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Tendência temporal e distribuição espacial dos casos de violência letal contra mulheres no Brasil

Resumo

Objetivo:

analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de violência letal contra mulheres no Brasil, segundo faixa etária e raça/cor.

Método:

estudo ecológico, de séries temporais, com distribuição espacial dos óbitos de mulheres vítimas de agressão, cadastrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade, residentes no Brasil, regiões geográficas e estados brasileiros. Devido ao sub-registro de óbitos em alguns estados, empregaram-se fatores de correção das taxas de mortalidade. Para a análise de tendência, adotamos o modelo de regressão polinomial. Além disso, as taxas médias e as tendências de aumento/reduções anuais foram distribuídas considerando como unidade de análise as unidades federativas do Brasil.

Resultados:

a taxa média foi de 6,24 casos de violência letal por 100 mil mulheres, com variação importante entre as regiões e os estados brasileiros. As principais vítimas de morte violenta no Brasil são mulheres jovens, pretas/pardas e indígenas, com tendência de crescimento nessas populações. As Regiões Norte e Nordeste se destacaram com os aumentos anuais médios mais expressivos (0,33; r2 = 0,96 e 0,26; r2 = 0,92, respectivamente).

Conclusão:

evidenciou-se tendência de estabilidade da violência letal contra a mulher, com diferenças regionais significativas. Mulheres jovens, pretas/pardas e indígenas são mais vulneráveis à morte violenta no Brasil.

Descritores:
Homicídio; Violência de Gênero; Violência contra a Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Epidemiologia; Enfermagem

Abstract

Objective:

to analyze the time trend and the spatial distribution of the cases of lethal violence against women in Brazil, according to age group and to race/skin color.

Method:

an ecological study of time series, with spatial distribution of the deaths of women victims of aggression, registered in the Mortality Information System, resident in Brazil, Brazilian geographic regions and states. Due to underreporting of deaths in some states, correction factors of the mortality rates were employed. For the trend analysis, we adopted the polynomial regression model. In addition to that, the mean rates and annual upward/downward trends were distributed considering the Brazilian federative units as analysis units.

Results:

the mean rate was 6.24 cases of lethal violence per 100,000 women, with a significant variation across the Brazilian regions and states. The main victims of violent death in Brazil are young, black-/brown-skinned and indigenous women, with a growing trend in these population segments. The North and Northeast regions stood out with the most significant mean annual increases (0.33; r2= 0.96 and 0.26; r2= 0.92, respectively).

Conclusion:

there was a stable trend regarding lethal violence against women, with significant regional differences. Young, black-/brown-skinned and indigenous women are more vulnerable to violent death in Brazil.

Descriptors:
Homicide; Gender-Based Violence; Violence Against Woman; Intimate Partner Violence; Epidemiology; Nursing

Resumen

Objetivo:

analizar la tendencia temporal y la distribución espacial de los casos de violencia letal contra la mujer en Brasil, según la franja etaria y la raza/color.

Método:

estudio ecológico, de las series temporales, con distribución espacial de las muertes de mujeres víctimas de agresión, registradas en el Sistema de Información de Mortalidad, residentes en Brasil, regiones geográficas y estados brasileños. Debido a que hay subregistro de las muertes en algunos estados, se utilizaron factores de corrección para las tasas de mortalidad. Para el análisis de tendencias, adoptamos el modelo de regresión polinomial. Además, las tasas medias y las tendencias anuales de aumento/disminución fueron distribuidas considerando como unidad de análisis las unidades federativas de Brasil.

Resultados:

la tasa promedio fue de 6,24 casos de violencia letal por cada 100.000 mujeres, con variación significativa entre regiones y estados brasileños. Las principales víctimas de muerte violenta en Brasil son mujeres jóvenes, negras/morenas e indígenas y la tendencia es creciente en estas poblaciones. Las regiones Norte y Noreste presentaron los aumentos medios anuales más significativos (0,33; r2 = 0,96 y 0,26; r2 = 0,92, respectivamente).

Conclusión:

hubo una tendencia a la estabilidad de la violencia letal contra la mujer, con diferencias regionales significativas. Las mujeres jóvenes, negras/morenas e indígenas son más vulnerables a la muerte violenta en Brasil.

Descriptores:
Homicidio; Violencia De Género; Violencia Contra La Mujer; Violencia de Pareja; Epidemiología; Enfermería

Destaques:

(1) Houve aumento dos casos de violência letal contra mulheres no Brasil, com disparidades regionais.

(2) As Regiões Norte e Centro-Oeste brasileiras registraram as maiores taxas médias.

(3) As Regiões Norte e Nordeste tiveram o aumento anual mais expressivo.

(4) Tendência de aumento dos casos de violência letal contra mulheres jovens (15 a 39 anos).

(5) Tendência de aumento dos casos de violência letal contra mulheres pretas/pardas e indígenas.

Introdução

A violência de gênero é um problema social e de saúde pública global, cuja etapa final é o feminicídio, crime responsável pela vitimização de milhares de mulheres todos os anos11. Barufaldi LA, Souto RMCV, Correia RSB, Montenegro MMS, Pinto IV, Silva MMA, et al. Gender violence: a comparison of mortality from aggression against woman who have and have not previously reported violence. Cienc Saúde Colet. 2017;22(9):2929-38. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12712017
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Nas últimas décadas, as discussões sobre como definir e mensurar o feminicídio aumentaram significativamente, impulsionadas pela elevada incidência na América Latina e pelas recentes legislações implantadas em vários países que endureceram as punições dos feminicidas22. Dawson M, Carrigan M. Identifying femicide locally and globally: Understanding the utility and accessibility of sex/gender-related motives and indicators. Curr Sociol. 2021;69(5). https://doi.org/10.1177/0011392120946359
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.

A identificação dos casos de feminicídio é de extrema relevância para a análise estatística e a implementação de políticas públicas efetivas de combate à violência contra a mulher. No entanto, pesquisadores referem dificuldade em dimensionar as ocorrências de feminicídio pela inexistência de fontes de informação que permitam tal identificação33. Academic Council On The United Nations System. Femicide: Establishing a Femicide Watch in Every Country [Internet]. Vienna: ACUNS; 2017 [cited 2021 Nov 30]. Available from: https://agendaforhumanity.org/sites/default/files/Femicide-Volume-VII-Establishing-a-Femicide-Watch-in-Every-Country_0.pdf
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4. Weil S. Making femicide visible. Curr Sociol. 2016;64(7):1124-37. https://doi.org/10.1177/0011392115623602
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
-55. Fong W, Pan C, Lee JC, Lee T, Hwa H. Adult femicide victims in forensic autopsy in Taiwan: A 10-year retrospective study. Forensic Sci Int. 2016;266(1):80-5. https://doi.org/10.1016/j.forsciint.2016.05.008
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Esse cenário se agrava no Brasil devido à morosidade do Poder Público em investigar e processar ocorrências de feminicídio, além de não fornecer informações de casos encerrados. Em razão da ausência de dados concretos, as pesquisas sobre a temática são realizadas com os dados de mortalidade feminina por agressão, considerados atualmente um indicador indireto de feminicídio66. Meneghel SN, Danielvicz IM, Polidoro M, Plentz LM, Meneghetti BP. Femicide in frontier municipalities in Brazil. Cienc Saúde Colet [Internet]. 2020 [cited 2021 Jan 20]. Available from: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/feminicidios-em-municipios-de-fronteira-no-brasil/17868?id=17868
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A Organização das Nações Unidas (ONU) estimou, em 2017, uma taxa global de 1,3 caso de violência letal contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo ou outro membro da família a cada 100 mil mulheres. A África foi a região onde as mulheres apresentaram maior risco de serem mortas, registrando, no mesmo ano, taxa de 3,1 por 100 mil, seguida das Américas (1,6/100 mil), da Ásia (0,9/100 mil) e da Europa (0,7/100 mil)77. United Nations Office on Drugs and Crime. Global Study on Homicide: Gender-related killing of women and girls [Internet]. Vienna: UNODC; 2019. [cited 2021 Nov 29]. Available from: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/gsh/Booklet_5.pdf
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Nesse segmento, mais da metade dos países com as maiores taxas de feminicídio fazem parte da América do Sul, América Central e o Caribe. Na América Latina, o assassinato envolvendo casais e o assassinato de uma mulher precedido de seu estupro são as formas mais comuns do crime88. Saccomano C. Feminicide in Latin America: legal vacuum or deficit in the rule law? CIDOB d'Afers Internacionals. 2017;117(1):51-78. https://doi.org/10.24241/rcai.2017.117.3.51
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No Brasil, os indicadores da violência letal contra a mulher chamam atenção. Em 2019, a taxa foi de 3,5 casos por 100 mil mulheres, uma redução de 17,3% em relação a 2018, quando 4,3 casos por 100 mil foram registrados. Embora esse resultado pareça uma notícia positiva, a análise deve ser cautelosa, pois, no mesmo período, houve o crescimento de 21,6% de mortes violentas de mulheres sem a indicação da causa, se homicídio, acidente ou suicídio99. Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, Alves PP, Lima RS, Marques D, et al. Atlas da Violência 2021 [Internet]. Rio de Janeiro: FBSP; 2021. [cited 2021 Nov 25]. Available from: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375-atlasdaviolencia2021completo.pdf
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Entre os principais fatores de risco estão a desigualdade de gênero, violência doméstica prévia, história familiar de violência, baixa escolaridade, desemprego, pobreza, juventude, etnia e raça/cor e acesso a armas por parte do agressor1010. Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Viol Abuse. 2007;8(3):246-69. https://doi.org/10.1177/1524838007303505
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-1111. Martins AG, Nascimento ARA. Domestic violence, alcohol and other associated factors: a bibliometric analysis. Arq Bras Psicol [Internet]. 2017 [cited 2020 Sep 18];69(1):107-21. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672017000100009
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Recentemente, violência comunitária, uso de álcool e drogas, experiências adversas na infância, condições de disparidade exacerbada e violência familiar foram descritos como comorbidades sociais que aumentam a probabilidade de feminicídio1212. Hall CDX, Evans DP. Social comorbidities? A qualitative study mapping syndemic theory onto gender-based violence and co-occurring social phenomena among Brazilian women. BMC Public Health. 2020;20(1):1-12. https://doi.org/10.1186/s12889-020-09352-7
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Visando reduzir os casos de violência contra a mulher, algumas políticas internacionais foram instituídas, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que elencaram como uma de suas metas “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”1313. Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. ODS5 - Igualdade de gênero [Internet]. Brasília: ONU; 2019 [cited 2021 Nov 25]. Available from: https://www.ipea.gov.br/ods/ods5.html
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As políticas brasileiras de proteção à mulher também avançaram com a publicação da Lei Maria da Penha, vigente desde 2006, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher1414. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 8 ago 2006 [cited 2021 Nov 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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, embora especialistas apontem que não houve queda dos casos de violência doméstica após a implantação desta lei1515. Oliveira RC, Lima JCP, Arana AMFR. Da criação das DEAM´s à Lei Maria da Penha: uma reflexão sobre a questão da violência contra as mulheres. Rev Ártemis. 2017;24(1):201-13. https://doi.org/10.22478/ufpb.1807-8214.2017v24n1.35821
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Em 2015, o Estado brasileiro sancionou também a Lei do Feminicídio, que alterou o código penal para prever o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio1616. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos [Internet]. Diário Oficial da União, 10 mar 2015 [cited 2019 Jul 01]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
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Devido às elevadas taxas de violência letal contra a mulher no Brasil e à carência de estudos sobre a temática, especialmente após a constância da Lei do Feminicídio, o objetivo desta pesquisa foi analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de violência letal contra mulheres no Brasil, segundo faixa etária e raça/cor.

Método

Delineamento de estudo

Trata-se de um estudo ecológico, de séries temporais, com distribuição espacial das taxas de violência letal contra a mulher, cadastrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Local de estudo

Foram analisados os dados de violência letal contra mulheres residentes no Brasil, regiões geográficas e estados brasileiros.

O Brasil, localizado na América do Sul, faz fronteira terrestre com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, e limite com o Oceano Atlântico. Com uma área de 8.510.295 km², é constituído por cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul; 27 unidades federativas; um distrito federal; e 5.570 municípios. Possuía população estimada em 212.559.409 habitantes em 2020, sendo então o sexto país mais populoso do mundo, com Produto Interno Bruto (PIB) per capita, em 2019, de R$ 35.161,701717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Países [Homepage]. Brasília: 2021. [cited 2021 Jan 18]. Available from: https://paises.ibge.gov.br/#/mapa/ranking/brasil?indicador=77849&tema=5&ano=2020
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Em 1976, o Brasil iniciou a implantação do SIM, com objetivo de reunir os dados de mortalidade de sua população e, atualmente, tem mostrado bom desempenho1818. Morais RM, Costa AL. Uma avaliação do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Saúde Debate. 2017;41(Sp Iss):101-17. https://doi.org/10.1590/0103-11042017S09
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. Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) são ferramentas importantes para a gestão, por contribuírem para a qualidade dos serviços, reduzir custos e possibilitar a realização de pesquisas e atividades de ensino1919. Bittar OJN, Biczyk M, Serinolli MI, Novaretti MCZ, Moura MMN. Sistemas de informação em saúde e sua complexidade. Rev Adm Saúde. 2018;18(70):70-7. https://doi.org/10.23973/ras.70.77
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.

População e fonte de dados

A população foi composta por casos de violência letal contra mulheres de 15 a 59 anos de idade. Essa faixa foi definida após análise prévia do banco de dados do SIM apontar maior incidência nessa faixa etária.

Foram excluídas as mulheres com 60 anos de idade ou mais porque a violência contra a pessoa idosa possui uma dinâmica diferenciada. Estudo evidenciou que na maioria dos casos, os agressores de crianças/adolescentes e mulheres adultas são os companheiros, ao passo que nas mulheres idosas são familiares2020. Leite MTS, Figueiredo MFS, Dias OV, Vieira MA, Souza LPS, Mendes DC. Reports of violence against woman in different life cycles. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2014;22(1):85-92. https://doi.org/10.1590/0104-1169.3186.2388
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.

Dentre a faixa etária selecionada para a análise, houve a estratificação dos 15 a 39 anos, que neste estudo foram consideradas mulheres jovens, e dos 40 a 59 anos, permitindo assim a comparação das taxas entre as duas faixas de idade.

A coleta de dados ocorreu nos meses de março e abril de 2020 e dezembro de 2021.

O período analisado foi de 2000 a 2019 em razão de importantes legislações terem sido implantadas pelo Estado brasileiro no decorrer desses anos, como a notificação compulsória dos casos de violência em 2003, a Lei Maria da Penha em 2006 e a Lei do Feminicídio em 20151414. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 8 ago 2006 [cited 2021 Nov 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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,1616. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos [Internet]. Diário Oficial da União, 10 mar 2015 [cited 2019 Jul 01]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
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,2121. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 10.778 de 24 de Novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados [Internet]. Diário Oficial da União, 25 nov 2003 [cited 2021 Nov 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.778.htm
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Os indicadores de violência letal contra a mulher foram selecionados no SIM por meio dos códigos X85 a Y09 da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Esses códigos referem-se a todas as formas de agressão, analisados sob a perspectiva de gênero por serem considerados uma proxy do feminicídio66. Meneghel SN, Danielvicz IM, Polidoro M, Plentz LM, Meneghetti BP. Femicide in frontier municipalities in Brazil. Cienc Saúde Colet [Internet]. 2020 [cited 2021 Jan 20]. Available from: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/feminicidios-em-municipios-de-fronteira-no-brasil/17868?id=17868
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A variável dependente foi a taxa de violência letal contra a mulher. As demais variáveis analisadas foram em relação à idade (15 a 39 anos; 40 a 59 anos) e à raça/cor (Branca; Preta/Parda, Amarela e Indígena). As categorias de raça/cor adotadas no estudo estão em consonância com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o SIM.

Análise dos dados

O cálculo das taxas de violência letal contra a mulher foi realizado ano a ano, sendo a razão determinada pelo número de casos de violência letal contra a mulher e a população feminina residente no mesmo local e período, multiplicado por 100.000. Os arquivos com os dados de mortalidade e estimativas populacionais foram extraídos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus)2222. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (BR). Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) [Homepage]. Brasília: 2021. [cited 2021 Nov 20]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def
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As taxas de violência letal contra a mulher foram corrigidas a fim de apontar a incidência mais precisa do agravo. Os fatores de correção foram desenvolvidos através do projeto “Busca ativa de óbitos e nascimentos na Amazônia Legal e no Nordeste”, que identificou a proporção de nascidos vivos e óbitos não informados aos respectivos sistemas de informação2323. Szwarcwald CL, Morais OL Neto, Frias PG, Souza PRB Junior, Escalante JJC, Lima RB, et al. Busca ativa de óbitos e nascimentos no Nordeste e na Amazônia Legal: estimação das coberturas do SIM e do Sinasc nos municípios brasileiros [Internet]. Brasília: 2011. [cited 2020 Apr 02]. Available from: https://www.researchgate.net/publication/312580026_Busca_ativa_de_obitos_e_nascimentos_no_Nordeste_e_na_Amazonia_Legal_Estimacao_da_mortalidade_infantil_nos_municipios_brasileiros
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. Esses fatores de correção foram multiplicados pelas taxas de violência letal contra a mulher, segundo unidade da federação e região brasileira, visando minimizar a subenumeração do SIM.

Para a análise de tendência, foi utilizado o modelo de regressão polinomial por seu alto poder estatístico. Assim sendo, as taxas de violência letal contra a mulher foram consideradas como variáveis dependentes (Y) e os anos de estudo como variáveis independentes (X). A variável “ano” foi transformada em variável centralizada no ano (X-2009) e as séries foram suavizadas usando uma média móvel de três pontos2424. Bastos MSCBO, Latorre MRDO, Waldman EA. Trend of the AIDS epidemic in intravenous drug users in the Municipality of São Paulo from 1985 to 1997. Rev Bras Epidemiol. 2001;4(3):178-90. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2001000300005
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.

Os modelos de regressão polinomial foram testados como linear (Y=β0+β1X), de segunda ordem ( Y=β0+β1X+β2X2) e terceira ordem (Y=β0+β1X+β2X2+β3X3) , considerando a tendência significativa quando o modelo estimado obteve um valor de p <0,05. Para a escolha do melhor modelo, a análise do diagrama de dispersão, o valor do coeficiente de determinação (r² - quanto mais próximo de 1, mais ajustado encontra-se o modelo) e a análise de resíduos (suposição de homocedasticidade verdadeira) foram considerados. Quando todos os critérios foram significativos para mais de um modelo e o coeficiente de determinação foi semelhante, o modelo mais simples foi escolhido2525. Tomé EA, Latorre MRDO. Trends of infant mortality in the city of Guarulhos: 1971 to 1998. Rev Bras Epidemiol. 2001;4(3):153-67. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2001000300003
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. As análises foram realizadas no software SPSS, versão 20.1.

Já para a distribuição espacial, a base cartográfica do Brasil com as fronteiras dos estados foi baixada no formato shapefile (SHP) no site do IBGE.

Os mapas cloropléticos foram construídos para demonstrar a distribuição espacial da taxa média entre as unidades federativas, bem como das tendências de aumento/redução anual média, segundo a raça/cor. Para esta etapa, as unidades de análise foram as unidades federativas do Brasil e o Distrito Federal.

A distribuição espacial das taxas de violência letal contra a mulher foi apresentada em intervalos, das taxas máximas às mínimas, e os mapas foram representados em escalas de cinza, definindo cores mais claras para taxas mais baixas e cores mais escuras para taxas mais altas. A distribuição dos aumentos ou reduções anuais médias, por sua vez, foi apresentada utilizando cinza para os estados que registraram queda e preto para os que apresentaram aumento. Todas as figuras foram construídas usando o software QGIS versão 2.14.

Aspectos éticos

Por se tratar de pesquisa com dados de domínio público, foi solicitada a dispensa de análise junto ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (COPEP/UEM), obtendo-se aprovação mediante o Ofício nº 33/2019.

Resultados

No total, foram analisados 72.630 casos de violência letal contra a mulheres de 15 a 59 anos, no período de 2000 a 2019, no Brasil. Em 2000, a taxa nacional foi de 6,35, passando para 5,00 por 100 mil mulheres em 2019. Em relação às regiões brasileiras, o Norte e o Nordeste destacaram-se, aumentando de 5,54 e 5,05, em 2000, para 8,74 e 6,92, em 2019, respectivamente. Em contrapartida, o Sudeste diminuiu de 7,61, em 2000, para 2,99, em 2019 (Figura 1).

Figura 1
Taxas de violência letal contra a mulher (por 100 mil mulheres), segundo regiões brasileiras. Brasil, 2000-2019

Os casos de violência letal contra a mulher no Brasil foram agrupados em três períodos (2000-2002, 2008-2010 e 2017-2019), segundo as faixas etárias. As taxas permaneceram altas ao longo do período, embora uma queda no terceiro triênio (2017-2019) seja observada em quase todos os intervalos de idade. Outro aspecto importante diz respeito à redução significativa nas taxas conforme a idade das mulheres aumenta, evidenciando que as principais vítimas de violência letal no Brasil são mulheres jovens (Figura 2).

Figura 2
Violência letal contra a mulher no Brasil (por 100 mil mulheres), segundo faixas etárias. Brasil, 2000 a 2019

A análise de regressão polinomial mostrou tendência de estabilidade das taxas de violência letal contra a mulher no Brasil (0,02 ao ano). As regiões brasileiras com as maiores taxas médias foram Centro-Oeste (8,17) e Norte (7,89). O Norte também se destacou pelo maior aumento anual médio (0,33 por ano; r2 = 0,96).

Com relação aos estados da região Norte, Rondônia registrou a maior taxa média (8,89), e o Pará o maior aumento médio anual (0,48; r2 = 0,97). No Nordeste, o estado de Alagoas teve a maior taxa média (11,23), e Sergipe apresentou o maior aumento médio anual entre os estados brasileiros (0,63; r2 = 0,92). No Sudeste, o Espírito Santo se destacou com a maior taxa média dos estados brasileiros (13,47), enquanto Minas Gerais teve o maior aumento médio anual (0,03; r2 = 0,86). Destaca-se ainda a tendência de redução das taxas nos estados de São Paulo (-0,27 ao ano; r2 = 0,87) e Rio de Janeiro (-0,21 ao ano; r2 = 0,69).

Na região Sul, o estado do Paraná apresentou a maior média para o período (7,27), e o Rio Grande do Sul o maior aumento médio anual (0,14; r2 = 0,87). Por fim, no Centro-Oeste, Mato Grosso registrou a maior taxa média no período (9,50), e Goiás o maior aumento médio anual (0,24; r2 = 0,50) (Tabela 1).

Tabela 1
Tendência das taxas de violência letal contra a mulher (por 100 mil mulheres). Brasil, 2000 a 2019

No tocante à idade, houve tendência de aumento dos casos em mulheres jovens no Brasil, na faixa etária dos 15 a 39 (média de 0,04 ao ano; r2 = 0,36). Analisando as regiões, o Sudeste apresentou tendência de redução (-0,24 ao ano; r2 = 0,95), bem como o Sul no período final de análise. Por outro lado, as demais regiões mostraram tendência crescente, com maior aumento anual no Norte (0,39 ao ano; r2 = 0,95). A taxa média mais elevada foi registrada no Centro-Oeste (9,34/100 mil).

Em relação aos estados brasileiros, o Espírito Santo registrou a maior taxa média do período em mulheres de 15 a 39 anos: 16,39 por 100 mil mulheres, seguido por Alagoas: 12,93 por 100 mil. Os crescimentos anuais médios mais expressivos foram no Ceará (0,58; r2 = 0,81) e no Pará (0,57; r2 = 0,97).

A análise de regressão polinomial também mostrou aumento da violência letal contra mulheres no Brasil na faixa etária dos 40 a 59 anos (0,04; r2 = 0,49), com período inicial e final de decréscimo. As Regiões Norte, Nordeste e Sul seguem tendência crescente, com maior aumento anual médio no Norte (0,20; r2 = 0,94). No Sudeste foi registrada tendência decrescente (-0,10; r2 = 0,89), enquanto no Centro-Oeste evidenciou-se estabilidade das taxas (p = 0,591).

Nessa mesma faixa etária, as maiores taxas médias entre os estados brasileiros foram vistas em Roraima (8,79) e Espírito Santo (7,81). Já os maiores aumentos anuais foram registrados no Pará (0,30; r2 = 0,92) e no Rio Grande do Norte (0,26; r2 = 0,96). Vale destacar, por fim, a redução anual significativa no Acre (-0,34 ao ano; r2 = 0,61) (Tabela 2).

Tabela 2
Tendência das taxas de violência letal contra a mulher (por 100 mil mulheres) de acordo com a faixa etária. Brasil, 2000-2019

No que se refere à raça/cor, fica evidente, através da distribuição espacial das taxas, que as maiores vítimas de violência letal, no Brasil, são mulheres pretas e pardas, concentradas, principalmente, nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Os estados com as maiores taxas nessa população foram Espírito Santo (9,32), Alagoas (8,79) e Pernambuco (7,04). Nota-se ainda que a maioria dos estados apresentou aumento médio expressivo de casos em mulheres pretas e pardas, com destaque para o Pará (0,48 ao ano; r² = 0,97), Rio Grande do Norte (0,45 ao ano; r² = 0,96), Bahia (0,39 ao ano; r² = 0,85), Ceará (0,44 ao ano; r² = 0,75) e Alagoas (0,36 ao ano; r² = 0,80).

As taxas mais elevadas em mulheres brancas foram registradas nas regiões Sul, Centro-Oeste e parte do Sudeste brasileiro. O estado do Paraná se destacou com a maior taxa média entre as mulheres brancas (5,70), seguido pelo Rio Grande do Sul (4,24). Nota-se também redução média anual dos casos em mulheres brancas na maioria dos estados, com ênfase em São Paulo (-0,18; r² = 0,91), Rio de Janeiro (-0,13; r² = 0,78) e Mato Grosso (-0,14; r² = 0,89).

A letalidade contra mulheres de raça/cor amarela ficou distribuída de maneira mais uniforme nas regiões brasileiras. No entanto, os estados do Amapá (0,15), Piauí (0,037), Tocantins (0,023), São Paulo (0,023) e Mato Grosso (0,022) apresentaram as taxas mais elevadas. Já os estados do Acre e Roraima apresentaram os maiores aumentos anuais médios (0,009; r² = 0,34 e 0,009; r² = 0,17).

Por fim, a morte violenta de mulheres indígenas fora registrada em grande parte dos estados do país. Roraima apresentou a maior taxa média (1,13) e o maior aumento anual médio (0,12 ao ano; r² = 0,38), seguido do Mato Grosso do Sul (0,70), com aumento médio de (0,03 ao ano; r² = 0,41) (Figura 3).

Figura 3
Distribuição espacial das taxas médias e aumento/redução anual média da violência letal contra a mulher (por 100 mil mulheres) nos estados brasileiros, segundo raça/cor. Brasil, 2000 a 2019

Discussão

Análises de tendência temporal e distribuição espacial das taxas de violência letal contra mulheres que considerem as diferenças regionais do Brasil, a faixa etária e a raça/cor ainda são escassas. A presente pesquisa apontou tendência de estabilidade da violência letal no Brasil, com variações importantes entre as cinco regiões do país e estados brasileiros. Os resultados indicam que, sem a implementação de ações efetivas, os casos de morte violenta de mulheres jovens, pretas/pardas e indígenas continuarão a crescer.

Este estudo possui limitações em relação ao uso de dados secundários, considerados fontes sensíveis, devido à incompletude de informações e subenumeração de óbitos. Nesse sentido, visando contornar o sub-registro, especialmente em algumas regiões menos favorecidas do país, a pesquisa contou com fatores de correção das taxas, contribuindo para uma análise mais precisa. Ademais, o SIM tem ampliado a sua cobertura e mostrado bom desempenho1818. Morais RM, Costa AL. Uma avaliação do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Saúde Debate. 2017;41(Sp Iss):101-17. https://doi.org/10.1590/0103-11042017S09
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, sendo fundamental para a realização de estudos ecológicos sobre a mortalidade da população brasileira de abrangência nacional.

Além disso, para a análise espacial, os dados foram agregados no tempo e espaço. Portanto, novos estudos poderão ser realizados desagregando os dados em relação ao período e ampliando as unidades de análise.

Outra limitação diz respeito à inexistência de uma base de dados nacional com casos específicos de feminicídio, fazendo com que o estudo investigasse a violência letal contra a mulher sob a perspectiva de gênero. Destaca-se, contudo, que a análise contribuiu para que as diferenças entre os territórios brasileiros fossem identificadas, possibilitando o direcionamento de ações para o controle do agravo.

Os debates sobre o feminicídio, crime que envolve a violência letal contra a mulher motivado pelo gênero, ganharam espaço nas últimas décadas influenciados pela elevada incidência na América Latina22. Dawson M, Carrigan M. Identifying femicide locally and globally: Understanding the utility and accessibility of sex/gender-related motives and indicators. Curr Sociol. 2021;69(5). https://doi.org/10.1177/0011392120946359
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.

O aumento no número de casos pressionou o governo de vários países a implantar leis específicas que criminalizam o assassinato de mulheres em razão do gênero, embora o resultado das legislações não seja conhecido devido à falta de uma base de dados nacional2626. Álvarez-Garavito C, Acosta-González HN. Femicide in latin america: An economic approach. Desarrollo Sociedad 2021;88:11-42. https://doi.org/10.13043/DYS.88.1
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-2727. Noer KU, Chadijah S, Rudiatin E. There is no trustable data: the state and data accuracy of violence against women in Indonesia. Heliyon. 2021;7:e08552. https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2021.e08552. Atualmente, todos os países da América Latina, exceto Cuba e Haiti, aprovaram leis específicas ou dispositivos para o enfrentamento da violência de gênero2828. Deus A, Gonzalez D. Análisis de legislación sobre femicidio/feminicidio en América Latina y el Caribe e insumos para una ley modelo [Internet]. Panamá: ONU; 2018 [cited 2021 Dec 01]. Available from: https://www2.unwomen.org/-/media/field%20office%20americas/documentos/publicaciones/2019/05/final%20esp%20analysis%20de%20leyes%20de%20femicidio%20en%20amrica%20latina%20y%20el%20caribe-compressed.pdf?la=es&vs=3056
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.

No Brasil, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher1414. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 8 ago 2006 [cited 2021 Nov 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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. Apesar do grande avanço, é relevante destacar que a referida lei foi fruto de uma condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Naquela ocasião, a sentença internacional escancarou a ineficiência do Estado brasileiro em processar e responsabilizar devidamente o então marido de Maria da Penha Maia Fernandes, brasileira natural do Ceará, após anos de agressões e duas tentativas de assassinato2929. Elias MLR, Machado IV. Fighting Gender Inequality: Brazilian Feminist Movements and Judicialization as a Political Approach to Oppose Violence Against Women. Public Integrity. 2018;20(2):115-30. https://doi.org/10.1080/10999922.2017.1364948
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.

Alguns estudos apontam que a lei em questão contribuiu no sentido de trazer visibilidade para o tema e encorajar as mulheres a denunciarem seus agressores, ainda que as estatísticas não apontem reduções significativas dos casos após sua implantação3030. Silva MI, Alberton MH. The Law of Feminicide 13.104/2015 and yours impacts in the state of Paraná. Actio Rev Estudos Jurídicos [Internet]. 2019 [cited 2021 Dec 01];2(29):1-20. Available from: http://faculdademaringa.com.br/index.php/actiorevista/article/viewFile/135/124#:~:text=Ser%C3%A1%20analisada%20tamb%C3%A9m%20a%20Lein,come%C3%A7a%20pela%20viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20familiar
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.

Em consonância à literatura, os dados apresentados na presente pesquisa não evidenciam impacto significativo da Lei Maria da Penha nas taxas de morte violenta de mulheres no Brasil, haja vista que em 2007 e 2008 houve leve redução com posterior crescimento sustentado.

Outro aspecto importante diz respeito às fragilidades da legislação, posto que inúmeros casos de novas agressões contra a mulher são registrados mesmo após a denúncia, demonstrando a ineficácia das instituições de segurança em garantir a proteção da mulher em situação de violência3131. Wermuth MAD, Mezzari LG. Effectiveness or symbolism? An analysis of protective emergency measures in the rite of the Maria da Penha Law. Direito Desenvolv [Internet]. 2021 [cited 2021 Dec 01];12(1):180-201. Available from: https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/ddesnvol12÷=16&id=&page=
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.

Diante desse cenário de iniquidades, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) foi organizada, em 2013, com o intuito de conhecer o número de mulheres mortas de forma violenta no Brasil. Evidenciou-se que a maior parte dos casos se tratava de mortes cruéis provocadas pelos parceiros íntimos, situação semelhante à registrada no Peru3030. Silva MI, Alberton MH. The Law of Feminicide 13.104/2015 and yours impacts in the state of Paraná. Actio Rev Estudos Jurídicos [Internet]. 2019 [cited 2021 Dec 01];2(29):1-20. Available from: http://faculdademaringa.com.br/index.php/actiorevista/article/viewFile/135/124#:~:text=Ser%C3%A1%20analisada%20tamb%C3%A9m%20a%20Lein,come%C3%A7a%20pela%20viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20familiar
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,3232. Burgos-Muñoz RM, Soriano-Moreno AN, Bendezu-Quispe G, Urrunaga-Pastor D, Toro-Huamanchumo CJ, Benites-Zapata VA. Intimate partner violence against reproductive-age women and associated factors in Peru: evidence from national surveys, 2015-2017. Heliyon. 2021;7:e07478. https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2021.e07478
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.

Essas informações assim como a pressão exercida pela ONU para o enfrentamento da violência contra a mulher em todo o mundo3333. Petrucci G. Lei do feminicídio e reconhecimento: Discussão crítica em torno dos remédios afirmativos para a violência de gênero. Estudos Comum. 2018;1(26):311-22. https://doi.org/10.20287/ec.n26.v1.a18
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, contribuíram para a publicação da Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio.

A mencionada lei criou uma qualificadora para o crime de homicídio quando praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Assim sendo, a referida qualificadora deverá ser aplicada quando envolver a “violência doméstica e familiar” e também “menosprezo ou discriminação à condição da mulher”1616. Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos (BR). Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos [Internet]. Diário Oficial da União, 10 mar 2015 [cited 2019 Jul 01]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
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.

O presente estudo mostra que em 2016 e 2017, anos seguintes à publicação da Lei do Feminicídio, as taxas de violência letal contra a mulher no Brasil continuaram a subir, seguidas por uma redução nos dois últimos anos de análise (2018 e 2019), sugerindo um possível impacto positivo da legislação.

Todavia, novos estudos serão necessários para analisar o efeito a longo prazo, bem como a influência da pandemia de Covid-19 sobre as taxas, visto que algumas pesquisas já sinalizam aumento dos índices no período pandêmico em outros países da América Latina, como Colômbia e México3434. Londoño PAV, González MEN, Solera CB, Paz PS. The exacerbation of violence against women as a form of discrimination in the period of the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2021;7:e06491. https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2021.e06491
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.

Globalmente, as taxas de morte violenta de mulheres seguem caminhos divergentes. Enquanto alguns países vêm registrando aumento, como Turquia, Peru e Equador, outros países como Itália e Espanha registram queda nos números3535. Karbeyaz K, Yetis Y, Günes A, Simsek Ü. Intimate partner femicide in Eskisehir, Turkey 25 years analysis. J Forensic Leg Med. 2018;60(1):56-60. https://doi.org/10.1016/j.jflm.2018.10.002
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36. Ilanzo MPQ, Urbano OMC, Delgado MC, Ramirez NP, Mendoza GMP, Garcia AEO. Violencia extrema contra la mujer y feminicidio en el Perú. Rev Cubana Salud Pública [Internet]. 2018 [cited 2021 Dec 01];44(2):278-94. Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v44n2/1561-3127-rcsp-44-02-278.pdf
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37. Ortiz-Prado E, Villagran P, Abarca AM, Henriquez-Trujillo AR, Simbaña-Rivera K, Gomez L, et al. Gender-Based Violence and Femicide in Ecuador: A Cross-Sectional Study of Population Mortality Estimates from 2001-2017. Lancet Glob Health. 2020:5(1):1-17. https://doi.org/10.2139/ssrn.3541111
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38. Vichi M, Ghirini S, Roma P, Manderelli G, Pompili M, Ferracuti S. Trends and patterns in homicides in Italy: A 34-year descriptive study. Forensic Sci Int. 2020;307(1):1-8. https://doi.org/10.1016/j.forsciint.2020.110141
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-3939. Torrecilla JL, Quijano-Sánchez L, Liberatore F, López-Ossorio JJ, González-Álvarez JL. Evolution and study of a copycat effect in intimate partner homicides: A lesson from Spanish femicides. PLoS One. 2019;14(6):e0217914. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217914
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.

Assim como observado no mundo, essas variações foram vistas entre as regiões brasileiras, onde duas se destacaram com o aumento médio anual mais expressivo, Norte e Nordeste. A região Centro-Oeste apresentou tendência de estabilidade das taxas, enquanto as regiões Sudeste e Sul (a partir de 2010) registraram tendência de queda, semelhante a outro estudo brasileiro4040. Leite FMC, Mascarello KC, Almeida APSC, Fávero JL, Santos AS, Silva ICM. Análise da tendência da mortalidade feminina por agressão no Brasil, estados e regiões. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(9):2971-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.25702016
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As taxas médias mais expressivas coincidem, de modo geral, com as regiões socioeconomicamente desfavorecidas, Norte e Nordeste do país. Por outro lado, a tendência de estabilidade na região Centro-Oeste e de redução no Sudeste e Sul condizem com a existência de melhores indicadores4141. Santos JAF. Social class, territory and health inequality in Brazil. Saude Soc. 2018;27(2):556-72. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170889
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.

Outras pesquisas indicam taxa média de 4,7 mortes violentas por 100 mil mulheres no Nordeste, ao passo que, no Rio Grande do Sul, a incidência foi menor, 3,2 por 100 mil mulheres4242. Meira KC, Costa MAR, Honório ACC, Simões TC, Camargo MP, Silva GWS. Temporal trend of the homicide rate of Brazilian woman. Rev Rene. 2019;20(1):1-8. https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192039864
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-4343. Souza ER, Simões TC, Borges LF, Veríssimo e Oliveira L, Guimarães RM, Meira KC, et al. Homicídios de mulheres nas distintas regiões brasileiras nos últimos 35 anos: análise do efeito da idade-período e coorte de nascimento. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(9):2949-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12392017
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. Esses dados ratificam a variabilidade nas taxas de violência letal contra a mulher, consequência das disparidades vivenciadas e de fragilidades dos serviços de segurança pública.

Sendo o Brasil um país com dimensões continentais, as diferenças nos indicadores entre as regiões decorrem da desigualdade social, como o nível educacional, desemprego, violência estrutural, raça/cor e etnia, além de territórios sob forte influência dos papéis tradicionais de gênero e normas religiosas, realidade semelhante à de outros países da América Latina3434. Londoño PAV, González MEN, Solera CB, Paz PS. The exacerbation of violence against women as a form of discrimination in the period of the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2021;7:e06491. https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2021.e06491
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,4444. Meneghel SN, Rosa BAR, Ceccon RF, Hirakata VN, Danilevicz IM. Femicides: a study in Brazilian state capital cities and large municipalities. Cienc Saúde Colet. 2017;22(9):2963-70. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.22732015
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Tal como o Brasil, o México e a Colômbia também registraram variações nas taxas em seus territórios, associadas a locais com maior concentração de pobreza, menor escolaridade, locais com alta proporção de necessidades básicas não atendidas e elevadas taxas de gravidez na adolescência4545. Secretaria de Gobernación de México. La violencia feminicida en México: aproximaciones y tendencias 1985-2016 [Internet]. Ciudad de Mexico: ONU Mujeres; 2017. [cited 2020 Oct 16]. Available from: https://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/293666/violenciaFeminicidaMx_07dic_web.pdf
https://www.gob.mx/cms/uploads/attachmen...
-4646. Murillo FHS, Chica-Olmo J, Cortázar ARG. The spatial heterogeneity of factors of feminicide: The case of Antioquia-Colombia. App Geography. 2018;92(1):63-73. https://doi.org/10.1016/j.apgeog.2018.01.006
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.

Na Espanha, uma pesquisa evidenciou que a precariedade econômica e o desemprego desencadeiam situações de violência contra a mulher, em razão da dependência financeira gerada4747. Otero-García L, Briones-Vozmediano E, Vives-Cases C, García-Quinto M, Sanz-Barbero B, Goicolea I. A qualitative study on primary health care responses to intimate partner violence during the economic crisis in Spain. Eur J Public Health. 2018;28(6):1000-5. https://doi.org/10.1093/eurpub/cky095
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. Isso nos permite inferir que mulheres dependentes economicamente do companheiro tendem a permanecer em relacionamentos abusivos e violentos, aumentando o risco de feminicídio.

A desigualdade brasileira é igualmente vista na oferta de aparatos de proteção à mulher. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram uma distribuição desproporcional de Unidades Judiciárias com competência exclusiva de violência doméstica e familiar contra a mulher entre as regiões do Brasil.

Em 2020, havia 138 varas exclusivas, das quais 34 estavam localizadas no Nordeste, 16 no Norte, 32 no Centro-Oeste, 43 no Sudeste e 13 no Sul. A centralização dos serviços fica mais evidente ao se analisar dados das unidades federativas. Embora a população feminina estimada do Amazonas fosse de 2.095.586, em 2020, o estado possui apenas três varas exclusivas. Em contrapartida, o Distrito Federal conta com 16 varas exclusivas para uma população feminina estimada em 1.587.1244848. Conselho Nacional de Justiça (BR). Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres [Homepage]. Brasília: 2021 [cited 2021 Dec 04]. Available from: https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shVDResumo
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Em consonância a essas informações, o número de Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAM) difere entre os estados. Estudos indicam que Santa Catarina possui 30 DEAM para 3.654.387 mulheres, enquanto o Maranhão possui 19 delegacias especializadas para 3.618.170 mulheres4949. Oliveira ACDC, Ghisi ASS. Technical norm of standardization and women's police station in Santa Catarina. Rev Estudos Feministas. 2019;27(1):1-15. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n146855
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-5050. Castro BDV, Silva AS. Atuação da autoridade policial e do Poder Judiciário no combate à violência doméstica contra a mulher na cidade de São Luís/MA. Rev Opin Jur. 2017;15(20):59-83. https://dx.doi.org/10.12662/2447-6641oj.v15i20.p59-83.2017
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.12...
. Desta forma, a melhoria das condições socioeconômicas, bem como a oferta igualitária de aparatos de proteção a mulher são fundamentais para uma mudança do cenário de violência.

Em relação à faixa etária, todas as regiões e estados brasileiros tiveram maior incidência de violência letal contra mulheres jovens, com idade de 15 a 39 anos. Dados semelhantes ao presente estudo foram reportados em outras pesquisas realizadas no Brasil em que as faixas etárias de maior ocorrência foram dos 15 a 34 anos4343. Souza ER, Simões TC, Borges LF, Veríssimo e Oliveira L, Guimarães RM, Meira KC, et al. Homicídios de mulheres nas distintas regiões brasileiras nos últimos 35 anos: análise do efeito da idade-período e coorte de nascimento. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(9):2949-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12392017
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e dos 20 a 39 anos4444. Meneghel SN, Rosa BAR, Ceccon RF, Hirakata VN, Danilevicz IM. Femicides: a study in Brazilian state capital cities and large municipalities. Cienc Saúde Colet. 2017;22(9):2963-70. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.22732015
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.

A morte violenta de mulheres jovens é a realidade de outros países, como Turquia, Estados Unidos, Equador e uma região da África do Sul3535. Karbeyaz K, Yetis Y, Günes A, Simsek Ü. Intimate partner femicide in Eskisehir, Turkey 25 years analysis. J Forensic Leg Med. 2018;60(1):56-60. https://doi.org/10.1016/j.jflm.2018.10.002
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,5151. Petrosky E, Blair JM, Betz CJ, Fowler KA, Jack SPD, Lyons BH. Racial and ethnic differences in homicides of adult women and the role of intimate partner violence - United States, 2003-2014. Morb Mortal Wkly Rep [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 11];66(28):741-6. Available from: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/66/wr/pdfs/mm6628a1.pdf
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52. Meel B. Incidence of female homicide in the Transkei sub-region of South Africa (1993-2015). J Forensic Leg Med. 2018;56:75-9. https://doi.org/10.1016/j.jflm.2018.02.025
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-5353. San Sebastián NM, Vives-Cases C, Goicolea I. "Closer to the Unfair Reality": Magnitude and Spatial Analysis of Femicides in Ecuador. J Interpersonal Viol. 2019;36:1-12. https://doi.org/10.1177/0886260519863721
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. Esses achados são alarmantes devido ao feminicídio representar a etapa final de um ciclo de violência5454. Meneghel SN, Portella AP. Feminicídios: conceitos, tipos e cenários. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(9):3077-86. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.11412017
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que abrevia a vida de meninas e mulheres, deixando consequências inestimáveis para as famílias e a sociedade.

Estudos indicam que os fatores de risco para o feminicídio em adolescentes e mulheres jovens envolvem o término da relação, o ciúme, parceiro íntimo sob posse de arma de fogo, suspeita de infidelidade, bem como o histórico de perseguição por parte do parceiro5555. Adhia A, Kernic MA, Hemenway D, Vavilala MS, Rivara FP. Intimate Partner Homicide of Adolescents. JAMA Pediatr. 2019;173(6):571-7 https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2019.0621
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56. Balica E. Young intimate femicide in Romania. Incidence and risk factors. Anthropol Res Studies [Internet]. 2018 [cited 2020 Nov 20];8(1):15-24. Available from: https://www.researchgate.net/publication/325317684_Young_intimate_femicide_in_Romania_Incidence_and_risk_factors
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-5757. Sorrentino A, Guida C, Cinquegrana V, Baldry AC. Femicide fatal risk factors: A last decade comparison between italian victims of femicide by age groups. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(21):1-13. http://doi.org/10.3390/ijerph17217953
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Recentemente, o hábito de perseguição, comportamento denominado como stalking ganhou espaço nos debates, sendo inclusive, criminalizado em alguns países. Nessa lógica, uma pesquisa realizada com adolescentes nos Estados Unidos evidenciou que 51,1% das meninas já haviam sofrido stalking ou assédio5858. Rothman EF, Bahrami E, Okeke N, Mumford E. Prevalence of and Risk Markers for Dating Abuse-Related Stalking and Harassment Victimization and Perpetration in a Nationally Representative Sample of U.S. Adolescents. Youth Society. 2020;53(6);955-78. https://doi.org/10.1177/0044118X20921631
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.

No tocante à raça/cor, maiores taxas de violência letal foram de mulheres pretas e pardas, concentradas no Norte, Nordeste, Centro-Oeste e parte do Sudeste do Brasil. As elevadas taxas nessa população são consistentes com os resultados de outro estudo5959. Meneghel SN, Lerma BRL. Femicides in ethnic and racializes groups: syntheses. Cien Saúde Colet. 2017;22(1):117-22. https://doi.org/10.1590/1413-81232017221.19192016
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. Nota-se ainda que, enquanto a violência letal em mulheres brancas está diminuindo em grande parte dos estados, entre as pretas e pardas está aumentando, reafirmando dados da literatura6060. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: IPEA; 2018 [cited 2020 Aug 15]. Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf
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A alta incidência em mulheres pretas e pardas é reflexo da situação de vulnerabilidade e disparidade social vivenciada por elas, principalmente na área educacional, no mercado de trabalho, na renda e na participação política6161. Muniz DM, Zimmermann TR. From racial injury to institutional violence: intersectionality of gender violence under black woman's perspective. Direitos Culturais. 2018;13(29):125-42. http://doi.org/10.20912/rdc.v13i29.2598
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-6262. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por raça ou cor no Brasil [Internet]. Brasília: IBGE; 2019 [cited 2021 Jan 24]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf
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Sendo assim, as desigualdades étnicas e sociais entre as regiões brasileiras nos levam a refletir sobre as políticas públicas, ponderando se têm o mesmo alcance para toda a população. A identificação das mulheres mais acometidas por esse agravo reforça a necessidade de oferecer uma atenção especial e personalizada por parte dos serviços de proteção à mulher, em articulação com os serviços de saúde, porta de entrada para o atendimento das vítimas de agressão.

Do mesmo modo, o aumento da violência letal contra mulheres indígenas foi registrado em vários estados brasileiros, situação semelhante à dos Estados Unidos, onde as taxas mais elevadas são de mulheres pretas e indígenas5151. Petrosky E, Blair JM, Betz CJ, Fowler KA, Jack SPD, Lyons BH. Racial and ethnic differences in homicides of adult women and the role of intimate partner violence - United States, 2003-2014. Morb Mortal Wkly Rep [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 11];66(28):741-6. Available from: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/66/wr/pdfs/mm6628a1.pdf
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No último censo do IBGE (2010), o Brasil possuía uma população indígena estimada em 817.962 habitantes, dos quais 502.783 viviam na zona rural e 315.180, na zona urbana. Atualmente, o país possui 488 terras indígenas regularizadas, que ocupam aproximadamente 12,2% do território nacional, distribuídas no Norte (54%), Nordeste (11%), Sudeste (6%), Sul (10%) e Centro-Oeste (19%)6363. Fundação Nacional do Índio (BR). Demarcação de terras indígenas [Homepage]. Brasília: 2020 [cited 2021 Jan 24]. Available from: https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/terras-indigenas/demarcacao-de-terras-indigenas
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A violência letal contra a mulher indígena é cometida por pessoas indígenas ou não. No primeiro caso, o crime pode ter relação com o consumo de álcool e drogas. No segundo, é precedido, na maior parte dos casos, pela violência sexual. Mas há também casos decorrentes de ações de liderança que confrontam as relações de gênero de suas culturas6464. Castilho EWV. A violência doméstica contra mulher no âmbito dos povos indígenas: qual lei aplicar? In: Castilho EWV, Paula LR, Freitas MI, Verdum R, Souza e Silva SE, Kaxuyana VPP. Mulheres Indígenas, Direitos e Políticas Públicas [Internet]. Brasília: INESC; 2008 [cited 2020 Nov 16];21-31. Available from: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/mulheres_indigenas_direitos_pol_publicas.pdf
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Pesquisadores chamam a atenção ainda para o genocídio que vem ocorrendo na disputa por territórios, em que mulheres de grupos étnicos e racializados são mortas como uma mensagem de terror5959. Meneghel SN, Lerma BRL. Femicides in ethnic and racializes groups: syntheses. Cien Saúde Colet. 2017;22(1):117-22. https://doi.org/10.1590/1413-81232017221.19192016
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Outro fator relacionado a esse crescimento é a interferência de brancos nas comunidades indígenas. Situações como a modificação da paisagem natural e a inserção de álcool e drogas contribuem para tornar as relações de gênero conflitivas6565. Zimmermann TR, Seraguza L, Vieana AEA. Relações de gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai - MS (2007-2013). Espaço Ameríndio. 2015;9(1). https://doi.org/10.22456/1982-6524.53538
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. Ademais, a migração de indígenas para centros urbanos, vivendo, na maioria dos casos, em situação de vulnerabilidade social, favorece o aumento da violência6666. Moraes PB. A construção dos direitos indígenas: uma breve análise no contexto urbano do distrito federal. In: Anais do 16th Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. 2019 Oct 30 to Nov 3; Brasília, DF. Brasília: Conselho Federal de Assistência Social; 2019 [cited 2020 Nov 20]. Available from: https://broseguini.bonino.com.br/ojs/index.php/CBAS/article/view/1744/1704
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A ONU destaca que o racismo institucional é um obstáculo para que mulheres pretas, pardas e de minorias étnicas tenham acesso à justiça e agrava a situação de vulnerabilidade vivenciada por elas6767. Organização das Nações Unidas. Diretrizes Nacionais - Feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectivas de gênro as mortes violentas de mulheres [Internet]. Brasília: ONU Mulheres; 2016. [cited 2020 Aug 15]. Available from: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf
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Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) reitera que a violência contra a mulher é evitável e deriva de fatores sociais, culturais, econômicos, entre outros, reduzindo mediante a implementação de programas e políticas eficazes. Nesse sentido, torna-se fundamental analisar o nível socioeconômico, assim como a existência de legislações específicas, níveis de renda, pobreza e privação econômica, emprego, escolaridade, acesso a serviços de saúde e participação política6868. World Health Organization. Preventing intimate partner and sexual violence against woman: taking action and generating evidence [Internet]. Washington: WHO; 2012 [cited 2021 Feb 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44350/9789275716359_por.pdf;jsessionid=066510DD83E5BDC73737E9DA9E49BCEC?sequence=3
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Medidas concretas de apoio à mulher em situação de violência evitam a ocorrência de crimes fatais, visto que a morte é precedida, em grande parte dos casos, por episódios de violência psicológica, patrimonial, física e sexual6060. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: IPEA; 2018 [cited 2020 Aug 15]. Available from: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf
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Por fim, no âmbito da saúde e enfermagem, conhecer as regiões de maior incidência de violência letal contra as mulheres, bem como a faixa etária e a raça/cor predominante favorece o planejamento da assistência integral, que visa o rompimento do ciclo de violência, evitando a reincidência de casos fatais.

Conclusão

Houve tendência de estabilidade das taxas de violência letal contra a mulher no Brasil, com disparidades regionais importantes. As regiões Norte e Centro-Oeste registraram as maiores taxas médias, as regiões Norte e Nordeste tiveram o aumento anual mais expressivo, e o Sudeste foi a única região que apresentou redução significativa das taxas.

Ficou evidenciado ainda tendência de aumento dos casos em mulheres jovens, na faixa etária dos 15 a 39 anos. A distribuição espacial das taxas, segundo raça/cor, revelou maior incidência em mulheres pretas e pardas, com tendência de crescimento.

Torna-se necessário reconhecer as diferenças regionais do Brasil para que o planejamento estratégico de ações seja baseado nas peculiaridades de cada local e nos fatores de risco e proteção à violência contra a mulher.

Referências

  • Artigo extraído da dissertação de mestrado “Análise espacial e tendência dos homicídios femininos no Brasil e no Estado do Paraná”, apresentada à Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001, Brasil.

Editado por

Editor Associado

Ricardo Alexandre Arcêncio

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2021
  • Aceito
    10 Mar 2022
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