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Faca, peixeira, canivete: uma análise da lei do feminicídio no Brasil

Knife, carver, jackknife: an analysis of the femicide law in Brazil

Resumo

No Brasil, nos últimos anos, duas leis destacam-se no enfrentamento da violência contra a mulher: a Lei n. 11.340/2006, Lei Maria da Penha, e, mais recentemente, a Lei n. 13.104/2015, que tipifica o feminicídio, o assassinato de uma mulher em razão de sua condição de gênero. O objetivo deste artigo é analisar os efeitos da Lei n. 13.104/2015 nos índices da violência contra as mulheres, em especial no número de feminicídios. Levantou-se o número de mortes de mulheres no Brasil no período entre 1996 e 2017, para avaliar, de forma quantitativa, os efeitos da nova legislação nos números da violência de gênero, através de um comparativo na evolução temporal dos índices. Os resultados apontam um decréscimo imediato no número de feminicídios, com uma subsequente retomada de alta, indicando que não houve impacto significativo nesses índices. A importância da tipificação do crime, porém, vai além dos seus efeitos no número de mortes de mulheres.

Palavras-chave:
Violência de gênero; Violência doméstica; Feminicídio

Abstract

In Brazil, two recent laws stand out in the fight against gender violence: Law no. 11.340 / 2006, named “Maria da Penha Law”, and, more recently, Law no. 13.104 / 2015, which typifies femicide, the murder of a woman due to her gender condition. The purpose of this article is to analyze the effects of Law no. 13.104 / 2015 in the rates of violence against women, especially in the number of femicides. The number of deaths of women in Brazil in the period between 1996 and 2017 was surveyed, in order to evaluate, in a quantitative way, the effects of the new law on the numbers of gender violence, through a comparison on the temporal evolution of the indexes. The results point to an immediate decrease in the number of femicides, with a subsequent resumption of growth, indicating that there was no significant impact on these indexes. The importance of crime classification, however, goes beyond its effects on the number of deaths of women.

Keywords:
Gender violence; Domestic violence; Femicide

Introdução

Faca, peixeira, canivete. Espingarda, revólver. Socos, pontapés. Garrafa de vidro, fio elétrico, martelo, pedra, cabo de vassoura, botas, vara de pescar. Asfixia, veneno. Espancamento, empalamento. Emboscada, ataques pelas costas, tiros à queima-roupa. Cárcere privado, violência sexual, desfiguração. (BRASIL, 2015b, p. 41).

A preocupação com o combate à violência contra a mulher e, sobretudo, sua criminalização e o suporte jurídico-estatal às vítimas são fenômenos recentes (WAISELFISZ, 2015).

Em 1979, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Convenção para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), pela qual os países signatários comprometem-se a adotar diversas medidas, incluindo (a) incorporar o princípio de igualdade entre homens e mulheres, abolindo leis discriminatórias e editando outras proibindo a discriminação contra a mulher; (b) instituir tribunais e outras instituições públicas que garantam a efetiva proteção da mulher; e (c) assegurar a eliminação de qualquer ato de discriminação contra a mulher, seja por pessoas, organizações ou empresas (UNITED NATIONS, 2019).

No Brasil, que está entre os países com maior número de homicídios femininos no mundo (WAISELFISZ, 2015), duas leis mais recentes destacam-se no enfrentamento da violência contra a mulher: a Lei n. 11.340/2006, Lei Maria da Penha, e, mais recentemente, a Lei n. 13.104/2015, que qualifica o homicídio contra a mulher por razões de sua condição de sexo, criando a figura legal do feminicídio, a dimensão mais brutal da violência de gênero.

Passados cerca de quatro anos da vigência da Lei n. 13.104/2015, faz-se relevante estudar os efeitos dessa política pública, em especial no que se refere aos índices da violência contra as mulheres. Surge daí o seguinte problema de pesquisa: como a Lei n. 13.104/2015 tem influenciado nos índices de feminicídio? O objetivo deste artigo é analisar os efeitos da Lei nos índices da violência contra as mulheres, mais especificamente no número de feminicídios.

Foram coletados dados para avaliar, de forma quantitativa, os efeitos da nova legislação nos números da violência de gênero, através de um comparativo na evolução temporal dos índices. Utilizou-se o banco de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, atualizado até 2017. Foi formulado pedido dos dados de 2018 ao Ministério da Saúde, com base na Lei de Acesso à Informação, mas ainda não havia a consolidação dessas informações ao tempo da pesquisa.

O artigo está dividido em seis seções. Após esta introdução, faz-se uma revisão literária dos principais trabalhos e pesquisas envolvendo a violência contra a mulher e, em especial, o feminicídio. Em seguida é apresentado o percurso metodológico utilizado e depois os resultados encontrados. Passa-se, então, à discussão dos resultados da pesquisa à luz do referencial teórico adotado. Por fim, são apresentadas as considerações finais do trabalho.

Referencial Teórico

Bourdieu (2002BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.) afirma que é comum aos dominantes a tendência a apresentar como universal sua maneira particular de ser. A naturalização do comportamento discriminatório é uma forma de manter o status de dominação sobre o discriminado.

No caso da discriminação por gênero, a violência sexual é uma forma de controle para manter o patriarcado (RADFORD, 2006RADFORD, J. Introducción. In: RADFORD, J.; RUSSELL, D. E. H. (ed.). Feminicidio: la politica del asesinato de las mujeres. Ciudad de Mexico: Universidad Nacional Autónoma de México, 2006. p. 33-50.). Vivemos, de fato, numa sociedade falocêntrica, que toma a lei, a sociabilidade e os padrões de masculinidade para, de forma artificiosa, justificar e naturalizar a violência baseada em comportamentos misóginos (LODETTI et al., 2018LODETTI, A. S. et al. A vida psíquica do homem e a morte de mulheres. Psicologia & Sociedade, v. 30, n. 0, 3 dez. 2018.).

Segato (2016SEGATO, R. L. Patriarchy from Margin to Center: Discipline, Territoriality, and Cruelty in the Apocalyptic Phase of Capital. South Atlantic Quarterly, v. 115, n. 3, p. 615-624, 12 jul. 2016.) observa que nunca houve tantas leis protegendo os direitos das mulheres, tanta literatura publicada, capacitações específicas, prêmios e reconhecimentos por conquistas no campo dos direitos femininos. No entanto, as mulheres continuam sendo assassinadas. Seus corpos nunca estiveram tão vulneráveis à violência doméstica e nunca receberam tanta intervenção médica buscando a forma de felicidade ou beleza socialmente imposta.

O feminicídio é o ápice de um continuum de diversas agressões praticadas contra a mulher, que ao longo do tempo vão sendo naturalizadas na sociedade. Não aparece como um evento isolado nos casos de violência doméstica, mas como o momento culminante de toda uma história de violência cometida contra a vítima (BRASIL, 2015a). Em sua definição mais abrangente, o feminicídio é a morte de uma mulher pela sua condição de gênero. O termo femicide, em inglês, foi utilizado pela primeira vez no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, pela advogada Diana Russell, para qualificar o crime cometido por um homem contra uma mulher que culmina em sua morte (MENEGHEL; MARGARITES, 2017MENEGHEL, S. N.; MARGARITES, A. F. Feminicídios em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil: iniquidades de gênero ao morrer. Cadernos de Saúde Pública, v. 33, n. 12, 18 dez. 2017.). Posteriormente, a própria Diana Russel, juntamente com Jane Caputi, definiram femicide como o assassinato de mulheres cometido por homens motivados por ódio, desprezo, prazer ou por um sentimento de propriedade. É a continuação da violência, que estabelece uma conexão com diversas formas de agressão, física ou psicológica, como estupro, tortura, assédio, exploração sexual, mutilação genital, dentre muitas outras (CAPUTI; RUSSELL, 1992CAPUTI, J.; RUSSELL, D. E. H. Femicide: sexist terrorism against women. In: Femicide: sexist terrorism against women. New York: Twaine Publishers, 1992. p. 13-24.). Quando qualquer dessas formas de terrorismo sexista resultar na morte da mulher, tem-se um femicide. Jill Radford, por sua vez, chamou de femicide o assassinato misógino de uma mulher (RADFORD, 1992RADFORD, J. Femicide. The Politics of Woman Killing. New York: Twayne Publishers, 1992.).

Em 2012, a ONU publicou a Declaração de Viena sobre Femicídio (Vienna Declaration on Femicide), reconhecendo como tal o assassinato de mulheres e meninas em razão de seu gênero, resultante de: 1) violência doméstica/violência praticada pelo parceiro íntimo; 2) tortura e misoginia contra mulheres; 3) práticas em nome da “honra”; 4) prática no contexto de conflitos armados; 5) práticas relacionadas a dotes de mulheres e meninas; 6) assassinato de mulheres e meninas por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero; 7) práticas contra indígenas por causa de seu gênero; 8) infanticídio e feticídio por seleção sexual baseada em gênero; 9) mutilação genital; 10) acusações de feitiçaria, e 11) outras situações relacionadas a gangues, crime organizado, traficantes de drogas, tráfico de seres humanos e proliferação de armas de pequeno porte (CAICEDO-ROA et al., 2019CAICEDO-ROA, M. et al. Femicídios na cidade de Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 6, 2019. ).

Lagarde, após atuar na Comissão Parlamentar Especial que investigou o caso do Campo Algodoeiro, em Ciudad Juarez, no México (PAULA, 2018PAULA, D. O. de. Human Rights and Violence Against Women: Campo Algodonero Case. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 3, 14 nov. 2018.), com a permissão da própria Diana Russell, traduziu o termo femicide como feminicídio, modificando o seu conceito inicial para que albergasse não apenas o assassinato de mulheres por homens em razão da condição de gênero, mas também situações em que há negligência do Estado, a ausência de políticas públicas tendentes a prevenir, investigar ou punir situações de violência contra mulheres que lhes causam a morte, como pôde verificar em Ciudad Juarez (LAGARDE, 2006LAGARDE, M. Del femicidio al feminicidio. Desde el Jardín de Freud, n. 6, p. 216-225, 2006.). O termo feminicídio ganhou ampla aceitação e visibilidade na América Latina e diversos países passaram a adotá-lo oficialmente, inclusive na sua legislação (CAICEDO-ROA et al., 2019CAICEDO-ROA, M. et al. Femicídios na cidade de Campinas, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 6, 2019. ).

No que chama de vertente judicializadora,Gomes (2018GOMES, I. S. Feminicídios: um longo debate. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, 11 jun. 2018.) aborda a relação entre feminicídio e legislação penal, reconhecendo que denunciar um fenômeno social difere de legislar penalmente sobre ele. Passa-se da discussão para o enfrentamento estatal direto da violência. Nesse ponto, cresce a importância da tipificação específica do feminicídio, diferenciando-o do homicídio, ainda que qualificado por outra agravante e com a mesma punição. O reconhecimento da prática de feminicídios e sua identificação dentre as mortes de mulheres é de extrema importância “porque apropriar-se do vocabulário ‘feminicídio’ implica em apreender um conjunto de concepções teóricopolíticas que localizam a violência de gênero, suas características e seu contexto de produção” (GOMES, 2018GOMES, I. S. Feminicídios: um longo debate. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, 11 jun. 2018., p. 3). De fato, é de suma importância a tipificação do feminicídio para reconhecer, no arcabouço legislativo estatal, que mulheres estão morrendo pela simples razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que ainda persiste na sociedade. Por outro lado, a tipificação evita que assassinos misóginos possam ser beneficiados com interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, tendentes a amenizar o comportamento criminoso e sua punição, como a de prática de “crime passional”. Souza (2018SOUZA, S. M. J. DE. O feminicídio e a legislação brasileira. Revista Katálysis, v. 21, n. 3, p. 534-543, dez. 2018.) salienta que qualificar como feminicida um assassino misógino “retira o véu que cobre os crimes de gênero no mundo, em qualquer parte, bem mais visível do que homicídio ou assassinato, no que tange à sua representação e à sua motivação”.

O Brasil, em 2015, editou a Lei n. 13.104, alterando o art. 121 do Código Penal para criar a qualificadora do feminicídio, definido como o homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, assim consideradas quando o crime envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015b). Trata-se de uma qualificadora subjetiva, vinculada às motivações do crime (BARROS, 2015BARROS, F. Estudo completo do feminicídio. 2015. Disponível em: https://www.impetus.com.br/artigo/876/estudo-completo-do- feminicidio. Acesso em: 20 jul. 2019.
https://www.impetus.com.br/artigo/876/es...
; BIANCHINI, 2016BIANCHINI, A. A Qualificadora do Feminicídio é de Natureza Objetiva ou Subjetiva? Revista da EMERJ, v. 19, n. 72, p. 203-219, 2016. ; CUNHA; PINTO, 2014CUNHA, R.; PINTO, R. Violência doméstica: Lei Maria da Penha: comentada artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014.). O feminicídio foi incluído também no rol de crimes hediondos (Lei n. 8.072/1990).

Bianchini (2016BIANCHINI, A. A Qualificadora do Feminicídio é de Natureza Objetiva ou Subjetiva? Revista da EMERJ, v. 19, n. 72, p. 203-219, 2016. ) lembra que, numa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a expressão “violência doméstica e familiar” é fartamente utilizada na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que em seu art. 5º conceitua tal violência como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. O componente gênero como base da violência está novamente presente, de forma que não restam dúvidas de que a lei brasileira o adotou como imprescindível à qualificação do feminicídio. É possível, portanto, que mesmo um assassinato no âmbito doméstico, em uma relação familiar, não configure um feminicídio, como um marido que mata a mulher por questões vinculadas ao consumo de drogas. É preciso que se trate de uma violência baseada no sexo, na condição de mulher, como na hipótese de um marido que mata a mulher pelo fato dela pedir a separação (BIANCHINI, 2016BIANCHINI, A. A Qualificadora do Feminicídio é de Natureza Objetiva ou Subjetiva? Revista da EMERJ, v. 19, n. 72, p. 203-219, 2016. ).

Percurso Metodológico

A pesquisa possui caráter eminentemente quantitativo e objetivou analisar os efeitos que a Lei n. 13.104/2015 está produzindo nas estatísticas de assassinatos de mulheres. Segundo a taxonomia de Vergara (2013VERGARA, S. C. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013.), a pesquisa pode ser classificada, quanto aos fins, como exploratório-descritiva, na medida em que se faz necessária, inicialmente, uma investigação exploratória para estudar o conceito de feminicídio e a tipificação adotada pela lei brasileira. Em seguida, assume-se caráter descritivo, para analisar a relação entre as variáveis do problema proposto e mensurar em que medida a Lei n. 13.104/2015 vem influenciando as estatísticas da violência contra a mulher. Quanto aos meios, ainda de acordo com Vergara (2013), o trabalho caracteriza-se como investigação bibliográfica e documental, com pesquisas em documentos e bancos de dados públicos.

Os dados foram coletados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que é a fonte precípua dos mapas de violência elaborados no Brasil (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2019; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2018; INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019; ONU-MULHE-

RES; BRASIL, 2016; WAISELFISZ, 2015). As declarações de óbito, imprescindíveis a qualquer sepultamento no Brasil desde 1973 e que devem conter, entre outros dados, se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida (BRASIL, 1973), são coletadas pelas secretarias municipais saúde, enviadas às secretarias estaduais e centralizadas posteriormente no SIM. Trata-se, pois, de um completo banco de dados que, pretensamente, congrega todas as causas das mortes no País.

O SIM, porém, não contêm dados da motivação dos crimes ou dos criminosos, elementos necessários à qualificação das mortes como feminicídios. Tal dificuldade foi contornada ao se analisar o impacto da Lei do Feminicídio nos índices de mortes decorrentes de violência contra a mulher como um todo, não apenas no número de assassinatos que poderiam ser qualificados como feminicídios. Adotou-se, assim, a definição mais ampla de feminicídio, incluindo qualquer morte de mulher decorrente de violência. Considerou-se, então, o total de mortes de mulheres por agressões como indicador aproximado do número de feminicídios.

Foram extraídos do SIM os números brutos de mortes de mulheres no Brasil, por ano, em todo o período disponível na base de dados, qual seja, entre 1996 e 2017. Apesar de o SIM conter dados a partir de 1996, que foram considerados para a individualização das causas de mortes, especificamente para o cálculo da taxa de mortalidade foi realizado um corte a partir do ano 2000, já que tais estatísticas foram calculadas a partir do cruzamento de dados da estimativa da população feminina disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja série utilizada tem início em 2000.

As mortes extraídas no SIM foram classificadas pela causa, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID10). Considerou-se, no capítulo de causas externas, os fatores relacionados às categorias de agressões (categorias X85 a Y09). Os dados foram corrigidos redistribuindo-se proporcionalmente os óbitos classificados dentro do capítulo como eventos cuja intenção não é determinada (categorias Y10 a Y34), de forma semelhante ao procedimento utilizado e validado por Garcia et al. (2015GARCIA, L. P. et al. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. [s.l.] Organizacion Panamericana de la Salud, 2015. v. 37). Para tanto, foram isolados os eventos por causas externas (Capítulo XX da CID10), excluídos os códigos relativos a acidentes (V01 a X59). Foram considerados, então, os seguintes agrupamentos: outras causas externas de traumatismos acidentais (W00 a X59), lesões autoprovocadas intencionalmente (X60 a X84), agressões (X85 a Y09), eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada (Y10 a Y34) e intervenções legais (Y35). Em seguida, procedeu-se à redistribuição proporcional dos eventos de intenção não determinada, calculando-se a proporção de mortes por agressões (X85 a Y09) em relação ao total de óbitos por outras causas externas não acidentais, excluídas as de intenção não determinada (W00 a X59, X60 a X84, X85 a Y09 e Y35). Essa proporção serviu de parâmetro para a redistribuição, multiplicando-se o fator encontrado em cada ano pelo total de eventos de intenção não determinada (Y10 a Y34). O resultado final foi obtido somando-se essa parcela proporcional ao número total de mortes por agressões (X85 a Y09) a cada ano da série. Esse resultado obtido foi utilizado também para a correção proporcional do número de mortes dentro de cada categoria do agrupamento agressões (X85 a Y09).

Para o cálculo da taxa de mortes por 100.000 mulheres, foi utilizado como denominador o total da população feminina, de acordo com a Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2010-2060 (Revisão 2018), do IBGE.

Somente foram utilizados dados de acesso público e sem identificação de pessoas, tal como preconiza a Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas com seres humanos.

Resultados da Pesquisa

As Tabelas 1 e 2 demonstram a evolução das taxas de feminicídio antes e depois de aplicada a correção descrita no tópico anterior. Adotaremos apenas os resultados corrigidos, mais adequados à representação do número de mortes de mulheres em razão de agressões, como demonstrado por Garcia et al. (2015GARCIA, L. P. et al. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. [s.l.] Organizacion Panamericana de la Salud, 2015. v. 37).

Tabela 1
taxas de feminicídio no Brasil (por 100.000) - números sem correção
Tabela 2
taxas de feminicídio no Brasil (por 100.000) - números corrigidos

A Figura 1 representa graficamente a evolução da taxa corrigida. Percebe-se com clareza dois momentos de queda mais intensa nos índices, entre 2002 e 2007 e entre 2014 e 2016, seguidos de novos aumentos nos anos seguintes.

Figura 1
taxas de feminicídio no Brasil (por 100.000) - números corrigidos

Os números corrigidos de mortes decorrentes de agressão estão representados na Tabela 3, individualizados por categoria. Destacam-se as mortes por arma de fogo (categorias X93 a X95), representando em média cerca de metade do total de eventos. Chama atenção também o total de agressões por objeto cortante ou penetrante (X99), equivalentes a 22,72% do total. Evidenciam-se ainda os casos de objeto contundente (Y00), 7,56%, e de enforcamento, estrangulamento ou sufocação (X91), 5,51%. As demais categorias de agressão que levaram à morte de mulheres possuem menor representatividade, variando de 0,01% a 1,36% do total. Deve-se mencionar também que 7,81% dos casos foram classificados como “agressão por meios não específicos” (Y09).

Tabela 3
Números de feminicídios, por causa de morte (categorias da CID10) - dados corrigidos

Discussão

A Lei n. 13.104 entrou em vigor em 10 de março de 2015, de forma que as estatísticas desse ano podem ser consideradas dentro do período de sua influência, sobretudo porque houve, à época, intenso debate que terminou por dar mais publicidade à política pública.

Analisando a evolução dos números antes e depois da Lei do Feminicídio, percebe-se uma queda nos índices de forma imediata, seguida pela retomada de seu crescimento. Apesar dessa constatação, é importante pontuar que o recorte temporal da pesquisa no período posterior à vigência da Lei do feminicídio, apenas três anos, ainda é muito curto. Não há dados sequer do ano de 2018 e esta é uma limitação da pesquisa que deve ser considerada. Nada obstante, é interessante observar que o mesmo fenômeno - queda imediata seguida da retomada de crescimento dos índices - também ocorreu quando da edição da Lei Maria da Penha, como se observa nos resultados deste estudo e também em trabalhos específicos que analisaram os efeitos daquela política pública (CERQUEIRA et al., 2015; GARCIA; FREITAS; HÖFELMANN, 2013GARCIA, L. P.; FREITAS, L. R. S. DE; HÖFELMANN, D. A. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 383-394, set. 2013.; WAISELFISZ, 2015). A ausência de redução nas taxas da violência é inclusive um dos argumentos dos que defendem não se deve estabelecer tipo penal específico para o feminicídio (GOMES, 2018GOMES, I. S. Feminicídios: um longo debate. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, 11 jun. 2018.).

No entanto, como pontuado no referencial teórico, a importância da tipificação específica do crime de feminicídio sobrepõe o impacto causado nos índices de mortalidade de mulheres. Significa, em verdade, o reconhecimento da existência da prática e a oposição estatal à conduta criminalizada. Evidentemente, o combate ao feminicídio não pode se resumir à edição de uma norma, perpassa, sobretudo, pela redução da desigualdade de gênero. Contudo, a publicação da Lei, nominando o crime dentro do ordenamento legal, significa o enfrentamento direto da violência. Perceba-se que o número total de assassinatos vem crescendo no Brasil (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019) e nem por isso se cogita excluir a tipificação penal do homicídio. Gomes (2018GOMES, I. S. Feminicídios: um longo debate. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 2, 11 jun. 2018., p. 11) salienta que “mais do que crer na eficácia ou na efetividade do direito penal, recorrer a ele representa posicionar-se politicamente em meio a disputas de poder. O poder de nomear, o poder de dizer o que é importante definir no imaginário social como grave, como crime ou não”.

Por outro lado, os resultados de uma política pública institucionalizada na forma de lei criminal vão além da redução do número de eventos que se pretende combater. Uma interessante externalidade da pesquisa foi constatar que o número de casos classificados como “agressão por meios não específicos” (Y09) vem caindo consideravelmente desde a edição da Lei Maria da Penha, apesar do aumento do número total de mortes por agressão no período, o que pode representar maior atenção nos registros da violência de gênero.

De fato, a Lei Maria da Penha representou um grande avanço nesse ponto, ao determinar que “as estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres” (art. 38). No entanto, o Brasil é ainda um dos piores países do mundo no registro de violência de gênero e muitas vezes é excluído de comparativos internacionais justamente pela má qualidade dos dados disponíveis (GLOBAL AMERICANS, 2019). Como salientamos, na pesquisa tivemos que adotar o conceito mais amplo de feminicídio, incluindo qualquer morte de mulher decorrente de violência, justamente porque não há registros

das motivações dos crimes, dificultando a catalogação e mapeamento da violência. Ressalta-se, aqui, a importância do registro mais fiel e detalhado dos casos de violência contra a mulher, inclusive os de feminicídio. A complementação dos registros do SIM com as conclusões de inquéritos policiais poderia suprir isso.

Algumas iniciativas no sentido de melhorar o registro e catalogação dos dados da violência de gênero já estão em discussão, como o projeto de lei que cria a Política Nacional de Dados e Informações relacionadas à Violência contra as Mulheres (PNAINFO), em trâmite no Congresso Nacional (PL n. 5.000/2016).

A melhoria dos dados e indicadores facilitará pesquisas futuras e avaliações mais completas dos problemas e políticas de enfrentamento. Até lá, porém, a própria forma de extração de informações e construção de indicadores representa um desafio a ser pesquisado.

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi analisar em que medida a edição da Lei n. 13.104/2015 vem repercutindo nos índices de assassinato de mulheres. Observadas as limitações da pesquisa, apurou-se que houve uma perceptível queda no número de feminicídios no ano em que a lei entrou em vigor, seguida de estabilização no ano seguinte e retomada do crescimento no subsequente. As discussões, porém, demonstram que a tipificação do feminicídio pode possuir outras repercussões, que não foram mensuradas neste trabalho.

Os resultados apresentados podem servir ao aprofundamento de estudos, sobretudo na tentativa de analisar com maior especificidade os casos de feminicídio, a partir de cruzamentos com outros bancos de dados. A individualização das categorias de causas de morte de mulheres, por sua vez, pode servir à tomada de decisões e ao desenvolvimento de políticas públicas mais específicas.

Por fim, é importante realizar novas apurações à medida que forem disponibilizados dados posteriores a 2017, de forma a obter um recorte temporal maior do período seguinte à edição da Lei n. 13.104/2015, que possa refletir melhor seus efeitos.

Agradecimentos

À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por oportunizar a realização do mestrado.

Referências

  • BARROS, F. Estudo completo do feminicídio. 2015. Disponível em: https://www.impetus.com.br/artigo/876/estudo-completo-do- feminicidio Acesso em: 20 jul. 2019.
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  • BIANCHINI, A. A Qualificadora do Feminicídio é de Natureza Objetiva ou Subjetiva? Revista da EMERJ, v. 19, n. 72, p. 203-219, 2016.
  • BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
  • BRASIL. Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm Acesso em: 21 jul. 2019.
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  • BRASIL. A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Brasília: 2015a. Disponível em: https:// www.justica.gov.br/seus-direitos/politicas-de-justica/publicacoes/Biblioteca/publicacao_feminicidio.pdf/. Acesso em: 20 jul. 2019.
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  • Agência financiadora

    Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação

    Não se aplica.
  • Consentimento para publicação

    Consentimento do autor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2019
  • Aceito
    11 Fev 2020
  • Recebido
    03 Abr 2020
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