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A Sociedade Civil e seu protagonismo na história da TB no Brasil: Celebrando 18 anos do STOP-TB Brasil

A Participação Social (PS) é uma das prerrogativas do Sistema Único de Saúde (SUS) e constitui um dos princípios constitucionais, portanto, além de um direito, é dever de todo cidadão brasileiro1Santos VAA, Souza FBA, Cunha FTC. Organizações Não Governamentais de tuberculose do Rio de Janeiro, Brasil: motivações e vínculos na primeira década do século XXI. Interface (Botucatu). 2016;20(57):305-12. Doi: 10.1590/1807-57622015.0124
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. O presente Editorial tem por objetivo destacar a importância da Sociedade Civil (SC) enquanto agente estratégico para reconhecimento do direito das pessoas afetadas pela tuberculose (TB) por um tratamento digno e de qualidade, sem preconceito e, ainda, elucidar os avanços da Parceria Brasileira Contra a TB nos seus 18 anos de existência, celebrados neste ano.

A TB é uma doença negligenciada e tem colocado um grande desafio à saúde pública brasileira, na medida em que afeta principalmente as populações em situação de vulnerabilidade social (pessoas em situação de rua, no sistema prisional, indígenas, entre outras) que enfrentam dificuldades de acesso aos serviços de saúde. A sociedade civil pode ter um papel crucial junto aos serviços de saúde e gestores, lutando pela melhoria da qualidade de vida, dignidade da pessoa, família e comunidades afetadas pela doença1Santos VAA, Souza FBA, Cunha FTC. Organizações Não Governamentais de tuberculose do Rio de Janeiro, Brasil: motivações e vínculos na primeira década do século XXI. Interface (Botucatu). 2016;20(57):305-12. Doi: 10.1590/1807-57622015.0124
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Lamentavelmente, apenas 71% das pessoas que iniciam o tratamento de TB no Brasil o concluem, quando o esperado era de no mínimo 85%, ficando aquém das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS)2World Health Organization. Compendium of data and evidence-related tools for use in TB planning and programming [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited 2022 Aug 29]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/compendium-of-data-and-evidence-related-tools-for-use-in-tb-planning-and-programming
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. Tal situação pode ocorrer pela dificuldade dessa população no seguimento do tratamento, que é longo, pelos efeitos colaterais dos medicamentos, custos indiretos com o tratamento, estigma e preconceito da doença. Quando uma pessoa com TB abandona o tratamento, aumenta-se a chance de formas resistentes da micobactéria, cujo tratamento necessário será mais longo (mais de 12 meses), com efeitos colaterais mais graves e maiores custos tanto para as famílias quanto para o sistema de saúde, além do fato de todos da comunidade estarem em risco de contrair as formas mais resistentes da micobactéria. Um estudo evidenciou que 55% das cepas de TB são resistentes ao antibiótico devido às interrupções do tratamento, o que requer novas aproximações com os serviços de saúde, consultas sistemáticas, exames e formas estratégicas de monitoramento e seguimento do tratamento, um cuidado centrado na pessoa3Pereira AJ, Nichiata LYI. A sociedade civil contra a Aids: demandas coletivas e políticas públicas. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3249-57. Doi: 10.1590/S1413-81232011000800024
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Ao considerar que o Brasil é signatário dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 e que a meta 3.3 preconiza a extinção da epidemia de TB (entre outras doenças) até 2030, sem sofrimento e preconceito, o alcance da mesma depende também da reestruturação dos serviços e da própria mobilização da SC.

Na história de construção do SUS e no campo das doenças transmissíveis foi destacada a participação da SC na luta do direito da pessoa com AIDS/HIV. Essa participação culminou com um tratamento mais digno no âmbito dos serviços de saúde, redução da discriminação e estigma por parte dos profissionais de saúde e da sociedade, promulgação de leis que dessem suporte social, como aposentadorias, isenções de impostos e benefícios sociais às populações vivendo com HIV4Crook DW, Peto TEA, Hoosdally SJ, Cruz ALG, Walker AS, Walker TM, et al. A data compendium associating the genomes of 12,289 Mycobacterium tuberculosis isolates with quantitative resistance phenotypes to 13 antibiotics. PLoS Biol. 2022 Aug 9;20(8):e3001721. Doi: 10.1371/journal.pbio.3001721
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Inspirado nesse movimento de luta pelos direitos, no contexto da TB, foi lançado, há 18 anos, o STOP-TB Brasil, a Parceria Brasileira Contra a Tuberculose, com base nas diretrizes internacionais do Plano Global para deter a tuberculose do “STOP TB Partnership”, da Organização Mundial de Saúde. Essas diretrizes tinham como principal objetivo fortalecer e acelerar as ações políticas e sociais, para frear a intensa disseminação da TB no mundo, quando então os países mais afetados pela doença assinaram em 2002, durante a Conferência Ministerial sobre TB e Desenvolvimento Social, a Declaração de Amsterdã5Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável. ODS 3 - Saúde de Qualidade [Homepage]. [cited 2022 Aug 30]. Available from: https://dados.gtagenda2030.org.br/3/#goal-301
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, da qual o Brasil também foi signatário.

Na referida Declaração houve compromisso explícito dos países de monitorar e avaliar os seus Programas Nacionais de TB (PNCT), em consonância com os padrões estabelecidos pela OMS, bem como apoiar as parcerias com as organizações não-governamentais (ONG) e com a comunidade5Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável. ODS 3 - Saúde de Qualidade [Homepage]. [cited 2022 Aug 30]. Available from: https://dados.gtagenda2030.org.br/3/#goal-301
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. Tal iniciativa levou o Brasil, em 2003, a colocar a TB na agenda de saúde e pactuar o fortalecimento da estratégia Tratamento Diretamente Observado de Curta Duração (DOTS) com as demais esferas de gestão como o principal instrumento para alcançar as metas internacionais de controle da TB6The STOP TB Partnership. About the Stop TB Partnership [Homepage]. Geneva: UNOPS; 2019 [cited 2022 Apr 12]. Available from: https://www.stoptb.org/about/how-partnership-works
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Potenciais parceiros foram convidados a integrar a Parceria Brasileira, tais como governo federal, estados, municípios e sociedade civil, com forte atuação para o alcance das metas. É válido destacar que o Programa de Controle da Tuberculose do Estado do Rio de Janeiro e a Divisão de Tuberculose da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo adotaram estratégias muito peculiares de mobilização da sociedade civil para a inclusão desse componente comunitário na luta contra a TB.

Em 2003, foi criado o Fórum de ONG de Luta Contra a Tuberculose no Estado do Rio de Janeiro (FTB-RJ), que desempenhou um papel importante na divulgação de informações relativas ao tema TB, em âmbito local e nacional. Um minucioso trabalho de identificação e sensibilização de instituições de caráter regional e nacional para integrarem a Parceria foi realizado pelo PNCT.

O Projeto possibilitou a realização de ações estratégicas em nível local, repercutindo em melhoria da cobertura do DOTS e consequente redução de incidência, prevalência e mortalidade da TB. Com o intuito de aprimorar a implementação desse Projeto, foram criados os Comitês Metropolitanos (CAMS), instâncias colegiadas formadas por representantes de governo e SC, de caráter consultivo e propositivo para a discussão dos aspectos relativos ao planejamento, ao monitoramento e avaliação das atividades do Projeto, de acordo com a realidade de cada região metropolitana.

Na consolidação do segmento ativismo, a Parceria Brasileira passou a ocupar importantes espaços no cenário nacional, tendo como desdobramentos o lançamento da Primeira Frente Parlamentar Mista de Combate à Tuberculose e a AIDS e a realização do III Fórum Mundial de Parceiros STOP TB.

As ações de Parceria ocorrem no campo da política pública, executando ações de advocacy junto ao legislativo e executivo, nos níveis internacional e nacional, e também no âmbito dos municípios e Estados. A Parceria tem favorecido o controle social por meio da participação nos conselhos de direitos e conselhos gestores de políticas públicas.

A Parceria Brasileira vem participando, desde 2018, na elaboração do texto do Relatório Luz, monitorando e avaliando os progressos do país rumo à Agenda 20305Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável. ODS 3 - Saúde de Qualidade [Homepage]. [cited 2022 Aug 30]. Available from: https://dados.gtagenda2030.org.br/3/#goal-301
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. Atua, também, junto aos serviços para a redução do estigma, bem como para um tratamento mais digno à pessoa com TB. Trabalha junto à frente parlamentar da TB/HIV com estímulos à proposição de projetos de leis que possam sustentar os benefícios sociais à pessoa com TB, haja vista que 80% das pessoas diagnosticadas requerem algum tipo de suporte ou auxílio social.

A Parceria é, também, protagonista na interlocução com os governos, Agências de Financiamento e Universidades, na reivindicação de pesquisas e inovação tecnológica, principalmente de novos medicamentos, com perspectiva de redução do tempo de tratamento e com menos efeitos colaterais, com vistas à qualidade de vida das pessoas com TB. A quebra de patentes de medicamentos também é espaço de agenda da sua atuação.

Assim, a Parceria reafirma seu compromisso para a mudança da realidade vivida pelas pessoas com TB e suas famílias. Para isso, tem trazido a TB para o cenário político e agenda da saúde, colaborando assim para a redução das desigualdades, bem como garantindo a equidade, o direito de acesso à saúde e tratamento digno das populações afetadas pela TB, no contexto dos serviços de saúde.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022
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