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Fragmentos de nossa brasilidade, contracultura e utopia

Fragmentos de nossa brasilidade, contracultura e utopia

Em seu número 76, a Revista do Instituto de Estudos Brasileiros apresenta aos seus leitores um interessante e diverso conjunto composto de doze artigos, uma resenha e uma importante contribuição na seção Documentação.

Abrindo a revista, o artigo “Is there a theory of peripheral postmodernism? Tropicália and the art criticism of Mário Pedrosa in the 1960s”, de Josnei Di Carlo, resgata o pensamento do crítico de arte Mário Pedrosa para analisar um importante movimento artístico brasileiro: a Tropicália. Questionando as interpretações tradicionais sobre o tema, Di Carlo, que é pós-doutorando em Sociologia na Universidade Federal de Santa Catarina, propõe a utilização dos conceitos desenvolvidos por Pedrosa para entender a Tropicália ao invés das teorias do pós-modernismo desenvolvidas nos países centrais.

Da Tropicália ao sertão nordestino. No artigo “‘Nordestinidade’: narrativas de circulação, legitimação e institucionalização na arte”, o doutorando em Artes Visuais na Universidade de Brasília, Pedro Ernesto Freitas Lima, discute os impactos das narrativas identitárias de caráter geográfico na circulação, legitimação e institucionalização de obras da produção artística de Pernambuco ao longo do século XX.

Em “Obras brasileiras de música cênica contemporânea”, o doutorando em Música na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), Gustavo Bonin, apresenta e analisa, com base na semiótica tensiva proposta por Claude Zilberberg, algumas obras de música cênica contemporânea brasileira. As peças escolhidas são discutidas e apresentadas considerando-se aspectos como as estratégias de iluminação, gestualidade e encenação.

Resistência política e contracultura são os temas do artigo “A questão da resistência cultural, contracultural e política durante o regime militar brasileiro – Grupo Arquitetura Nova”. Com o objetivo de aprofundar os estudos sobre o tema no campo da arquitetura, Edite Galote Carranza, que é professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, analisa o Grupo Arquitetura Nova como vertente de transformação, num contexto marcado por profundas alterações socioculturais.

No artigo “Cordialidade, malandragem e autoritarismo: aspectos do Brasil por Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido e Roberto Schwarz”, o doutorando em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP), Gabriel dos Santos Lima, retoma as noções de cordialidade, malandragem e autoritarismo presentes nas obras de Holanda, Candido e Schwarz, sugerindo sua validade para a interpretação do momento brasileiro contemporâneo.

E mais uma vez Antonio Candido. Em “‘Terzo Mondo’ em transe: Antonio Candido em Gênova e depois”, Cairo de Souza Barbosa busca compreender o desenvolvimento de um pensamento periférico autônomo durante a década de 1960. Barbosa, que é doutorando em História Social da Cultura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, busca analisar a relação existente entre a participação de Antonio Candido no “Terzo Mondo e Comunità Mondiale” e a mudança teórico-conceitual de sua obra a partir da segunda metade dos anos 1960, especialmente no ensaio “Literatura de dois gumes”, publicado em 1966 (CANDIDO, 1987CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.)

Em “Racismo, corpo e liberdade: a filosofia do hitlerismo no Brasil hoje”, Benedetta Bisol, professora da Universidade de Brasília, apresenta uma reflexão acerca de "Algumas reflexões acerca do hitlerismo", breve artigo do filósofo Emmanuel Levinas, publicado originalmente em 1934 na revista católica progressista francesa Esprit (LEVINAS, 1997LEVINAS, Emmanuel. quelques réflexions sur la philosophie de l’hitlérisme (1934). Com um ensaio de Michel Abensour. Paris: Ed. Rivages Poche Petite Bibliothèque, 1997.). Poucos meses antes da publicação, Adolf Hitler havia sido nomeado Reichskanzler na Alemanha. O tema central do texto de Bisol é o racismo, partindo suas reflexões dos conceitos discutidos por Levinas, em especial a compreensão hitlerista da coincidência entre identidade política e identidade biorracial.

Café e memórias. Em “Sinais da historicidade revelados em fragmentos de memória”, Maria Cristina Dadalto e Patricia Pereira Pavesi, ambas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, apresentam de forma reflexiva as narrativas de três interlocutoras da localidade de Itapina, no Espírito Santo. A região, marcada pelo desenvolvimento da cultura cafeeira entre o final do século XIX e o início do século XX, se tornou um dos mais importantes polos comerciais de café do estado durante o primeiro quartel do século XX. Utilizando como referencial teórico-metodológico a história oral, as autoras, por meio dos relatos analisados, buscam reconstruir as relações sociais, familiares e comunitárias estabelecidas nesse contexto em transformação.

No artigo “Arquitetura brasileira: tradição e utopia”, Abilio Guerra, professor adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, apresenta uma reflexão acerca das variadas representações da arquitetura brasileira ao longo do tempo, discutindo influências socioculturais na formação das identidades regionais brasileiras, e como essas várias identidades regionais foram entendidas e interpretadas pela arquitetura.

Roger Bastide e Sérgio Milliet são os temas do artigo de Patricia Cecilia Gonsales, doutoranda em História Social na FFLCH/USP. No texto, a autora compara as obras de Milliet, crítico de arte paulistano e integrante do grupo de intelectuais modernistas, e Bastide, docente integrante da Missão Francesa de professores da USP, buscando identificar possíveis concordâncias e/ou discordâncias, além de abordagens diversas dos dois intelectuais, tanto no papel de intelectuais e sociólogos, como na crítica literária e na crítica de arte.

Em “‘À moda de’: notas acerca de En singeant...: pastiches littéraires, de Sérgio Milliet e Charles Reber”, Valter Cesar Pinheiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Sergipe, apresenta, à luz das reflexões sobre o pastiche propostas por Genette, Decourt e Aron, reflexões acerca de um título que, decorrido pouco mais de um século de seu lançamento, permanece desconhecido do público e ignorado pela crítica.

No artigo “Arquivo pessoal de José Petronilo de Santa Cruz: o livreiro-editor da Livraria Duas Cidades”, o doutorando em História na Universidade Estadual Paulista, Hugo Quinta, e o professor do mesmo programa de Pós-Graduação, Wilton Carlos Lima da Silva, investigam o arquivo pessoal de José Petronilo de Santa Cruz, que abarca aspectos autobiográficos e da cultura escrita relacionados à Livraria Duas Cidades, fundada por Santa Cruz na cidade de São Paulo em 1954 e dirigida por ele durante 43 anos. Por meio de cartas, fotografias e outros documentos, os autores analisam os anos de formação e consolidação do livreiro-editor, no período 1940-1980, quando este editou obras religiosas, universitárias e poesias de vanguarda, formando, paralelamente, uma geração de intelectuais e uma rede de sociabilidade em torno da livraria, muito frequentada por professores e estudantes universitários.

Encerrando a edição, temos ainda a publicação de uma resenha e de um artigo na seção Documentação.

A resenha “Cultura no enfrentamento do agora”, de Sergio Ricardo Retroz, analisa o livro organizado por Renata Rocha e Juan Ignacio Brizuela, intitulado Política cultural: conceito, trajetória e reflexões, publicado pela Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) em 2019. A obra reúne alguns textos do escritor argentino Néstor García Canclini, além de outros, escritos por renomados estudiosos brasileiros. O livro recebe o nome do clássico artigo de Canclini, “Políticas culturales y crisis de desarrollo”, pela primeira vez publicado em português.

E por fim, na seção Documentação, em “Os arquivos pessoais de Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido”, Elisabete Marin Ribas e Laura Escorel apresentam os arquivos pessoais dos professores, recentemente incorporados ao acervo do IEB.

No mais, os editores esperam que a leitura deste novo número da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros seja tão agradável como foi participar de sua elaboração.

  • PAIXÃO, Fernando; GOUVEIA, Inês Cordeiro; GALVÃO, Luciana Suarez. Fragmentos de nossa brasilidade, contracultura e utopia. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 76, p. 13-16, ago. 2020.

Referências

  • CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: A educação pela noite e outros ensaios São Paulo: Ática, 1987.
  • LEVINAS, Emmanuel. quelques réflexions sur la philosophie de l’hitlérisme (1934). Com um ensaio de Michel Abensour. Paris: Ed. Rivages Poche Petite Bibliothèque, 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2020
  • Aceito
    03 Ago 2020
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