Acessibilidade / Reportar erro

A obra madura de Lukács: sobre a correlação entre ética e ontologia

Resumo:

Neste artigo, analisaremos a colocação da questão da ética em Lukács, explicitando que a correlação existente em sua obra entre ontologia e ética é distinta do que se pode imaginar de início. Trata-se de uma abordagem que, na esteira da ênfase na necessidade de renascimento do marxismo diante da permanência do stalinismo, enfatiza a importância da apreensão do ser-propriamente-assim da sociedade em ligação com o estudo da prática em meio a esta mesma sociedade. No projeto da Ética, não se tem qualquer teorização que se assemelhe a uma abordagem reflexiva da moral; antes, ao trazer a correlação entre ética e ontologia ao centro do debate, o autor de Para uma ontologia do ser social destaca o que chama de dialética objetiva do desenvolvimento da sociedade.

Palavras-chave:
Lukács; Obra madura de Lukács; Ontologia; Ética; Renascimento do Marxismo

Abstract:

we will analyze the matter of Ethics in Lukács, explaining that there is a correlation in his work between ontology and ethics. And it something different from what one might initially imagine. It is an approach that, with emphasis on the need for a rebirth of Marxism in the face of the permanence of Stalinism, emphasizes the importance of apprehending society's being and studies the practice that occurs in the medium of this same society. There is no theorizing that resembles a reflexive approach to Moral; rather, by bringing the correlation between ethics and ontology to the center of the debate, the author of Towards an ontology of social being emphasizes what he calls the objective dialectic of the development of society.

Keywords:
Lukács; Lukács´ late work; Ontology; Ethics; Rebirth of Marxism

Introdução

Importantes autores como Nicolas Tertulian destacam a centralidade do projeto da Ética colocado por Lukács, dizendo que “não era possível estabelecer a especificidade da atividade ética fora de uma reflexão em conjunto”, de modo que “a Ontologia do ser social representa a concretização desse vasto programa totalizante, destinado a preparar a Ética” (TERTULIAN, 2010, 390). No Brasil, José Paulo Netto é explícito no sentido de que “sem uma teoria do ser (uma ontologia) social, a ética seria insustentável (enquanto uma ética materialista e dialética).” (PAULO NETTO, 2012, p. 16) E, assim, o projeto lukacsiano seria de tal monta que uma das grandes obras do autor húngaro, Para uma ontologia do ser social, poderia ser vista, no limite, como uma espécie de preâmbulo para uma Ética.

Esta última passaria pela questão do estranhamento e do desestranhamento (TERTULIAN, 2006TERTULIAN, N. Aliénation et desaliénation: une confrontation Lukács-Heidegger. Actuel Marx, Paris, n. 39, 2006.), pela especificidade do gênero humano em-si e para-si (TERTULIAN, 2016TERTULIAN, N. Lukács e seus contemporâneos. Tradução de Pedro Corgozinho. São Paulo: Perspectiva, 2016.), pela crítica ao stalinismo (TERTULIAN, 2007aTERTULIAN, N. O pensamento do último Lukács. Tradução de Juarez Duayer. Revista Outubro, São Paulo, n. 16, 2007a., 2007bTERTULIAN, N. Lukács e o Stalinismo. Verinotio: Revista de Educação e Ciências Humanas, Belo Horizonte, v. 7, n. 11, 2007b.), bem como pela dimensão estética (TERTULIAN, 2008TERTULIAN, N. Lukács: etapas de seu pensamento estético. Ed. UNESP. São Paulo: 2008.). Ou seja, ao que parece, o projeto lukacsiano da Ética traria temas essenciais a seu legado, bem como ao presente. E isto ocorreria de modo a explicitar questões que apareceriam somente indicadas em suas obras maduras, como a já mencionada Ontologia, bem como a Estética.

Nessa esteira, Nicolas Tertulian chega mesmo a se dizer que “não se deve esquecer que a Ontologia do ser social nasceu como pano de fundo de uma vasta pesquisa consagrada aos problemas da Ética” (TERTULIAN, 2010, p. 390). E, com isto, parece restar claro que a Ética de Lukács apoia-se em sua ontologia, e que esta última teria grande valia por preparar o terreno para este grande projeto do marxista húngaro. No limite, isto poderia levar a defesa de uma Ética que poderia se contrapor aos relativismos atuais e, também por isto, o tema seria de enorme relevância. (CARLI, 2017CARLI, R. Ética, moral e ordem. Campinas: Papel Social, 2017.) Ou seja, salvo poucas exceções, como Mészáros (1972MÉSZÁROS, Í. Lukács’concept of dialetic. London: Merlin Press, 1972., 2002MÉSZÁROS, Í. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. Paulo Cezar Castanheda e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.) — que acredita que a tematização lukacsiana da ética decorre de falta de mediações políticas em seu pensamento, mas que não chega a fazer uma crítica imanente da obra madura do autor húngaro, o que nos parece essencial ao tema (SARTORI, 2018SARTORI, V. B. O Direito à luz de História e consciência de classe de György Lukács: uma leitura a partir do impacto da Revolução Russa. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018.) — há certa concordância no sentido de que a Ética lukacsiana, mesmo não desenvolvida de modo sistemático, poderia ter sido a grande contribuição do marxista magiar. Há, pode-se dizer, uma sensação de vazio. E isto ocorre de tal modo que Oldrini pode falar que “permanece, portanto, verdadeiro que a prometida ética não existe. Os rascunhos das Versuche1 1 Oldrini refere-se aqui às Notas para uma ética (2015). não remedeiam, já que não tem, certamente, o posto de uma Ética” (OLDRINI, 2017OLDRINI, G. György Lukács e os problemas do marxismo do século XX. Trad. Mariana Andrade. Alagoas: Coletivo Veredas, 2017., p. 324). Ou seja, embora sempre se reconheça — ao menos nos estudiosos mais autorizados da obra madura de Lukács — os méritos de sua obra, parte substancial dos grandes intérpretes de seu pensamento é tomada pelo sentimento de que a prometida obra traria resolução mais concreta para temas essenciais ao presente, ao mesmo tempo em que poderia desenvolvê-los mais sistematicamente em uma abordagem sistemática digna do posto de uma Ética, para que se fale com Oldrini.

No presente escrito problematizaremos tais posicionamentos. A partir daquilo que José Chasin (2009)CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. chamou de análise imanente, pretendemos explicitar a gênese, a estrutura e a função da colocação da questão da ética no pensamento do Lukács maduro.

Ética e ontologia

Se aos grandes intérpretes do pensamento lukacsiano a Ontologia, de certo modo, prepara a Ética, há de se ver o contexto em que Lukács diz trabalhar em tais obras:

Minha atividade essencial depois de 1956 está ligada a estas tarefas. As obras maiores, uma recém-concluída Ontologie des gesellschaftlichen Seins (Ontologia do ser social) e uma projetada Ética pretendem oferecer contribuições para a fundamentação de uma práxis comunista no presente ... e no futuro. (LUKÁCS, 2008LUKÁCS, G. Der Spigel entrevista o filósofo Lukács. Verinotio: Revista On Line de Educação e Ciências Humanas, Rio das Ostras, n. 09, 2008., p. 212).

O primeiro ponto a se destacar é que o próprio Lukács não traz uma relação de hierarquia entre as suas mencionadas obras. Ambas buscam contribuir para a fundamentação de uma práxis comunista; as Notas sobre uma ética (2015) têm a escrita contemporânea à Ontologia, que o autor húngaro diz estar recém-concluída, mas que, em sua completude – ao se ter em conta tanto a parte histórica quanto a sistemática –, também restou inconclusa e teve mudanças substanciais na exposição nos Prolegômenos (2010).

Ou seja, a rigor, tanto os estudos sobre a ontologia quanto aqueles sobre a ética não foram concluídos e estavam em desenvolvimento quanto Lukács veio a falecer em 1971. Nosso autor diz que não há “nenhuma ética sem ontologia” (LUKÁCS, 2015LUKÁCS, G. Notas para uma ética. Alagoas: Instituto Lukács, 2015., p. 181). Mas isto não significa que, primeiro, deva-se desenvolver uma Ontologia sistemática para, então, iniciar uma Ética igualmente sistemática. O significado daquilo que diz Lukács é muito mais mundano; em suas palavras: “Ad Ética e ontologia. Impossível colocar-se o ético sem adicionar condição do mundo” (LUKÁCS, 2015LUKÁCS, G. Notas para uma ética. Alagoas: Instituto Lukács, 2015., p. 193). Mesmo que possa existir certo ímpeto à sistematização filosófica no autor húngaro e mesmo que isto possa ser problemático em alguns pontos (CHASIN, 2009CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.) — sobretudo ao se ter e mente sua relação com Hegel em algumas obras como Introdução a uma estética marxista (2018b) —, não há uma relação de dependência entre ética e ontologia no sentido em que estas últimas são entendidas na filosofia acadêmica. Antes, nosso autor coloca-se contra esta forma de divisão da filosofia, que decorreria do processo de segmentação do conhecimento, bem como de conformação das ciências parcelares. (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., 2020bLUKÁCS, G. Essenciais são os livros não escritos: últimas entrevistas. Trad. Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2020b.). E, assim, trabalha-se em uma Ontologia em uma Ética, mas há consciência sobre o caráter unitário da realidade, que é apreendida em graus distintos de abstração.

Ontologia e Ética, pois, tratam da mesma realidade, mas em graus diferentes de concretude; são, portanto, indissociáveis e não possuem um desenvolvimento autônomo próprio. O marxista húngaro vê sua obra “como passos mais ou menos bem-sucedidos na direção de minha pretendida renovação do marxismo do ponto de vista ontológico” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 157), o que seria essencial em um momento em que — como a falência da revolução húngara de 1956 atestou (MÉSZÁROS, 2018MÉSZÁROS, Í. A revolta dos intelectuais na Hungria. Trad. João Pedro Alves Bueno. São Paulo: Boitempo, 2018.) — ainda vigia o stalinismo, o qual seria um entrave ao socialismo e ao marxismo: “de fato, somente diante da liquidação do stalinismo podem surgir no socialismo tendências que tornam a vida significativa”; e, infelizmente, diz nosso autor: “elas foram sufocadas no sistema stalinista, e na forma, até agora, stalinista de sua superação” (LUKÁCS, 2014LUKÁCS, G. Conversando com Lukács. Alagoas: Instituto Lukács: 2014., p. 77-78). Ou seja, a renovação do marxismo seria essencial diante de um cenário em que, inclusive, “é muito baixo o número daqueles que realmente leram Marx” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 92). Também aparece esta temática ao passo que — e aqui nosso autor é bastante duro — diz Lukács: “o marxismo, concebido acertadamente, [...] não existe mais. Em seu lugar, temos o stalinismo, e continuaremos a tê-lo ainda por algum tempo.” (LUKÁCS, 1972LUKÁCS, G. Conversation with Gyorgy Lukács (Interview with Franco Ferrarotti). New York: World View, 1972., p. 32) O autor húngaro diz que “não há mais marxistas. Nós simplesmente não temos uma teoria marxista” (LUKÁCS, 1972LUKÁCS, G. Conversation with Gyorgy Lukács (Interview with Franco Ferrarotti). New York: World View, 1972., p. 31). Ou seja, a referência ao ano de 1956 não é fortuita: após a repressão à revolução húngara, Lukács se volta à Ontologia e à Ética ao ter em conta, não a formação de um sistema filosófico mais ou menos fechado, mas procurando contribuir na tarefa de renascimento do marxismo (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a.).

O segundo ponto a se destacar, assim, é que dizer que não pode existir uma Ética sem uma ontologia significa algo diferente do que talvez se pense. O autor de Para uma ontologia do ser social não está ressaltando que sua Ontologia é uma espécie de introdução ou condição para seu escrito posterior, e inconcluso. O renascimento do marxismo levaria nosso autor a enxergar suas contribuições “como elaboração que vai da doutrina marxista da atividade humana da vida cotidiana à ética sob uma nova luz” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 157). E, dessa maneira, ele aponta para a interrelação entre as esferas da atividade humana, esferas cuja especificidade é apreendida em suas obras de maturidade (SARTORI, 2021SARTORI, V. B. Lukács e o projeto da “grande Ética”: a busca de uma moral marxista? Rio das Ostras: Edições Verionotio, 2021.), mas cuja relação concreta na realidade efetiva do presente ainda precisaria ser exposta com o devido cuidado. Podemos dizer, portanto, que Ontologia e Ética se colocam em diferentes graus de abstração, mas não com objetos epistemologicamente apartados. Tanto é assim que, ao tratar dos problemas ontológicos, nosso autor os liga também ao critério de verdade que se coloca na prática: “os problemas ontológicos não possuem apenas um caráter puramente teórico, ainda que, naturalmente, a correção teórica seja decisiva para sua extensão à prática, à ética.” (LUKÁCS, 2012LUKÁCS, G. Ontologia do ser social I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012., p. 104) Ao fazer isto, Lukács traz a correlação entre Ética e Ontologia ao ligar a primeira de modo mais direto à prática ao passo que a segunda estaria ligada a esta de modo mais mediado. A Ontologia, no caso, uma ontologia do ser social, portanto, passa pela apreensão das determinações mais gerais das categorias sociais, ao passo que a Ética traz o movimento concreto destas determinações em meio à atividade humana concreta.

Nosso autor traz à tona o tema ao enxergar o processo de apreensão das categorias da realidade tanto em um nível mais geral quanto em um processo de relativização dos resultados conseguidos. E, assim, os problemas categoriais se colocam em diversos graus de concretude da atividade humana, do trabalho à ética:

Quanto mais os próprios seres humanos se tornam objetos de atividades humanas, tanto menos essa generalidade se mantém como tal, tanto mais importante nela se torna o momento de uma relativização no processo, a esse propósito; a homogeneização assume o caráter de uma mera aproximação geral. Os problemas categoriais que assim surgem constituem momentos importantes da caracterização adequada da atividade humana. Seu campo de realização estende-se do trabalho, da vida cotidiana, até as formas mais elevadas de atividade, na ética. (LUKÁCS, 2010, p. 225).

E, assim, no tratamento lukacsiano, não há tantas disciplinas ou partes diferentes de um sistema, mas níveis distintos de abstração da atividade humana realizada em meio à realidade social. A apreensão cuidadosa destes aspectos, bem como a teorização sobre o próprio processo de abstração, e das abstrações isoladoras — questões estas abordadas em Para uma ontologia do ser social (FORTES, 2013FORTES, R. V. As novas vias da ontologia em György Lukács: as bases ontológicas do conhecimento. Saardbrüeken: Novas Edições Acadêmicas, 2013., 2016FORTES, R. V. Trabalho e gênese do ser social em Lukács. Florianópolis: Em debate, 2016.), mas essenciais à própria análise da obra de Marx (ROSDOLSKY, 2001ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital. Trad. César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.) — foi de grande relevo à obra madura de Lukács. Seu projeto de renascimento do marxismo trouxe à tona estas temáticas, aqui vistas ao passo que analisamos a relação entre Ética e Ontologia. E, desse modo, é preciso que se desloque a questão da ética da correlação existente em algum sistema filosófico para algo distinto: para a relação existente entre apreensão do real e a atividade humana.

Ética, Ontologia e apreensão do ser-propriamente-assim do ser social

De acordo com o autor húngaro, para se fundamentar a prática comunista do presente e do futuro é essencial que se compreenda a própria sociabilidade de uma época. A Ética e a Ontologia lukacsiana procuram dar passos neste sentido. E, assim, podemos dizer que a correlação entre as duas é bastante mundana, também: a atuação prática, caso queira ser bem-sucedida, traz a correta apreensão do ser-propriamente-assim da sociedade. Se o marxismo não consegue compreender a própria realidade social, sua potência é perdida e, em sua época, diz Lukács, tem-se algo muito preocupante: “nós, marxistas, devemos partir, acima de tudo, do fato de que, por causa do stalinismo, não fornecemos até agora uma análise verdadeiramente séria do capitalismo contemporâneo” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 146). De acordo com nosso autor, a relação entre ética e ontologia se apresenta, também, ao passo que a resposta à questão do que fazer precisa de uma análise coerente e rigorosa sobre o capitalismo contemporâneo. E, assim, Lukács já disse que seria necessária uma “caracterização adequada da atividade humana. Seu campo de realização estende-se do trabalho, da vida cotidiana, até as formas mais elevadas de atividade, na ética” (LUKÁCS, 2010, p. 225). Tal empreitada precisa justamente da compreensão sobre as mudanças e as transformações do capitalismo contemporâneo, o que estaria ausente em um marxismo hegemonizado pelo stalinismo.

A fundamentação da práxis comunista teria isto como essencial, e passaria pela superação do stalinismo e pelo renascimento do marxismo (SARTORI, 2021SARTORI, V. B. Lukács e o projeto da “grande Ética”: a busca de uma moral marxista? Rio das Ostras: Edições Verionotio, 2021.).

No limite, isto levaria, da correlação necessária entre ética e ontologia à necessidade da atualização da crítica da economia política. Assim, diz o autor de Para uma ontologia do ser social: “ora, não sou economista, mas me dou conta de que existem fenômenos sobre os quais os marxistas não refletiram ainda.” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 146) Ou seja, a colocação da questão da ética em Lukács não está ligada a um ímpeto sistemático de complementação do marxismo com elementos normativos e deontológicos. Antes, passa pela ligação entre os aspectos teóricos e práticos da crítica à sociedade capitalista. Nosso autor busca responder às condições do presente e sabe que isto somente é possível por meio da práxis; porém, sabe que a compreensão das condições objetivas da atividade humana é central em meio a esta problemática e, com isto, traz um apontamento importante sobre o marxismo de sua época: “as condições objetivas mudam e não sabemos o que fazer. Corremos em direção aos protestos dos jovens e aos movimentos estudantis sem compreendê-los e, naturalmente, sem os termos previsto.” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 208) Ou seja, a resposta sobre o que fazer precisa do entendimento acerca do ser-propriamente-assim da sociedade, bem como do movimento do próprio real.

Não basta uma crítica moral ao capitalismo. Isto também seria feito por vários autores não marxistas. O diferencial do marxismo seria que ele conseguiria correlacionar a prática comunista do presente e do futuro com a correta apreensão do movimento e das tendências do real. Heidegger, por exemplo, na mesma época, criticaria de modo duro a democracia burguesa (SARTORI, 2019SARTORI, V. B. Ontologia nos extremos: o embate Heidegger-Lukács, uma introdução. São Paulo: Intermeios, 2019.), o que é tratado por Lukács em diversos momentos (LUKÁCS, 2013LUKÁCS, G. Ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013., 2021LUKÁCS, G. Heidegger Redivivus. Verinotio nova fase. Rio das Ostras: UFF, 2021.). Porém, destaca o autor húngaro que a questão da cotidianidade e do impessoal, típicas do pensamento heideggeriano, passam por uma posição a qual “é, no fundo, uma questão ética que, também no caso dele, como veremos mais adiante, necessariamente terminará numa das alternativas oferecidas pela pergunta ‘que fazer?’” (LUKÁCS, 2012LUKÁCS, G. Ontologia do ser social I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012., p. 91). Isto é, a crítica de Lukács a ontologia de Heidegger, e a outras, liga-se a questões éticas e, assim, ao modo pelo qual os diferentes autores passam pela pergunta do que fazer. As críticas de Lukács a Heidegger, bem como a autores como Sartre, Beauvoir e Merleau-Ponty (LUKÁCS, 1967LUKÁCS, G. Marxismo ou Existencialismo. São Paulo: Senzala, 1967.) são também de natureza ética pois passam pelo questionamento da resposta sobre esta reposta essencial.

Tais autores, ao não primarem pela apreensão do movimento objetivo da própria realidade, adotariam uma posição que culmina numa espécie de idealismo subjetivo. Dizemos tudo isto para enfatizar que o ímpeto lukacsiano no sentido do renascimento do marxismo está ligado à necessidade de se correlacionar de modo correto a apreensão do ser-propriamente-assim da realidade (a ontologia) com a resposta sobre o que fazer (a ética). E a constatação de Lukács é que o marxismo de sua época — tal qual o existencialismo e outras filosofias burguesas —, em verdade, não estaria preparado para isto. As novas condições objetivas do capitalismo restariam incompreendidas e o mínimo para que se possa realizar uma crítica vigorosa ao modo de produção capitalista, a saber, a crítica da economia política, estaria desatualizado. De acordo com nosso autor, “a última análise marxista séria foi aquela feita por Lênin sobre o imperialismo, no tempo da Primeira Guerra Mundial” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 146). E, assim, haveria muito a se fazer, sendo preciso um verdadeiro renascimento do marxismo, com a superação do stalinismo.

Se Lukács havia dito que “é muito baixo o número daqueles que realmente leram Marx” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 92), problema seria ainda mais grave pois não bastaria ler o autor de O capital. Seria preciso atualizar o tratamento do autor alemão no presente. Aquilo que Lênin teria conseguido na época da Primeira Guerra Mundial precisaria ser realizado novamente para superar a visão stalinista de mundo e, assim, trazer de modo acertado a correlação entre a questão do que fazer e a compreensão do real. Esta constatação de Lukács, que redunda no clamor pelo renascimento do marxismo, tem íntima conexão com seu posicionamento segundo o qual é “impossível colocar-se o ético sem adicionar condição do mundo” (LUKÁCS, 2015LUKÁCS, G. Notas para uma ética. Alagoas: Instituto Lukács, 2015., p. 193). E, nesse sentido, diz-se:

Devemos agora submeter todas as categorias que Marx estabeleceu para o capitalismo da década de 1880 a uma nova investigação econômica. Isso não aconteceu. Ao mesmo tempo, nós, comunistas, como incapazes, enfrentamos o novo capitalismo e constantemente atribuímos a ele categorias antigas, com as quais em geral não explicamos nada. O que chamo de renascimento do marxismo teria, portanto, como uma de suas primeiras tarefas examinar exatamente quais são as peculiaridades econômicas do capitalismo de hoje e então fazer com que a atitude em relação ao capitalismo dependa dessa análise e não das análises de oitenta anos atrás. (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 175).

Não só os marxistas teriam deixado de ler Marx; quando o conheciam, aplicavam mecanicamente as categorias desenvolvidas em O Capital ao novo capitalismo. E, por isto, as tarefas do renascimento do marxismo seriam enormes e envolveriam a atualização da crítica da economia política. A atitude diante do capitalismo posterior à II Guerra Mundial precisaria de uma análise econômica sólida e, também neste sentido, mesmo que as expressões não apareçam aqui explicitamente, o mote de Lukács gira em torno da correlação entre ontologia e ética. A atitude diante do capitalismo de determinada época depende da apreensão de sua particularidade, bem como da diferença específica existente entre as categorias econômicas de determinado momento diante daquelas das análises de Marx e dos clássicos do marxismo (nosso autor pensa principalmente em Lênin). Sem ter isto em mente, o marxismo permaneceria na situação em que “as condições objetivas mudam e não sabemos o que fazer.” (LUKÁCS, 2020aLUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a., p. 208) Seria preciso nada menos que a atualização da crítica da economia política de Marx para que houvesse uma relação plausível entre a atitude diante do capitalismo por parte dos marxistas — ou seja, a prática comunista do presente e do futuro — e a resposta ao problema do que fazer.

E, assim, pode-se mesmo dizer que há maior correlação da projetada Ética de Lukács com a crítica da economia política do que com a criação de uma abordagem marxista da normatividade que se enquadre nos parâmetros da filosofia burguesa.

Mesmo ao termos em mente o debate de Lukács com a filosofia burguesa sobre o tema, ainda se vê algo essencial: nosso autor não está partindo de qualquer tematização que tenha por central a moral e sua correlação com imperativos e com o Direito, como acontece em Kant, por exemplo. Sobre este último autor, diz o marxista húngaro que “na sua ética, estabelece-se uma sujeição exclusiva e incondicionada ao dever ser; e nela não há lugar para uma dialética aos conflitos éticos” (LUKÁCS, 2018bLUKÁCS, G. Introdução a uma Estética Marxista. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Alagoas: Instituto Lukács, 2018b., p. 24) Antes, Lukács valoriza — mesmo que critique sob diversos aspectos (LUKÁCS, 2018aLUKÁCS, G. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018a.) — a abordagem hegeliana em que, desde cedo, “o fator objetivo, econômico e histórico é enfatizado com intensidade cada vez maior, em contraposição ao papel da simples moralidade.” (LUKÁCS, 2018aLUKÁCS, G. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018a., p. 493). E, assim, ao valorizar a “riqueza de relações sociais dos homens que caracteriza a ética em Hegel” (LUKÁCS, 2020, p. 244) nosso autor, quando se trata de ética, vem a trazer justamente a correlação entre os fatores objetivos, históricos e econômicos com a questão do que fazer. Haveria, assim, um movimento correto de Hegel na crítica a Kant: “Hegel submeteu o subjetivismo da ética kantiana a uma crítica muito incisiva e, ao fazê-lo, tentou resolver os problemas sociais reais contidos nessa ética com base no idealismo objetivo, da dialética objetiva do desenvolvimento social”, mas isto teria sido feito ao passo que tal dialética é “concebida em termos idealistas” (LUKÁCS, 2018aLUKÁCS, G. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018a., p. 90). E, assim, seria necessário superar o hegelianismo, dentre outras coisas, ao trazer uma compreensão dialética e materialista daquilo que Hegel chamou de eticidade e que traria consigo a correlação entre família, sociedade burguesa e Estado.

Ou seja, a ligação entre ética e ontologia aparece aqui também à medida que a crítica de Lukács à ontologia de Hegel, ou seja, ao seu modo de lidar com o real (Cf. LUKÁCS, 2012LUKÁCS, G. Ontologia do ser social I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012.) estaria intimamente conectada com a crítica à visão de mundo, à posição e ao ponto de vista hegeliano sobre o movimento da sociabilidade burguesa. Há uma indissociabilidade entre a apreensão hegeliana do real e sua resposta à questão ética acerca do que fazer. Ao trazer uma crítica à moralidade e ao enfatizar a eticidade, o autor da Fenomenologia do espírito teria enfocado na necessidade de apreender aspectos, por assim dizer, normativos ao passo que eles estão colocados concretamente na dialética objetiva do desenvolvimento social. E, neste ponto específico, Lukács é profundamente devedor a Hegel na elaboração de sua Ética (SARTORI, 2017SARTORI, V. B. Direito, ética e generidade na obra madura de György Lukács: acerca das tensões que permeiam o complexo jurídico. Revista Quaestio Iuris. Rio de Janeiro, 2017., 2018SARTORI, V. B. O Direito à luz de História e consciência de classe de György Lukács: uma leitura a partir do impacto da Revolução Russa. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018.). Porém, ao criticar o modo pelo qual o autor alemão apreende o real, há também um posicionamento crítico sobre a maneira hegeliana de conceber a atividade prática no presente.

Trazemos à tona tal aspecto para deixar claro que, no embate sobre a ética – que também envolve a crítica a autores como Schopenhauer, Kierkegaard, Weber e Nietzsche em A destruição da razão, bem como autores como Spinoza na Ontologia — Lukács não cansa de ressaltar a oposição a qualquer análise do tema que tenha a moral (ligada a uma posição individual diante da sociedade) por central. Novamente, isto decorre de certo debate com Hegel: “a dialética de moralidade e eticidade prescreve para Hegel imperativamente que a consciência moral individual, que necessariamente é abstrata, só pode chegar à plenitude na eticidade concreta” (LUKÁCS, 2018aLUKÁCS, G. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018a., p. 502). Mas o mais importante a ser destacado neste momento é que sempre que o autor húngaro trata da ética ele não o faz no sentido mais comum na filosofia, no qual, na melhor das hipóteses, há “uma teoria das obrigações morais que se colocaria como referência ao agir moral individual, para além da moralidade vigente — portanto, com um caráter prescritivo” (ALBINATI, 2020ALBINATI, A. S. A questão da moralidade na obra de Marx. São Paulo: Instituto Caio Prado Jr., 2020., p. 14). A tarefa lukacsiana, ao abordar a correlação entre ética e ontologia, é outra: a de destacar a atividade humana em meio às determinações concretas da sociedade e, portanto, a ligação entre o problema do que fazer e a apreensão do ser-propriamente-assim de cada complexo que compõe o ser social (SARTORI, 2021SARTORI, V. B. Lukács e o projeto da “grande Ética”: a busca de uma moral marxista? Rio das Ostras: Edições Verionotio, 2021.).

Considerações finais

Nossos apontamentos podem, até certo ponto, trazer certo desconforto. Isto ocorre porque, pelo que vimos, o grande projeto da Ética de Lukács não corresponde à busca por um tratamento sistemático da moral e da normatividade em geral, mas a uma abordagem concreta da prática social. O marxista húngaro, no final de sua vida, não estava buscando explorar um campo no qual a teoria marxista teria algum déficit normativo ou algo do gênero. Antes, no ímpeto de renascimento do marxismo, o autor de Para uma ontologia do ser social voltava-se a temas clássicos do marxismo, que, desde Lênin, teriam sido negligenciados em meio à hegemonia do stalinismo. Sua posição sobre a relação entre ética e ontologia, assim, não é aquela segundo a qual se trataria de dois campos complementares da filosofia ao passo que haveria necessidade de elaborar uma Ontologia para, então, desenvolver uma Ética. Em verdade, destaca-se algo muito mais mundano: a correlação entre a apreensão do ser-propriamente-assim da sociedade, da especificidade de cada complexo social e da atividade humana sensível, que sempre ocorre em condições historicamente determinadas. E o enfoque lukacsiano, com uma crítica à moralidade — e diálogo crítico com a concepção de eticidade —, está justamente nestas condições, que conformam o que chamou de dialética objetiva do desenvolvimento social.

Aqui só pudemos trazer as determinações gerais da colocação da questão da ética na obra madura de Lukács. Para um tratamento aprofundado do tema, seria preciso passar por sua repulsa juvenil — em Tática e ética, principalmente — à concepção hegeliana de eticidade (Cf. SARTORI, 2020SARTORI, V. B. Responsabilidade Individual e Ação Revolucionária: direito e moral em Lukács anterior a sua obra História e Consciência de Classe. Revista Sequência, Florianópolis, v. 41, n. 24, 2020.), e por análise entre a moral e a consciência de classe proletária deveria ser analisada em História e consciência de classe (SARTORI, 2018SARTORI, V. B. O Direito à luz de História e consciência de classe de György Lukács: uma leitura a partir do impacto da Revolução Russa. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018.). Para que se mencione a obra propriamente madura de Lukács, colocada após da década de 1930, uma abordagem cuidadosa da crítica lukacsiana às éticas irracionalistas e religiosas, presente em A destruição da razão, seria de grande valia, assim como seria importante ressaltar a distinção entre a dimensão estética e ética, a partir da Estética. Ou seja, não pretendemos esgotar o tratamento lukacsiano da ética. Mas, acreditamos ter dado um passo importante ao analisar a colocação da questão pelo próprio autor. Ao se tratar da obra do marxista húngaro, é preciso sempre ter em mente a maneira pela qual sua concepção de mundo se posiciona diante dos problemas concretos de seu tempo. E, aqui, pretendemos mostrar aquilo que motiva Lukács a desenvolver uma Ética. Também buscamos destacar em quais embates nosso autor está se colocando ao trazer a correlação entre ética e ontologia ao centro de seu tratamento da temática que aqui destacamos.

Se isso é verdade, mesmo que seja preciso destacar as grandes contribuições de autores como Tertulian, Oldrini e José Paulo Netto, precisamos dizer que o modo como destacam a questão da ética em Lukács pode trazer incompreensões. Isto ocorre, não tanto devido a certa tendência que existe entre os estudiosos da obra do autor húngaro no sentido de destacar certa divisão tradicional da filosofia entre lógica, ontologia, epistemologia, ética, estética etc. Isto, até certo ponto, está presente no próprio autor de Para uma ontologia do ser social. (CHASIN, 2009CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.) Tanto o autor que aqui tratamos quanto seus intérpretes mais importantes sabem que é possível se falar nestes termos sem sucumbir necessariamente à autonomização dos diferentes enfoques a serem dados pela filosofia à apreensão da realidade efetiva. Porém, ao passo que os leitores de Lukács tendem a ver a sua Ética como algo de enorme valia que teria sido preparado pela Ontologia lukacsiana, o autor húngaro não coloca as coisas nestes termos.

Ele aborda o entendimento do ser-propriamente-assim da sociedade e a prática nesta mesma sociedade como um processo cuja diferença principal está no nível de abstração da exposição. Para que usemos uma analogia: o livro I de O capital não é uma introdução ao livro III da obra magna de Marx. Trata-se de diferentes níveis de abstração na apreensão do movimento do real, e não de um tratamento hierarquizado das diferentes matérias. Porém, é preciso dizer que a questão mais importante é outra: se os comentadores — ao nosso ver, com razão, destacam a grandiosidade da obra tardia de Lukács —, por vezes, dando a entender que seu clamor pelo renascimento do marxismo caminhava a passos largos na própria obra lukacsiana, a opinião do autor húngaro é outra. Ele acredita dar somente os primeiros passos diante de uma situação em que sequer se superou o stalinismo e em que os marxistas não compreendem as mudanças que ocorreram nas condições objetivas que marcam o momento atual do capitalismo.

Para se tratar da prática e, portanto, segundo Lukács, da ética, estas questões são essenciais. E precisariam ser abordadas, inclusive, a se reconhecer que a situação do marxismo não seria das melhores. Seria necessário, inclusive, atualizar a crítica da economia política, de modo que aquilo de mais basilar na compreensão das relações sociais de uma época, a anatomia da sociedade civil-burguesa, restaria incompreendida.

Nosso autor, portanto, destaca a correlação entre ética e ontologia, certamente. Também está a desenvolver uma Ontologia do ser social e o projeto de uma grande Ética. O marxista húngaro é explícito sobre isto e não há como negar. Porém, isto não significa que, ao ver do próprio Lukács, seus esforços tenham a dimensão que lhes é atribuída. Antes, nosso autor vê sua contribuição como um passo essencial, mas que está longe de ser suficiente para o renascimento do marxismo. As tarefas dos marxistas, assim, tanto no plano teórico quanto no prático, ainda seriam hercúleas e, de acordo com o autor de Para uma ontologia do ser social, os passos iniciais podem ter sido dados, mas falta muito.

Se isto for verdadeiro, talvez, trate-se mais de se lamentar que uma crítica da economia política digna de tal nome não exista diante das novas condições objetivas que de se lançar no desânimo na medida em que as notas deixadas por Lukács sobre seu projeto não tenham o estatuto de uma ética sistemática ou o “posto de uma Ética”.

Talvez, de acordo com o próprio autor húngaro, devamos enfatizar a relação entre ética e ontologia ao destacarmos que ainda falta muito na compreensão das condições objetivas do sistema capitalista de produção que é efetivo no presente. Isto, de certo modo, significa admitir algumas derrotas, até certo ponto. Em sua época, mesmo sem qualquer pessimismo ou fatalismo, Lukács teve esta atitude com relação ao desenvolvimento do socialismo de seu tempo. Hoje é necessário aos estudiosos de sua obra ressaltar esta dimensão, não só para que seja possível entender a imanência de seus textos, mas para que o ímpeto em direção à apreensão do ser-propriamente-assim da realidade efetiva do presente possa se colocar sem dogmatismos e, assim, dar espaço a uma prática capaz de transformar as condições objetivas que se impõem na sociedade capitalista de hoje.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • 1
    Oldrini refere-se aqui às Notas para uma ética (2015).
  • Agência financiadora: Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação: Não se aplica.
    Consentimento para publicação: Consentimento do autor.

Referências

  • ALBINATI, A. S. A questão da moralidade na obra de Marx. São Paulo: Instituto Caio Prado Jr., 2020.
  • CARLI, R. Ética, moral e ordem. Campinas: Papel Social, 2017.
  • CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009.
  • FORTES, R. V. As novas vias da ontologia em György Lukács: as bases ontológicas do conhecimento. Saardbrüeken: Novas Edições Acadêmicas, 2013.
  • FORTES, R. V. Trabalho e gênese do ser social em Lukács. Florianópolis: Em debate, 2016.
  • LUKÁCS, G. Marxismo ou Existencialismo. São Paulo: Senzala, 1967.
  • LUKÁCS, G. Conversation with Gyorgy Lukács (Interview with Franco Ferrarotti). New York: World View, 1972.
  • LUKÁCS, G. Der Spigel entrevista o filósofo Lukács. Verinotio: Revista On Line de Educação e Ciências Humanas, Rio das Ostras, n. 09, 2008.
  • LUKÁCS, G. Ontologia do ser social I. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012.
  • LUKÁCS, G. Ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • LUKÁCS, G. Conversando com Lukács. Alagoas: Instituto Lukács: 2014.
  • LUKÁCS, G. Notas para uma ética. Alagoas: Instituto Lukács, 2015.
  • LUKÁCS, G. O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista. São Paulo: Boitempo, 2018a.
  • LUKÁCS, G. Introdução a uma Estética Marxista. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Alagoas: Instituto Lukács, 2018b.
  • LUKÁCS, G. Destruição da razão. Trad. Rainer Patriota. Alagoas: Instituto Lukács, 2020a.
  • LUKÁCS, G. Essenciais são os livros não escritos: últimas entrevistas. Trad. Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2020b.
  • LUKÁCS, G. Heidegger Redivivus. Verinotio nova fase. Rio das Ostras: UFF, 2021.
  • MÉSZÁROS, Í. A revolta dos intelectuais na Hungria. Trad. João Pedro Alves Bueno. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • MÉSZÁROS, Í. Lukács’concept of dialetic. London: Merlin Press, 1972.
  • MÉSZÁROS, Í. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. Paulo Cezar Castanheda e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.
  • OLDRINI, G. György Lukács e os problemas do marxismo do século XX. Trad. Mariana Andrade. Alagoas: Coletivo Veredas, 2017.
  • ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital. Trad. César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.
  • SARTORI, V. B. Moral, ética e direito: lukács e a teoria do direito. Belo Horizonte: PUC MG, 2015.
  • SARTORI, V. B. Direito, ética e generidade na obra madura de György Lukács: acerca das tensões que permeiam o complexo jurídico. Revista Quaestio Iuris. Rio de Janeiro, 2017.
  • SARTORI, V. B. O Direito à luz de História e consciência de classe de György Lukács: uma leitura a partir do impacto da Revolução Russa. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2018.
  • SARTORI, V. B. Lukács e a especificidade da questão da ética: apontamentos sobre a crítica lukacsiana ao Direito e à moral. Revista Direitos humanos e democracia, Vitória, UFES, v. 6, 2018.
  • SARTORI, V. B. Ontologia nos extremos: o embate Heidegger-Lukács, uma introdução. São Paulo: Intermeios, 2019.
  • SARTORI, V. B. Responsabilidade Individual e Ação Revolucionária: direito e moral em Lukács anterior a sua obra História e Consciência de Classe. Revista Sequência, Florianópolis, v. 41, n. 24, 2020.
  • SARTORI, V. B. Lukács e o projeto da “grande Ética”: a busca de uma moral marxista? Rio das Ostras: Edições Verionotio, 2021.
  • TERTULIAN, N. Aliénation et desaliénation: une confrontation Lukács-Heidegger. Actuel Marx, Paris, n. 39, 2006.
  • TERTULIAN, N. O pensamento do último Lukács. Tradução de Juarez Duayer. Revista Outubro, São Paulo, n. 16, 2007a.
  • TERTULIAN, N. Lukács e o Stalinismo. Verinotio: Revista de Educação e Ciências Humanas, Belo Horizonte, v. 7, n. 11, 2007b.
  • TERTULIAN, N. Lukács: etapas de seu pensamento estético. Ed. UNESP. São Paulo: 2008.
  • TERTULIAN, N. Lukács e seus contemporâneos. Tradução de Pedro Corgozinho. São Paulo: Perspectiva, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2021
  • Aceito
    16 Dez 2021
  • Revisado
    08 Mar 2022
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina , Centro Socioeconômico , Curso de Graduação em Serviço Social , Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, 88040-900 - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel. +55 48 3721 6524 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: revistakatalysis@gmail.com