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Decolonialidade do saber: as ecologias dos saberes na produção do conhecimento

Resumo:

Este texto aborda a decolonialidade do saber, utilizando como recorte espacial os estudos pós-coloniais a partir de uma concepção do Sul Global. Por meio de uma pesquisa bibliográfica amparada sob método dialético, propõe-se repensar como as Ecologias de Saberes que nascem das lutas sociais se constituem enquanto entes de produção de conhecimento e saberes locais que nascem desde um Sul Epistemológico e não mais geográfico. Como referencial teórico utiliza-se o pensamento fronteiriço-abissal proposto por Boaventura de Sousa Santos (2010) enquanto via de decolonização epistêmica que permite-nos romper com os nós-estruturais e epistemológicos da modernidade ocidental. Ademais, como subsídio de análise, recorre-se ao pensamento de Walter Mignolo (2008, 2017) e Maldonado-Torres (2010) numa crítica às concepções dominantes da modernidade ligadas às experiências coloniais e seus marcadores da diferenciação.

Palavras-chave:
Coletivos socioculturais; Decolonialidade; Ecologia do saber; Matriz colonial; Pensamento abissal

Abstract:

This paper addresses the decoloniality of knowledge, using postcolonial studies as a spatial cut-out, from a conception of the Global South. By means of bibliographical research supported by the dialectic method, we propose to rethink how the Ecologies of Knowledge that arise from social struggles constitute themselves as ents of knowledge production and local knows that arise from an Epistemological South, and no longer geographic. As a theoretic reference, we use the border-abyssal thinking proposed by Boaventura de Sousa Santos (2010) as a way of epistemic decolonization that allows us to break with the structural and epistemological knots of Western modernity. Moreover, as a subsidy for analysis, we draw on the thought of Walter Mignolo (2008, 2017) and Maldonado-Torres (2010) in a critique of dominant conceptions of modernity linked to colonial experiences and their markers of differentiation.

Keywords:
Sociocultural collectives; Decoloniality; Ecology of knowledge; Colonial matrix; Abyssal thinking

Introdução

Este texto tem como objetivo uma reflexão sobre a decolonialidade do saber, utilizando como recorte espacial os estudos pós-coloniais a partir de uma concepção do Sul Global. O objetivo é repensar sobre a produção do conhecimento desde uma concepção das Ecologias de Saberes que nascem desde um sul epistemológico e não mais geográfico, rompendo os paradigmas entre Norte-Sul e/ou centro-periferia.

Como recorte para pensarmos a produção do conhecimento, assume-se as Ecologias dos Saberes a partir da concepção de Boaventura de Sousa Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., enquanto espaço de manifestação e produção de saberes que emergem das lutas sociais a partir das experiências locais, como práticas culturais urbanas que antes eram subalternizadas e agora são reconhecidas enquanto manifestos de produção do conhecimento. Para além de Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., recorre-se a subsídios de análise conceitual com o pensamento de Walter Mignolo (2017)MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, Maldonado-Torres (2010)MALDONADO-TORRES. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., Sérgio Costa (2006)COSTA, S. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2006, v. 21, n. 60, p. 117-134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007. Acesso em: 22 jan. 2022.
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, Luciana Ballestrin (2013)BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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e Miglievich-Ribeiro (2014)MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Por uma razão decolonial: Desafios ético-político-epistemológicos à cosmovisão moderna. Civitas: Revista de Ciências Sociais [online], v. 14, n. 1. p. 66-80, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16181. Acesso em: 21 jan. 2022.
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.

Para uma melhor compreensão teórica e histórica se fazem necessárias algumas considerações preliminares para entendermos os corpos e lugares nos quais estamos inseridos e dos quais estamos falando. Conforme aponta Costa (2006COSTA, S. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2006, v. 21, n. 60, p. 117-134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007. Acesso em: 22 jan. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200600...
, p. 117), os estudos pós-coloniais imprimem um exercício de desconstrução epistemológica numa crítica às concepções dominantes da modernidade ligadas às experiências coloniais. Trata-se de uma vertente não mais universalista do conhecimento, mas de uma pluralidade de epistemologias críticas às concepções “essencialistas de produção e modelos de conhecimento científico” que “definiu como a cultura nacional nos países europeus, [reproduziu], em outros termos, a lógica da relação colonial” (COSTA, 2006COSTA, S. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2006, v. 21, n. 60, p. 117-134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007. Acesso em: 22 jan. 2022.
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, p. 117).

Para avançarmos no exercício da decolonialidade no pensamento pós-colonial se faz necessário o reconhecimento de abordagens, estudos e concepções pluriversais que rompam com o pensamento de dogmatização de uma única matriz teórica de conhecimento e saber universal. Para tanto, a matriz pluriversal deve ser compreendida por diferentes abordagens e concepções de conhecimentos que operam ora de forma mútua ora de forma cruzada, e não mais de forma hierarquizadora do saber.

A concepção pluriversal do conhecimento e do saber emerge a partir de um quadro teórico formado por um grupo de intelectuais denominados pós-coloniais, que instituem uma variedade de estudos e contribuições distintas bem como com características comuns que objetiva uma totalidade na forma de pensar e na produção de conhecimento e não mais na universalidade como uma única forma de compreender nossas relações sociais.

O manifesto pós-colonial à luz das considerações de Costa (2006)COSTA, S. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2006, v. 21, n. 60, p. 117-134. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007. Acesso em: 22 jan. 2022.
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, Ballestrin (2013)BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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e Miglievich-Ribeiro (2014)MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Por uma razão decolonial: Desafios ético-político-epistemológicos à cosmovisão moderna. Civitas: Revista de Ciências Sociais [online], v. 14, n. 1. p. 66-80, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16181. Acesso em: 21 jan. 2022.
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nos mostra que é formado inicialmente por autores como Albert Memmi (1977)MEMMI, A. Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977., por meio de sua obra Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador publicada originalmente em 1947 e posteriormente pela editora Paz e Terra em 1977, Aimé Cèsaire (2010)CÈSAIRE, A. Discurso sobre o colonialismo. Blumenau: Letras Contemporâneas, 2010. em Discurso sobre o colonialismo publicado em 1950 e posteriormente pela editora Letras Contemporâneas em 2010, e Frantz Fanon (2010)FANON, F. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010. em Os condenados da Terra, publicado em 1961 e posteriormente pela Editora UFJF em 2010, constituindo a tríade francesa considerada fundante da crítica pós-colonial. Junto a esses três clássicos somaram-se Edward Said (2007)SAID, E. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 2007. em Orientalismo, publicado em 1978 e posteriormente pela editora Cia das Letras em 2007, bem como o jamaicano Stuart Hall (2009)HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009., o indiano Homi Bhabha (1998)BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. e o inglês Paul Gilroy (2001), os quais tiveram suas obras traduzidas para a língua portuguesa sobre os estudos culturais, historiográficos, da Diáspora e do Atlântico negro.

Estabelecer esse quadro preliminar é determinante para pensarmos as passagens de pesquisas e investigações em diferentes loci de enunciação decolonial no manifesto pós-colonial, na formação de uma rede maior de análise que se desenvolve a partir de intelectuais de programas/grupos de estudos e investigações, como o Grupo de Estudos Subalternos do Sul da Ásia (1970), que estabelecendo relações de contatos com intelectuais latino-americanos exerceu uma forte influência ao formar no continente o Grupo Latino-Americano de Estudos Subalternos (1990), e posteriormente numa reimpressão a formação do Grupo Colonialidad y modernidad-racionalidad – Grupo Colonialidade/Modernidade (BALLESTRIN, 2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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, MIGLIEVICH-RIBEIRO, 2014MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Por uma razão decolonial: Desafios ético-político-epistemológicos à cosmovisão moderna. Civitas: Revista de Ciências Sociais [online], v. 14, n. 1. p. 66-80, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16181. Acesso em: 21 jan. 2022.
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).

A autora Ballestrin (2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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, p. 98) nos oferece uma crítica a pensarmos o quadro de intelectuais do Grupo Colonialidade/Modernidade (M/C) a partir de diversos nomes, como “Aníbal Quijano, Enique Dussel, Walter Mignolo, Immanuell Wallerstein, Santiago Castro-Gómez, Nelson Maldonado-Torres, Ramón Grosfóguel, Edgardo Lander, Arthuro Escobar, Fernando Coronil, Catherine Walsh, Boaventura Santos, Zulma Palermo”, entre outros. Esse esboço de autores constitui um breve quadro que deve ser investigado e amplificado, por se tratar de um movimento que se encontra em desenvolvimento.

Esses autores, com diferentes acepções, conceitos e fundamentos de renovação crítica nas ciências sociais, inauguram um amplo debate de investigação, conferindo na pluralidade epistemológica uma emergência crítica de estudos pós-estruturalistas, desconstrutivistas e pós-modernos, que inicialmente foi formado por intelectuais da diáspora negra e migratória na crítica literária na década de 1970-80 e posteriormente se expandiu para outras disciplinas.

Nesse sentido, à luz do pensamento de Walter Mignolo e Maldonado-Torres numa crítica à modernidade e à matriz do saber ocidental, o presente trabalho assume como recorte de análise o pensamento de Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. na crítica sobre a produção do conhecimento e do saber relacionando à emergência de lutas e práticas sociais enquanto Ecologias de Saberes a partir de um Sul Epistemológico, permitindo assim, conforme destaca Ballestrin (2013BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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, p. 109), reflexionar no pós-colonial “o universalismo etnocêntrico, o eurocentrismo teórico, o nacionalismo metodológico, o positivismo epistemológico e o neoliberalismo científico contidos no mainstream das ciências sociais”.

Decolonialidade do saber – para além do pensamento abissal

A decolonialidade do saber trata-se de um manifesto do processo de decolonialização epistemológica a partir do Sul Global, onde se constitui um espaço pluriverso que permite desatar os nós-estruturais heterogêneos “entendido[s] como um estado em que qualquer par de itens é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes” (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, p. 7). Os nós-estruturais imprimiu diversas marcadores e hierarquias que estruturam a condição humana na sua história através da diferenciação e da distinção, seja por meio raça, do sexo, da etnia, da religião e espiritualidade, da estética, do trabalho, do Estado, da economia, bem como do sujeito moderno, da linguística e da dimensão epistêmica (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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).

Esses marcadores da diferenciação e distinções constituíram-se sob um uma lógica operante da colonialidade na modernidade por meio de uma arquitetura da Matriz Colonial formada por uma tríade hegemônica — o poder, o saber e o ser. Essa Matriz operou por meio de uma narrativa de dominação e agenciamento de corpos e falas, “cujo ponto de origem foi a Europa, uma narrativa que constrói a civilização ocidental ao celebrar as suas conquistas enquanto esconde, ao mesmo tempo, o seu lado mais escuro, a ‘colonialidade’” (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, p. 2).

Dessa forma, o estabelecimento da Matriz Colonial constituiu as bases de afirmação heterogênea de uma narrativa de administração e controle sobre o outro, sobre nossos corpos, a partir de dois vieses. De um lado, na criação de um espaço de distinção territorial-geográfico, o oriente, ou seja, a criação do oriente enquanto outro impondo uma distinção sobre aqueles que estão do outro lado do ocidente europeu, num processo de instituição e separação entre os que são ocidentais para com os que não são, sob uma lógica da diferenciação.

No entanto, do outro lado ou desse mesmo lado operante, rompendo com o paradigma da criação do oriente e a sua narrativa da diferenciação, objetivando desatar os nós-estruturais os estudos pós-coloniais nos coloca a olharmos a partir dos nossos corpos e espaço de falas o que o Ocidente faz dentro do próprio Ocidente, rompendo a categorização e criação da exclusão dos que se encontram a margem, do outro lado ou de fora do Ocidente.

Nesse sentido, num processo de inflexão o Ocidente enquanto ente de agenciamento sobre nossos corpos e falas, permite-nos inferir uma crítica a geopolítica do conhecimento, exprimindo um “processo pelo qual o senso comum e a tradição são marcadas por dinâmicas de poder de caráter preferencial: discriminam pessoas e toma por alvo determinadas comunidades” (MALDONADO TORRES, 2010, p. 423).

Essa distinção nos impõe olharmos o ser formado numa relação entre o poder e o conhecimento, numa coconstituição que interliga na Matriz Colonial a ideia do sujeito moderno, na formação e na arquitetação de marcadores da raça/sexo/etnia/trabalho/Estado/conhecimento/línguas/religião entre outros. Assim, numa crítica a tríade da Matriz Colonial do ser, do poder e do saber, Walter Mignolo (2004) destaca que

a ciência (conhecimento e sabedoria) não pode ser separada da linguagem; as línguas não as apenas fenômenos ‘culturais’ e que as pessoas encontram a sua ‘identidade’; elas também são o lugar onde se inscreve o conhecimento. E, dado que as línguas não são algo onde os seres humanos têm, mas algo de que os seres humanos são, a colonialidade do poder e a colonialidade do conhecimento engendram a colonialidade do ser [colonialidad del ser] (MIGNOLO, 2004, p. 633 apud MALDONADO-TORRES, 2010MALDONADO-TORRES. A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento: modernidade, império e colonialidade. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 89).

Esta relação (ser, poder e saber) a partir da fala de Mignolo (2017) MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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elucida como a linguagem para além de um fenômeno cultural se inscreve na produção do conhecimento, sendo as línguas um elemento de instituição do que os seres humanos são a partir do poder e do conhecimento construídos, engendrando na formação do seu ser.

Mignolo (2017)MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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traz o conhecimento e a sabedoria a partir de uma linguagem–narrativa impondo a reflexionar sobre o fazer ciência modernidade, que foi arquitetada por atores e instituições eurocêntricas, que se utilizaram de suas prerrogativas da verdade universal enquanto porta-voz da humanidade, num processo de agenciamento sobre o outro, sobre nossos corpos preexistentes, agora regulados e subordinados por um processo de sujeitamento perante o ocidente.

Este processo, assumindo-o enquanto um aprisionamento da condição humana preexistente — do nosso saber, nosso ser e nosso poder — foi constituído por uma Matriz epistêmica na regulamentação da existência e subordinação dos nossos saberes, dos quais não se encontravam inseridos na retórica ocidentalista, num domínio ao “controle da economia, da autoridade, do gênero e da sexualidade, e do conhecimento e da subjetividade” (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, p. 5).

A Matriz Colonial possui como base, de acordo com Mignolo (2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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), uma inter-relação na administração e controle fundamentado pelos pilares raciais e do patriarcal do conhecimento, como prerrogativa de enunciação e legitimação de uma única ordem mundial, o eurocentrismo. Estes pilares de sustentação dessa ordem mundial-ocidental temporalizada pela Europa, numa lógica colonial retórica da modernidade, criaram no agenciamento de indivíduos–pessoas na colonização, uma narrativa disciplinadora e de encarceramento de nossa consciência de si e ser sobre nossos corpos e saberes, obrigando-nos a aproximar de um modelo de comportamento, de obediência e submissão ao ocidente, como forma de garantia e manutenção na instalação do ocidente em nós ou/e outros.

Nesse contexto, se faz determinante pensar o papel decolonizador do conhecimento enquanto um espaço heterárquico de produção epistemológica dos saberes, e não mais do ‘saber’ enquanto único e, mas agora pluriverso. Conforme destaca Mignolo,

o pensamento e a ação descolonial focam na enunciação, se engajando na desobediência epistêmica e se desvinculando da matriz colonial para possibilidade de opções descoloniais – uma visão da vida e da sociedade que reque sujeitos descoloniais, conhecimentos descoloniais e instituições descolonais (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, p. 6).

A decolonização epistêmica aqui não se resume a uma desordem de pensamento e/ou desobediência epistêmica (MIGNOLO, 2008MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, p. 287-324, 2008. Disponível em: http://professor.ufop.br/sites/default/files/tatiana/files/desobediencia_epistemica_mignolo.pdf. Acesso em: 14 fev. 2022.
http://professor.ufop.br/sites/default/f...
, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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), mas de numa pluralidade de saberes a romperem a lógica da produção do pensamento do fronteiriço ou abissal proposto por Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.. Como espaço de enunciação epistemológica da produção do conhecimento, coloca-se como ponto de inflexão, parte da orquestração da decolonialidade do saber, as Ecologias dos Saberes enquanto agentes que emergem das fronteiras abissais do conhecimento. Assume-se aqui, como pressuposto, as concepções do Boaventura de Sousa Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. como reflexão do conhecimento Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes (2010), como subsídio para localizarmos a emergência de saberes na produção do conhecimento desde um sul epistemológico.

Para Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., as epistemologias emergem do sul epistêmico e não de um sul território, impondo-nos a revisitar a história moderna ocidental na instituição dos marcadores fronteiriços da diferenciação que institui a produção dos nossos saberes, compreendido enquanto um pensamento abissal. Esses marcadores, enquanto “distinções dos visíveis e invisíveis” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 31) caracteriza uma corrente de pensamento abissal marcada enquanto um sistema de distinções em que os visíveis fundamentam os invisíveis. Para Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 32) “as distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social e dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha”.

A construção da realidade entre visíveis e invisíveis consiste numa criação de uma verdade sobre o outro/nos, entre os que são reconhecidos e os que não são reconhecidos, que consiste numa divisão do não reconhecimento daqueles que estão inseridos do “‘outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 32), numa forma exclusão e inexistência radical de indivíduos.

Para tanto, pensando o marcador da distinção, do não reconhecimento e da invisibilidade de saberes, Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. aponta que esse paradigma cria as marcas ocidentais na tensão entre a regulação e a emancipação fundamentando a distinção do visível em que “todos os conflitos modernos, tanto no relativo a factos substantivos como no plano dos procedimentos” enquanto na distinção do invisível “é a distinção entre as sociedades metropolitanas e os territoriais”, aplicando, assim, a dicotomia da regulação versus emancipação apenas às sociedades metropolitanas (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 32).

Nesse contexto do pensamento abissal, marcado por linha das distinções visíveis que moldam uma realidade social de um lado da linha, numa justaposição da invisibilidade do que está inserido do outro lado da linha, Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. nos apresenta que no campo do conhecimento, o pensamento abissal opera sob a lógica de uma “concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, [...] entre as formas científicas e não-científicas de verdade” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 33).

Em uma crítica ao paradigma da modernidade ocidental que marcam a tensão da regulação e a emancipação ainda no século XIX conforme aponta Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., as práticas emergentes epistêmicas constituem os pilares emancipatórios a romperem as tensões e marcadores de produção do conhecimento ocidentais. Pois

a partir de meados do século XIX, com a consolidação da convergência entre o paradigma da modernidade e o capitalismo, essa tensão entrou num longo processo histórico de degradação, caracterizado pela gradual e crescente transformação das energias emancipatórias em regulatórias. Com o colapso da emancipação na regulação o paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise afinal (SANTOS, 2000, p. 15).

Desse modo, numa reflexão sobre as fronteiras e tensões da regulação e emancipação se coloca uma crítica à modernidade ocidental na instituição de seu quadro epistemológico, referenciado por Santos (2011)SANTOS, B. de S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez; 2011. numa crítica a razão indolente – contra o desperdício da experiência, que nos coloca a refletir como as experiências sociais a partir de suas vivências constituem um papel determinante e fundamental de possibilidades emancipatórias e decisórias contra as práticas hegemônicas.

Explorar a crítica emancipatória constitui um exercício de revisão gradual das forças de produção de conhecimentos que rompam o assentamento neutralizado bem como as armadilhas da produção do científica ocidental. Uma vez que a produção do conhecimento dos visíveis, “na validade universal da verdade científica é, reconhecidamente, sempre muito relativa, dado o facto de poder ser estabelecido apenas em relação a certos tipos de objetos em determinadas circunstâncias e segundo determinados métodos”. (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 33).

Nesse contexto, a decolonização do saber constitui um espaço de exercício crítico a considerar a produção do conhecimento moderno que se assenta diante uma validade universal de uma verdade, sempre relacionada “com outras verdades possíveis que podem inclusivamente reclamar um estatuto superior”, uma vez que a invisibilidade se lastreia e fortalece contra as formas hegemônicas de saberes, ora demarcada por uma linha que ainda separa os métodos e as “formas de conhecimento que não encaixam em nenhuma destas formas de conhecer [como] conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da linha” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 33).

Para tanto, como reflexão para pensarmos os conhecimentos populares, a seguir propõe-se pensar o conhecimento a partir das Ecologias de Saberes enquanto espaço epistêmico que se fazem a partir das experiências sociais.

(Re)conhecimento – as Ecologias dos Saberes

De acordo com Santos (2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., 2011SANTOS, B. de S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez; 2011.) existe uma cartografia epistemológica da diferenciação que instituiu uma negação ora uma afirmação sobre as distinções que opera o processo de normatização e regulamentação da verdade moderna a partir dos saberes ocidentais. Esse processo instituiu na história moderna ocidental a verdade teórica e metodológica a guiar uma produção ‘científica’ nas academias, onde as experiências sociais da invisibilidade expressam anteriormente bem como seus autores permaneceram sem uma localização fixa, de afirmação de uma matriz de pensamento enquanto ciência.

Nesse contexto, o intelectual Boaventura de Sousa Santos, crítico da modernidade ocidental, assume uma crítica sobre a produção do saber ocidental numa articulação entre o fazer ciência e o senso comum, propondo uma “ruptura epistemológica que obedece a dois princípios: o princípio da não-consciência e o princípio do primado das relações sociais” (SANTOS, 1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 32).

De acordo com Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1968, p. 38 apudSANTOS, 1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 32), o primeiro princípio refere-se “à reformulação, ao nível da lógica da sociologia, do princípio do determinismo metodológico que nenhuma ciência pode negar sem negar a si própria”, enquanto o princípio das relações sociais

tem igualmente sua origem em Durkheim (1980) e estabelece que os fatos sociais se explicam por outros faltos sociais e não por fatos individuais (psicológicos) ou naturais (da natureza humana ou outra). Pelo contrário, a eficácia social dos fatos individuais ou naturais é determinada pelo sistema de relações sociais e históricas em que se insere (SANTOS, 1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 32).

Por consequência, para Santos (1989)SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., no domínio das ciências sociais exprime-se um obstáculo teórico-metodológico que deve ser superado na produção do conhecimento, no fazer ciência e o senso comum. Trata-se de um giro epistemológico que denota uma constante ‘vigilância epistemológica’ à uma reformulação ao determinismo metodológico e ao sistema de interações sócio-históricas em que nos encontramos inseridos, haja vista que a primazia do fato social nos obriga no

plano metodológico a um ‘objetivismo provisório’ (BOURDIEU, CHAMBOREDON, PASSERON, 1968, p. 41) [na medida em que] a sociologia deve procurar superar a oposição fictícia entre o objetivismo e subjetivismo, uma vez que ‘a experiência das significações faz parte da significação total da experiência’ ou, por outras palavras, ‘a descrição da subjetividade objetivada remete para a descrição da interiorização da objetividade” (BOURDIEU, 1968, p. 20 apudSANTOS, 1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 32).

Assim, objetivando superar imposições fictícias na produção do conhecimento social, Santos (1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.) recorre aos saberes subscritos como “marginais” e “subalternos” desde a lógica ocidentalista, a partir das suas experiências locais e seus sentidos, enquanto um exercício de prática ecológica na emergência de um processo emancipatório, sendo que estas não devem ser observadas sob um ponto de vista estanque, ou dual/antinômico e hierarquizado, mas, a partir de um regime pluriversal de saberes, que valorize as práticas de conhecimentos emergentes em um pensamento que se assume agora como pós-abissal, um conhecimento local e total.

Conforme destaca Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. a proposta do pensamento pós-abissal consiste em superar a linhas das distinções, de um lado os invisíveis, onde “não há conhecimento real; existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjetivos, que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matéria prima para a inquirição científica” e do outro lado, os visíveis que se assentam por meio de uma retórica a separar “a ciência dos seus ‘outros’ modernos, [colocando] de um lado, ciência, filosofia, e teologia e, do outro, conhecimentos tornados incomensuráveis e incompreensíveis” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 34).

Sendo assim, rompendo a lógica de uma cartografia epistemológica entre o conhecimento verdadeiro e o falso e assumindo os saberes que foram e são silenciados por meio de uma construção narrativa da epistemologia ocidental moderna, Santos (1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 34) sugere romper essas distinções diante uma crítica aos códigos de produção do conhecimento científico e do senso comum no fazer ciência, “que é um ‘conhecimento’ evidente, que pensa o que existe tal como existe, e cuja função é reconciliar a todo custo a consciência comum consigo própria” por meio de uma intervenção do real e não mais enquanto uma representação dos códigos disciplinadores.

Esta proposta refere-se a um exercício de uma policy cognitiva de um sistema de novos conceitos e de relações entre estes, bem como de novos “objetivos” e novas relações entre eles, que podem ser construídos por meio de narrativa hermenêutica reflexiva e constitutiva do que as “ciências sociais são na sociedade e o que elas dizem na sociedade, [em uma] autocompreensão do nosso estar no mundo-científico contemporâneo” (SANTOS, 1989SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 14). Trata-se de uma problematização às estruturas teóricas e metodológicas normatizadoras na regulamentação do fazer ciência, agora não mais enquanto um interesse particular, que põe o sujeito à sua racionalidade, mas numa desconstrução ou por assim dizer uma renovação epistêmica (MIGNOLO, 2017) que transcenda no giro epistemológico as práticas sociais silenciadas, desatando os nós estruturais heterogêneos da modernidade.

Os paradigmas da lógica do pensamento abissal, do saber verdadeiro ou falso, do que é certo e/ou errado, devem serem revisitados pelas agências e centros de pesquisa, que assumiram enquanto espaço de uma produção de conhecimento científico, num exercício de decolonização metodológica bem como teórica da produção do conhecimento, não mais enquanto espaço hierarquizado ou dual, mas, sim, como plural e total em que as diversidades coexistem num pensamento pós-abissal. Para Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., este espaço de produção de saber se caracteriza por uma espacialidade de abordagem e concepções epistemológicas que devem ser compreendidas enquanto Ecologias de Saberes. E estas são experiências que emergem enquanto um

conjunto dos conhecimentos nascidos na luta, nas lutas anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais, lutas das mulheres, dos povos quilombolas, dos povos indígenas, dos povos colonizados, dos trabalhadores, que ao lutarem sempre usaram e produziram conhecimentos e esses conhecimentos nunca foram reconhecidos como tal. Portanto, é uma tentativa de captar esse processo de conhecimento que nasce na própria luta e no viver na luta contra a opressão”. (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. Epistemologia do Sul. Entrevistador: Cleyton Andrade. São Paulo: Boletim DOBRADIÇA, 2020. Não paginado. Disponível em: https://www.ebp.org.br/epistemologias-do-sul/. Acesso em: 31 set. 2021.
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).

Compreende-se que as Epistemologias do Sul (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.) são nada mais que as experiências sociais formadas por sujeitos-indivíduos reflexivos e críticos, dotados de conhecimento local bem como de experiências da vida urbana e campesina, que se utilizam de suas condições preestabelecidas enquanto território de reflexão de sua realidade. Esses indivíduos, a partir do pertencimento de suas vivências, usam os elementos que estruturam o espaço no qual estão inseridos, enquanto objetos de debate e crítica a reflexionar a condição que molda a sua realidade como um sujeito político, social e cultural. Trata-se de uma concepção humanista de assumir os conhecimentos “ditos” como invisíveis no exercício de corpos políticos criativos e responsáveis à luz de suas experiências, a partir de um apego local, que se unem a outros indivíduos e que se expressam na coletividade social um processo de emancipação de si e de ser.

Nessa acepção as epistemologias do sul são as experiências de vida e lutas sociais que operaram contra a submissão, a opressão e a marginalização, que são e foram produzidas por três marcadores, “o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado” (SANTOS, 2020SANTOS, B. de S. Epistemologia do Sul. Entrevistador: Cleyton Andrade. São Paulo: Boletim DOBRADIÇA, 2020. Não paginado. Disponível em: https://www.ebp.org.br/epistemologias-do-sul/. Acesso em: 31 set. 2021.
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). Estes marcados instituíram os nós-estruturais heterogêneos na regulamentação e normatização da produção de conhecimentos, sob uma lógica ontológica do mundo e posteriormente sob uma ‘verdade’ mercadológica explorada onde o “conhecimento era alternativo ou não moderno, segundo a teologia cristã e, depois, a filosofia secular e as ciências sociais” (MIGNOLO, 2017MIGNOLO, W. D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Introdução de The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2017, v. 32, n. 94. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 21 jan. 2022
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, p. 8).

Consequentemente, a decolonialidade epistemológica no giro pós-colonial do saber, assume o caráter pluriversal das experiências sociais que emergem contra os marcadores de uma Matriz epistêmica a romper as marcas da invisibilidade patriarcal e estadocêntrica. Sendo assim, o Sul torna-se um espaço epistêmico de exercício contra-epistemologia e trans-escalar, onde os saberes enquanto práticas diversas e plurais que coexistem sob um exercício do “interconhecimento, aprender outros conhecimentos sem esquecer os próprios”. (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 56).

Este processo trata-se de um reconhecimento de outros saberes em que compartilham suas experiências sem negarem a si e ao outro, sem recaírem na dualidade do verdadeiro ou falso, pois nesse “processo de aprendizagem conduzido por uma ecologia de saberes, é crucial a compreensão entre o conhecimento que está a ser aprendido e o conhecimento que nesse processo é esquecido e desaprendido”. (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 56).

Sendo assim, a proposta de Santos (2010)SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. sobre as formas de produção de conhecimento nos leva a um exercício desestabilizador na decolonialidade do saber, “numa crítica radical da política do possível, sem ceder a uma política impossível” (SANTOS, 2010SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 64). Não se trata de recusar um passado construído, mas transformar diante os marcadores ocidentais em nossos corpos, saberes e instituições, uma compreensão de “mundos” que permitam-nos coexistir, respeitando os saberes invisibilizados ao longo da história moderna. Trata-se de uma tarefa árdua e diária, que nos impõe sob questionamento o papel enquanto ser social, cultural e político que empreendemos em nossas relações humanas, na medida que ressignifiquemos em nossa consciência os seres pluriversais e não eurocêntricos de si e de ser.

Considerações finais

As lutas sociais e culturais que emergem no exercício de ecologia de saberes locais imprimem um estado de natureza do (re)conhecimento de experiências e vivências que vai além de um eu, que exprime nos ethos de indivíduos e coletivos sociais, as marcas de um passado colonial demarcado pela marginalização, opressão e subordinação das estruturas das relações humanas, entre o colonizador e o colonizado ou entre o oriente para com o ocidente.

Compreende-se que os estudos pós-coloniais têm imprimido uma virada de produção acadêmica em diversos centros de estudos mundo afora, principalmente nos de pesquisas latino-americanos e caribenhos, conforme destaca Ballestrin (2013)BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2013, n. 11, p. 89-117. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. Acesso em: 21 jan. 2022.
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vive-se desde a década de 1990 e principalmente nos últimos anos uma espécie de “moda” investigativa orientada pelos cânones pós, o pós-colonialismo. Este processo não deve ser orientado por uma negação epistemológica do que foi construído, mas por uma reorientação epistêmica de olhares desde um Sul Global, compreendido aqui como Sul Epistemológico que associa diversos estudos locais e totais, valorizando as experiências e lutais sociais enquanto práticas de conhecimentos que rompam os paradigmas de entre o legal e ilegal, certo e errado, verdadeiro e falso.

Devemos reconhecer, conforme aponta Castro-Gómez e Grosfoguel (2007)CASTRO-GÓMEZ, S; GROSFOGUEL, R. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontifi cia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007., que a primeira descolonização foi incompleta, limitando-se às instituições jurídicas e políticas. Para tanto, se faz determinante, a partir das emergências pluriversais de estudos e investigações pós-coloniais, um processo rigoroso na segunda onda da descolonização, a decolonialidade, rompendo as hierarquias e marcadores de nossas relações sociais estruturais.

Nesse contexto, as práticas epistêmicas a partir de lutas sociais e culturais que emergem desde um Sul Epistemológico, assumindo as vivências e experiências sociais enquanto práticas e exercício de Ecologias de Saberes, constituem determinante para pensarmos a produção e a valorização desses conhecimentos e saberes, num exercício decolonizador dos marcadores sociais, jurídicos, políticos e institucionais. Vivemos desde a virada do século, um processo de transformação em nossas sociedades, marcada por profundas tensões nos modelos de Estados e suas práticas operantes institucionais, como os centros de pesquisas e investigações.

Dessa forma, o exercício da decolonialidade deve partir principalmente desses centros de pesquisas nos quais se encontram engessados sob uma arquitetura estadocêntrica de produção e validação de conhecimento ocidental. Trata-se de um exercício autorreflexivo de nossos corpos sociais, políticos, culturais, econômicos e patriarcais, em um esforço que permita-nos ir além do assujeitamento de padrões de normatização e regulamentação que reside em nós.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • Agência financiadoraO presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Período de execução, desde março de 2021.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participaçãoNão se aplica.
    Consentimento para publicaçãoConsentimento do autor.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2021
  • Aceito
    16 Dez 2021
  • Revisado
    07 Mar 2022
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