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Inconstitucionalidade superveniente: usos, desusos e mutações

Subsequent unconstitutionality: uses, disuses and mutations

Resumo

O texto aborda a noção e as características do vício de inconstitucionalidade sob a ótica do problema da inconstitucionalidade superveniente. Assim, em um primeiro momento da exposição, são abordados os conceitos e as diferentes visões relacionadas a esse problema, para em uma segunda passagem ser apresentada uma visão crítica acerca de tais posicionamentos. Posteriormente, são tematizados os problemas técnicos desse tema para, enfim, serem apresentadas novas perspectivas e usos da noção analisada. O método de análise empregado no texto é o analítico-dedutivo, no qual busco apresentar as características dogmáticas e as possíveis aplicações dos conceitos analisados. Por fim, o objetivo do texto é contribuir para dirimir dúvidas e solucionar problemas antigos do tema em questão, assim como contribuir para a construção de uma nova perspectiva a esse respeito.

Palavras-chaves:
inconstitucionalidade superveniente; jurisprudência constitucional; processo constitucional; mutação constitucional; controle de constitucionalidade

Abstract

The text addresses the notion and characteristics of the concepto f unconstitutionality from the point of view of the problem of supervenient unconstitutionality. Thus, in a first moment of the exhibition, the concepts and the different visions related to this problem are approached, so that in a second passage a critical vision about such positions will be presented. Subsequently, the technical problems of this theme are addressed, in order to present new perspectives and uses of the notion analyzed. The analytical method used in the text is the analytic-deductive, in which I try to present the dogmatic characteristics and the possible applications of the analyzed concepts. Finally, the purpose of the text is to contribute to resolve doubts and solve old problems of the subject in question, as well as contribute to the construction of a new perspective in this regard

Keywords:
supervenient unconstitutionality; constitutional jurisprudence; constitutional process; constitutional mutation; judicial review

1. INTRODUÇÃO

Ideias, conceitos e palavras têm vida. Nascem, são utilizados e aplicados, geram grandes debates e, depois de muito esforço intelectual, dedicação profissional, idas e vindas de atores e interpretes, eles perecem, perdem importância e, finalmente, morrem. No mundo jurídico há diversos exemplos disso. Assim como o direito civil, o direito penal e o processual têm exemplos de instrumentos, conceitos e noções, que antes eram fonte e objeto de intensa controvérsia, o direito constitucional também tem seus casos e exemplos. Um deles é a inconstitucionalidade superveniente. Vexata quaestio para uns,1 1 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1020; 1021. causa da inexistência da lei ou ato normativo para outros,2 2 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 175. a revogação de leis incompatíveis com normas constitucionais posteriores, também denominada de inconstitucionalidade superveniente, foi tema de intenso e recorrente debate na doutrina e jurisprudência constitucionais.3 3 Nos clássicos da teoria do controle de constitucionalidade brasileiro, abordando tal questão: NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943. p. 600; LEAL, Victor Nunes. Leis complementares da Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 7, jan./mar. 1947. p. 390.

Não foi o puro diletantismo teórico que animou esse debate. Ao contrário, é justamente o momento de mudança da ordem constitucional que suscita a questão: afinal, o que ocorre com as leis incompatíveis com a nova ordem constitucional? São muitas as respostas para essa questão, como se explicita a seguir. Esse era o período de nascimento da problemática envolvendo a recepção de leis pela nova Constituição. Mas, hoje, essa questão tem outros significados. Ela sofreu uma mutação. Afinal, quando a ordem constitucional como um todo se encontra em constante e permanente mudança, toda lei ou ato normativo constitucional é potencialmente incompatível com a norma constitucional futura e toda norma criada com a pecha da inconstitucionalidade, no futuro poderá se tornar compatível com a Constituição. Fenômenos inversos, mas interligados, que serão analisados nesse texto.

2. DIFERENTES CONCEITOS TEÓRICOS E DOUTRINÁRIOS

A qualificação jurídica de normas contrárias a paradigmas constitucionais cronologicamente posteriores sempre despertou a atenção daquele que se dedica ao estudo da inconstitucionalidade. Isso não só pela gravidade de suas consequências, mas também pela complexidade de sua solução. Prova disso é que as dificuldades enfrentadas pelo estudiosos são tantas e tamanhas que alguns, sem querer menosprezar sua importância, indicam que a única solução possível para o problema encontra-se na opção discricionária do constituinte. Tudo se resolveria em uma questão de escolha da autoridade e de política judiciária4 4 Foi o que Gustavo Zagrebelsky sustentou na seguinte passagem de sua obra: “Buoni argomenti si può essere invocati a favore dell’una come dell’altra tesi, cosicché si puo force dire che la soluzione alla fine accolta dipese più da una scelta strategica politico-costituzionale” (ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna: Mullino, 1988. p. 142). Não se deve confundir, contudo, o tema da inconstitucionalidade superveniente com a denominada “incostituzionalità sopravvenuta”, que segundo a doutrina italiana mais recente é uma forma de modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Apresentando tal distinção: DIACO, Danilo. Gli effetti temporali delle decisioni di incostituzionalità tra Legge fondamentale e diritto costituzionale vivente. Disponível em: <http://www.giurcost.org/studi/diaco.pdf>. Acesso em 10 jan. 2016. . Na Itália do pós segunda-Guerra essa tese encontrou fundamentos políticos e históricos importantes, pois, mesmo após a promulgação da Constituição de janeiro de 1948, a magistratura daquele país se negava a absorver os princípios democráticos da nova ordem constitucional, e se apegava ao instrumental jurídico promulgado na vigência do regime fascista5 5 Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 161; MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 123. . Em tais circunstâncias e em um país em que a jurisdição constitucional se mostra concentrada, a reação natural da Corte constitucional foi a ampliação da competência de controle, de forma a que se submeta também as normas anteriores ao parâmetro constitucional ao controle de inconstitucionalidade.6 6 Para uma argumentação similar acerca do desenvolvimento histórico da questão aqui debatida, cf. PESTALOZZA, Christian. Verfassungsprozeßrecht. München: C.H. Beck’sche, 1991. p. 125.

Não há como negar que a configuração instrumental e institucional do sistema de controle de constitucionalidade tem influência direta e decisiva na construção da noção de inconstitucionalidade superveniente. Mas a tarefa da dogmática constitucional não se resume à descrição pura e simples do sistema de controle, suas características e peculiaridades. Ao contrário, a boa dogmática deve ser uma via de questionamento e reflexão, acerca das possibilidades, dificuldades e potencialidades da configuração constitucional.7 7 Acerca do conceito e função da dogmática constitucional, ver: JESTAEDT, Matthias. Die Verfassung hinter der Verfassung. München: Ferdinand Schöningh. p. 17 e ss. Justamente por isso, mesmo que se reconheça que as opções de política judiciária são os primeiros fundamentos da construção dogmática, não é possível restringir a reflexão a esse ponto. É preciso questionar, racionalizar e orientar, pois só assim se constrói o verdadeiro sentido da instituição.

Uma análise de tal problemática exige que seus elementos mais simples sejam tematizados. Aferir a natureza do confronto entre paradigmas constitucionais e normas que lhe são temporalmente anteriores é uma operação intelectual que pressupõe fundamentalmente a análise de três ideias. Primeiro, é necessário determinar as noções de inconstitucionalidade e revogação de normas. Segundo, deve-se questionar se tais conceitos podem coexistir. Por fim, se eles não puderem coexistir, será necessário indagar se há e qual é sua relação de precedência.

Primeiro ponto. A inconstitucionalidade é conceito jurídico que designa duas realidades distintas, mas relacionadas. Sob o ângulo da relação normativa, a inconstitucionalidade é a relação de desconformidade de um ato jurídico com o parâmetro constitucional a que este se encontra submetido8 8 Cf. MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 132; RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47-48. . Por isso, afirmou Jorge Miranda que a constitucionalidade e a “inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa - a Constituição - e outra coisa - um comportamento - que lhe está ou não conforme, que cabe ou não cabe no seu sentido, que tem nela ou não sua base”.9 9 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 10. Mas esse conceito não se confunde com a sanção de inconstitucionalidade, “que é a consequência estabelecida pela Constituição para a sua violação: a providência prescrita pelo ordenamento para a sua restauração, a evolução do vício rumo à saúde constitucional”10 10 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção… Op. Cit. p. 63. No mesmo sentido, afirmou Carlos Blanco de Morais que a “sanção é pois, a forma assumida, no plano repressivo, por um determinado valor negativo” (MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 188). Sobre o mesmo tema, na doutrina alemã: PRÜMM, Hans Paul. Verfassug und Methodik. Berlin: Duncker und Humblot, 1977. p. 130. . Finalmente, a revogação é a sucessão de normas no tempo, determinada pela opção política do legislador. Sua consequência não é a invalidação da norma revogada e sim a imediata é a supressão da eficácia da legislação pretérita11 11 Cf. RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 69. Já o Direito Administrativo apresenta uma noção específica de revogação no que diz respeito aos atos administrativos, segundo a qual: “A revogação tem lugar quando uma autoridade, no exercício da competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e, por isso, resolve eliminá-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas” (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2009. p. 442). .

No que diz respeito à possibilidade da convivência desses conceitos, José Gomes Canotilho sustentou não haver entre eles uma relação de exclusão, pois, a seu ver, “se a revogação deriva ou é provocada por contrariedade com a Constituição então a contrariedade é ela mesma premissa da revogação”.12 12 Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.306. Em Portugal, a doutrina constitucional amplamente majoritária conta com argumentos dogmáticos importantes para sustentar tal ponto de vista.13 13 Nesse sentido, mas com argumentos diversos, conferir: MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional… Op. Cit. p. 166-169; MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade… Op. Cit. p. 115 e ss; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. 6. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 335 e ss. E a Comissão Constitucional da Assembleia Constituinte que promulgou a Constituição Portuguesa de 1976 decidiu, por maioria de votos, que “o direito ordinário anterior a 1976, que se havia tornado desconforme pela subsequente publicação da Constituição, padecia de vício de inconstitucionalidade material superveniente”.14 14 Cf. MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, Op. Cit.. p. 120.

Seguindo essa linha de raciocínio, o texto da Constituição Portuguesa vigente dispõe no art. 282, n.º 2, que, verificado o vício de “inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última”. E a jurisprudência do Tribunal Constitucional não poderia ter outro sentido que não o de afirmar que o ato jurídico materialmente inconstitucional e anterior à Constituição “está em tudo sujeito ao regime geral da fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição (salvo no que respeita aos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade)”15 15 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 82/84. No mesmo sentido conferir os seguintes acórdãos daquele Tribunal Constitucional: n.º 13/83 e n.º 201/86. .

Já em terras brasileiras, a despeito de a figura da inconstitucionalidade superveniente nunca ter sido aceita pela jurisprudência constitucional,16 16 Contra, afirmando que o Supremo Tribunal Federal admitia o controle pela via abstrata da recepção de normas pré-constitucionais, ver: MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gonet; COELHO, Inocêncio Martires. Curso de direito constitucional, Op. Cit.. p. 1166. Contudo, como esses mesmos autores reconhecem, nos precedentes por eles citados, o Supremo Tribunal Federal considerou, em preliminar ao mérito do processo, que a arguição da inconstitucionalidade de lei pré-constitucional pela via abstrata não é compatível com o sistema de controle brasileiro. Não parece ser esse o caso, pois o fato de essa questão ter sido analisada em preliminar processual ou no mérito da demanda, não altera em nada o fato de que a orientação da jurisprudência constitucional brasileira é no sentido de considerar a incompatibilidade entre Constituição e leis anteriores como um caso de recepção. sempre houve quem advogasse a favor desse conceito. O primeiro deles foi Castro Nunes, que contestou a possibilidade de a revogação de leis promulgadas em regimes jurídicos anteriores à constituição decorrerem da aprovação de um novo texto constitucional. Em suas palavras: “A teoria da ab-rogação das leis supõe normas da mesma autoridade. Quando se diz que a lei posterior revoga, ainda que tacitamente, a anterior, supõem-se no cotejo leis do mesmo nível. Mas se a questão está em saber se uma norma pode continuar a viger em face das regras ou princípios de uma Constituição, a solução negativa só é revogação por efeito daquela anterioridade; mas tem uma designação peculiar a esse desnível das normas, chama-se declaração de inconstitucionalidade”17 17 NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário, Rio de Janeiro: Forense, 1943. p. 602. Já na literatura espanhola e de forma semelhante: ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La constituición como norma y el tribunal constitucional, Madri: Civitas, 1985, pp. 83 e ss. . Na literatura constitucional recente, Gilmar Ferreira Mendes seguiu a mesma linha de argumentação, sustentando que “o princípio da lex posterior derogat priori pressupõe, fundamentalmente, a existência de densidade normativa idêntica ou semelhante estando, primordialmente, orientado para a substituição do direito antigo pelo direito novo. A Constituição não se destina, todavia, a substituir normas do direito ordinário”.18 18 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, São Paulo: Saraiva, 2014. p. 273. De tais premissas, retira-se a seguinte conclusão: uma vez que não se pode atribuir força derrogatória à Constituição, para que seja preservada sua autoridade, não há outra saída senão admitir que o conflito normativo entre normas constitucionais e leis que lhe são anteriores é um caso de inconstitucionalidade por derrogação.19 19 Cf. BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro: Forense, 1948. p. 131.

Mas o argumento principal, de quem procura fundamentar a possibilidade do exercício do controle de constitucionalidade principal em relação a leis e atos normativos anteriores aos parâmetros constitucionais vigentes, busca fundamento nas ideias de segurança jurídica e previsibilidade das decisões judiciais. Nessa linha, tal modalidade de controle seria mais um fator de estabilização dos entendimentos judiciais acerca da aplicação e interpretação das normas constitucionais. Em texto específico a respeito desse tema, afirmou, nesse sentido, Renato Gugliano Herani que “a persistência da eficácia de leis pré-constitucionais incompatíveis com a Constituição representa risco à supremacia constitucional, na mesma intensidade, quiçá mais gravoso, do aferido diante da afronta de lei pós-constitucional à Constituição vigente”.20 20 HERANI, Renato Gugliano. Direito pré-constitucional e a crise do Supremo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 182. p. 107-120, 2009. p. 115. Argumento esse que é encontrado, com pequenas variações, nas afirmações de Luís Guilherme Maninoni, para quem “a circunstância de a ação direta produzir efeitos erga omnes e vinculantes daria segurança e proporcionaria estabilidade em ralação à norma editada anteriormente ao texto constitucional em vigor”.21 21 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIERO, Daniel. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.091. Em linha similar, afirmando que a jurisprudência do STF acerca da matéria acarreta sérias dificuldades práticas: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012. p. 224. E tais afirmações são amparadas - dizem seus defensores - por um fato institucional: a criação da Arguição de descumprimento de preceito fundamental busca justamente suprir essa “falha” do sistema abstrato de controle de constitucionalidade brasileiro e, assim, toda e qualquer questão legal, seja ela decorrente da aplicação de leis pré ou pós constitucionais, estariam sujeitas ao crivo da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal.22 22 Adotando essa linha de argumentação: MENDES, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 56.

3. AVALIAÇÃO CRÍTICA

Tendo em conta as características fundamentais do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, a tese que identifica a não recepção de leis e atos normativos com a declaração de inconstitucionalidade não pode ser aceita. Isso pelas seguintes razões. Primeiro, no que tange ao aspecto puramente teórico, há incompatibilidade entre as noções de inconstitucionalidade e revogação: enquanto a ideia de revogação pressupõe a sucessão de leis no tempo, a inconstitucionalidade, sanção que é, pressupõe e só pode ocorrer quando há a concomitância temporal da existência das leis e atos normativos sancionados e dos parâmetros constitucionais. Afinal, sem que seja possível ao legislador antever o desvio do curso do processo legislativo, que causa o defeito do produto desse processo, não se pode falar de uma conduta inválida do autor da lei e, consequentemente, não se pode conceber a possibilidade da sanção de nulidade, que, no direito brasileiro, sempre acompanha o vício de inconstitucionalidade. Nas palavras eloquentes de Paulo Brossard, esse raciocínio foi assim sintetizado: “O legislador não deve obediência à Constituição antiga, já revogada, pois ela não existe mais. Existiu, deixou de existir. Muito menos a Constituição futura, inexistente, por conseguinte, por não existir ainda. De resto, só por adivinhação poderia obedecê-la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexistente”.23 23 BROSSARD, Paulo. A Constituição e as leis anteriores. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, n. 180. p. 126-127, 1992. p. 125. Similar, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Rep. 1.012/SP, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 95/980; Rep. 946, rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ, 82/44. Enfim, na mesma linha, Marcelo Neves observou que a lei inconstitucional, apesar de inválida, pertence ao sistema jurídico, e a lei incompatível com “norma constitucional superveniente submeteu-se também, apesar de sua inferioridade hierárquica, à aplicação do princípio lex posterior derogat priori” (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, São Paulo: Saraiva, 1988 p. 96).

Segundo ponto: o argumento que sustenta ser impossível que a Constituição revogue leis que lhe são anteriores tem pouco ou nenhum sentido. Na verdade, se o caráter normativo e a noção de aplicabilidade imediata das normas constitucionais forem realmente levados em consideração, a conclusão será justamente a contrária24 24 Cf. acerca do caráter obrigatório e da força normativa das normas constitucionais: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, Op. Cit.. p. 81; HESSE, Konrad. A força normativa da constituição, Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991, passim. . Afinal, se toda norma infraconstitucional é dotada de força derrogatória, com mais razão a Constituição será dotada do mesmo atributo25 25 Nesse sentido, afirmou Rui Medeiros que a “insistência na impossibilidade de uma norma constitucional posterior revogar uma norma legal anterior equivaleria, neste contexto, à negação do caráter normativo da Constituição. Ora, ‘a Constituição não é apenas uma superlei, mas é também ela mesma uma lei’. Por isso, não se pode excluir que a Constituição contenha também disposições em si idôneas à revogação de normas preexistentes” (MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, Op. Cit.. p. 116). . E há mais, pois a negação da força derrogatória das normas constitucionais também é incompatível com a simples constatação de que em inúmeras Constituições existem cláusulas derrogatórias do direito infraconstitucional anterior. Na Lei Fundamental de Bonn há um exemplo no art. 123, n.º 1, segundo o qual “leis anteriores à reunião constituinte permanecem, a menos que contrariem a Lei Fundamental”. Na história constitucional brasileira, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 dispunha, de forma semelhante, que “continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo regime” (art. 83, CF/1891).26 26 Outras Constituições brasileiras têm dispositivos semelhantes, dentre elas: a CF de 1934 (art. 187) e a CF de 1937 (art. 183). Cf, a esse respeito: RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção, Op. Cit.. p. 73. Se as normas constitucionais não tivessem força derrogatória, esses dispositivos constitucionais não teriam sentido, ou utilidade.27 27 Em sentido contrário: HERANI, Renato Gugliano. Direito pré-constitucional e a crise do Supremo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 182. p. 107-120, 2009. p. 112.

Terceiro ponto. Atribuir efeitos abstratos e vinculantes às decisões de órgãos e Cortes constitucionais não é uma opção teórica ou doutrinária. É uma escolha constitucional, que necessita de base normativa explícita. Por serem exceções à regra da repartição das funções judicial e legislativa, ditos efeitos não surgem de puras conclamações pela preservação da segurança jurídica ou da estabilidade de decisões judiciais. Eles precisam de fundamento constitucional.28 28 Nessa linha, a conhecida afirmação do Ministro Moreira Alves, para quem: “O controle de constitucionalidade in abstracto (principalmente em países em que, como o nosso, se admite, sem restrições, o incidenter tantum) é de natureza excepcional, e só se permite nos casos expressamente previstos na própria Constituição, como consectário, aliás, do princípio da harmonia e independência dos Poderes do Estado” (RE 91.740-RS, Min. rel. Xavier de Albuquerque, RTJ 93/461-2) Se é assim, não tem sentido dizer que a não recepção de leis pré-constitucionais deveria ser considerada como um caso de inconstitucionalidade superveniente única e exclusivamente para que as ações típicas de controle abstrato - leia-se: a Ação direta de inconstitucionalidade e sua coirmã Ação declaratória de inconstitucionalidade - possam ser manejadas para o controle de normas anteriores à promulgação da Constituição. Tais instrumentos processuais são destinados, segundo decisão expressa do constituinte brasileiro, ao controle do vício de inconstitucionalidade. Sendo assim, ampliar seu objeto, aceitando que ele contemple também o controle de normas anteriores à Constituição, significa alterar o conteúdo do texto constitucional, sem que tenha sido realizado o procedimento de emenda necessário para tanto. E não se concebe como e em que medida uma agressão ao texto constitucional pode ser fundamentada com a louvação da segurança jurídica ou estabilidade dos precedentes judiciais.

Ao contrário do que sustenta parte da doutrina,29 29 Sustentando que, por admitir a apreciação de recurso extraordinário contra toda e qualquer decisão que contrarie a Constituição Federal, o artigo 102, III, a, do atual Texto constitucional seria a prova de que o controle de quaisquer incompatibilidades normativas, sejam elas geradas por normas anteriores ou posteriores à promulgação da atual Constituição, configuraria um juízo de inconstitucionalidade: MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional, Op. Cit.. p. 265. essa conclusão é confirmada pelo fato de se admitir o controle da recepção normativa pela via do controle incidental de constitucionalidade. Aqui é preciso lembrar dois aspectos de tal modalidade de controle de constitucionalidade. Primeiro: a via incidental, que no Brasil é comumente confundida com a difusão da competência de controle, a inconstitucionalidade é simples e tão somente um dos argumentos que sustentam a conclusão a que quer chegar o autor da demanda. E justamente por isso, é equivoco afirmar que a declaração incidental de inconstitucionalidade faz coisa julgada, pois a solução dessa questão prejudicial não integra a sentença e, por isso, não pode ser imunizada pela coisa julgada.

Segundo: em decorrência de tal conclusão, não há a possibilidade de se tolher o direito do autor de uma demanda discutir seja a inconstitucionalidade seja a recepção normativa em face do novo Texto constitucional. Afinal, uma vez admitido tal impedimento, o que ocorreria seria, na verdade, a vedação de acesso do demandante à tutela jurisdicional do direito por ele pleiteado. E a Constituição Federal assegura, de forma inequívoca, o acesso do jurisdicionado ao poder judiciário e, com isso, consagra o direito à tutela jurisdicional efetiva. Conclusão: em decorrência da própria configuração sistemática do modo de controle incidental de constitucionalidade, será sempre possível discutir a recepção normativa em demandas individuais ou coletivas nas quais essa questão incida como prejudicial lógica. Mas disso não se pode inferir que a recepção possa quer discutida em demandas abstratas, em que a constitucionalidade é discutida como questão principal e mérito, pois, como já foi aqui afirmado, nesse caso o objeto da demanda é delimitado pelo próprio texto constitucional, sem que se possa ampliá-lo sem agressão à decisão do poder constituinte.

Finalmente, uma última questão. Como foi antes observado, há inúmeros autores que entendem que a arguição de descumprimento de preceito fundamental veio suprir uma “lacuna”, deficiência, ou “vazio” do sistema de controle de jurisdicional de constitucionalidade brasileiro. 30 30 Nesse sentido: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro,… Op. Cit. p. 225. Mas, como se afirmou no parágrafo anterior, não há uma real ausência, ou lacuna, nesse caso. O que existe, na verdade, é o desejo de grande parte dos autores nacionais em atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para o exercício do controle, pela via principal e abstrata, da recepção de leis e normas anteriores à promulgação do texto constitucional. Contudo, a dogmática pode questionar e criticar uma opção do constituinte, mas não lhe é dado substituir essa decisão. Nesse ponto, mais uma vez o que importa, portanto, é observar a função e o objetivo atribuído pelo texto constitucional aos instrumentos em questão. E uma vez que se constate que as ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade têm por objeto a aferição do vício de inconstitucionalidade, a conclusão a que se chega é que nessa sede é impossível discutir a recepção normativa. Não há lacuna aqui. Há, isso sim, a simples decisão do poder constituinte.

Porém, o que realmente surpreende nessa discussão não é a insistência da literatura em desconsiderar a dicção constitucional. Mais grave e preocupante é a vacilação e a incerteza do Supremo Tribunal Federal, que ao mesmo tempo continua negando a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de normas anteriores à Constituição, mas aceita que se questione a recepção quando o instrumento manejado no controle principal é a arguição de descumprimento de preceito fundamental.31 31 Recentemente, admitindo o questionamento da recepção normativa via arguição de descumprimento de preceito fundamental, ver a ementa da ADPF 291, relatada pelo ministro Roberto Barroso, onde se lê: “No entendimento majoritário do Plenário do Supremo Tribunal Federal, a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses (art. 142 da Constituição). No entanto, não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”, contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar, mantido o restante do dispositivo” (j. 28 de outubro de 2015).

Tal fato não é só surpreendente, mas inusitado, pois, considerando que tal qual se encontra regulada pela legislação, a chamada arguição autônoma de descumprimento de preceito fundamental nada mais é do que uma ação direta de inconstitucionalidade subsidiária,32 32 Cf. nesse sentido, dentre muitos: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 27. chega-se a um contrassenso. Ou se está diante, nesse caso, de uma exceção implícita, pois não expressamente declarada pela Corte, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que afasta a possibilidade da impugnação abstrata da não recepção normativa;33 33 Na mesma linha, mas com fundamentos distintos e sustentando que o valor, ou importância, da norma constitucional violada, determinaria a preferência da arguição de descumprimento em relação à ação direta: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 225; PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: recurso extraordinário e Arguição de descumprimento de preceito fundamental. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. ou então o que há aqui é a declaração cabal de que, ao menos nesse caso, a arguição de descumprimento de preceito fundamental não pode ser considerada como uma ação subsidiária da ação direta de inconstitucionalidade, pois se esta nunca foi cabível em casos de não recepção, aquela sempre será a ação principal para a discussão de casos envolvendo essa matéria.34 34 Com a mesma observação: LAURENTIIS, Lucas Catib de. Interpretação conforme a Constituição: conceito, técnicas e efeitos. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 222. Em ambos os casos, a jurisprudência consolidada pela Corte constitucional seria desrespeitada.

Não bastassem essas dúvidas, resta saber se e com qual legitimidade um órgão que exerce atividade jurisdicional, como o Supremo Tribunal Federal, pode declarar, com efeitos gerais, a não recepção de uma norma, em virtude da promulgação de uma nova Constituição. Afinal, se tal ato equivale, em sua natureza e efeitos, à revogação da lei em questão e se revogar é uma atividade típica do poder legislativo, fica a questão: como é possível que, nessa hipótese, o Supremo Tribunal Federal atue como típico legislador, sem que a separação dos poderes estatais seja violada?

Não se desconsidera que a ideia de separação de poderes tem diversos matizes e variantes,35 35 Para uma exposição acerca das diversas variantes da ideia de divisão de poderes: ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, Cambridge, v. 113, n. 3. p. 633-729, 2000. nem mesmo que nos casos em que a própria Constituição atribui a um órgão jurisdicional o exercício de atividade legiferante, como hoje parece ocorrer com as súmulas vinculantes, a separação de poderes não é violada. Contudo, o que temos no caso da revogação de normas por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental é a expansão da competência da Corte constitucional pela via da legislação ordinária, legislação essa que conta com a complacência da jurisprudência dessa mesma Corte. Não é de se espantar, assim, que em uma série de julgamentos de arguições de descumprimento em que se discutiu a recepção de normas, o Supremo Tribunal Federal assume a função de autentico legislador e, com base em argumentos de conveniência, modifica e suplanta a legislação em vigor.36 36 Exemplos de julgamentos dessa natureza, dentre outros: ADPF 54, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12 de abril de 2012; ADPF-MC 378, rel. Min. Edson Fachin, rel. para o acórdão Roberto Barroso, j. 17 de maio de 2015. Crítico a esse respeito, mas sem se atentar para as causas sistemáticas desse fenômeno: MARTINS, Leonardo: MARTINS, Leonardo. Notas sobre o julgamento da ADPF 130 (“Lei de imprensa”) e princípios de uma ordem da comunicação social compatível com a Constituição Federal. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, v. 3, n. 10, abr. 2009. Sem que a questão da competência para a declaração da não recepção normativa seja definitivamente solucionada, esse espaço de criação legislativa estará sempre aberto, e a Corte constitucional sempre estará apta a ultrapassar a linha que divide jurisdição e legislação.

4. PROBLEMAS TÉCNICOS

Consequência direta do reconhecimento da impossibilidade de se realizar o juízo de não recepção em sede de controle abstrato é o seu justo contrário: não se admite, em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que normas inconstitucionais em sua origem sem constitucionalizadas por Constituições posteriores ou emendas constitucionais.37 37 Exemplificativo dessa orientação: ARE AgR 683.849, rel. Min. Roberto Barroso, primeira turma, j. em 9 de setembro de 2016. A lógica de tal orientação está nos mesmos fundamentos que levam à exclusão da possibilidade de se discutir a recepção em sede de controle abstrato de constitucionalidade: se a norma controlada é inconstitucional, esse vício se manifesta em seu ato de criação e, assim, tanto é impossível que uma lei criada com a pecha da inconstitucionalidade se torne constitucional em um momento posterior de sua existência, quanto não se pode admitir que a norma constitucional em sua origem seja posteriormente considerada inconstitucional em virtude da criação de novo parâmetro de controle. Preliminar lógica da declaração da sanção de inconstitucionalidade,38 38 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. La pregiudizialitá costituzionale. Milano: Giuffre, 1957. p. 34. o vício da norma controlada é congênito e acompanha sua criação.

Um segundo aspecto, que decorre do anterior, tem relação com a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão de não recepção. Quanto a esse ponto, a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segue, mais uma vez, uma lógica linear: admite-se que os efeitos da declaração do vício de inconstitucionalidade, que em regra atingem, no sistema de controle brasileiro, a norma ou lei questionada desde seu nascimento, sejam modulados quando presentes as razões e o quórum de votação exigido em lei.39 39 Acerca do conceito e requisitos da modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade: DIAS, Roberto; LAURENTIIS, Lucas de. A segurança jurídica e o Supremo Tribunal Federal: modulação dos efeitos temporais no controle da constitucionalidade. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 205-221. Isso não ocorre quando a norma questionada é anterior ao parâmetro constitucional, pois nesse caso os efeitos temporais da declaração de não recepção têm início com a promulgação da nova norma constitucional - na terminologia consagrada pela dogmática brasileira, tais efeitos são, portanto, naturalmente ex nunc. Daí que não se faz necessário modular os efeitos da decisão de não recepção para que eles sejam prospectivos. E isso nem mesmo seria possível, pois o requisito mais do evidente da modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é a existência do vício de inconstitucionalidade. Mas, como aqui já foi observado, não há tal vício quando se está em questão a recepção de normas anteriores à Constituição.40 40 Nessa linha, na jurisprudência constitucional: RE 438.025-AgR, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25 de agosto de 2006; RE 248.892, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 31 de março de 2000; e RE 370.734-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22 de abril de 2005. Contra, ainda em sede jurisprudencial, sustentando a possibilidade de modulação de efeitos ainda que em sede de aferição da recepção normativa, ver o voto do Min. Gilmar Mendes, no AI 582.280, rel. Min. Celso de Mello, j. 18 de dezembro de 2006.

Enfim, dois últimos aspectos técnicos, com soluções similares. Como se sabe, a reserva de plenário é regra de procedimento que condiciona a eficácia da declaração de inconstitucionalidade prolatada por órgãos colegiados.41 41 Cf., por todos: BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis… Op. Cit. p. 45. Instrumento tradicional do direito brasileiro desde a sua criação na Constituição Federal de 1934, a reserva de plenário ou, na terminologia norte-americana, full bench, deve ser acionada sempre que o órgão fracionário do Tribunal verificar a possibilidade de ser declarada a nulidade, em razão da verificação da inconstitucionalidade, da lei questionada.42 42 Hoje a reserva de plenário é regulada pelos artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil, que pouco alterou a matéria tal qual se encontrava no Código de 1973. Mais uma vez, essa hipótese exige, como pressuposto lógico da aplicação do instituto, a possibilidade de incidir sobre a norma questionada a sanção de inconstitucionalidade. E se é assim, não tem sentido exigir que esse instrumento seja aplicado em casos de não recepção normativa, caso em que inexiste o vício da lei questionada. Com razão, portanto, o Supremo Tribunal Federal tem afastado a necessidade de se acionar o mecanismo da reserva de plenário quando se está em discussão a recepção de leis ou atos normativos.43 43 Nessa linha: AI 851.849-AgR, rel. Min. Luiz Fux, DJe 27 de maio de 2013; AI 831.166-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29 de abril de 2011. E o mesmo ocorre com a resolução senatorial, editada em casos de declaração, em última instância da inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, caso em que a Constituição vigente é explícita ao exigir a presença do vício de inconstitucionalidade para que esse instrumento seja acionado.44 44 Afinal, nos termos do artigo 52, X, da CF/1988, compete ao Senado “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

5. DECISÕES INTERPRETATIVAS

Aspecto ainda pouco explorado da questão aqui debatida diz respeito à relação entre o juízo de recepção e as técnicas interpretativas de decisão. Entendidas como espécie do gênero sentenças manipulativas, essas técnicas decisórias passaram a ser aplicadas em larga escala pela jurisprudência brasileira a partir da década de noventa. Dentre elas, certamente a mais popular é a interpretação conforme a Constituição. Cumpre, então, questionar: a interpretação conforme a Constituição seria aplicável nas causas em que seja discutida a recepção de normas infraconstitucionais? Ao menos no que tange ao modo abstrato de controle, a resposta deve ser negativa. O fundamento dessa conclusão reside no próprio conceito da interpretação conforme a Constituição. Como foi exposto, no direito brasileiro, não é admissível o controle abstrato da constitucionalidade da recepção de normas anteriores à Constituição e, nesse âmbito, a interpretação conforme é uma técnica de controle de constitucionalidade.45 45 Nesse sentido, exemplificativo e paradigma da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal: Rp. 1417, rel. Min. Moreira Alves, j. 9 de dezembro de 1987. Na literatura, a esse respeito: LAURENTIIS, Lucas Catib de. Interpretação conforme a Constituição… Op. Cit. p. 49 e ss. Dessa forma, a aplicação de tal técnica estará, nessa hipótese, a priori afastada.

Já no que diz respeito ao controle incidental da constitucionalidade, a dificuldade em se admitir a aplicação da interpretação conforme a Constituição decorre da incompatibilidade de um dos limites de tal técnica com o juízo de recepção de normas anteriores à Constituição. Isso porque, tal qual concebida pela jurisprudência e doutrina dominantes no Brasil,46 46 Para uma visão crítica a esse respeito, ver: STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 626. a interpretação conforme a Constituição deve respeitar o limite da vontade do Legislador. Todavia, dado que o Legislador pré-constitucional não poderia pressupor a superveniência de novo ordenamento constitucional, dificilmente sua vontade seria dirigida ao sentido da nova Constituição47 47 Em sentido semelhante, conferir: MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade… Op. Cit. p. 314; GUSY, Christoph. Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht. Berlin: Duncker und Humblot, 1985. p. 215. . Por isso, diz parte da doutrina, seria preciso pressupor que a interpretação conforme a Constituição não pode ser aplicada nas lides em que se discuta a revogação de normas pelo novo ordenamento constitucional48 48 Em sentido contrário, na doutrina nacional, Elival da Silva Ramos sustentou, com grande precisão conceitual, que a presunção de constitucionalidade das leis é “uma regra de interpretação aplicável tanto às leis posteriores à Constituição, de maneira a evitar-lhes a inconstitucionalidade, quanto às leis anteriores à Constituição, de modo a que se lhes evite a revogação” (RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção… Op. Cit. p. 206). . Esse não parece ser, todavia, o entendimento correto.

Isso porque, admitida a tese que afasta a interpretação conforme a Constituição dos juízos incidentais de recepção normativa, seria necessário supor inúmeras exceções a essa regra. A primeira delas diria respeito às normas que, aplicadas com frequência no novo ordenamento constitucional, foram tacitamente aceitas pelo Legislador presente. Assim, se “o legislador pós-constitucional apreciou o direito precedente e confirmou sua vigência”49 49 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade… Op. Cit. p. 127. , a vontade do Legislador pré-constitucional será atualizada perante a nova ordem constitucional. É o que ocorre, por exemplo, quando o legislador altera, por diversas vezes, a redação de uma lei pré-constitucional.50 50 É o caso, por exemplo, dos Códigos de Processo Penal e Penal brasileiros. Mesmo que dita legislação seja anterior à Constituição de 1988, inúmeras alterações legislativas de tais Leis sobrevieram à promulgação desta Constituição. Seria, portanto, irrealista pensar que a constitucionalidade dessas leis seja um tema desconhecido ou ignorado pelo legislador presente. A presunção, nesse caso, deveria ser invertida, pois essa atuação faz pressupor que o legislador pós-constitucional teve oportunidade para apreciar a constitucionalidade das normas pré-constitucionais. Se não as revogou e, ao contrário, alterou diversos dispositivos dessas leis, pressupõe-se que sua vontade passa a afirmar a constitucionalidade de tais normas. É um caso de atualização tácita, não da própria lei, mas da vontade do legislador. Verificadas tais hipóteses, seria então possível a aplicação da interpretação conforme a Constituição nos juízos incidentais de revogação de leis pela Constituição.

Ademais seria ainda preciso pressupor que, na falta da determinação da vontade do legislador histórico, a vontade que guia a aplicação da interpretação conforme a Constituição é a do legislador objetivo. Por isso, se o novo sentido do texto constitucional fosse “admitido pela letra do preceito e não contrarie o sentido objetivo da lei”51 51 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade… Op. Cit. p. 314. , seria também preciso admitir a realização da interpretação conforme a Constituição nessas hipóteses. Uma vez que a determinação da vontade subjetiva do legislador é dificultada pela passagem do tempo, o parâmetro interpretativo de tais leis passaria a ser simplesmente a vontade objetiva do legislador. Dessa forma, mesmo que se admita que a interpretação conforme a Constituição não seja aplicável em juízos incidentais de recepção normativa, leis aprovadas em épocas distantes e, com elas, todas aquelas em que não fosse possível determinar a vontade histórica do legislador que as tenha criado, poderiam ter, em regra, seu sentido atualizado em conformidade com o novo paradigma constitucional. Nessas hipóteses seria então admissível a utilização da interpretação conforme a Constituição.

Vê-se, então, que as exceções àquela regra - não aplicação da interpretação conforme a Constituição em juízos incidentais de recepção normativa - são tantas que poucos casos restarão nos quais não se admitirá a aplicação dessa técnica nessas hipóteses de controle de constitucionalidade. É, assim, preferível admitir que, a não ser que a vontade clara e manifesta do legislador histórico contrarie os parâmetros interpretativos da nova ordem constitucional, a interpretação conforme a constituição será aplicável nos juízos incidentais de recepção. Com efeito, a vontade do legislador historio é um elemento que limita a possibilidade de utilização da interpretação conforme a Constituição. Admitir o contrário seria, com efeito, possibilitar que a interpretação conforme a Constituição seja uma via aberta à subversão ou modificação do sentido implícito de normas infraconstitucionais. Por isso, para que não reste qualquer possibilidade de manipulação ou alteração do sentido da lei pelos órgãos judiciários via interpretação conforme a Constituição, é preciso afastar a aplicabilidade dessa técnica nos casos em que a vontade do legislador histórico seja incompatível com os parâmetros constitucionais atuais.

6. NOVAS APLICAÇÕES E PERSPECTIVAS

Considerada a configuração sistemática da doutrina e jurisprudência brasileiras a respeito do fenômeno da inconstitucionalidade superveniente, seria possível afirmar que esse conceito teria um papel marginal da literatura e de pouca ou nenhuma importância para a jurisprudência constitucional. Ledo engano. Hoje, mais do que nunca, a questão da inconstitucionalidade superveniente volta a ter força prática e importância teórica. Cumpre, então, investigar as causas desse retorno e averiguar quais as características e efeitos da nova feição dessa figura controversa. Basicamente, são duas as causas que modificam o sentido e o significado prático da inconstitucionalidade superveniente.

A primeira delas reside nas modificações ocorridas na própria sistemática de controle incidental. E quanto a esse aspecto, o que se observou desde a aprovação das derradeiras reformas ao Código de Processo Civil de 1973, que implantaram a sistemática de julgamento por amostragem e regulamentaram a repercussão geral, é uma tendência a tornar gerais os efeitos decorrentes da decisão de inconstitucionalidade, movimento que chegou a ser visto como causa de uma autêntica mutação constitucional no que tange ao papel exercido pelo Senado Federal na atribuição de efeitos gerais à decisão incidental de inconstitucionalidade.52 52 Adotando essa tese, dentre outros: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 245. Mas em julgamento em que essa tese foi especificamente debatida, o Supremo Tribunal Federal afastou a possibilidade de uma mutação constitucional que retire do Senado a competência para atribuir eficácia geral às decisões incidentais de controle de constitucionalidade: no caso, foi condicionada a expansão dos efeitos da decisão incidental à aprovação de sumula vinculante.53 53 Rcl 4335, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 20 de março de 2014. No mesmo sentido de tal decisão e acerca da relação entre súmula vinculante e a proposta de revisão do papel do Senado Federal, ver: LEAL, Roger Stiefelmann. A incorporação das súmulas vinculantes à jurisdição constitucional brasileira: alcance e efetividade em face do regime legal da repercussão geral e da proposta de revisão jurisprudencial sobre a interpretação do art. 52, X, da Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 179-201, v. 261, 2012.

Ocorre que, mesmo que tal investida contra a função constitucional do Senado Federal não tenha sido plenamente vitoriosa, fato é que o novo Código de Processo Civil criou uma série de instrumentos processuais voltados a estabilizar a jurisprudência constitucional e tornar vinculante as decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de cúpula em sede de controle incidental de constitucionalidade. É o que se convencionou chamar de sistema de precedentes brasileiro. Nesse contexto, uma vez que se admita a constitucionalidade de tais instrumentos processuais,54 54 Debatendo a respeito da constitucionalidade da criação, via legislação ordinária, de tais instrumentos de vinculação e estabilização da jurisprudência: BUENO, Cassio Scarpinela. Novo Código de processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 571. Explicita e diretamente, sustentando que a criação de instrumentos de vinculação da atividade jurisdicional por meio de lei ordinária é inconstitucional: NERY, Nelson; NERY, Rosa. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1912. o debate acerca da possibilidade do controle da recepção constitucional perde sentido prático: afinal, salvo no que diz respeito à vinculação de órgãos administrativos,55 55 No que tange às especificidades e diferenças do efeito vinculante do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade em comparação com o que ocorre com a sistemática da repercussão geral, “é correto afirmar que em relação à repercussão geral, segundo o disposto no CPC, a orientação decorrente dos pronunciamentos do STF incide apenas - como já se observou acima - sobre os “Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais” que sobrestaram recursos extraordinários ou vierem a recebê-los a posteriori para efetuar o necessário juízo de admissibilidade” (LEAL, Roger Stiefelmann. A incorporação das súmulas vinculantes à jurisdição constitucional brasileira… Op. Cit. p. 194). não há distinção significativa entre o efeito vinculante das ações diretas de controle principal e o efeito das decisões proferidas pela sistemática de repercussão geral. E, assim, o fato de a recepção ser discutida em sede principal ou incidental perde muito de seu apelo prático.

Dadas essas condições, não tarda para o renascimento da questão da inconstitucionalidade superveniente. Dois casos, ambos com repercussão geral já reconhecida, indicam a nova importância assumida por essa noção. No primeiro deles discute-se a “inconstitucionalidade superveniente” do adicional de dez pontos porcentuais devido pelo empregador ao Fundo de garantia do trabalhador, adicional esse que foi instituído com a finalidade específica de recompor a perda inflacionária a que foi submetido o Fundo. Ocorre que, passados quase duas décadas da criação de tal adicional, tal finalidade - recomposição das perdas inflacionárias - já foi atingida e as verbas arrecadadas passaram a ser dirigidas a outros fins, como o financiamento de programas habitacionais. Daí que se discuta se e como o tributo em questão nasceu inconstitucional e se tornou inconstitucional em virtude da passagem do tempo e do valor já arrecadado. Nas palavras do recorrente, tal hipótese configuraria um caso de inconstitucionalidade superveniente em virtude de perda superveniente do objeto da tributação.56 56 RE 878.313 RG/SC, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 9 de setembro de 2015.

Porém, apesar da utilização da nomenclatura da “inconstitucionalidade superveniente”, esse caso envolve um fenômeno completamente diferente. A questão de fundo, aqui, é a seguinte: em que medida a alteração das condições de fato - no caso, a destinação da verba arrecadada em virtude da instituição do adicional ao valor a ser recolhido para o Fundo de garantia para finalidades não contempladas no ato de sua criação - pode tornar inconstitucional o tributo antes considerado constitucional. O pressuposto dessa análise está na concepção do Fundo de garantia por tempo de serviço como tributo causal, equivalente às contribuições.57 57 Nesse sentido: REsp 1.143.094/SP, rel. Min. Luíz Fux, j. 9 de dezembro de 2009. Firmada essa premissa, resta saber se, no caso, o desvio da finalidade determinada no ato da instituição do tributo em causa é tal a ponto de gerar a “inconstitucionalidade superveniente” de sua cobrança. Está em jogo, portanto, a avaliação das condições atuais em que o adicional do Fundo de garantia é cobrado, algo substancialmente diverso do fenômeno verificado quando há a substituição posterior do parâmetro constitucional, que gera a incompatibilidade da lei anterior. Nesse caso, há a modificação do parâmetro constitucional; naquele, a alteração da lei, ou norma, controlada. Esse caso trata, portanto, de um falso cognato da inconstitucionalidade superveniente em seu modelo clássico e, sendo assim, ele não encerra nenhum impeditivo técnico para que se realize a sua discussão em sede de controle principal.

Finalmente, pende de julgamento a controvérsia acerca da possibilidade de se “constitucionalizar” a concessão inconstitucional de benefícios fiscais por parte de Estados federados. O caso envolve a concessão de remissão de créditos tributários decorrentes da declaração de inconstitucionalidade de benefícios fiscais concedidos em desacordo com o procedimento exigido pela Constituição, sobretudo no que tanque à existência de acordo interestadual no âmbito do Confaz. Uma vez que tal remissão foi submetida a tal procedimento, o vício originário que afeta a validade do benefício concedido unilateralmente deixaria de existir.58 58 RE 851.421 RG/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 21 de maio de 2015. Seria esse um caso de declaração da “constitucionalidade superveniente”, que comprovaria a possibilidade teórica e prática de seu contrário, a inconstitucionalidade superveniente? Nesse caso, ao contrário do que ocorre com o anterior, há realmente uma alteração na situação de fato e também da interpretação da norma constitucional paramétrica, que em um primeiro momento levava à conclusão inexorável da inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido, em um segundo momento, com a integração normativa decorrente do acordo firmado pelos Estados interessados, passa a indicar a ausência do vício de inconstitucionalidade.

Na visão do relator desse caso, Ministro Marco Aurélio, isso indica que os entes federados estariam “modulando os efeitos”, em nível temporal, da declaração de inconstitucionalidade antes realizada pelo Supremo Tribunal Federal, o que desaguaria em duas questões: o executivo estadual está autorizado a modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos e, caso a resposta seja afirmativa, a decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo tribunal federal em sede de controle principal estaria sujeito a tal modulação?59 59 RE 851.421 RG/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 21 de maio de 2015. p. 7.

Porém, essa abordagem da questão parece fugir do foco, pois o ponto central do debate nesse caso não é se e em que condições o vício de inconstitucionalidade pode ou deve ser convalidado, mas sim se os entes federados, que tinham agido em desacordo com o parâmetro constitucional, podem, em um momento posterior, transigir no que diz respeito à implementação das consequências do julgamento de sua ação anterior. E, nesse sentido, não há como fugir da conclusão de que, ao cumprir com as exigências constitucionais para a concessão de benefícios fiscais, os estados envolvidos estão também autorizados a remir os débitos decorrentes da inconstitucionalidade de sua ação anterior. Afinal, a competência impositiva do tributo em questão foi concedida a eles, Estados, e, com a autorização dos demais entes federados reunidos para deliberação conjunta, passa a ser possível a concessão do benefício antes contestado. Contudo, essa análise indica, mais uma vez, que se trata aqui de uma falsa inconstitucionalidade superveniente, pois a norma julgada constitucional no segundo momento - a remissão, que conta com a concordância de todos os entes federados envolvidos - não é a mesma da declaração anterior de inconstitucionalidade - o benefício fiscal concedido em desacordo com o procedimento exigido pela Constituição. Por isso mesmo não se pode falar aqui de declaração posterior de constitucionalidade da lei inconstitucional; afinal, não se trata, nesses casos, da mesma norma. E, pela mesma razão, não se pode falar também de modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade originária.

7. CONCLUSÕES

As conclusões desse texto não são nada animadoras para aqueles que defendem, ou defenderam, a equiparação dos regimes jurídicos da inconstitucionalidade e recepção de normas anteriores à Constituição. Isso porque, após apresentar as propostas de superação de tal distinção, foram expostas as críticas a tal movimento doutrinário, o que levou à conclusão segundo a qual, na atual configuração do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, não é possível identificar não recepção com a declaração da inconstitucionalidade normativa. Nesse ponto, foi ainda observado que a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é errante quanto à fixação dos contornos dogmáticos de tais conceitos, vez que ora ela afasta a possibilidade do questionamento da recepção via instrumentos abstratos de controle de constitucionalidade, ora admite tal demanda, como se observa no caso da propositura de arguições de descumprimento de preceito fundamental. De todos os possíveis e imagináveis, esse é o pior dos mundos para a dogmática constitucional: aquele em que a jurisprudência da Suprema corte adequa a estrutura e a função dos instrumentos de controle aos nomes das ações que lhe são propostas, esquecendo-se, com isso, que a denominação deve se adequar ao objeto, não o contrário.

Em uma terceira passagem do texto, a tese apresentada foi posta a prova no que diz respeito a diversas técnicas de controle de constitucionalidade, chegando-se, com isso, à conclusão de que instrumentos como a resolução suspensiva do senado ou a cláusula de reserva de plenário não devem ser acionados em demandas em que seja discutida a recepção normativa. Enfim e especificamente no que diz respeito às técnicas interpretativas de decisão, foi observado que, pelas mesmas razões que afastam a utilização de instrumentos de controle principal - ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade - das demandas em que se discuta a não recepção, a interpretação conforme a Constituição também não pode ser utilizada em tais demandas. Isso porque, em tal situação, tal técnica manipulativa é um instrumento de controle de constitucionalidade, que, como visto, é incompatível com o juízo de recepção. Já no que diz respeito ao controle incidental, concluiu-se que a interpretação conforme a Constituição poderia ser aplicada em demandas que discutam a não recepção.

Finalmente, foram expostos e analisados novos casos que envolveriam novas facetas do fenômeno da não recepção. Concluiu-se, contudo, que apesar da utilização da denominação “inconstitucionalidade superveniente” em tais julgados, o fenômeno nelas observado constitui um caso de modificação, seja na situação de fato ou na interpretação, da norma objeto de controle. E isso afasta tais demandas de uma das características principais da não recepção: nesse caso, ocorre a alteração do parâmetro de controle, modificação essa que acarreta a incompatibilidade posterior da norma questionada com a Constituição. Os casos aqui expostos tratam de um fenômeno completamente diverso: neles se discute a possibilidade de o mesmo texto normativo comportar diferentes normas que, vistas no decorrer do tempo, acarretam diferentes juízos de inconstitucionalidade. Nesses casos também se observa, portanto, que há uma falsa identificação entre não recepção e inconstitucionalidade.

  • 1
    MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1020; 1021.
  • 2
    TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 175.
  • 3
    Nos clássicos da teoria do controle de constitucionalidade brasileiro, abordando tal questão: NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943. p. 600; LEAL, Victor Nunes. Leis complementares da Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 7, jan./mar. 1947. p. 390.
  • 4
    Foi o que Gustavo Zagrebelsky sustentou na seguinte passagem de sua obra: “Buoni argomenti si può essere invocati a favore dell’una come dell’altra tesi, cosicché si puo force dire che la soluzione alla fine accolta dipese più da una scelta strategica politico-costituzionale” (ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna: Mullino, 1988. p. 142). Não se deve confundir, contudo, o tema da inconstitucionalidade superveniente com a denominada “incostituzionalità sopravvenuta”, que segundo a doutrina italiana mais recente é uma forma de modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Apresentando tal distinção: DIACO, Danilo. Gli effetti temporali delle decisioni di incostituzionalità tra Legge fondamentale e diritto costituzionale vivente. Disponível em: <http://www.giurcost.org/studi/diaco.pdf>. Acesso em 10 jan. 2016.
  • 5
    Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 161; MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 123.
  • 6
    Para uma argumentação similar acerca do desenvolvimento histórico da questão aqui debatida, cf. PESTALOZZA, Christian. Verfassungsprozeßrecht. München: C.H. Beck’sche, 1991. p. 125.
  • 7
    Acerca do conceito e função da dogmática constitucional, ver: JESTAEDT, Matthias. Die Verfassung hinter der Verfassung. München: Ferdinand Schöningh. p. 17 e ss.
  • 8
    Cf. MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 132; RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47-48.
  • 9
    MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 10.
  • 10
    RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção… Op. Cit. p. 63. No mesmo sentido, afirmou Carlos Blanco de Morais que a “sanção é pois, a forma assumida, no plano repressivo, por um determinado valor negativo” (MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. t. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 188). Sobre o mesmo tema, na doutrina alemã: PRÜMM, Hans Paul. Verfassug und Methodik. Berlin: Duncker und Humblot, 1977. p. 130.
  • 11
    Cf. RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 69. Já o Direito Administrativo apresenta uma noção específica de revogação no que diz respeito aos atos administrativos, segundo a qual: “A revogação tem lugar quando uma autoridade, no exercício da competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e, por isso, resolve eliminá-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas” (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 29. ed., São Paulo: Malheiros, 2009. p. 442).
  • 12
    Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.306.
  • 13
    Nesse sentido, mas com argumentos diversos, conferir: MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional… Op. Cit. p. 166-169; MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade… Op. Cit. p. 115 e ss; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. 6. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 335 e ss.
  • 14
    Cf. MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, Op. Cit.. p. 120.
  • 15
    Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 82/84. No mesmo sentido conferir os seguintes acórdãos daquele Tribunal Constitucional: n.º 13/83 e n.º 201/86.
  • 16
    Contra, afirmando que o Supremo Tribunal Federal admitia o controle pela via abstrata da recepção de normas pré-constitucionais, ver: MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gonet; COELHO, Inocêncio Martires. Curso de direito constitucional, Op. Cit.. p. 1166. Contudo, como esses mesmos autores reconhecem, nos precedentes por eles citados, o Supremo Tribunal Federal considerou, em preliminar ao mérito do processo, que a arguição da inconstitucionalidade de lei pré-constitucional pela via abstrata não é compatível com o sistema de controle brasileiro. Não parece ser esse o caso, pois o fato de essa questão ter sido analisada em preliminar processual ou no mérito da demanda, não altera em nada o fato de que a orientação da jurisprudência constitucional brasileira é no sentido de considerar a incompatibilidade entre Constituição e leis anteriores como um caso de recepção.
  • 17
    NUNES, Castro. Teoria e prática do poder judiciário, Rio de Janeiro: Forense, 1943. p. 602. Já na literatura espanhola e de forma semelhante: ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La constituición como norma y el tribunal constitucional, Madri: Civitas, 1985, pp. 83 e ss.
  • 18
    MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, São Paulo: Saraiva, 2014. p. 273.
  • 19
    Cf. BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro: Forense, 1948. p. 131.
  • 20
    HERANI, Renato Gugliano. Direito pré-constitucional e a crise do Supremo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 182. p. 107-120, 2009. p. 115.
  • 21
    SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIERO, Daniel. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.091. Em linha similar, afirmando que a jurisprudência do STF acerca da matéria acarreta sérias dificuldades práticas: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012. p. 224.
  • 22
    Adotando essa linha de argumentação: MENDES, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 56.
  • 23
    BROSSARD, Paulo. A Constituição e as leis anteriores. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, n. 180. p. 126-127, 1992. p. 125. Similar, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Rep. 1.012/SP, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 95/980; Rep. 946, rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ, 82/44. Enfim, na mesma linha, Marcelo Neves observou que a lei inconstitucional, apesar de inválida, pertence ao sistema jurídico, e a lei incompatível com “norma constitucional superveniente submeteu-se também, apesar de sua inferioridade hierárquica, à aplicação do princípio lex posterior derogat priori” (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, São Paulo: Saraiva, 1988 p. 96).
  • 24
    Cf. acerca do caráter obrigatório e da força normativa das normas constitucionais: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, Op. Cit.. p. 81; HESSE, Konrad. A força normativa da constituição, Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991, passim.
  • 25
    Nesse sentido, afirmou Rui Medeiros que a “insistência na impossibilidade de uma norma constitucional posterior revogar uma norma legal anterior equivaleria, neste contexto, à negação do caráter normativo da Constituição. Ora, ‘a Constituição não é apenas uma superlei, mas é também ela mesma uma lei’. Por isso, não se pode excluir que a Constituição contenha também disposições em si idôneas à revogação de normas preexistentes” (MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade, Op. Cit.. p. 116).
  • 26
    Outras Constituições brasileiras têm dispositivos semelhantes, dentre elas: a CF de 1934 (art. 187) e a CF de 1937 (art. 183). Cf, a esse respeito: RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção, Op. Cit.. p. 73.
  • 27
    Em sentido contrário: HERANI, Renato Gugliano. Direito pré-constitucional e a crise do Supremo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 182. p. 107-120, 2009. p. 112.
  • 28
    Nessa linha, a conhecida afirmação do Ministro Moreira Alves, para quem: “O controle de constitucionalidade in abstracto (principalmente em países em que, como o nosso, se admite, sem restrições, o incidenter tantum) é de natureza excepcional, e só se permite nos casos expressamente previstos na própria Constituição, como consectário, aliás, do princípio da harmonia e independência dos Poderes do Estado” (RE 91.740-RS, Min. rel. Xavier de Albuquerque, RTJ 93/461-2)
  • 29
    Sustentando que, por admitir a apreciação de recurso extraordinário contra toda e qualquer decisão que contrarie a Constituição Federal, o artigo 102, III, a, do atual Texto constitucional seria a prova de que o controle de quaisquer incompatibilidades normativas, sejam elas geradas por normas anteriores ou posteriores à promulgação da atual Constituição, configuraria um juízo de inconstitucionalidade: MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional, Op. Cit.. p. 265.
  • 30
    Nesse sentido: BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro,… Op. Cit. p. 225.
  • 31
    Recentemente, admitindo o questionamento da recepção normativa via arguição de descumprimento de preceito fundamental, ver a ementa da ADPF 291, relatada pelo ministro Roberto Barroso, onde se lê: “No entendimento majoritário do Plenário do Supremo Tribunal Federal, a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar justifica-se, em tese, para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses (art. 142 da Constituição). No entanto, não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”, contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar, mantido o restante do dispositivo” (j. 28 de outubro de 2015).
  • 32
    Cf. nesse sentido, dentre muitos: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 27.
  • 33
    Na mesma linha, mas com fundamentos distintos e sustentando que o valor, ou importância, da norma constitucional violada, determinaria a preferência da arguição de descumprimento em relação à ação direta: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 225; PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: recurso extraordinário e Arguição de descumprimento de preceito fundamental. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001.
  • 34
    Com a mesma observação: LAURENTIIS, Lucas Catib de. Interpretação conforme a Constituição: conceito, técnicas e efeitos. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 222.
  • 35
    Para uma exposição acerca das diversas variantes da ideia de divisão de poderes: ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, Cambridge, v. 113, n. 3. p. 633-729, 2000.
  • 36
    Exemplos de julgamentos dessa natureza, dentre outros: ADPF 54, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12 de abril de 2012; ADPF-MC 378, rel. Min. Edson Fachin, rel. para o acórdão Roberto Barroso, j. 17 de maio de 2015. Crítico a esse respeito, mas sem se atentar para as causas sistemáticas desse fenômeno: MARTINS, Leonardo: MARTINS, Leonardo. Notas sobre o julgamento da ADPF 130 (“Lei de imprensa”) e princípios de uma ordem da comunicação social compatível com a Constituição Federal. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, v. 3, n. 10, abr. 2009.
  • 37
    Exemplificativo dessa orientação: ARE AgR 683.849, rel. Min. Roberto Barroso, primeira turma, j. em 9 de setembro de 2016.
  • 38
    Cf. CAPPELLETTI, Mauro. La pregiudizialitá costituzionale. Milano: Giuffre, 1957. p. 34.
  • 39
    Acerca do conceito e requisitos da modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade: DIAS, Roberto; LAURENTIIS, Lucas de. A segurança jurídica e o Supremo Tribunal Federal: modulação dos efeitos temporais no controle da constitucionalidade. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 205-221.
  • 40
    Nessa linha, na jurisprudência constitucional: RE 438.025-AgR, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25 de agosto de 2006; RE 248.892, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 31 de março de 2000; e RE 370.734-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22 de abril de 2005. Contra, ainda em sede jurisprudencial, sustentando a possibilidade de modulação de efeitos ainda que em sede de aferição da recepção normativa, ver o voto do Min. Gilmar Mendes, no AI 582.280, rel. Min. Celso de Mello, j. 18 de dezembro de 2006.
  • 41
    Cf., por todos: BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leisOp. Cit. p. 45.
  • 42
    Hoje a reserva de plenário é regulada pelos artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil, que pouco alterou a matéria tal qual se encontrava no Código de 1973.
  • 43
    Nessa linha: AI 851.849-AgR, rel. Min. Luiz Fux, DJe 27 de maio de 2013; AI 831.166-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29 de abril de 2011.
  • 44
    Afinal, nos termos do artigo 52, X, da CF/1988, compete ao Senado “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
  • 45
    Nesse sentido, exemplificativo e paradigma da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal: Rp. 1417, rel. Min. Moreira Alves, j. 9 de dezembro de 1987. Na literatura, a esse respeito: LAURENTIIS, Lucas Catib de. Interpretação conforme a ConstituiçãoOp. Cit. p. 49 e ss.
  • 46
    Para uma visão crítica a esse respeito, ver: STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 626.
  • 47
    Em sentido semelhante, conferir: MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidadeOp. Cit. p. 314; GUSY, Christoph. Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesverfassungsgericht. Berlin: Duncker und Humblot, 1985. p. 215.
  • 48
    Em sentido contrário, na doutrina nacional, Elival da Silva Ramos sustentou, com grande precisão conceitual, que a presunção de constitucionalidade das leis é “uma regra de interpretação aplicável tanto às leis posteriores à Constituição, de maneira a evitar-lhes a inconstitucionalidade, quanto às leis anteriores à Constituição, de modo a que se lhes evite a revogação” (RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção… Op. Cit. p. 206).
  • 49
    MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidadeOp. Cit. p. 127.
  • 50
    É o caso, por exemplo, dos Códigos de Processo Penal e Penal brasileiros. Mesmo que dita legislação seja anterior à Constituição de 1988, inúmeras alterações legislativas de tais Leis sobrevieram à promulgação desta Constituição. Seria, portanto, irrealista pensar que a constitucionalidade dessas leis seja um tema desconhecido ou ignorado pelo legislador presente.
  • 51
    MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidadeOp. Cit. p. 314.
  • 52
    Adotando essa tese, dentre outros: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 245.
  • 53
    Rcl 4335, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 20 de março de 2014. No mesmo sentido de tal decisão e acerca da relação entre súmula vinculante e a proposta de revisão do papel do Senado Federal, ver: LEAL, Roger Stiefelmann. A incorporação das súmulas vinculantes à jurisdição constitucional brasileira: alcance e efetividade em face do regime legal da repercussão geral e da proposta de revisão jurisprudencial sobre a interpretação do art. 52, X, da Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 179-201, v. 261, 2012.
  • 54
    Debatendo a respeito da constitucionalidade da criação, via legislação ordinária, de tais instrumentos de vinculação e estabilização da jurisprudência: BUENO, Cassio Scarpinela. Novo Código de processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 571. Explicita e diretamente, sustentando que a criação de instrumentos de vinculação da atividade jurisdicional por meio de lei ordinária é inconstitucional: NERY, Nelson; NERY, Rosa. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1912.
  • 55
    No que tange às especificidades e diferenças do efeito vinculante do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade em comparação com o que ocorre com a sistemática da repercussão geral, “é correto afirmar que em relação à repercussão geral, segundo o disposto no CPC, a orientação decorrente dos pronunciamentos do STF incide apenas - como já se observou acima - sobre os “Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais” que sobrestaram recursos extraordinários ou vierem a recebê-los a posteriori para efetuar o necessário juízo de admissibilidade” (LEAL, Roger Stiefelmann. A incorporação das súmulas vinculantes à jurisdição constitucional brasileira… Op. Cit. p. 194).
  • 56
    RE 878.313 RG/SC, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 9 de setembro de 2015.
  • 57
    Nesse sentido: REsp 1.143.094/SP, rel. Min. Luíz Fux, j. 9 de dezembro de 2009.
  • 58
    RE 851.421 RG/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 21 de maio de 2015.
  • 59
    RE 851.421 RG/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 21 de maio de 2015. p. 7.

8. REFERÊNCIAS

  • ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, Cambridge, v. 113, n. 3, p. 633-729, 2000.
  • BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro São Paulo: Saraiva, 2012.
  • BITTENCOURT, Lucio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis Rio de Janeiro: Forense, 1948.
  • BROSSARD, Paulo. A Constituição e as leis anteriores. Arquivos do Ministério da Justiça, Brasília, n. 180, p. 126-127, 1992.
  • BUENO, Cassio Scarpinela. Novo Código de processo Civil Anotado São Paulo: Saraiva, 2015.
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  • DIAS, Roberto; LAURENTIIS, Lucas de. A segurança jurídica e o Supremo Tribunal Federal: modulação dos efeitos temporais no controle da constitucionalidade. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 205-221.
  • DIACO, Danilo. Gli effetti temporali delle decisioni di incostituzionalità tra Legge fondamentale e diritto costituzionale vivente Disponível em: <http://www.giurcost.org/studi/diaco.pdf>. Acesso em 10 jan. 2016.
    » http://www.giurcost.org/studi/diaco.pdf
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  • TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius (Org.). Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei no 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001.
  • ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale Bologna: Mullino, 1988.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2017
  • Aceito
    23 Ago 2017
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