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Influência da corrosão da armadura na capacidade resistente à flexão de vigas em concreto armado: uma abordagem via teoria da confiabilidade estrutural

Resumos

As estruturas de concreto armado estão certamente entre as mais utilizadas no mundo da construção civil moderna. Quando tais estruturas estão localizadas em ambientes não agressivos, elas respeitam, em geral, a vida útil para a qual foram projetadas, a menos, evidentemente, que sejam utilizadas de maneira imprópria, violando as funções para as quais foram projetadas. No entanto, a durabilidade destas estruturas está fortemente vinculada a processos de degradação de origem ambiental, que ocorrem em ambientes considerados agressivos. Dentre estes processos de degradação, destacam-se aqueles que desencadeiam a corrosão das armaduras. Dessa forma, a durabilidade está diretamente associada à corrosão das armaduras, que por sua vez, tem como um dos fatores de maior importância, a difusão de íons cloreto como agente desencadeador do processo corrosivo. Assim, efetuando a modelagem precisa deste fenômeno, a corrosão das armaduras pode ser mais bem avaliada e, consequentemente, critérios mais adequados podem ser propostos para proteger o aço dentro do elemento de concreto, garantindo maior segurança estrutural e, portanto, durabilidade da obra. Neste trabalho, os procedimentos descritos pela ABNT NBR 6118:2003 [1] para o dimensionamento de vigas em concreto armado são avaliados por meio de análises probabilísticas. O tempo de início da corrosão das armaduras via penetração de íons cloreto também é analisado a partir do cálculo de probabilidades de ocorrência desse estado limite. Por fim, as leis de Fick e Faraday são utilizadas para a análise da perda de seção transversal de armaduras do elemento estrutural em estudo, submetido à penetração de íons cloreto ao longo do tempo. Para a determinação das probabilidades de falha, o método de simulação de Monte Carlo é utilizado. São apresentados alguns exemplos que mostram a direta influência do fator água/cimento e do ambiente agressivo ao qual o elemento estrutural está inserido na avaliação final probabilidade de falha.

corrosão de armaduras; concreto armado; segunda lei de Fick; leis de Faraday


Reinforced concrete structures are, certainly, one of the most used types of structure around world. When it is located in non-aggressive environments, it respects, in general, the structural life predicted. Unless the structure be used improperly. However, the durability of these structures is strongly connected to degradation processes whose origin is environmental and/or functional. Among these processes, it is worth to mention those related to corrosion of reinforcements. The reinforcement's corrosion is directly related to the durability and safety of concrete structures. Moreover, the chlorides diffusion is recognized as one of major factors that triggers the corrosion. Therefore, at modelling accurately the chloride diffusion, the corrosion of reinforcements can be better evaluated. Consequently, design criteria can be more realistically proposed in order to assure safety and economy into reinforced concrete structures. Due to the inherent randomness present on chloride diffusion and corrosion, these phenomena can only be properly modelled considering probabilistic approaches. In this paper, the durability of a beam designed using the criteria proposed by ABNT NBR 6118:2003 [1] is assessed using probabilistic approaches. The corrosion time initiation is determined using Fick's diffusion law whereas Faraday's corrosion laws are adopted to model the steel loss. The probability of structural failure is determined using Monte Carlo simulation. The mentioned beam is analysed considering different failure scenarios in order to study the influence of water/cement ratio and environmental aggressiveness on the probability of failure. Based on these results, some remarks are performed considering NBR recommendations and the real probability of failure.

corrosion of reinforcement; reinforced concrete; Fick's second law; Faradays's laws


Influência da corrosão da armadura na capacidade resistente à flexão de vigas em concreto armado: uma abordagem via teoria da confiabilidade estrutural

E. A. P. Liberati; E. D. Leonel; C. G. Nogueira

Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Engenharia de Estruturas, São Carlos, Brasil. E-mail: elysonpl@usp.br; edleonel@sc.usp.br; gorlanog@sc.usp.br

RESUMO

As estruturas de concreto armado estão certamente entre as mais utilizadas no mundo da construção civil moderna. Quando tais estruturas estão localizadas em ambientes não agressivos, elas respeitam, em geral, a vida útil para a qual foram projetadas, a menos, evidentemente, que sejam utilizadas de maneira imprópria, violando as funções para as quais foram projetadas. No entanto, a durabilidade destas estruturas está fortemente vinculada a processos de degradação de origem ambiental, que ocorrem em ambientes considerados agressivos. Dentre estes processos de degradação, destacam-se aqueles que desencadeiam a corrosão das armaduras. Dessa forma, a durabilidade está diretamente associada à corrosão das armaduras, que por sua vez, tem como um dos fatores de maior importância, a difusão de íons cloreto como agente desencadeador do processo corrosivo. Assim, efetuando a modelagem precisa deste fenômeno, a corrosão das armaduras pode ser mais bem avaliada e, consequentemente, critérios mais adequados podem ser propostos para proteger o aço dentro do elemento de concreto, garantindo maior segurança estrutural e, portanto, durabilidade da obra. Neste trabalho, os procedimentos descritos pela ABNT NBR 6118:2003 [1] para o dimensionamento de vigas em concreto armado são avaliados por meio de análises probabilísticas. O tempo de início da corrosão das armaduras via penetração de íons cloreto também é analisado a partir do cálculo de probabilidades de ocorrência desse estado limite. Por fim, as leis de Fick e Faraday são utilizadas para a análise da perda de seção transversal de armaduras do elemento estrutural em estudo, submetido à penetração de íons cloreto ao longo do tempo. Para a determinação das probabilidades de falha, o método de simulação de Monte Carlo é utilizado. São apresentados alguns exemplos que mostram a direta influência do fator água/cimento e do ambiente agressivo ao qual o elemento estrutural está inserido na avaliação final probabilidade de falha.

Palavras-chave: corrosão de armaduras, concreto armado, segunda lei de Fick, leis de Faraday.

1. Introdução

As características do concreto, tais como grande versatilidade na obtenção de formas diversas, custo competitivo em relação ao outros materiais estruturais e suas propriedades mecânicas adequadas aos requisitos estruturais exigidos, bem como do aço como material responsável em resistir às tensões de tração e garantir ductilidade aos elementos estruturais fizeram do material concreto armado o material mais utilizado no mundo, a partir da década de 1950. As técnicas de projeto e modelos matemáticos para o cálculo de estruturas em concreto armado encontram-se atualmente bem desenvolvidos e consolidados no contexto da engenharia moderna. No entanto, além dos requisitos de segurança, economia e funcionalidade das estruturas de um modo geral, a durabilidade exerce papel tão importante quantos os demais e precisa, portanto, ser considerada e avaliada já na fase de projeto e concepção. No caso das estruturas em concreto armado, as últimas revisões da norma brasileira ABNT NBR 6118, que versa sobre o projeto e execução de estruturas em concreto armado e protendido, fizeram modificações expressivas no quesito da durabilidade dessas estruturas. A introdução das classes de agressividade ambiental e sua correspondência com a qualidade do concreto, impondo-se restrições no fator água-cimento e resistência à compressão, bem como o aumento dos limites de cobrimento para as armaduras e mais rigor quanto ao controle de fissuração nos elementos refletem a importância e a preocupação com a durabilidade das estruturas de concreto no cenário atual da engenharia e sociedade.

Diversos fatores podem ser apontados como responsáveis pela ocorrência de patologias que afetam a durabilidade das estruturas em concreto armado: deficiências de projeto, características inadequadas do concreto e seus materiais constituintes, espessura insuficiente de cobrimento de armadura, falhas de execução, uso indevido da edificação, ausência de planos de manutenção periódica e a ação agressiva do meio ambiente na qual a estrutural encontra-se inserida [2]. Dentre os fatores listados, a ação agressiva do meio ambiente é o único em que não se pode exercer um controle direto a ponto de minimizar ou eliminar seu efeito degradante sobre as estruturas. O problema se agrava ainda mais quando os ambientes são mais agressivos como é o caso de centros fortemente industrializados e regiões litorâneas, especificadas como classes III e IV na escala de agressividade definida pela ABNT NBR 6118:2003 [1].

No âmbito dos mecanismos causadores de degradação dentre as diversas possiblidades de ações agressivas do meio ambiente, a corrosão das armaduras e, especificamente, a corrosão eletroquímica causada pela difusão de íons cloreto dentro do concreto é o principal agente causador de problemas estruturais ao longo da vida das edificações, afetando diretamente a durabilidade das estruturas [3]. Os altos custos dispendidos ao longo do processo corrosivo, isto é, tanto a perda de material deteriorado (concreto e aço), comprometimento da resistência e estabilidade da edificação, quanto à correção do problema fazem com que o fenômeno da corrosão de armaduras seja o principal responsável ambiental pelo comprometimento da durabilidade de estruturas de concreto armado [4].

A corrosão das armaduras por ser uma reação expansiva provoca fissuração de dentro para fora no concreto, contribuindo para o aumento das fissuras e, consequentemente, aumento da permeabilidade do concreto [5]. Além disso, em função dos produtos da corrosão eletroquímica, há perda de aço e, portanto, diminuição da área de seção transversal das barras das armaduras, o que diminui a capacidade resistente à flexão e ao cisalhamento dos elementos estruturais. Dessa forma, a corrosão das armaduras influi diretamente na segurança das estruturas, pois diminui a quantidade de aço das barras da armadura e aumenta a fissuração no concreto, contribuindo para a perda de rigidez das seções transversais e diminuição global da capacidade resistente das peças.

Em geral, o processo de deterioração das estruturas de concreto armado em função da corrosão do aço das armaduras pode ser dividido em dois períodos: iniciação e propagação. Durante o período de iniciação, os íons cloreto penetram no cobrimento de concreto por difusão até atingem as armaduras. Com o passar do tempo, a concentração de cloretos atinge um valor limite admissível definido pela proteção passiva das barras de aço, desencadeando o início do processo de corrosão do aço. O período de propagação, por sua vez, consiste no desenvolvimento da corrosão, o qual provoca a redução do volume de aço na estrutura, até o instante em que o elemento estrutural ou a própria estrutura não resiste mais e sofre o colapso. Comparado com a primeira etapa, o período de propagação é relativamente curto. Portanto, o processo de difusão de cloretos no concreto é frequentemente utilizado para indicar a durabilidade e a vida útil de estruturas de concreto armado no âmbito da corrosão de armaduras [6], [7]. Assim, a partir da modelagem do fenômeno de transferência de íons cloreto da superfície externa para dentro do concreto e da determinação das concentrações de cloretos ao longo da espessura dos cobrimentos estruturais, a corrosão das armaduras e a danificação do concreto provocada pela reação corrosiva podem ser eficientemente estimadas. Estes dois últimos processos começam quando um nível limite de concentração de cloretos é atingido no entorno das armaduras, conduzindo o aço à despassivação e, logo na sequência, ao início da corrosão [8], [9], [10].

No entanto, um complicador natural da avaliação desse processo todo é dado pela penetração de cloretos no concreto. Essa penetração dos íons é controlada por complexas interações entre os mecanismos físicos e químicos dos materiais, onde várias fontes de incertezas podem ser observadas. Este fenômeno é muitas vezes simplificado, sem perda significativa de generalidade, por problemas controlados apenas pelo processo de difusão. Desse modo, esses problemas podem ser modelados considerando a Segunda Lei de Fick para a difusão, que pressupõe algumas hipóteses simplificadoras: o coeficiente aparente de difusão é constante ao longo do tempo e homogêneo no espaço; a concentração de íons cloreto no ambiente também é considerada constante; o concreto é tratado como um meio em condições totalmente saturadas. Além disso, existem as incertezas presentes nas propriedades dos materiais, nas condições ambientais e nos próprios parâmetros dos modelos matemáticos que simulam a corrosão, dificultando ainda mais as análises. Diante disso, abordagens puramente determinísticas não são capazes de avaliar adequadamente a vida útil de estruturas em concreto armado sujeitas ao processo de corrosão [11].

Com o advento da Teoria da Confiabilidade aplicada à análise de estruturas a partir da década de 1980, a modelagem de fenômenos estruturais considerando as incertezas dos parâmetros tornou-se muito atrativa, pois permitiu o tratamento dessas incertezas de uma forma teórica mais consistente através de associações estatísticas. Portanto, o acoplamento de um modelo baseado nas Leis de Difusão de Fick com algoritmos de confiabilidade pode resultar numa abordagem mais consistente, abrangente e confiável do que processos determinísticos. Tais modelos acoplados podem, por exemplo, estimar probabilidade de ocorrência do início do processo de corrosão, auxiliando a montagem de possíveis ações de inspeção e/ou manutenção programada em estruturas de concreto armado.

Ainda na literatura, diversos trabalhos analisam o problema da corrosão de armaduras penalizando apenas a área das seções transversais das barras de aço, sem a preocupação de seus efeitos sobre o concreto [10], [11], [12] e [9]. Essas metodologias podem ser consideradas como preliminares já que não levam em conta as consequências do processo de corrosão sobre o concreto, porém podem ser utilizadas numa primeira análise para avaliar o comportamento estrutural dos elementos de concreto armado a partir de modelos mecânicos analíticos usuais de cálculo utilizados em projetos.

Neste artigo, propõe-se um estudo sobre a perda de capacidade resistente à flexão em vigas de concreto armado provocado pela corrosão das armaduras, a partir de uma abordagem combinada entre a teoria da confiabilidade, o modelo de difusão de Fick e as leis de Faraday para a evolução da corrosão. O objetivo principal do trabalho é estimar probabilidades de início de corrosão em vigas de concreto armado numa primeira etapa e, sem seguida, avaliar o aumento da probabilidade de falha à flexão na fase de propagação da corrosão, a partir de respostas mecânicas obtidas com a formulação analítica convencional do cálculo de vigas à flexão. Dessa forma, o que se pretende com o estudo é desenvolver um procedimento padronizado para análises iniciais sobre a influência da corrosão na segurança estrutural de vigas à flexão ao longo do tempo, com avaliação de seu impacto na durabilidade das estruturas.

2. Flexão normal simples

Com o objetivo de facilitar o acompanhamento da metodologia desenvolvida, o equacionamento de vigas à flexão simples e com armadura dupla é exposto nesta seção.

Na determinação dos esforços resistentes de elementos fletidos, como as vigas, são admitidas as seguintes hipóteses básicas [1]:

a) as seções transversais permanecem planas até a ruptura, com distribuição linear das deformações na seção;

b) a deformação em cada barra de aço é a mesma do concreto no seu entorno. Essa propriedade ocorre desde que haja aderência entre o concreto e a barra de aço e retrata a hipótese de aderência perfeita entre os materiais;

c) no estado limite último (ELU) despreza-se obrigatoriamente a resistência do concreto à tração;

d) o encurtamento de ruptura convencional do concreto nas seções não inteiramente comprimidas é de 3,5 ‰ (domínios 3, 4 e 4a);

e) o alongamento máximo permitido ao longo da armadura de tração é de 10 ‰, a fim de prevenir deformações plásticas excessivas;

f) a distribuição das tensões de compressão no concreto ocorre segundo o diagrama tensão deformação parábola-retângulo. Porém, é permitida a substituição desse diagrama pelo retangular simplificado, com altura y = 0,8x e a mesma tensão de compressão σcd.

As deformações nos materiais componentes das vigas de concreto armado submetidas à flexão simples encontram-se nos domínios de deformações 2, 3 ou 4 [1]. Nestes domínios, a linha neutra está contida na seção transversal, produzindo tração em uma borda e compressão na outra.

2.1 Dimensionamento com armadura simples e dupla

As seções com armadura simples são aquelas em que a armadura está situada somente na região tracionada, ao passo que a armadura dupla surge quando há a necessidade de barras extras na região comprimida. Nas equações a seguir, consideram-se as armaduras situadas em uma única faixa nas regiões de tração e compressão, mesmo sendo possível na prática haver mais de uma camada de armadura [13]. A Figura 1 apresenta a nomenclatura, os estados de deformação e o diagrama retangular simplificado de distribuição de tensões de compressão no concreto, com altura y = 0,8x e as respectivas forças resultantes das tensões (RC, RS e R'S) associadas à seção retangular com armadura dupla (AS e A'S). A largura da seção é b e a altura útil d, esta sendo definida como a distância da fibra mais comprimida até a posição do centro de gravidade da armadura de tração.


Sendo assim, a partir da Figura 1, as equações de equilíbrio de força e de momento fletor podem ser escritas, respectivamente, como:

A Eq. (2) pode ainda ser reescrita como:

No caso de se trabalhar com armadura simples, a Eq. (3) pode ser degenerada na expressão que fornece o momento fletor resistente da seção, bastando anular a parcela de A'S. Assim, as Eq. (1) e (3) resultam em:

O momento atuante (Ma) em uma viga bi-apoiada e com carregamento uniformemente distribuído é dado por:

E a força atuante (P) na viga é:

Onde: G é a carga permanente na viga e Q é a carga acidental.

A partir da determinação da área de aço pode-se, então, calcular o momento resistente na viga como sendo:

A expressão do momento fletor resistente define a resistência à flexão da viga em concreto armado e será utilizada para a avaliação da probabilidade de falha ao longo do tempo, a medida que a área de aço das armaduras diminui pelo processo de corrosão.

3. Leis de difusão de Fick

Fick foi o primeiro, em 1855, a descrever o fenômeno da difusão por meio de uma adaptação da equação empírica de condução de calor de Fourier [14]. Segundo as premissas teóricas da difusão de Fick, o transporte de cloretos no concreto, através de uma seção transversal unitária de material por unidade de tempo (fluxo F) é proporcional ao gradiente de concentração de cloretos, medido na direção normal à seção transversal. Assim:

O sinal negativo nesta equação surge, pois a difusão de íons cloreto ocorre na direção oposta ao aumento da concentração destes íons. A constante de proporcionalidade, D, apresentada na Eq. (9), é denominada coeficiente de difusão de cloretos. Em geral, D não é uma constante, pois depende de vários parâmetros, como o tempo para o qual a difusão deve ser medida, localização do ponto na estrutura, composição do concreto entre outros. Se o coeficiente de difusão é constante, a Eq. (9) é usualmente denominada de primeira lei de difusão de Fick (lei esta aplicada para fenômenos de difusão em estado estacionário). Se este não é o caso, esta relação é conhecida como primeira lei geral de difusão de Fick. Existem casos em que esta simples relação não pode ser aplicada; por exemplo, se o processo de difusão for irreversível ou dependente do tempo. Nesses casos, a lei de Fick não é válida e o processo de difusão é dito anômalo. Entretanto, não existem observações que indiquem que a difusão de cloretos em concreto possa ser caracterizada como um processo de difusão anômalo [8], [15].

De acordo com [8], quando os íons cloreto penetram no concreto, ocorre uma mudança na concentração de cloretos, C, ao longo de um tempo, t, em cada ponto, x, no interior do concreto, caracterizando um estado de difusão não estacionário. Com o intuito de simplificar a análise, o problema de difusão pode ser considerado como sendo unidimensional. Muitos problemas de ingresso de íons cloreto podem ser resolvidos considerando essa simplificação prática sem perdas significativas de representatividade. A Figura 2 apresenta um perfil característico de penetração unidimensional de íons cloreto ao longo do cobrimento estrutural.


A segunda lei de Fick considera o fluxo variável com a profundidade de penetração e com o tempo, retratando uma situação mais real do processo de difusão de cloretos no concreto. Por meio do princípio do balanço de massa, a segunda lei de Fick pode ser escrita como:

Para a aplicação da segunda lei de difusão de Fick, como apresentado na Eq. (10), em concretos expostos a cloretos durante um longo período de tempo, seria necessário conhecer a variação do coeficiente de difusão ao longo do tempo. Se apenas poucas observações existirem em um cenário específico, é possível estimar limites inferiores e superiores para a variação de D ao longo do tempo. Apesar dessa dependência, pode-se considerar um caso particular no qual o coeficiente de difusão é independente da localização, x, do tempo, t, e da concentração de cloretos, C. Neste caso, a segunda lei de Fick pode ser assim reescrita:

Onde: D0 é o coeficiente de difusão constante.

A solução desta equação diferencial, para um domínio semi-infinito e com uma concentração uniforme na superfície do elemento estrutural, é dada por:

Onde: C0 é a concentração de íons cloreto sobre a superfície da estrutura (considerada constante ao longo do tempo); erfc é a função matemática de valor complementar da função erro de Gauss.

Sabendo-se o valor da concentração de cloretos limite na interface concreto-aço, pode-se determinar o tempo para a despassivação das armaduras e, consequentemente, o início da corrosão. Neste caso, o tempo para iniciação da corrosão pode ser determinado explicitamente de acordo com:

De acordo com [24], apesar de já existirem outras formulações mais recentes para se modelar a penetração de agentes agressivos para o interior do concreto, a segunda lei de Fick é empregada em função da sua extrema simplicidade de resolução matemática e pela sua consagração quando comparada às demais formulações propostas, que ainda necessitam de validações mais consistentes.

4. Modelagem da corrosão de armaduras

A corrosão pode ser definida como a deterioração de um material, geralmente metálico, por ação química ou eletroquímica do meio ambiente aliada ou não a esforços mecânicos [16]. No caso de um metal, este é convertido a um estado não metálico e quando isto ocorre, o metal perde suas qualidades essenciais, tais como resistência mecânica, elasticidade e ductilidade [17].

Segundo a natureza do processo, a corrosão pode ser classificada em química e eletroquímica. A primeira, também conhecida por corrosão seca ou simplesmente oxidação, acontece por uma reação gás-metal, com formação de uma película de óxido. É um processo lento e não provoca deteriorações substanciais das superfícies metálicas, exceto quando se tratar de gases extremamente agressivos. Já a corrosão eletroquímica, que efetivamente traz problemas às obras civis, trata-se da condução de cargas (elétrons) entre regiões diferentes de um mesmo metal [17].

De acordo com o modelo clássico de corrosão proposto por [14], a corrosão de armaduras ocorre através de fenômenos que se processam em duas etapas distintas: período de iniciação e período de propagação. O período de iniciação é limitado pelo tempo necessário para a ocorrência da despassivação das armaduras em decorrência da penetração de íons cloreto. Já o período de propagação está relacionado com a perda de área transversal de aço, resultando, portanto, em intervenção e reparos para que a falha estrutural em decorrência da falta de capacidade resistente não ocorra. A Figura 3 mostra a evolução da área de seção transversal das armaduras em função do tempo, podendo-se separar claramente os períodos de iniciação e propagação.


Na fase de propagação, a taxa de corrosão das armaduras dependerá do teor de umidade e da disponibilidade de oxigênio. Estes dois fatores influenciam o processo catódico e a resistividade do concreto. Além deles, a temperatura pode catalisar o processo da corrosão.

4.1 Modelagem da perda da área da seção transversal das armaduras

Durante a fase de propagação, os fatores que mais influem na velocidade da redução da área de aço são a acessibilidade ao oxigênio e a resistividade do concreto. Apesar de ser muito importante, não há na literatura muitos modelos matemáticos disponíveis para a modelagem dessa fase, uma vez que muitos pesquisadores consideram como vida útil estrutural apenas o período de iniciação. Porém, a redução da área de aço pode ser consistentemente representada através de modelos baseados nas leis de Faraday para a corrosão.

Neste artigo, a redução da área de aço ao longo do tempo será modelada através de equações baseadas nas leis de Faraday e apresentadas em [3] e [9]. A determinação da perda de aço é efetuada considerando-se o modelo de corrosão uniforme. Neste modelo, o diâmetro da barra da armadura é calculado admitindo-se uma redução uniforme da área de aço ao longo do tempo, ou seja, assume-se que a perda de massa ocorre uniformemente ao longo de todo o perímetro da barra, conforme ilustrado na Figura 4. Após determinada a área equivalente em um dado instante de tempo, o diâmetro da barra pode ser facilmente determinado. Para o modelo de corrosão uniforme, o diâmetro é penalizado através da seguinte expressão:


Onde: dinicial é o diâmetro da barra antes da despassivação das armaduras (mm); tini é o tempo até o início da corrosão (ano); iCORR é a intensidade de corrosão (µA/cm²).

A intensidade de corrosão (iCORR) pode ser calculada através da Eq. (14), que foi desenvolvida empiricamente por [3]:

Onde: a/c é o fator água/cimento; c é o cobrimento, dado em centímetros.

Na sequência deste trabalho, o modelo apresentado neste item será aplicado para a avaliação da redução da área de aço ao longo do tempo em um elemento estrutural de viga em concreto armado submetido à penetração de íons cloreto.

5. Conceitos de confiabilidade estrutural e métodos de análise

5.1 Conceitos gerais

A análise de confiabilidade tem como objetivo principal calcular a probabilidade de ocorrência de um evento referente a um cenário específico, conhecido como região ou domínio de falha. A primeira etapa para a avaliação da confiabilidade é identificar o conjunto básico de variáveis aleatórias para os quais as incertezas devem ser consideradas. Para todas estas variáveis, as distribuições de probabilidades adequadas são atribuídas a fim de modelar a sua aleatoriedade. Estas distribuições de probabilidade podem ser definidas através de observações físicas, estudos estatísticos, análises laboratoriais e opiniões de especialistas. O número de variáveis aleatórias é um parâmetro importante para a determinação do tempo computacional consumido durante a análise de confiabilidade. De modo a reduzir o número de variáveis aleatórias, é recomendado considerar como determinísticas todas as variáveis cujas incertezas conduzem a efeitos secundários sobre o valor da probabilidade de falha, facilitando o cálculo da mesma.

A segunda etapa consiste na definição de um número de modos de falha potencialmente críticos. Para cada um deles, uma função de estado limite, G(X), separa o espaço em duas regiões como descrito na Figura 5: o domínio seguro, onde G(X) > 0 e o domínio de falha onde G(X) < 0. O limite entre estes dois domínio é definido como G(X) = 0, conhecido como equação de estado limite. Vale ressaltar que uma expressão explícita da função de estado limite não é normalmente possível na grande maioria dos problemas práticos da engenharia.


Neste trabalho, equações de estado limite são definidas usando os modos de falha críticos calculados pelas Equações (5), (8), (13).

A probabilidade de falha é avaliada por meio da integração sobre o domínio da falha da função conjunta de densidade de probabilidades [18]:

Onde: fX(X) é a função conjunta de densidade das variáveis X.

Como a avaliação da integral definida pela Eq. (16) é quase impossível na prática, procedimentos alternativos foram desenvolvidos com base no conceito de índice de confiabilidade β, [19]. Esse parâmetro é definido pela distância entre o ponto médio e o ponto de falha colocado sobre a função de estado limite G(X) = 0 no espaço normalizado de variáveis aleatórias. Com o índice de confiabilidade, a probabilidade de falha pode ser calculada como segue:

Onde: é a função de distribuição normal padrão acumulada.

Existem procedimentos alternativos disponíveis para a determinação das probabilidades de falhas, que são baseados em técnicas de simulação numérica. O método mais importante, entre eles, é o método de simulação Monte Carlo. Neste estudo, o método de simulação de Monte Carlo é utilizado para avaliar a probabilidade de falha, considerando o processo de início da corrosão, em um elemento em concreto armado. Estas abordagens serão discutidas nas seções seguintes.

5.2 Metodologia de simulação de Monte Carlo

O método de simulação de Monte Carlo é um procedimento numérico, amplamente utilizado, para a realização de experimentos aleatórios em problemas de confiabilidade. Neste método, uma amostra de variáveis aleatórias é utilizada para construir um conjunto de realizações do experimento com o intuito de descrever a falha, os espaços seguros e calcular a probabilidade pela Eq. (16). A amostra é construída com base na distribuição estatística atribuída a cada variável aleatória do problema. Como este método trata com a simulação da função de estado limite, quanto maior for a amostra gerada, mais precisa será a descrição do espaço e mais precisa será a probabilidade de falha determinada.

O núcleo deste método consiste na construção de uma amostra para as variáveis aleatórias envolvidas no problema, tal como descrito na Figura 6. A probabilidade de falha é calculada utilizando um estimador, baseado na avaliação da função de estado limite, conforme:


A função pode ser estimada como:

Simulando a função de estado limite para um número conveniente de amostras, o valor médio será uma estimativa para a probabilidade de falha:

A desvantagem deste método está relacionada ao elevado número de simulações exigidas para a determinação, com precisão, da probabilidade de falha. Normalmente, objetivando-se estimar com precisão a probabilidade de falha de , o número de simulações deve ser maior que ou . Isto significa que, em estruturas civis, onde a probabilidade de falha está entre a , torna-se necessário a realizações de funções de estado limite que definem o problema estudado. Quando modelos mecânicos escritos a partir de métodos numéricos mais complexos estão envolvidos, o tempo computacional torna-se extremamente elevado, inviabilizando o uso do método de Monte Carlo Puro. Outros detalhes a respeito da simulação de Monte Carlo e abordagens de acoplamento direto entre o modelo mecânico e o modelo de busca do índice de confiabilidade podem ser encontrados em [20] e [21].

6. Metodologia para análise

O elemento estrutural a ser considerado neste trabalho é dado por uma viga em concreto armado bi-apoiada com carregamento uniformemente distribuído, conforme a Figura 7. As rotinas para o dimensionamento dessa viga e as análises de confiabilidade foram desenvolvidas em linguagem de programação FORTRAN.


Os valores determinísticos de algumas variáveis utilizadas no estudo foram pré-fixados conforme segue: comprimento da viga (L): 6,0 m; largura da viga (b): 17,0 cm; distância de As' até a fibra mais comprimida (d'): 3,0 cm; tempo de projeto (tP): 50 anos; tempo de desenvolvimento da corrosão (tcorr): 30 anos.

Com base nos procedimentos descritos em [1], o primeiro exemplo deste estudo refere-se à determinação da probabilidade de falha, considerando o procedimento padrão de dimensionamento à flexão. Neste exemplo, a viga é avaliada adotando-se diferentes valores de βx. A falha é observada quando o momento fletor atuante é maior do que o momento fletor resistente na seção transversal mais solicitada da viga. Os principais parâmetros considerados nesta análise de confiabilidade são:

  • Carga permanente da viga: G;

  • Carga acidental na viga: Q;

  • Resistência característica do concreto: f

    ck;

  • Tensão de escoamento do aço: σ

    S.

Conforme visto anteriormente, a modelagem do fenômeno da corrosão em estruturas de concreto armado é realizada levando-se em conta dois períodos diferentes, iniciação e propagação. O período de iniciação está relacionado com a penetração de cloretos nos poros do concreto. Nesse período, a concentração de cloretos, ao longo da espessura do cobrimento, aumenta com o tempo. A corrosão se inicia quando a concentração de cloretos em torno das armaduras atinge um nível crítico, conduzindo à perda da proteção química passiva do concreto (despassivação). Nesse período, as armaduras de aço permanecem intactas. O segundo exemplo que será exposto em seguida avalia a probabilidade de falha considerando o cenário de falha previsto pelo período de iniciação. Sendo assim, a falha é observada quando a concentração de cloretos ao longo da armadura atinge um nível crítico. Os principais parâmetros considerados nesta análise de confiabilidade são:

  • Limite de concentração de cloretos na interface entre o concreto e armaduras, o qual define o início do processo de corrosão [3]: C(x, t);

  • Concentração de cloretos na superfície do elemento estrutural [9]: C

    0;

  • Coeficiente de difusão do concreto [22]: D

    0;

  • Profundidade da camada de concreto, que neste estudo, é definido como o cobrimento de concreto [1]: x.

De acordo com [3], a concentração de cloretos na superfície do elemento estrutural é função da atmosfera (ambiente agressivo), onde esses elementos estão localizados. A espessura do cobrimento é também definida de acordo com o ambiente agressivo, conforme descrito em [1]. O coeficiente de difusão do concreto, que representa a resistência do material a entrada de cloretos, é influenciado pelo fator água/cimento.

No último exemplo que será discutido, a análise probabilística é realizada por meio do acoplamento entre o modelo mecânico de dimensionamento, com os modelos que descrevem a penetração de íons cloreto no concreto e do processo de propagação da corrosão uniforme. Com isso, o terceiro exemplo avalia a influência da penalização da área de aço causada pela corrosão das armaduras por difusão de íons cloreto no período de propagação. Nesse exemplo, a viga de concreto armado é avaliada para diferentes valores de βx. Os principais parâmetros considerados nesta análise de confiabilidade são os mesmos apresentados anteriormente.

As análises probabilísticas apresentadas foram realizadas considerando equações de estado limite distintas, de modo a avaliar a influência do meio ambiente agressivo e o fator água/cimento no desenvolvimento do processo corrosivo. Nos exemplos a seguir as análises contemplam dois tipos de agressividade com quatro diferentes fatores água/cimento para cada categoria de agressividade.

Vale ressaltar que as fissuras iniciais devido à cura do concreto e/ou efeitos de flexão/cisalhamento e, ainda, fissuração longitudinal não foram considerados nas formulações.

7. Resultados e discussões

7.1 Exemplo 1

Neste exemplo, a viga em concreto armado considerada no estudo é dimensionada por meio de quatro possibilidades: βx=0,259; βx=0,500; βx=0,628 e βx=0,628 com armadura dupla. A Tabela 1 mostra os valores encontrados após o dimensionamento da viga. Em seguida, os algoritmos de confiabilidade são acoplados com o modelo mecânico, Eq. (6) e Eq. (8), com o objetivo de se estimar a probabilidade de falha à flexão da viga.

Para a primeira avaliação da probabilidade de falha, foi considerada a seguinte equação de estado limite:

Onde: Mr é o momento fletor resistente da seção transversal da viga; Ma é o momento fletor atuante na mesma seção transversal, conforme visto anteriormente.

A Tabela 2 mostra os parâmetros estatísticos das variáveis aleatórias adotados nesta primeira análise.

As análises utilizando a simulação de Monte Carlo foram realizadas com uma amostra de 50.000 valores para cada variável aleatória, o que leva a 50.000 simulações da equação de estado limite. A relação entre as probabilidades de falha com o número de amostras pode ser vista na Figura 8. Observa-se em todos os casos que com o maior número de amostras, a probabilidade de falha do elemento estrutural tende a se estabilizar. Isto ocorre uma vez que a incerteza ou erro estatístico da simulação diminui à medida que se aumenta o número de simulações (nsi), tendendo a zero quando nsi→ ∞.


Ainda pela Figura 8 foi possível observar que a escolha de diferentes domínios de deformação para o dimensionamento da viga resultou em probabilidades de falha diferentes à flexão. Os valores obtidos foram: 0,003; 0,004; 0,005 e 0,004 para βx=0,259; βx=0,500; βx=0,628 e βx=0,628 com armadura dupla, respectivamente. Entretanto, constatou-se que essas probabilidades de falha estão dentro de um intervalo aceitável para a segurança no estado limite último, que estabelece um intervalo para a probabilidade de falha entre 10-3 e 10-4, conforme [23]. Vale ainda ressaltar que o uso de posições relativas diferentes da linha neutra e, portanto, a escolha do domínio de deformação resulta em valores distintos na segurança à flexão da viga, mesmo com o uso dos mesmos coeficientes parciais de segurança e demais parâmetros de projeto.

7.2 Exemplo 2

Este exemplo tem como objetivo avaliar a probabilidade de ocorrência do início da corrosão na viga em estudo, considerando o tempo de início de corrosão. A equação de estado limite que descreve o problema é definida por:

Onde: tR é o tempo de inicio de corrosão; tP é o tempo de projeto considerado como 50 anos.

A Tabela 3 apresenta os parâmetros estatísticos das variáveis aleatórias utilizados nesta análise.

O coeficiente de difusão de íons cloreto do concreto é influenciado pelo fator a/c utilizado na produção do material. Já a concentração de cloretos da superfície da peça e o cobrimento de concreto variam conforme a classe de agressividade (CA). Foi considerada CA II (ambiente urbano) e CA III (ambiente marinho) e, ainda, variação do fator água/cimento: a/c=0,4; a/c=0,5; a/c=0,6 e a/c=0,7.

As análises utilizando a simulação de Monte Carlo foram realizadas com uma amostra de 25.000 valores para cada variável aleatória, o que levou a 25.000 simulações da equação de estado limite. Os resultados da análise encontram-se nas Figuras 9 e 10.



De acordo com os resultados obtidos, observou-se que as probabilidades de início do processo corrosivo também tendem a se estabilizar em função do número de amostras utilizadas. Na Figura 9, verificou-se a dependência entre o início da corrosão de armaduras e o fator água/cimento, resultando em uma probabilidade de falha de 0,70 quando a/c=0,7. Esta dependência era esperada, porque quanto maior for o fator água/cimento, maior será a permeabilidade do concreto e, consequentemente, mais fácil é a penetração de cloretos, aumentando a chance do início de corrosão da armadura.

Além da influência do fator água/cimento, verificou-se que a concentração de cloretos na superfície do elemento estrutural apresentou também influência sobre o tempo de iniciação da corrosão. Na Figura 10 observou-se que, quando da inserção do elemento estrutural em um ambiente mais agressivo (CA III), as probabilidades de falha para todos os fatores a/c utilizados aumentaram consideravelmente atingindo, por exemplo, 0,85 para a/c=0,7.

Ainda neste exemplo, adotando-se o valor médio das variáveis que influenciam a corrosão de armaduras [C(x,t), D0, C0, x] foi possível obter uma estimativa para os tempos de iniciação e desenvolvimento da corrosão para os diversos tipos de projeto estrutural adotados. As Figuras 11, 13 e 15 mostram os resultados da viga em estudo inserida em um ambiente com CA II. Foram obtidos os tempos de iniciação e de desenvolvimento da corrosão para as seguintes configurações de projeto: βx=0,259; βx=0,628 e βx=0,628 com armadura dupla. Diferentes valores para o fator a/c também foram adotados. As Figuras 12, 14 e 16 mostram os mesmos resultados, porém para o elemento estrutural inserido em um ambiente com CA III.

A partir das Figuras 11 a 16, notou-se, novamente, a influência direta do fator a/c e da concentração de cloretos na superfície do elemento estrutural para a despassivação das armaduras.

Como pode ser observado constatou-se que, para a classe de agressividade II, comparado ao período de iniciação da corrosão, o período de propagação é muito curto, o que permite a adoção do tempo de iniciação da corrosão como o parâmetro mais indicado para a avaliação da durabilidade estrutural. Porém no caso da classe de agressividade III, o que ocorreu foi que o tempo de propagação para fatores água/cimento mais elevados resultou maior do que o tempo de início de corrosão. Isso ocorreu porque o início da corrosão depende fortemente do coeficiente de difusão do concreto como agente inibidor/facilitador da corrosão, isto é, quanto maior o fator água/cimento, maior a permeabilidade do concreto e, portanto, menor é o tempo de início da corrosão. No entanto, na perda de área da seção transversal, quanto maior o fator água/cimento, menor é a intensidade de corrosão [3] e [9]. Dessa forma, o tempo de propagação para esses casos resultou maior do que o tempo total de início do processo de corrosão das armaduras.

Portanto, conclui-se com esta análise que para concretos mais permeáveis, o intervalo entre o início da corrosão e a perda total de seção transversal de aço é menor quando comparado aos concretos menos permeáveis, isto é, que apresentam maior fator água/cimento.

7.3 Exemplo 3

Neste exemplo, a viga em concreto armado foi avaliada para diferentes valores de βx, sendo adotados 0,259; 0,628 e 0,628 com armadura dupla, com o objetivo de verificar a escolha do domínio de deformação no processo de dimensionamento à flexão, bem como a evolução da perda de capacidade resistente da viga analisa com a corrosão através do cálculo da probabilidade de falha ao longo do tempo. A equação de estado limite a ser analisada é a mesma do Exemplo 1, dada por:

Entretanto, aqui se aplica a penalização do aço, por meio da corrosão uniforme das barras mensurada pela lei de Faraday. Após a determinação da área de aço, a partir das Eq. (1), (3) ou (4) (para viga com armadura dupla ou simples), calcula-se o diâmetro equivalente representativo da área total de aço. Em seguida, este é reduzido por meio da Eq. (14) para a consideração do efeito da corrosão na fase de propagação. Após o início da corrosão das armaduras, as análises probabilísticas foram realizadas considerando um período de 30 anos (tcorr).

A taxa de corrosão (iCORR) foi empregada adotando-se, novamente, CA II (ambiente urbano) e CA III (ambiente marinho) e a mesma variação do fator água/cimento utilizado no Exemplo 2, isto é, a/c = 0,4; 0,5; 0,6 e 0,7.

Após a redução do diâmetro equivalente pela corrosão, os valores de área de aço para cada caso, bem como a posição da linha neutra são atualizados e, em seguida, o momento fletor resistente da viga considerando agora a armadura penalizada é avaliado, conforme Eq. (8).

Por meio da simulação de Monte Carlo, uma amostra de 500.000 valores para cada variável aleatória foi adotada para a avaliação da equação de estado limite. Os resultados obtidos encontram-se nas Figuras 17 a 22.


As Figuras 17 a 22 mostram o tempo de início de corrosão para os diversos valores adotados do fator água/cimento e classes de agressividade. A evolução da probabilidade de falha do elemento estrutural no tempo também pode ser verificada.

A partir dos resultados obtidos, constatou-se que as probabilidades de falha 0,003; 0,005 e 0,004 para βx de 0,259; 0,628 e 0,628 com armadura dupla, respectivamente, permaneceram constantes desde a produção do elemento estrutural até a despassivação das armaduras e, consequentemente, no início da corrosão. A partir deste instante, as probabilidades de falha aumentaram drasticamente para todos os valores do fator água/cimento considerados no estudo, atingindo o colapso do elemento estrutural antes mesmo do período de tempo (tcorr) adotado para o desenvolvimento da corrosão.

No caso das Figuras 18, 20 e 22, verificou-se que a exposição do elemento estrutural ao ambiente mais agressivo (CA III) fez com que a corrosão das armaduras se iniciasse mais rapidamente. Entretanto, observou-se a influência do cobrimento de concreto no desenvolvimento do processo corrosivo e, consequentemente, nas probabilidades de falha do elemento estrutural.

8. Conclusões

Com base nos resultados obtidos nos exemplos apresentados, concluiu-se, primeiramente, que os procedimentos descritos por norma garantem que a probabilidade de falha de um elemento estrutural de viga em concreto armado submetido à flexão esteja dentro de um intervalo aceitável (10-3 a 10-4), conforme [23].

Como verificado nos resultados apresentados, o início da corrosão depende de vários fatores. No entanto, a concentração de cloretos na superfície do elemento estrutural e o valor da espessura do cobrimento demostraram ter grande importância na análise probabilística. O coeficiente de difusão é também um parâmetro importante, uma vez que este mede a resistência do material contra a penetração de cloretos e pode ser determinante para a escolha de valores ótimos de cobrimento de concreto.

De acordo com os resultados obtidos no estudo, a durabilidade de estruturas de concreto armado deve ser associada a valores mais rigorosos de espessura de cobrimento, bem como concretos menos porosos (baixo fator água/cimento). O maior controle na manutenção da espessura da camada de concreto do cobrimento especificada no projeto garante menor variabilidade da mesma e, consequentemente, diminui a probabilidade de ocorrência do início da corrosão. Acredita-se, finalmente, que a abordagem estatística do problema da durabilidade através da consideração da aleatoriedade dos parâmetros envolvidos mostrou-se adequada para a determinação de tempos de início de corrosão e/ou tempos de perda de área de aço, fornecendo assim, as informações necessárias para inspeções e manutenções em estruturas de concreto armado.

E finalmente, é interessante destacar o tipo de aplicação direta que estudos como este podem resultar. A criação de um programa de inspeção periódica em estruturas definido pelo tempo mais provável de início da corrosão e, em seguida, inspeções regulares para verificar se há ou não perda significativa de área de armadura. Em análises prévias é possível verificar a redistribuição de esforços na estrutura, em função da perda de área de armadura e determinar qual o limite aceitável de corrosão das barras para posterior intervenção. Esses estudos são temas dos próximos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa.

9. Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro fornecido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sem o qual esta pesquisa não poderia ter sido desenvolvida.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      30 Mar 2013
    • Aceito
      11 Fev 2014
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