões que nortearam as entrevistas foram: O que mais lhe marcou no período gestacional e parto? O que você entende por cuidado em saúde na gestação e parto? Você considera importante tratar a dimensão do cuidado espiritual em saúde na gestação e parto? Se, sim, como pode ser feito isto? Salienta-se que o profissional entrevistador detinha experiência prévia na condução de grupos de gestantes, o que favoreceu a interlocução com as participantes.

As entrevistas, com duração média de 30 minutos, foram gravadas em gravador digital, para posterior análise. Considerou-se, em todo o processo, a singularidade de cada participante, a fim de que pudesse expressar as suas percepções com segurança e tranquilidade. Após organizadas, as entrevistas foram transcritas integralmente, por dois pesquisadores, em editor de texto. O conjunto de dados transcritos resultou em 79 páginas.

Tratamento e análise dos dados

Utilizou-se como técnica de análise a Análise Temática, sistematizada em seis etapas, quais sejam: ambientação com os dados - o pesquisador realizou forte imersão nos dados, a fim de se familiarizar em profundidade e amplitude com o conteúdo; compilação indutiva de códigos iniciais - nessa etapa, o pesquisador codificou, de forma manual e sistemática, o conjunto de dados com atenção plena e igual a cada item; geração de temas de significação - buscou-se clarificar, nessa etapa, os diferentes códigos a partir do referencial teórico proposto, a fim de os combinar em temas abrangentes; revisando os temas - nessa etapa, o pesquisador refinou os temas, a partir de um padrão que mostrasse algo em comum, bem como distinções claras entre cada tema separadamente; designação dos temas - (re)definiram-se os temas com o propósito de identificar a essência do que cada um deles tratou, bem como o conjunto deles; elaboração do relatório de pesquisa - consistiu na análise final e escrita do relatório^16-17. Esse processo de análise, no entanto, não foi pontual e linear, mas demandou atitude recursiva e movimentos de vaivém, conforme a necessidade.

A análise dos dados se iniciou com padrões de significados, o que já ocorreu durante a coleta de dados, isto é, no decorrer da condução das entrevistas. Valorizou-se, em todo o percurso, o registro constante de ideias, insights, rascunhos e esquemas, não com o objetivo de alcançar acurácia, mas com o propósito de possibilitar a imersão aprofundada nos dados.

Aspectos éticos em pesquisa

Para o cumprimento das questões éticas, foram atendidas as recomendações da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Para manter o anonimato, as falas das participantes foram identificadas ao longo do texto pela letra “P” (Participante), seguida de um algarismo arábico de acordo com a ordem das falas: P1, P2... P27. Às participantes da pesquisa foram esclarecidas as finalidades, a metodologia utilizada, o direito de livre acesso aos dados e a desistência de sua participação a qualquer momento. O seu consentimento e aceite à pesquisa se deu por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa sob o número: 4.253.922; CAAE: 53319116.5.0000.5306.

Resultados

A média de idade das 27 puérperas foi de 31 anos, a média de gestações foi de três e, de escolaridade, ensino médio completo. Das participantes, oito tiveram parto normal e 19 fizeram cesariana; apenas sete tiveram acompanhante no parto. As quatro profissões mais destacadas entre as participantes, em ordem decrescente, foram: técnica de enfermagem, estudante, dona de casa e professora.

Os dados organizados e analisados resultaram em três temáticas, quais sejam: A indissociabilidade entre cuidado espiritual e cuidado emocional; Conexão entre dimensão espiritual e útero - templo sagrado; Técnicas alternativas e complementares de cuidado espiritual em saúde.

A indissociabilidade entre cuidado espiritual e cuidado emocional

Denotou-se, na fala das participantes, uma linha tênue entre o significado atribuído ao cuidado espiritual e ao cuidado emocional, por vezes confuso e, em outros momentos, bastante próximos, ao evidenciarem que o cuidado espiritual em saúde possibilita conforto, alento e suporte emocional, capaz de gerar paz e serenidade no período gestacional e parto: A espiritualidade dá suporte emocional, traz a paz interior e alivia a ansiedade, o nervosismo e o estresse desse período de transição que é ser mãe de primeira viagem. (P3)

A gestação constitui-se em momento singular na vida da mulher e, nessa perspectiva, a espiritualidade é apreendida como fenômeno que dá sentido à própria existência: Acredito ser importante a espiritualidade no momento da gestação e [do] parto. O processo de parto é um momento único na vida de uma mulher, onde várias sentimentos e emoções estão presentes. (P7) A espiritualidade eleva o nosso pensamento para que possamos ter maior equilíbrio emocional e manter uma gestação mais saudável e um parto seguro e tranquilo. (P13).

Um sentido ainda maior foi creditado à espiritualidade pelas participantes que se referiram à gestação indesejada e/ou naquelas situações em que ocorreram intercorrências. Para essas mulheres, a espiritualidade constitui-se em aporte espiritual e mental: Durante a gestação, as mulheres passam por modificações físicas, emocionais e psicológicas bastante intensas e, se não tiverem um suporte espiritual e mental, fica muito difícil. Bastante delicado, principalmente se a mulher/casal passa por uma gravidez não planejada ou com diversas intercorrências ao longo da gestação. (P17). Às vezes, a gestação é apenas um processo pelo qual aquela mulher precisa passar, mas não necessariamente que ela vá ser mãe no final desse processo. Por isso, seria interessante oferecer, assim como algumas especialidades, suporte espiritual e psicológico. (P12)

Algumas participantes referiram angústias, incertezas e medos no processo de parto, denotando quanto se sentiram emocionalmente abaladas. Mencionaram, nessa direção, que o cuidado espiritual em saúde deve ser considerado importante recurso para o alívio de dores e, por isso, é fundamental que esteja ao alcance de todos os usuários, em especial, dos futuros pais: Todos deveriam ter acesso ao cuidado espiritual e o cultivo da espiritualidade, principalmente o casal que escolhe ter filhos, tendo acesso ao conhecimento antes mesmo da gestação, para saber trabalhar as questões emocionais e poder gerar uma criança. Eu procuro isso em terapias e livros, mas nem todos tem esse acesso. (P11)

Embora a maioria das participantes tenha ressaltado a importância da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto, ela é ainda pouco explorada no meio social. As participantes evidenciaram, em suas falas, que a conexão com a espiritualidade deve ser assumida como sagrada, visto que o corpo da mulher se configura como templo sagrado, isto é, capaz de promover conexões espirituais com o ser que está gerando: Antes desta gestação, eu tive depressão. Foi difícil demais entender o que estava acontecendo. Na segunda gestação, trabalhando a espiritualidade, a maternidade se tornou mais feliz por perceber a benção de receber um serzinho tão perfeito, que só traz felicidade. Se tratando de gestante, que já fica mais sensível, é aconselhável que se tenha um cuidado para trazer conforto e tranquilidade. Afinal, para a maioria das mulheres, é a época mais feliz da vida. (P9)

Na mesma proporção em que reconheceram a relevância da dimensão espiritual do cuidado, as participantes enfatizaram que a espiritualidade não pode ser imposta, por integrar o processo de viver humano, especialmente em momentos singulares como o da gestação e do parto. Nessa perspectiva, as participantes denotaram que a espiritualidade não se reduz a momentos lineares e pontuais, mas constitui-se em movimento circular e integrador das diferentes dimensões vitais: Penso que a dimensão espiritual, por sua própria natureza, não pode ser imposta, sobretudo, em um momento limite, em que algo muito importante acontece e no qual, muitas vezes, nos sentimos vulneráveis e expostas (frente à equipe médica, [aos] aparelhos e procedimentos). Penso que a dimensão espiritual, ao fazer parte da vida, estará presente na hora do parto, de modo particular, de acordo com o que cada uma acredita. Eu tive durante o parto, em momentos difíceis de dor, uma pessoa (da equipe de enfermagem) que me deu a mão, fazia massagem em minhas costas no sentido de me acalentar. Aquela presença tão carinhosa, amiga, e até cúmplice foi fundamental e deixou marcas preciosas. (P21)

Percebeu-se, na fala das participantes, que a dimensão espiritual do cuidado em saúde pode/deve ser qualificada e assumida por todos os profissionais da área, mesmo que tenha sido significada e/ou confundida com o cuidado emocional. É fundamental que os profissionais tenham vivências de cuidado espiritual em saúde, para que haja maior empatia e reconhecimento de crenças, rituais e simbologias singulares que envolvem a gestação e o parto.

Conexão entre dimensão espiritual e útero - templo sagrado

Percebeu-se, no relato de grande parte das participantes, que a busca da dimensão espiritual do cuidado em saúde está associada à capacidade de acreditar em algo superior, a partir de uma conexão cósmica que não se materializa no cotidiano, mas que é sentida em profundidade (o bebê no útero). As participantes reconheceram que o novo ser, em gestação, permite conexões profundas que transcendem qualquer outra realidade humana perceptível e decifrável. Sob esse enfoque, a dimensão espiritual do cuidado em saúde é reforçada como recurso agregador e potencializador de boas energias e vibrações materno-fetais: A espiritualidade é tudo na vida de uma gestante. O medo, a insegurança e as incertezas nos fazem buscar a espiritualidade para que tudo ocorra bem e como conexão com o novo ser. Com essa conexão profunda, nos sentimos mais seguras e encorajadas a suportar a dor e promover o bem-estar do bebê. Cada mulher tem sua maneira de se conectar e achar a melhor forma de buscar a espiritualidade. (P5). É uma conexão perfeita. O bebê sente tudo que a mãe sente. Durante a gestação e na hora do parto, sempre pedi proteção para meu filho e sempre me senti aliviada. (P14)

O nascimento é apreendido como fenômeno sagrado e mágico, isto é, indecifrável à luz de percepções lineares e unidimensionais. As participantes reconhecem que o sentido da vida, da gestação e do parto somente encontram significado na espiritualidade: Acho de extrema importância a conexão com a espiritualidade, principalmente neste momento tão sagrado que é gerar uma nova vida (P13). A mãe e o bebê se encontram numa conexão de transcendência. O nascimento deve ser visto como sagrado. (P20). Esse momento é mágico e único na vida de uma mulher. Desde o início da gestação, buscar estar em paz, confiante. (P27)

Na percepção das participantes, a gestação e o parto permitem profunda conexão sinergética entre a dimensão espiritual e o útero - templo sagrado que habita o novo ser. É importante, para tanto, que a gestante seja estimulada e encorajada a reconhecer-se nessa dimensão cósmica e transcendental. Quando estamos gestantes, nosso corpo se torna templo sagrado para outro ser. Se você estiver em comunhão com a espiritualidade, toda a sua energia positiva passará e conduzirá o bebê ao parto e nascimento feliz. Quem está com um nível espiritual alto tem tendência a ter uma gestação e parto melhor. (P18)

Embora a espiritualidade represente um significado especial na vida das gestantes, esse processo é, ainda, superficialmente abordado pelo enfermeiro e os demais profissionais da saúde. As consultas pré-natais reduzem-se, frequentemente, na fala das participantes, em abordagens informativas e prescritivas, nas quais raramente são ouvidas e acolhidas em suas crenças, seus valores e expectativas: O medo e a insegurança são os sentimentos que nos acompanham na gestação e, por isso, buscamos a espiritualidade. Mas, no pré-natal, raramente alguém pergunta e dialoga sobre isto. Cada mulher tem sua maneira de se conectar e achar a melhor forma de buscar a espiritualidade. (P1). Tive depressão, foi difícil demais entender o que estava acontecendo. Seria bom ter uma orientação no pré-natal para não focar em maus pensamentos e sentimentos, de raiva e tristeza. (P5)

Percebeu-se, na fala das participantes, o anseio para que a dimensão espiritual do cuidado em saúde seja considerada e abordada no período gestacional e parto, a fim de proporcionar alívio às dores indecifráveis e fortalecer a conexão entre a mãe e o bebê. A dimensão espiritual do cuidado em saúde não se reduz, na compreensão das participantes, em abordagens pontuais e simplificadas, mas em atitudes acolhedoras capazes de promover e potencializar as conexões sinergéticas e transcendentais.

Técnicas alternativas e complementares de cuidado espiritual em saúde

Ao serem questionadas sobre a importância da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto, a resposta foi afirmativa na totalidade das falas. As participantes destacaram os benefícios das técnicas alternativas e complementares de cuidado em saúde, com ênfase à espiritualidade, nas quais são potencializadas experiências agregadoras e prospectivas. Entre as técnicas alternativas, foram destacadas o reiki, o incenso, a música, a meditação e a redução da luz no momento do parto. Poderia ser trabalhado o reiki e outras técnicas alternativas. Assim, muitas mães não teriam a depressão pós-parto. Eu tive e, se tivessem esse trabalho espiritual e outras alternativas terapêuticas, não teria. Todo esse processo de ser mãe mexe com nossos sentimentos, com a nossa alma. (P14). Cada pessoa tem suas crenças e seu nível de conexão com o universo. Na hora do parto, seria bom diminuir a luz, colocar um incenso. (P18). As experiências de dor, medo e solidão podem ser aliviadas mediante alternativas de escuta e conforto, as quais consequentemente potencializam o cuidado espiritual e minimizam os transtornos pós-parto. (P21)

Várias participantes mencionaram a importância das rodas de conversa e dos grupos terapêuticos realizados nas unidades básicas de saúde e que, por vezes, abrangem o cuidado espiritual em saúde. Reforçaram, sob esse enfoque, a relevância da atenção pré-natal, oportunidade em que as gestantes promovem uma vinculação mais próxima e efetiva com os profissionais de saúde: Rodas de conversa com profissionais capacitados e terapias são valiosas. (P19) Poderia partir dos médicos, o que é difícil, mas também de enfermeiras, nas consultas de pré-natal. Outra possibilidade poderia ser a de criar grupos de discussão nas unidades de saúde e até mesmo nos hospitais, com foco em temas como a espiritualidade e outros. (P2). Existe uma conexão maior entre o bebê e a espiritualidade quando ele ainda está na barriga. Então, este período poderia ser melhor aproveitado com orações, meditações, rodas de conversas. Estes são meios que fortalecem e mantêm o equilíbrio corpo, mente, espírito. (P6)

As participantes destacaram, paralelamente, técnicas alternativas e complementares em saúde, tais como o reiki, a música e a dança, dissociadas de crenças e uma religião específica, mas que ainda não são oferecidas às gestantes nos serviços de saúde: Considero importantes as técnicas como a música, a dança e o reiki. Não há nada nesse sentido disponibilizado para as gestantes, não que eu saiba. O que se aproxima é muito atrelado a uma religião específica. Não é porque você tá grávida ou numa situação de vulnerabilidade que você quer ter/adotar uma religião. Então, penso que seja algo a ser trabalhado no pré-natal. (P23)

As técnicas alternativas e complementares em saúde desejadas pelas participantes não podem, no entanto, serem impostas indiscriminadamente pelos profissionais. É importante, nessa relação, que cada gestante seja ouvida e acolhida em sua singularidade e em suas necessidades: Muito importante as terapias alternativas, mas elas devem ser adotadas de acordo com as cresças e expectativas de cada mulher e independente da religião praticada. É preciso ver a individualidade e o desejo de cada mulher. (P26)

Percebe-se, na fala das participantes em geral, que existe um desejo expresso e/ou não de que as terapias alternativas e complementares, na condição de recursos capazes de integrar mente/corpo/espírito, sejam amplamente adotadas nos serviços de saúde. É imprescindível, para tanto, superar abordagens intervencionistas e unidimensionais, a fim de alcançar o cuidado em saúde centrado no usuário - sujeito da ação.

Discussão

Importante progresso foi realizado, nas últimas duas décadas, em relação à qualificação da saúde materno-infantil. A redução das taxas de mortalidade materna e neonatal, no entanto, permanecem lentas. Estudos^18-21 evidenciam a gestação como um período que demanda atenção, pelo fato de influenciar tanto positiva quanto negativamente no ciclo gravídico-puerperal. Emerge, sob esse impulso, a necessidade de descortinar novas possibilidades e investimentos que contemplem tanto a singularidade quanto a multidimensionalidade do cuidado em saúde na gestação e no parto.

Nesse contexto, a dimensão espiritual do cuidado em saúde ocupa, crescentemente, centralidade na atenção às gestantes pela possibilidade de impactar, de forma benéfica, no desfecho do parto. A saúde espiritual e os comportamentos relacionados ao vínculo materno-fetal são considerados estratégias propulsoras no processo de adaptação e desenvolvimento saudável da gestação. Estudo²² sugere, nesse sentido, incrementar a dimensão espiritual do cuidado em saúde, com vistas ao fortalecimento do vínculo materno-fetal.

O componente espiritual não pode, todavia, ser confundido com a religiosidade. Espiritualidade e religião possuem significados distintos e complementares, embora representados indiscriminadamente como sinônimos. Enquanto a religião possui um caráter formal e organizado, a dimensão espiritual se caracteriza como fenômeno inerente à experiência humana com uma variedade de significados, os quais podem ser de cunho religioso ou não²³. A espiritualidade está relacionada à capacidade de superar os próprios limites e de agregar novos sentidos à existência humana e às experiências do vivido, nos diferentes períodos²⁴.

Mesmo que não soubessem definir clara e objetivamente a noção de espiritualidade ou cuidado espiritual em saúde, as participantes deste estudo evidenciaram conexões e significados que não se reduzem à dimensão biológica, mental e social. Essa percepção ficou fortemente evidente ao denotarem a conexão entre espiritualidade e sentido atribuído à existência humana, a qual não se restringe ao material e aleatório. Esse pensar é corroborado por estudiosos ao evidenciarem que vivências místicas mobilizam sentimentos e emoções afirmativas, capazes de liberar energias intrínsecas e de potencializar conexões com o sagrado e o transcendental^25-26.

Outro aspecto relevante que emergiu neste estudo refere-se à relação entre a conexão espiritual e o útero materno/templo sagrado que habita o novo ser. Apesar da inexistência de evidências sobre essa associação, os resultados indicam a importância de os profissionais de enfermagem/saúde ampliarem o seu campo de visão, no sentido de apreender o cuidado em saúde em suas múltiplas dimensões, isto é, para além da dimensão física. Nesse percurso, o enfermeiro assume um papel decisivo e proativo no que se tange à identificação das necessidades singulares de cuidado, bem como à promoção e proteção da saúde das gestantes, em suas diferentes dimensões e expressões existenciais⁷.

O período gravídico-puerperal requer, com base em evidências científicas, abordagens profissionais que transcendam o modelo biomédico intervencionista^24-25. Para além de gestar um novo ser, a gestante vivencia medo, incerteza e angústia combinados com um misto de expectativas, sonhos e realizações. É fundamental, sob esse enfoque, que, em todo o período, a gestante seja acolhida, amparada e potencializada em suas iniciativas e perspectivas de vida. Os profissionais de enfermagem/saúde, sobretudo os que atuam na atenção pré-natal, precisam estar sensibilizados em relação aos diferentes movimentos e sentimentos que cercam esse ciclo da gestante, a fim de a estimular como protagonista de sua própria história²⁷.

Estudo reconhece a dimensão espiritual como inerente ao ser humano, por caracterizar-se pelas vivencias singulares que possibilitam conexões consigo, com os outros e com o transcendente²⁴. Nessa direção, a dimensão espiritual do cuidado em saúde é capaz de ampliar, na gestação e no parto, possibilidades circulares e interativas, além de fortalecer convicções e minimizar os adventos adversos.

A gestação e o parto são, portanto, fenômenos que possibilitam à gestante e parturiente vivências singulares de espiritualidade de forma mais ou menos intensa, dependendo de suas características, trajetórias e experiências pessoais. Estas possuem marcas de sua realidade socioeconômica, cultural e religiosa, capazes de influenciar no desfecho favorável e/ou não do parto.

O cuidado em saúde, seja em qualquer período ou realidade, só pode ser apreendido à luz do pensamento da complexidade, cuja compreensão requer acolhida e respeito às múltiplas dimensões que o compõem. A construção do cuidado multidimensional/multiprofissional envolve considerar saberes e práticas que transcendem a linearidade do fazer e que comportem valores, crenças e convicções singulares¹².

Conceber o cuidado singular e multidimensional à gestante remonta, na perspectiva da complexidade, a uma tradição histórico-hegemônica na área obstétrica, determinada pelas relações - prescritivas e verticalizadas -, nas quais predominavam a relação profissional sujeito-objeto. Nesse modelo tradicional, a gestante não possuía autonomia para tomar as suas próprias decisões. O cuidado espiritual em saúde é, no entanto, sempre singular e multidimensional, isto é, complexo como sendo tudo aquilo que é tecido junto e que evoca, no mínimo, mais de uma circunstância ou possibilidade interativa e associativa^10-11.

As contribuições deste estudo para o avanço da ciência de Enfermagem estão associadas à percepção de que o profissional enfermeiro tem potencial para ampliar o seu campo de visão e abranger o cuidado espiritual em saúde em diálogo com os demais integrantes da equipe multiprofissional de saúde. Reconhece-se, ainda, que o presente estudo poderá servir de estímulo para outros pesquisadores que intentam investir no caráter multidimensional e multiprofissional do cuidado em saúde.

Considera-se, como limitação deste estudo, a insegurança de algumas participantes do estudo por ocasião das entrevistas individuais. Embora tenham sido respeitados os protocolos de contingenciamento, em função do período pandêmico, o sentimento de insegurança ficou perceptível em algumas falas, mas sem prejuízos no percurso.

Conclusão

A dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto pode ser considerada recurso essencial no despertar da autonomia, da segurança e do conforto, além de possibilitar desfechos favoráveis no parto pelo fortalecimento do vínculo materno-fetal. A espiritualidade é, portanto, um fenômeno que dá sentido a cada período vital, ao mesmo tempo em que dá sentido à própria existência humana.

É premente superar a lógica da fragmentação, da linearidade prescritiva e da unidimensionalidade do cuidado em saúde. A apreensão do cuidado como unidade complexa - singular e multidimensional - é imprescindível no processo de indução da autonomia, da criatividade, da interatividade, das relações próximas, dialógicas e humanizadas.

A presente pesquisa ressalta a importância e recomenda novos estudos acerca da dimensão espiritual do cuidado em saúde na gestação e no parto, a fim de que a espiritualidade se torne um saber e abranja a prática profissional diária, sobretudo, no contexto da atenção primária à saúde.

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• Financiamento

  Apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), processo nº 23038.003541/2020-10, Brasil.

Editado por

Editora Associada

Lucila Castanheira Nascimento

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Jan 2023
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Jan 2022
• Aceito
  26 Jul 2022