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RAÍZES DA AMÉRICA LATINA: ORIGENS E FUNDAMENTOS DE UMA IDENTIDADE1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e referências bibliográficas utilizadas são referenciadas no texto. Este artigo é resultado de pesquisa de Pós-Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com supervisão do Prof. Dr. Fernando Vale Castro.

ROOTS OF LATIN AMERICA: ORIGINS AND STRUCTURES OF AN IDENTITY

Resumo

O artigo “Raízes da América Latina” analisa a trajetória de debates em torno das origens e dos fundamentos da identidade latino-americana. Para tanto, optou-se por um recorte cronológico centrado em três períodos. O primeiro contempla o debate sobre a origem autóctone ou francesa da identidade. O segundo ciclo perpassa o processo de consolidação do conceito no meio intelectual, na transição do século XIX para o século XX. Finalmente, o terceiro estágio - aqui analisado de maneira breve - compreende o processo de maturação da latino-americanidade como identidade supranacional, a partir do surgimento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em 1948, que impactou a forma como os países da região passaram a enxergar seus homólogos. Desse modo, o artigo apresenta as principais interpretações existentes sobre esse conceito-identidade ainda tão utilizado e disputado na semântica política.

Palavras-chave
América Latina; Latino-americanismo; Identidade; Cepal; História da América Latina

Abstract

The article “Roots of Latin America” explores the origins and foundations of Latin American identity. Focusing the historical concept of Latin Americanism, this work chooses a chronological outline centered on three periods that complement each other. The first period debates of the concept came originally from France or Latin America itself, in the middle of the 19th century. The second period aims at the ways by which the concept became more accepted in the intellectual environment, between the 19th and 20th century. Finally, the third stage - briefly analyzed here - comprises the maturation process of Latin American identity, as a supranational identity, from the emergence of the United Nations Economic Commission for Latin America, which affects the way countries in the region see their neighbors. Finally, the article presents the mainstream interpretations about this concept of identity that is still so discussed in semantic politics.

Keywords
Latin America; Latin Americanism; Identity; Eclac; History of Latin America

Introdução

Em relação ao uso cotidiano, o sucesso do termo “América Latina” é inquestionável. É comum encontrá-lo não apenas no linguajar de círculos universitários, mas também em discursos políticos, artigos de jornais, obras literárias, referências artísticas, letras de músicas, competições esportivas, dentre uma infinidade de outros campos.

É verdade que essa onipresença possui um lado positivo, representado pelo emprego e afirmação daquele referencial regional. Contudo, existe a contrapartida da imprecisão conceitual, que é refém de sua própria popularidade e emprego recorrente. Não raro, o qualificativo “latino-americano” é utilizado de forma confusa. Até mesmo o debate acadêmico sobre as origens do nome é, ainda hoje, alvo de controvérsias.

Um primeiro equívoco, de resolução mais simples, envolve a mistura dos termos “América Latina”, “América Hispânica”, “Ibero-América” e “América do Sul”. O primeiro, de longe o mais popular, abrange os vinte países americanos com idiomas derivados do latim, compreendendo uma faixa territorial que vai do extremo sul até parte da América do Norte. O segundo se restringe às dezoito nações oriundas do antigo império espanhol. O terceiro acrescenta o Brasil à chamada América Hispânica, valendo-se de uma ancestralidade ibérica comum. Por fim, o quarto apela para critérios de ordem geográfica, referindo-se aos doze Estados situados no subcontinente sul-americano, incluindo a Guiana e o Suriname, cujas tradições culturais estão distantes da família latina, fato evidenciado por suas línguas oficiais derivadas do ramo germânico. Ainda que a América Hispânica tenha tido uma relevância pretérita, atualmente os conceitos com maior aplicação prática - seja no campo acadêmico ou fora dele - são: “América Latina” e “América do Sul”3 3 A quantificação do nível de popularidade dos referidos termos foi elaborada com base em análises de títulos de livros e artigos, além de referências cotidianas contidas em materiais e citações de teor não acadêmico. Neste processo, duas ferramentas foram utilizadas: o buscador clássico da Google, para analisar a quantidade de títulos de livros e artigos jornalísticos e acadêmicos com as quatro palavras-chave; e o Google Trends, que levanta a quantidade de vezes que um nome foi pesquisado na plataforma, entre 2004 e 2020. A opção por ferramentas da Google se justifica porque essa empresa possui o maior e mais popular sistema de pesquisa online. Em ambos os instrumentos, os termos foram pesquisados em português, espanhol e inglês. Em ordem decrescente, os nomes mais citados e presentes em livros e artigos são: América Latina, América do Sul, América Hispânica e Ibero-América. , respectivamente.

A proposta deste artigo é justamente ir de encontro à trajetória e às definições que alicerçam a ideia de América Latina, abarcando tanto as disputas em torno das origens do conceito como os meandros de seu desenvolvimento. Busca-se, desse modo, manter estreita sintonia com o estudo de aspectos mais amplos das estruturas política, econômica e cultural que atuaram - e continuam a atuar - diretamente na formulação e na posterior modificação daquele conceito identitário.

Desse modo, a pesquisa se vale de dois recortes cronológicos principais: o primeiro gravita em torno de meados do século XIX, momento em que surgem as primeiras referências à América Latina; o segundo está situado na virada do século XIX para o XX, quando o termo adentra no léxico corrente dos círculos intelectuais da região. Intenta-se, assim, conceituar, definir e explicar as dinâmicas dessa identidade, diferenciando seus significados e usos nos dois momentos supramencionados, ou seja, do seu surgimento até sua maturação como conceito de uso corrente no meio intelectual.

Essa dicotomia temporal corresponde a fases e concepções variadas sobre aquilo que se convencionou denominar América Latina. Primeiro, ao lidar com as disputas acadêmicas entre franceses e latino-americanos no tocante às origens do conceito. Segundo, ao tratar de sua consolidação por meio do trabalho realizado pela intelligentsia autóctone, que lançou os princípios e os fundamentos dessa identidade. Consequência da segunda etapa, há um terceiro ciclo - que será analisado de forma breve - cuja manifestação ocorre quando o termo ultrapassa os círculos intelectuais e ganha capacidade de impactar as decisões dos Estados-nacionais, estimulando, por exemplo, a formação de novas iniciativas de cooperação e organizações internacionais restritas aos países-membros daquela coletividade, a exemplo da Comissão Econômica para a América Latina4 4 A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi estabelecida pela resolução 106 (VI) do Conselho Econômico e Social, de 25 de fevereiro de 1948. Por meio da resolução 1984/67, de 27 de julho de 1984, a Comissão passou a se chamar Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. (Cepal) e da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc).

Doravante, a ideia de América Latina penetrou em praticamente todas as dimensões do campo social e cultural, sendo amplamente referenciada em fontes das mais diversas categorias. Das cartas magnas aos tratados internacionais, dos livros acadêmicos aos manifestos artísticos, dos programas políticos à poesia e às canções populares.

Genealogia e disputa de paternidade

Buscar as raízes mais profundas da ideia de América Latina implica no retorno ao célebre debate entre correntes que divergem sobre a territorialidade de sua origem conceitual: seria o termo uma formulação francesa ou americana?

Essa pergunta mobilizou não apenas a produção científica do Velho e do Novo Mundo, mas também mexeu com aspectos mais mundanos, como paixões e vaidades. O historiador francês Guy Martinière (2014MARTINIÈRE, Guy. Michel Chevalier et la latinité de l’Amérique. Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil, v. 3, n. 1, 2014. pp. 1-10.), que se debruçou sobre o tema, sugere que esse debate predominou principalmente na França, no período compreendido entre as décadas de 1970 e 1980, com resultados atribuídos ao hispanista francês Noël Salomon. Matinière afirma que Salomon recorreu à obra “Le Mexique ancien et moderne”, de Michel Chevalier (1864CHEVALIER, Michel. Le Mexique Ancien et Moderne, 2ª edição. Paris: Librairie de L. Hachette et Cie, 1864. 628p.)5 5 Conselheiro de Estado e Senador do Segundo Império. , cruzando-a, em seguida, com a política externa de Napoleão III (1852-1870) para o México, com a ascensão do imperador Maximiliano de Habsburgo (1832-1867). A princípio, esses nomes podem soar de forma dissonante e desconexa. Mas ao delinear os pontos de contato existentes entre esses três homens, a análise começa a ganhar iluminação própria.

A figura de Michel Chevalier (1806-1877) é central nesse debate. Chevalier viajou para os Estados Unidos a serviço da Monarquia de Julho. Sua estada nas Américas ocorreu entre os anos de 1833 e 1835, incluindo também alguns meses de passagem pelo México e por Cuba. Retornando à Europa, seu livro “Lettres sur l’Amérique du Nord” acabou sendo publicado no ano seguinte. Ao longo da obra, Chevalier criou a díade que marcaria para sempre a história do Novo Mundo: a ideia de que existem duas Américas, uma protestante e anglo-saxônica, a outra católica e latina.

A interpretação de Chevalier transferia para o Novo Mundo a ideia vigente na Europa sobre a existência de grupos raciais distribuídos geograficamente entre países meridionais - de origem católico-latina - e países setentrionais - de linhagem teutônico-protestante (MARTINIÈRE, 2014MARTINIÈRE, Guy. Michel Chevalier et la latinité de l’Amérique. Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil, v. 3, n. 1, 2014. pp. 1-10., p. 4). Desse modo, a classificação dual era realizada a partir de duas variáveis culturais principais: a religião e a matriz linguística6 6 Embora o próprio Chevalier reconhecesse que havia uma “terceira Europa” eslava e ortodoxa, a ênfase de sua análise recai sobre as outras duas matrizes étnico-religiosas. . Segundo o autor, a posição da França dentro do mundo latino seria privilegiada graças à sua superioridade em termos de poder, o que legitimaria uma posição de patronagem em relação à América Latina: “A França (...) está no topo do grupo latino, do qual é protetora (...). A França me parece chamada a exercer uma patronagem benevolente e fecunda sobre os povos da América do Sul, que ainda estão fora da condição de autossuficência”7 7 Todas as traduções foram feitas pelo autor do artigo. (CHEVALIER, 1837CHEVALIER, Michel. Lettres sur l’Amérique du Nord, Vol. I. 4a edição. Bruxelas: Wouters et C., Imprimeurs-Libraires, 1837. 275p., pp. 14-15).

A ideia de uma união da “raça latina” guiada por Paris criou as justificativas ideológicas necessárias para a posterior intervenção no México, que Chevalier apoiava (QUIJADA, 1998QUIJADA, Mónica. Sobre el origen y difusión del nombre “América Latina” (o uma variación heterodoxa em torno al tema de la construcción social de la verdade). Madrid: Revista de Indias, 1998, v.58, n. 214. pp. 595-616., p. 599). O principal elemento que unia esses três personagens - Chevalier, Napoleão III e Maximiliano I - era a tentativa de submeter parte dos países americanos à hegemonia francesa. Alegava-se a existência de uma identidade panlatina que funcionaria - pelo menos no âmbito do continente americano - como um contrapeso ao expansionismo anglo-saxão representado pela “marcha para o Oeste” praticada pelos Estados Unidos (MARTINIÈRE, 2014MARTINIÈRE, Guy. Michel Chevalier et la latinité de l’Amérique. Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil, v. 3, n. 1, 2014. pp. 1-10., pp2-5). Assim, a visão de mundo de Chevalier, que com alguma licença poética antecipava a ideia de “choque de civilizações”, de Samuel Huntington (1997HUNTINGTON, Samuel. O Choque das Civilizações. 1ª edição. Rio de Janeiro, Objetiva, 1997.), fundamentou o projeto panlatinista. Este último ganhou vulto ao longo do século XIX, até se converter em uma das diretrizes de política externa do Segundo Império Francês.

No mesmo sentido, Pierre Rivas analisa o panlatinismo como um conceito geopolítico que surge em oposição ao imperialismo anglo-saxão e aos outros “panismos” - sobretudo ao pangermanismo -, variando de acordo com a conjuntura do jogo político europeu e sujeito a constantes alterações quanto à sua extensão (RIVAS, 2005RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. 1a edição. São Paulo: Hucitec, 2005. 302p., pp. 10-13). O autor argumenta que a latinidade, reconhecida como um “valor civilizacional”, começou a ganhar consistência somente após a esmagadora derrota dos franceses para os prussianos na Batalha de Sedan (1870). Entretanto, a ideia panlatina era um pouco anterior àquela data. Suas origens remontavam ao encontro do dispositivo geopolítico de Napoleão III com a visão de Chevalier, cujo resultado prático pode ser detectado na malfadada expedição mexicana que resultaria no breve reinado de Maximiliano I de Habsburgo8 8 Em 1866, as tropas francesas começaram a se retirar do México, enfraquecendo a posição de Maximiliano, que não mais contava com apoio interno ou externo. No ano seguinte, acabou capturado e executado por forças do governo republicano mexicano. (RIVAS, 2005RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. 1a edição. São Paulo: Hucitec, 2005. 302p., p. 26).

Nos marcos do panlatinismo, as relações entre o Império francês e as Américas devem ser compreendidas, de um lado, a partir das tendências expansionistas francesas (QUIJADA, 1998QUIJADA, Mónica. Sobre el origen y difusión del nombre “América Latina” (o uma variación heterodoxa em torno al tema de la construcción social de la verdade). Madrid: Revista de Indias, 1998, v.58, n. 214. pp. 595-616., p. 599) e, de outro, a partir das circunstâncias proporcionadas pelo cenário de conflito civil provocado pela Guerra de Secessão. A sua deflagração provocou uma espécie de recessão geopolítica nas relações interamericanas, impedindo os Estados Unidos de acionar a Doutrina Monroe que, além das iniciativas de recolonização, vetava qualquer tentativa de restauração monárquica no continente. Nos cálculos de Napoleão III, o retraimento norte-americano tornava favorável uma hipotética alteração de forças no continente que poderia ser aproveitada em favor da França, a “primeira” entre as nações latinas9 9 De fato, a França era a única potência europeia capaz de reclamar o status de “líder natural” de uma hipotética comunidade panlatina. Isso se devia não apenas ao capital simbólico de Paris, epicentro cultural do Velho Continente, mas também devido a atributos de poder bastante tangíveis. Basta recordar que, na segunda metade do século XIX, a Itália era apenas uma “expressão geográfica”, conforme a definição do chanceler austríaco Klemens Wenzel von Metternich. Espanha e Portugal, por sua vez, eram potências decadentes, marcadas pela perda de territórios coloniais no Novo Mundo. Romênia e Moldávia sequer haviam conquistado a independência. .

É dessa forma que o projeto imperialista francês se projeta: embasando-se, de um lado, no recurso aos meios militares formais, mas também no instrumento ideológico alicerçado numa pretensa identidade latina. O México foi o principal laboratório do malogrado experimento expansionista francês. Em 1864, o arquiduque Maximiliano de Habsburgo foi coroado imperador do México, convertendo a república latino-americana em monarquia10 10 A turbulência política iniciada com esse processo não tardaria a se encerrar com final trágico tanto para Maximiliano como para todo o movimento político conservador que o apoiava. Abandonado por Napoleão III, Maximiliano acabou condenando à morte em 1867, após o ex-presidente liberal Benito Juárez recuperar o controle do país e refundar a república (MEDINA, 2004). .

Mas a questão sobre a origem do nome coletivo “América Latina”11 11 Isto é, o uso agrupado duas palavras: “América” e “Latina”. permanece, pois ele não foi aplicado nem por Chevalier, nem por Napoleão III e tampouco por Maximiliano. Em sua análise, Mônica Quijada critica aqueles que defendem a paternidade francesa do conceito, argumentando que ele teria sido elaborado nas Américas já em setembro de 185612 12 A autora ignorou uma menção realizada por Francisco Bilbao ainda antes, em julho do mesmo ano. . Na Europa, por sua vez, seu surgimento teria se dado apenas em 1861, em um artigo da Revue des Races Latines - que apoiava e veiculava os fundamentos do movimento panlatinista, com atuação protagônica de seu editor-chefe, Gabriel Hugelmann (QUIJADA, 1998QUIJADA, Mónica. Sobre el origen y difusión del nombre “América Latina” (o uma variación heterodoxa em torno al tema de la construcción social de la verdade). Madrid: Revista de Indias, 1998, v.58, n. 214. pp. 595-616., p. 597). Contudo, a partir de pesquisas nos arquivos da Bibliothèque nationale de France, nota-se que a autora cometeu um pequeno equívoco, pois há um artigo ainda mais antigo no qual Gabriel Hugelmann afirma: “A Nicarágua é, talvez, de todos os países da América Latina, aquele que mais merece nossa atenção.” (1858a, p. 567, grifo nosso). Embora não refute a tese de Quijada, a menção do termo em um veículo francês de 1858 reduz de forma significativa o intervalo cronológico da aparição do nome “América Latina” entre hispano-americanos e franceses13 13 A distância passa a ser de menos de dois anos, entre julho de 1856 e maio de 1858. , o que não torna desprezível a hipótese sobre a importação do conceito.

Seguindo a posição de Chevalier, Hugelmann argumentava que os laços comuns que uniam os latinos eram o catolicismo - que “deve se impor à humanidade” (HUGELMANN, 1858bHUGELMANN, Gabriel. Nos intentions. Revue des Races Latines. Paris: le 5 mai 1858b. pp. 5-18., p. 5) - e uma herança linguístico-racial que remonta às origens latinas. É dessa base comum que derivam a “família católica primitiva” e as “raças latinas”, bem como a sua suposta superioridade “moral” e “material”14 14 O autor realmente acreditava na superioridade material latina, mesmo quando o parâmetro de comparação era o mundo anglo-saxônico: “(...) nós pretendemos sustentar e provar que tudo é falso na pretendida superioridade das raças anglo-saxônicas, e que as raças latinas estão exclusivamente proprietárias de todos os elementos reais e duradouros do progresso. (...) É do ponto de vista da arte, da ciência, da literatura, da indústria, do comércio e das finanças que nós temos que comparar as raças latinas às suas rivais.” (HUGELMANN, 1858b, p. 14). em relação às demais raças (HUGELMANN, 1858bHUGELMANN, Gabriel. Nos intentions. Revue des Races Latines. Paris: le 5 mai 1858b. pp. 5-18., p. 9). O texto assinado por Hugelmann se encerra apresentando o objetivo principal da revista: contribuir para o triunfo do catolicismo contra seus “audaciosos inimigos” a partir da união das raças latinas sob a liderança francesa. Ao atuar como uma espécie de panfleto do projeto panlatinista, a Revue indiretamente lançava os critérios de formulação de uma nova identidade supranacional15 15 Identidades supranacionais são aquelas tecidas entre Estados. Elas se distinguem de suas congêneres de viés subnacional, nacional ou transnacional (GAVIÃO, 2018). .

Guy Martinière, por sua vez, reconhece que a ideia de América Latina não foi criada pelos franceses, mas o autor sugere que as suas raízes foram apresentadas por Chevalier, cujo pioneirismo é parcialmente reconhecido por Quijada. “(...) todos os ingredientes da latinidade da América, elaborados entre 1836 e 1843, se encontram bem identificados: as ‘raças latinas’ de origem espanhola, portuguesa, italiana e francesa prolongavam no Novo Mundo as ‘raças da Europa latina’”. (MARTINIÈRE, 2014MARTINIÈRE, Guy. Michel Chevalier et la latinité de l’Amérique. Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil, v. 3, n. 1, 2014. pp. 1-10., p. 6).

Assim, abre-se espaço para a outra interpretação, que atribui a autoria aos intelectuais nativos, argumento que é defendido por Mónica Quijada, pelo uruguaio Arturo Ardao e pelo mexicano Leopoldo Zea, dentre outros (MARTINIÈRE, 2014MARTINIÈRE, Guy. Michel Chevalier et la latinité de l’Amérique. Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil, v. 3, n. 1, 2014. pp. 1-10., p. 2). Em artigo intitulado “A ideia de Latino-américa”, Ardao intentou explicar que o qualificativo “latino”, aplicado à América, somente apareceu pela primeira vez em 1856, quando o escritor chileno Francisco Bilbao (1823-1865) empregou o vocábulo em uma conferência proferida no dia 22 de junho, coincidência ou não, em Paris, onde residia. Intitulada “Iniciativa de la América: Idea de un Congreso Federal de las Repúblicas” (1856/1978), ali se encontraria a primeira menção ao gentílico latino-americano. No post-dictum da versão escrita, Bilbao destaca que a ideia de integração proposta por Simón Bolívar fracassou, mas reconhecia a urgência de nova tentativa de união.

Em 26 de setembro do mesmo ano, o advogado e ensaísta colombiano José Maria Torres Caicedo (1830-1889), que também morava em Paris, escreveu uma poesia intitulada “Las dos Américas”, na qual são identificadas referências à América Latina. No texto, destaca-se a sua contraposição em relação à América Anglo-Saxônica, conforme é possível identificar na primeira estrofe da parte IX do poema, que está aqui exposta em tradução livre:

Porém isolados se encontram, desunidos Esses povos nascidos para aliar-se A união é seu dever, sua lei amar-se Têm a mesma origem e missão A raça da América Latina Tem à frente a raça saxônica Inimiga mortal que já ameaça Destruir sua liberdade e sua bandeira. 16 16 Disponível em: http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm. Acesso em: 11 nov. 2018.

Sendo assim, conclui-se que a América Latina surge a partir dos intelectuais autóctones, muito embora seja justo reconhecer que houve influência francesa. Todavia, para além do debate centrado numa disputa paternal, que flerta com uma espécie de nacionalismo etimológico travestido de ciência, importa saber que a aplicação sistemática do conceito de América Latina é um fato social mais recente do que sugere o ano de seu nascimento.

Enquanto sua origem remonta, como foi analisado, a meados do século XIX, a operacionalização e ampla utilização do termo é um fenômeno inscrito nos marcos da virada do século XIX para o XX, momento em que o nome adquire uma carga de significação identitária que se combina com elementos subsumidos nos âmbitos civilizacional e geopolítico. Antes disso, as referências à ideia de América Latina eram erráticas e difusas quanto à sua substância, normalmente valendo-se de critérios derivados apenas da dimensão cultural - a matriz linguística latina e a religião católica -, elementos que não pareciam suficientes para sustentar a ideia de uma identidade desvinculada do latinismo forjado por intelectuais e políticos europeus.

Desse modo, o segundo recorte cronológico coincide com aquilo que Mónica Quijada considera a grande ocasião para a ruptura, quando a adoção do termo se torna definitiva. A autora destaca o marco cronológico dessa fase como o “ano mítico de 1898” - numa clara referência à Guerra Hispano-Americana e à projeção inconteste dos Estados Unidos como potência regional com traços imperialistas17 17 Cabe ressaltar que a identificação da origem do imperialismo na política externa norte-americana é um tema extremamente complexo e envolto a grandes debates. O historiador Ricardo Mendes (2005), por exemplo, realizou um discurso historiográfico bastante interessante sobre o tema, concluindo que o mais coerente seria localizar aquele fenômeno no Destino Manifesto, muito embora a percepção dos demais Estados sobre o imperialismo dos Estados Unidos seja um processo que ocorre de forma retardatária e com ritmos de assimilação distintos. . Doravante, a América Latina entraria para o léxico corrente dos intelectuais, derrotando denominações identitárias rivais18 18 Ou tornando-se um conceito “guarda-chuva”, com amplitude cultural e/ou geográfica capaz de abarcar outras denominações, tais como: América Ibérica, América Hispânica, América do Sul, América Andina, América Central etc. e abrindo espaço para reflexões mais profundas sobre o tema das identidades americanas (QUIJADA, 1998QUIJADA, Mónica. Sobre el origen y difusión del nombre “América Latina” (o uma variación heterodoxa em torno al tema de la construcción social de la verdade). Madrid: Revista de Indias, 1998, v.58, n. 214. pp. 595-616., pp. 609-610).

Até fins do século XIX, as elites políticas hispano-americanas, de uma maneira geral, admiravam o modelo civilizacional norte-americano. Simón Bolívar, por exemplo, nutria explícita simpatia pelos Estados Unidos, o que o levava a exaltar suas virtudes políticas, ilustração moral e valores da liberdade. Na perspectiva do próprio Bolívar, a Doutrina Monroe não era interpretada como um instrumento de dominação, uma vez que o tema sequer aparece nos principais documentos de sua autoria (GAVIÃO, 2018GAVIÃO, Leandro. Do Pan-Americanismo ao Sul-Americanismo: As Identidades Supranacionais no Continente Americano em Três Tempos (1826, 1960 e 2008). Tese de Doutorado PPGH/UERJ, 2018.).

Em termos institucionais, os Estados Unidos influenciaram praticamente todos os Estados-nacionais nascentes. Os reflexos mais notórios desse fato consistem na proliferação de regimes republicanos e presidencialistas, bem como na adoção de cartas constitucionais de natureza liberal (BUSHNELL, 2001BUSHNELL, David. A independência da América do Sul Espanhola. In: Leslie Bethell (org.). História da América Latina, volume III: da independência a 1870. 1a edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. pp. 119-186., pp. 135-137).

À exceção do Brasil, todas as nações americanas recém-independentes tencionavam mimetizar, em alguma medida, o arcabouço sociopolítico norte-americano. Durante o século XIX, o fenômeno da “europeolatria”, conforme definido por Olivier Compagnon (COMPAGNON, 2014COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: a América Latina e a Grande Guerra. 1a edição. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. 399p., p. 67), caminha lado a lado com a “ianquemania”. Com efeito, enquanto houve um mínimo de coerência entre prática e valores, Washington conseguiu sustentar seu poder de atração e manteve a narrativa pan-americana dotada de consistência, - embora seja importante lembrar, conforme sustenta Alfredo Rajo Serventich (2008RAJO SERVENTICH, Alfredo. Las dimensiones del hispanimo y del hispanoamericanismo. Latinoamérica, n. 47, México, 2008. pp. 97-116.), que intelectuais defensores do hispano-americanismo já firmassem posição como críticos da posição norte-americana.

As profundas transformações de cunho institucional, territorial e econômico, sofridas pelos Estados Unidos após a Guerra de Secessão ampliaram sobremaneira as assimetrias regionais e provocaram inflexões no modus operandi de sua política externa. A partir de então, foram impulsionadas práticas de caráter imperialista que provocam uma revisão das diretrizes diplomáticas. Evidente que a Doutrina Monroe e a narrativa pan-americana não poderiam permanecer incólumes a essas alterações nas forças profundas. Assim, ambas acabaram sendo devidamente reinterpretadas pelos homens de Estado com o propósito de facilitar seus objetivos de política exterior (AYERBE, 2002AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina: a construção da hegemonia. São Paulo: Editora Unesp, 2002.).

De fato, comparando os Estados Unidos da década de 1890 com o país governado por James Monroe, notam-se diferenças que tocam em diversas esferas do arcabouço socioeconômico daquela sociedade. O resultado dessa mudança é traduzido na revisão da orientação político-diplomática para a vizinhança do Sul. A inflexão na política externa norte-americana possibilitou a propagação de denúncias originadas da intelectualidade latino-americana que, independentemente das diferenças de convicções e de crenças, convergiam no que tange ao desejo de descortinar o véu da falsa solidariedade presente nas relações interamericanas. A identidade latino-americana se consolidou na medida em que os intelectuais projetavam no irmão do Norte a sua própria negação. Ou seja, a sua alteridade.

A construção da identidade latinoamericana

Conforme argumenta Pierre Rivas (2005RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. 1a edição. São Paulo: Hucitec, 2005. 302p.), a latinidade - em seu sentido lato - é um conceito que varia ao sabor das vicissitudes políticas e dos movimentos no tabuleiro político europeu. A ideia de América Latina também assumiu esse caráter relativamente maleável. Ao se debruçar sobre os autores que escreveram sobre essa concepção identitária, é possível notar, de acordo com o local e com a época, variações interpretativas no tocante aos componentes dessa identidade comum.

Importante também ressaltar que, não obstante sua forte presença no ambiente intelectual, a ideia de América Latina demoraria a ganhar respaldo entre as elites políticas. Na verdade, o final do oitocentos é marcado por uma espécie de institucionalização tardia do monroísmo19 19 O termo monroísmo faz referência narrativa pan-americana por trás da Doutrina Monroe, de 1823. , a partir da Primeira Conferência Pan-Americana (1889-1890), por iniciativa dos Estados Unidos (CERVO, 2001CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Brasília: IBRI, 2001.). É fundamental perceber que já existia uma identidade latino-americana, muito embora ela não tenha conseguido penetrar na mentalidade dirigente a ponto de provocar impactos diretos nas decisões dos Estados.

A consolidação da ideia de América Latina, no sentido de se tornar um conceito operacional corrente no léxico das elites políticas e, por consequência, uma identidade supranacional, somente ocorreria após a Segunda Guerra Mundial, nos marcos da Cepal e do Tratado de Montevidéu. Assim, uma grande diferença entre o latino-americanismo e as outras propostas identitárias americanas, a exemplo do monroísmo e do bolivarismo20 20 O malogrado projeto de Simón Bolívar para a formação de uma confederação hispano-americana. , é que as origens destas estão associadas à realização de propósitos políticos idealizados por elites políticas no poder, ao passo que a identidade latino-americana nasceu de forma orgânica, de “baixo para cima”, sendo ignorada por parte expressiva das elites políticas durante praticamente toda a primeira metade do século XX21 21 Existem, todavia, algumas exceções. Ruy Barbosa defendeu a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial ao lado da França, interpretando aquele conflito como um embate entre o “idealismo latino” e o “despotismo Oriental” germânico (RIVAS, 2005, p. 21-22). .

Antes de provocar efeitos práticos, o conceito precisou primeiro ganhar viabilidade no campo intelectual. Por essa razão, as próximas seções são dedicadas aos trabalhos de quatro importantes autores da virada do século XIX para o XX, cujas contribuições foram fundamentais para lançar as bases dessa identidade comum. Se os franceses se limitaram a ressaltar as características que lhe interessavam - o legado cultural comum -, os intelectuais latino-americanos trouxeram outros componentes para a estruturação daquela identidade.

A despeito de suas diferenças no que tange às convicções políticas e ideológicas, as conclusões de José Martí, Eduardo Prado, José Enrique Rodó e Manuel Bomfim confluíam para a formação daquilo que Robert Frank chamou de “geografia subjetiva”, ou seja, a percepção coletiva restrita não apenas ao compartilhamento de um território comum, mas também de uma concepção de espaço que é imaginária. Assim, visões de mundo foram partilhadas e estruturadas, bem como a imagem do outro e a sua interiorização na forma de parceiro ou de inimigo (FRANK, 2012FRANK, Robert. Mentalités, opinion, représentations, imaginaires et relations internationales. In: Robert Frank (org.). Pour l’histoire des relations internationales. 1a edição. Paris: Presses Universitaires de France, 2012. pp. 345-370., p. 355). A definição de América Latina seria derivada, portanto, de condições geográficas objetivas e subjetivas. Passado colonial, cultura, território e alteridade - a rejeição aos Estados Unidos - se misturam para fazer nascer um novo paradigma identitário no Novo Mundo.

José Martí e a “Nossa América”

Coube ao poeta e herói nacional cubano José Martí (1853-1895) o papel mais destacado na elaboração de uma narrativa de afirmação identitária regional por meio da rejeição à influência norte-americana. Toda identidade é relacional e se constrói a partir da diferença. A alteridade, neste sentido, constitui-se como a negação necessária para definir a separação dos entes que pertencem à comunidade daqueles que estão situados fora dela. Ao enfatizar a distinção significante do(s) terceiro(s) Estado(s) (i.e., do(s) excluído(s)), delineia-se com mais clareza o que há de comum entre aqueles que se reconhecem dentro de determinada identidade. Ou seja, a alteridade define quem são os “outros”, os “rivais” e os “inimigos”, ao mesmo tempo em que joga luz nos atores potencialmente “amigos”, conforme sugere Alexander Wendt (WENDT, 2014WENDT, Alexander. Teoria Social da Política Internacional. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2014. 536p., p. 356-366).

Por esse motivo, a produção de Martí é fundamental. O autor foi um agente simultaneamente intelectual e político, envolvido de forma ativa na libertação de seu país, ao mesmo tempo em que se preocupou em refletir sobre temas envolvendo as relações interamericanas, caracterizadas, sobretudo, pelas profundas diferenças e assimetrias entre as Américas Anglo-Saxônica e Latina.

Uma das principais batalhas de Martí foi travada contra os preconceitos, uma vez que a suposta superioridade norte-americana se combinava com categorizações pejorativas sobre o povo cubano, contribuindo para gerar na opinião pública estadunidense posições favoráveis à anexação ou tutela sobre Cuba. Na Filadélfia, o jornal The Manufacturer atribuía aos cubanos os seguintes qualificativos: “efeminados”, povo dotado de “aversão a todo esforço”, “preguiçosos” e desprovidos de “iniciativa” (MARTÍ, 1889a/2006MARTÍ, José. Vindicação de Cuba. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1889a/2006. pp. 147-152., p. 148-149). Categorizações que, diga-se de passagem, muitas vezes também competiam ao restante da América Espanhola, conforme nos revela com detalhes Lars Schoultz (SCHOULTZ, 2000SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão - uma história da política norte-americana em relação à América Latina. 1a edição. Bauru: EDUSC, 2000. 502p.).

A resposta de Martí às humilhações noticiadas pelo The Manufacturer pode ser encontrada na elegante carta Vindicação de Cuba (MARTÍ, 1889a/2006MARTÍ, José. Vindicação de Cuba. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1889a/2006. pp. 147-152., pp. 147-152), publicada pelo jornal nova-iorquino The Evening Post. No artigo, o autor deixa claro que se o passado norte-americano é digno de admiração, o presente era degradante e ameaçador. “[Os cubanos] Admiram essa nação, a maior de quantas erigiu jamais a liberdade; mas desconfiam dos elementos funestos que, como vermes no sangue, começaram nesta República portentosa sua obra de destruição.” (MARTÍ, 1889a/2006MARTÍ, José. Vindicação de Cuba. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1889a/2006. pp. 147-152., p. 148).

A questão racial também despontava como outro ponto polêmico nas relações Norte-Sul. Neste quesito, Martí estava muito à frente de sua época, pois enquanto o mainstream científico ainda validava a ideia de separação dos homens em raças - bem como a sua hierarquização -, o poeta concluía que “Não existe ódio de raças, porque não existem raças.” (MARTÍ, 1891a/2006MARTÍ, José. Nossa América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1891a/2006. pp. 194-201., p. 200). Afirmações semelhantes aparecem com frequência em seus textos, reforçando uma ideia que somente ganharia respaldo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da divulgação científica de obras antirracistas, como o clássico “Raça e História”, de Claude Lévi-Strauss (1952/1961STRAUSS, Claude-Lévi. Race et Histoire. Paris: Unesco, 1952/1961. ).

Por vezes, Martí demonstra certa ambiguidade a respeito dos Estados Unidos, ora enaltecendo o passado de afirmação dos valores iluministas de liberdade, ora demonstrando repulsa pelas práticas do presente. O poético texto “Mãe América” deixa claro essa ambivalência entre passado e presente, tal como se pode perceber no trecho abaixo:

De um enorme anseio de liberdade, em dias apostólicos, nasceu a América do Norte. Os homens novos, coroados de luz, não queriam, ante nenhuma outra, inclinar sua coroa. De todas as partes, pela força de uma ideia, voava em pedaços, nas nações nascidas da agrupação de povos pequenos, o jugo da razão humana, envilecida nos impérios criados a ponta de lança, ou de diplomacia, pela grande república que se enlouqueceu no poder (MARTÍ, 1889b/2006MARTÍ, José. Mãe América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1889b/2006. pp. 186-193., p. 187, grifos nossos).

No mesmo artigo, o autor também se dedica a descrever a formação dos países do continente. José Martí realça as singularidades do legado histórico-cultural das duas Américas a partir de uma análise de seus respectivos passados coloniais. Diferentemente da América Hispânica, a América do Norte teria sua vida sociocultural alicerçada nos valores protestantes do trabalho, da liberdade individual e da tolerância religiosa. “Do arado nasceu a América do Norte; e, do cão de caça, a Espanhola” (MARTÍ, 1889b/2006MARTÍ, José. Mãe América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1889b/2006. pp. 186-193., p. 189). A ideia de uma herança colonial ibero-americana, assombrada pelo espectro de um passado dramático de intolerância e violência também aparece na obra de Manoel Bomfim, intelectual que será analisado nas próximas páginas.

Martí também era enfático ao contestar as elites hispano-americanas que buscavam ocupar as instâncias governamentais adotando conceitos e visões de mundo importados da Europa e dos Estados Unidos. A existência de um passado singular dividindo as Américas criou um presente proporcionalmente distinto. Fosse no plano governamental ou na dimensão educacional, o mimetismo não seria a melhor solução para os países ibero-americanos que buscavam superar os problemas de seu presente. Pelo contrário, o caminho correto seria justamente reconhecer as particularidades da natureza, da história e da cultura de sua própria terra, descobrindo soluções que dialogassem com seus problemas. Ao advogar pela exploração de uma via própria, Martí critica os intelectuais marcados pela “ianquemania” e pela “europeolatria”, a exemplo de Domingo Sarmiento.

O espírito do governo deve ser o do país. A forma de governo deverá concordar com a constituição própria do país. O governo não é mais que equilíbrio dos elementos naturais do país.

(...) Não há batalha entre a civilização e a barbárie, mas sim entre a falsa erudição e a natureza.

(...) Como poderão sair das universidades os governantes, se não há universidades na América22 22 Atentando-se para a forma como o autor utiliza o pronome possessivo ao se referir à nossa América, nota-se que esta faz referência à área latina do continente, “do rio Bravo ao estreito de Magalhães” (MARTÍ, 1891a/2006, p. 201), em clara oposição à sua homóloga anglo-saxã. onde se ensine o rudimentar da arte de governo, que não é mais do que a análise dos elementos peculiares dos povos da América? Os jovens saem pelo mundo adivinhando as coisas com óculos ianques ou franceses, e pretendem dirigir um povo que não conhecem. (...) Conhecer o país, e governá-lo conforme o conhecimento, é o único modo de livrá-lo de tiranias. A universidade europeia deve dar lugar à universidade americana. A história da América, dos incas para cá, deve ser ensinada minuciosamente, mesmo que não se ensine a dos arcontes da Grécia. A nossa Grécia é preferível à Grécia que não é nossa.

(...) Nem o livro europeu, nem o livro ianque davam a chave do enigma hispano-americano (MARTÍ, 1891a/2006MARTÍ, José. Nossa América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1891a/2006. pp. 194-201., p. 196, 197, 199, grifos nossos).

Apesar de José Martí se inspirar no libertador Simón Bolívar - razão pela qual ainda não se referia a uma identidade latino-americana - suas reflexões manifestam a profunda diferença entre as heranças culturais e históricas da América Anglo-Saxônica e da América Hispânica. Ademais, a ênfase na negação de qualquer compartilhamento identitário com os Estados Unidos revela um sentimento de alteridade crescente em relação àquele país. A partir de 1891, isso pode ser verificado em inúmeras passagens de seus artigos, que colocam Washington contra a “nossa América”.

O desprezo do formidável vizinho, que nos desconhece, é o maior perigo de nossa América; e é urgente, já que o dia da visita está próximo, que o vizinho a conheça, que a conheça logo, para que não a despreze. Talvez por ignorância chegasse a cobiçá-la. Por respeito, tão logo a conhecesse, tiraria as mãos dela. (MARTÍ, 1891a/2006MARTÍ, José. Nossa América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1891a/2006. pp. 194-201., p. 200, grifo nosso).

A desconfiança para com os Estados Unidos também aparece no texto intitulado “A Conferência Monetária das Repúblicas da América”, publicado em maio daquele ano no periódico La Revista Ilustrada, bem como na matéria “A Verdade sobre os Estados Unidos”, publicada pelo jornal Patria, em março de 1894. No primeiro, José Martí atenta para os interesses econômicos unilaterais por trás da proposta de união aduaneira colocada em pauta pela Casa Branca na I Conferência Pan-Americana. Essa medida é apresentada pelo autor como um projeto hegemônico e instrumento para o exercício do controle sobre os demais povos americanos, por meio da ratificação da dependência comercial já existente. Fato este que seria agravado ante a permanência da crença da “superioridade incontestável da raça anglo-saxônica sobre a raça latina” (MARTÍ, 1891b/2006 MARTÍ, José. A Conferência Monetária das Repúblicas da América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1891b/2006. pp. 202-211., p. 204).

É preciso equilibrar o comércio para assegurar a liberdade. O povo que quer morrer vende para um só povo, e o que quer se salvar, vende para mais de um. A influência excessiva de um país no comércio de outro, converte-se em influência política. (MARTÍ, 1891b/2006 MARTÍ, José. A Conferência Monetária das Repúblicas da América. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1891b/2006. pp. 202-211., p. 205, grifo nosso).

Em outro artigo, o autor reafirma sua tese da necessidade de construir um pensamento político e social genuinamente hispano-americano, posicionando-se contra a ingenuidade das elites políticas autóctones que tentavam reproduzir acriticamente o modelo social norte-americano: “A ianquemania é inocente fruto de um conhecimento superficial, como quem julga o interior de uma casa, e as pessoas que nela rezam ou falecem, pelo sorriso e o luxo da sala de visitas ou pelo champanhe e o cravo da mesa de jantar” (MARTÍ, 1894/2006MARTÍ, José. A verdade sobre os Estados Unidos. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1894/2006. pp. 245-248., p. 247).

Em linhas gerais, esse foi o tom adotado por Martí em seus textos políticos sobre as relações interamericanas. Na véspera de sua morte, o poeta cubano escreveu uma carta endereçada ao político mexicano Manuel Mercado. Neste documento, que é um dos últimos deixados por Martí, as referências aos Estados Unidos como uma nação violenta são suficientemente precisas. Há acusação de atividades expansionistas sobre territórios situados na “nossa América”, sobretudo na instável região antilhana. Na carta, as informações sobre as pretensões de Washington vinham de um correspondente do Herald, chamado Eugenio Bryson. Para categorizar o vizinho do Norte, aparece pela primeira vez o termo “imperialista”.

(...) já estou todos os dias em perigo de dar minha vida por meu país e por meu dever - uma vez que o assim entendo e tenho ânimo para realizá-lo - de impedir a tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se alastrem pelas Antilhas e caiam, com essa força a mais, sobre nossas terras de América.

(...) As próprias obrigações menores e públicas dos povos - como o do senhor e o meu - mais vitalmente interessados em impedir que Cuba se abra, pela anexação dos Imperialistas de lá e pelos espanhóis, o caminho que se deve obstruir, e que com nosso sangue estamos barrando, da anexação dos povos de nossa América, ao Norte agitado e brutal que os despreza, - lhes teriam impedido a adesão ostensiva e a ajuda patente para este sacrifício que se faz pelo bem imediato e deles. (MARTÍ, 1895/2006MARTÍ, José. Carta a Manuel Mercado. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1895/2006. pp. 252-254., p. 252, grifo nosso).

Ainda sobre os Estados Unidos, Martí encerra a carta com uma ilustrativa e sintética conclusão: “Vivi no monstro e lhe conheço as entranhas.” (MARTÍ, 1895/2006MARTÍ, José. Carta a Manuel Mercado. In: José Martí. Nossa América. 3a edição. São Paulo: Editora Hucitec , 1895/2006. pp. 252-254., p. 252).

A retórica antiamericana de Eduardo Prado

No Brasil, Eduardo Prado (1860-1901) foi o principal expoente da intelectualidade a se levantar contra a narrativa pan-americana. Monarquista convicto, membro-fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) e antiamericanista, seu livro foi o primeiro a ser apreendido pela polícia da República da Espada, em 1893, aproximadamente uma hora após ter sido colocado à venda. Temendo represálias, Prado exilou-se em Londres, onde publicou a segunda edição de A Ilusão Americana (MACHADO, 1980MACHADO, Luiz Toledo. Apresentação. In: Eduardo Prado. A Ilusão Americana. 5a edição. São Paulo: IBRASA, 1980. pp. 9-13., p. 189-190).

Ao longo do texto, Eduardo Prado realiza um levantamento histórico que contempla os principais casos de abuso de poder e de violação de soberania praticados pelos Estados Unidos no restante do continente. A despeito de algum rigor acadêmico, seu livro possui um tom panfletário, tencionando chamar atenção para a ameaça que os norte-americanos representavam em face dos demais Estados do hemisfério. De acordo com o autor, “não há nação latino-americana que não tenha sofrido das suas relações com os Estados Unidos” (PRADO, 1893/1980PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 5a edição. São Paulo: Ibrasa, 1893/1980. 190p., p. 100).

Prado elenca muitas práticas abusivas da parte de Washington, abordando as incorporações territoriais, o descumprimento de tratados internacionais, o apoio tácito às incursões de flibusteiros, o preconceito em relação aos latinos e o caráter unilateral da Doutrina Monroe, que, em sua visão, teria sido flexibilizada para atender exclusivamente aos interesses egoístas do país. O teor dos parágrafos iniciais do livro resume o conjunto de ideias que permeia o restante da obra.

Pensamos que é tempo de reagir contra a insanidade da absoluta confraternização que se pretende impor entre o Brasil e a grande república anglo-saxônica, de que nos achamos separados não só pela grande distância, como pela raça, pela religião, pela índole, pela língua, pela história e pelas tradições do nosso povo.

O fato de o Brasil e os Estados se acharem no mesmo continente é um acidente geográfico ao qual seria pueril atribuir uma exagerada importância.

Onde é que se foi descobrir na história que todas as nações de um mesmo continente devem ter o mesmo governo? E onde é que a história nos mostrou que essas nações têm por força de ser irmãs? (PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 11, grifos nossos).

Observando mais atentamente o trecho supracitado, nota-se uma clara tentativa de ressaltar os pontos divergentes entre o Brasil e os Estados Unidos, de modo a desconstruir a ideia de uma identidade pan-americana comum. Segundo Eduardo Prado, os critérios de distinção são derivados de três eixos principais: a geografia, a etnia e o legado histórico-cultural.

Ainda que o autor não disserte explicitamente sobre a questão da identidade, esse é um tema que fica latente longo do texto, podendo ser percebido em diversas passagens nas quais a América Latina é abordada como um bloco de Estados, tal como no irônico trecho: “Falemos agora da grande república norte-americana, e vejamos quais os sentimentos de fraternidade que ela tem demonstrado pela América Latina, e qual influência moral ela tem tido na civilização de todo o continente.” (PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 14).

Sendo assim, a sociedade norte-americana é apresentada como desprovida de qualquer virtude ou elemento inspirador para a América Latina. Essa conclusão não se resume apenas à dimensão político-institucional, o que seria previsível devido à sua inclinação monarquista e antirrepublicana de Prado, mas incorpora também a díade materialismo-moralismo. Na interpretação do autor, a moralidade norte-americana, de inclinação materialista, seria marcada por seu “caráter pernicioso”, razão pela qual o mimetismo latino-americano seria potencialmente danoso para a elevação moral de seus povos.

A civilização norte-americana pode deslumbrar as naturezas inferiores que não passam da concepção materialística da vida. A civilização não se mede pelo aperfeiçoamento material, mas sim pela elevação moral O verdadeiro termômetro da civilização de um povo é o respeito que ele tem pela vida humana e pela liberdade.

Ora, os americanos têm pouco respeito pela vida humana. Não respeitam a vida de outrem e nem a própria. (...) [No tratamento dos escravos] Os americanos introduziram novas formas de tormentos e novos aparelhos de suplício. Como os ingleses transportam-se aos confins do mundo levando as suas pás de cricket e as suas redes de lawn-tennis e conservam o amor dos exercícios físicos, que é a força da sua raça, os americanos traziam, para usar nos escravos, azorragues aperfeiçoados e algemas patente, e trataram logo de propagar o linchamento. (PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 101).

A despeito do emprego de uma retórica hiperbólica e por vezes descolada da realidade, importa ressaltar o quanto Eduardo Prado se esforçou para tentar difamar a imagem da “inumana” república norte-americana ao contrastá-la com uma versão claramente idealizada da monarquia inglesa. Pouco importa se essa descrição de coloração emocional foi uma estratégia discursiva realizada intencionalmente ou se foi apenas um resultado inconsciente de suas convicções pessoais. O interessante é atentar para o fato de que essa narrativa contribui para despertar, ao menos entre a elite letrada brasileira, algum sentimento de alteridade em relação aos Estados Unidos, haja vista a posição de prestígio ocupada por Prado, membro-fundador da Academia Brasileira de Letras.

Em sua interpretação, a lógica utilitarista da civilização norte-americana - que prioriza o aperfeiçoamento material - torna-a incompatível com a tradição cultural latina, motivo pelo qual esses países deveriam suprimir os laços de identificação pan-americanos. Prado insiste que a obtenção de qualquer tipo de vantagem a partir da associação aos Estados Unidos é extremamente baixa. Para tanto, o autor resgata a figura de George Washington para “dissipar as veleidades de afeto e os ingênuos sentimentalismos que nos querem impor a respeito dos Estados Unidos” (PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 107). Eis a fala de George Washington que Prado faz questão de reproduzir com ênfase:

(...) deveis ter sempre em vista que é loucura o esperar uma nação favores desinteressados de outra, e que tudo quanto uma nação recebe como favor terá de pagar mais tarde com uma parte da sua independência (...). Não pode haver maior erro do que esperar favores reais de uma nação a outra. (WASHINGTON apud PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 107, grifo do autor).

Finalmente, o clamor por um distanciamento entre as duas Américas se torna evidente na conclusão do livro, quando o autor apresenta os cincos argumentos centrais de sua tese.

Devemos concluir de tudo quanto escrevemos:

Que não há razão para querer o Brasil imitar os Estados Unidos, porque sairíamos da nossa índole, e, principalmente, porque já estão patentes e lamentáveis, sob nossos olhos, os tristes resultados da nossa imitação;

Que os pretendidos laços que se diz existirem entre o Brasil e a república americana são fictícios, pois não temos com aquele país afinidades de natureza alguma real e duradoura;

Que a história da política internacional dos Estados Unidos não demonstra, por parte daquele país, benevolência alguma para conosco ou para com qualquer república latino-americana;

Que todas as vezes que tem o Brasil estado em contato com os Estados Unidos, tem sido outras tantas ocasiões para se convencer de que a amizade americana (amizade unilateral e que, aliás, só nós apregoamos) é nula quando não é interesseira;

Que a influência moral daquele país, sobre o nosso, tem sido perniciosa. (PRADO, 1893/2010PRADO, Eduardo. A Ilusão Americana. 1a edição. Brasília: Edições do Senado Federal, 1893/2010. 120p., p. 106).

O linguajar muitas vezes ofensivo de Prado pode ser em parte interpretado como resultado de seus princípios e convicções ideológicas, mas é acima de tudo reflexo do contexto de sua obra. São os danos e as políticas abusivas do monroísmo de fins do século que o impulsionam a lançar seu livro-manifesto. Embora tais práticas imperialistas sejam atualmente reconhecidas e debatidas no meio acadêmico - conforme sintetiza Ricardo Mendes (2005MENDES, Ricardo. América Latina: interpretações da origem do imperialismo norte-americano. Revista Projeto História, São Paulo, p. 167-188, dez. 2005.) em artigo sobre o tema -, na época não eram tão evidentes como se imagina.

É interessante ressaltar, portanto, que esse não era um assunto explorado pela intelectualidade brasileira. O antiamericanismo inaugurado por Prado acabou por se tornar um objeto mais consistente de estudo ao longo do século XX, sendo capaz de unir forças ideológicas rivais. É simbólico o caso da edição lançada em 2001 pela editora Alfa Omega, quando coube ao comunista Aldo Rebelo prefaciar o livro do monarquista e conservador Eduardo Prado.

Ao reconhecer o valor das raízes latinas e pautar seu apelo antiamericano em análises baseadas nas orientações da política externa estadunidense para os países ibero-americanos, Prado acabou contribuindo para robustecer uma concepção identitária de natureza latina, com ênfase nos aspectos da alteridade e do compartilhamento de um legado histórico-cultural.

José Enrique Rodó e o espírito latino

José Enrique Rodó (1871-1917) foi um intelectual e político uruguaio comprometido com a compreensão das condições de formação da América Latina e suas perspectivas e potencialidades para o futuro. Esteve ligado ao modernismo hispano-americano e produziu o célebre ensaio “Ariel” (1900) num contexto em que o Uruguai passava por profundas mudanças sociais, econômicas e políticas23 23 A expansão do mercado europeu impulsionou a produção agropecuária do país. Em termos demográficos, o número de habitantes saltou de 200 mil (1870) para 1,5 milhão em (1900). Essas mudanças impactaram nas reflexões sobre a nação. que redundavam em debates acerca da redefinição nacional.

Ariel é a expressão das preocupações de toda uma geração de pensadores que se perguntavam sobre o futuro do subcontinente e de sua identidade, daí o seu sucesso entre os intelectuais da região. A crítica aos Estados Unidos que o livro constrói é menos incisiva do que aquela de Eduardo Prado. Trata-se de uma análise substancialmente menos militante e menos preocupada com questões envolvendo intervencionismo político e econômico, mas muito mais voltada para a observação do modelo sociocultural norte-americano e sua capacidade de adaptação ou não para a realidade dos Estados latino-americanos.

Rodó enxergava na educação uma ferramenta capaz de transformar a América Latina. Não é mero preciosismo que seu livro seja dedicado à juventude da América, classificada pelo próprio autor como a “espécie profética fundamental”. A convocação das novas gerações reflete a urgência da internalização de um contraponto face à influência natural exercida pelos Estados Unidos no continente. “Natural” porque Rodó não se furta de reconhecer aquele país como a grande potência econômica e política do hemisfério, grandeza que previsivelmente o tornava um Estado-referência, inspirando e gerando admiração nas elites e povos das demais nações do continente (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., pp. 69-77).

A sobriedade de Rodó ao tecer comentários sobre a sociedade norte-americana salta aos olhos, o que torna a sua análise muito mais cuidadosa e menos apaixonada do que a de Prado. O pensador uruguaio reconhecia as virtudes do país do Norte, mas enfatizava que isso não justificava o desejo de reprodução acrítica daquele modelo civilizatório, uma vez que, tal como na literatura e na arte, “a imitação não deliberada sempre deformará as linhas do modelo” (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 71).

Compreendo muito bem que o exemplo dos fortes fornece inspirações, luzes, ensinamentos, e não ignoro que uma atenção inteligente voltada para o exterior, a fim de recolher de todas as partes a imagem do útil e do benéfico, é singularmente fecunda quando se trata de povos que ainda estão se formando e modelando sua individualidade nacional.

(...) Mas não vejo glória no propósito de desnaturalizar o caráter dos povos - seu gênio pessoal - para lhes impor a identificação com um modelo estranho a que sacrifiquem a insubstituível originalidade de seu espírito, nem na crença ingênua de que se possa alguma vez obtê-lo com procedimentos artificiais e improvisados de imitação. (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 70-71, grifo do autor).

Nota-se, na passagem acima, a preocupação do autor com a crença de que a imitação advinda do fascínio pelo arquétipo do Norte poderia provocar uma “deslatinização por vontade própria” (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 70, grifo do autor). É interessante atentar para as confluências existentes entre a ideia de “ilusão americana”, de Eduardo Prado, os conceitos de “ianquemania”, de José Martí, e de “nortemania”, de José Enrique Rodó. Independentemente dos caminhos trilhados por cada um dos autores, os três convergem no sentido de rejeitarem a apropriação de instituições e práticas culturais que não são próprias da América Latina.

Dessa forma, os argumentos de Rodó rogavam, sobretudo, pelo reconhecimento da necessidade de resgatar o legado latino da América, mormente diante das ameaças representadas pela imitação unilateral dos fundamentos socioculturais anglo-saxônicos, dentre os quais a exacerbação da razão utilitária, apresentada como elemento nocivo. As censuras também abarcavam as contradições sociais norte-americanas, evidenciadas nos princípios de liberdade pregados pela sua Constituição liberal que, todavia, não apresentava um correspondente prático nas questões racial, religiosa e política.

Ao descrever a identidade latino-americana em gestação, o pensador uruguaio faz referência a um conjunto de aspectos que coincidem com aqueles abordados por outros intelectuais do mesmo contexto, apelando para as semelhanças no tocante à etnia, ao legado histórico e à cultura.

É possível que falte a nosso caráter coletivo o contorno nítido da “personalidade”. Mas, na ausência dessa índole plenamente diferenciada e autônoma, temos - nós, os latino-americanos - uma herança de raça, uma grande tradição étnica a manter, um vínculo sagrado que nos une a páginas imortais da História, confiando à nossa honra sua continuidade no futuro. O cosmopolitismo, que devemos acatar como uma necessidade irresistível de nossa formação, não exclui esse sentimento de fidelidade ao passado, nem a força diretriz e modeladora com que o gênio da raça deve se impor na refundição dos elementos que constituirão o definitivo americano do futuro. (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 72-73, grifos nossos).

Nota-se que a escolha do título do livro também faz parte da interpretação de Rodó sobre um continente dividido em duas famílias identitárias. Ariel faz menção à peça teatral A Tempestade, de William Shakespeare. A metáfora, que permeia praticamente todo o texto, coloca de um lado Ariel, o espírito elevado da cultura e da razão, em contraposição a Caliban24 24 Anagrama de “canibal”. , sua antítese e personificação do apego selvagem ao materialismo utilitarista e ao individualismo.

A díade latino/anglo-saxão se manifesta numa alusão aos dois arquétipos shakespearianos tomados de empréstimo por Rodó, que expressa a urgência do resgate de uma cultura latina, em vias de corrupção por conta das tentativas recorrentes de adaptação a um modelo social estranho exportado pelos Estados Unidos, país que simbolizava a predominância da matéria em detrimento do espírito. A reprovação à vocação materialista norte-americana transparece nas seguintes passagens:

Sua cultura, que está longe de ser refinada e espiritual, possui uma eficácia admirável, sempre que se dirige praticamente para a realização de uma finalidade imediata.

(...) Esperemos que o espírito daquele titânico organismo social, que até hoje se reduziu apenas à vontade e utilidade, algum dia também seja inteligência, sentimento, idealidade.

(...) Assim, apenas a extensão e a grandeza material da cidade não podem dar a medida para calcular a intensidade de sua civilização. (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 76, 95, 98, grifos do autor).

A despeito de certa hesitação na hora de descrever o comportamento externo agressivo e unilateral dos Estados Unidos de fins do século XIX, há algumas críticas implícitas que podem ser descortinadas.

Sua grandeza titânica assim se impõe, mesmo aos mais acautelados, pelas enormes desproporções de seu caráter ou pelas violências recentes de sua história. E, de minha parte, vedes que, ainda que não os ame, admiro-os. Admiro-os, em primeiro lugar, por sua formidável capacidade de querer, e me inclino perante “a escola de vontade e de trabalho” que - como disse Philarète Chasles em relação a seus progenitores nacionais - eles instituíram.

(...) Seu gênio poderia ser definido, qual o universo dos dinamistas, como a força em movimento. Possui, antes e acima de tudo, a capacidade, o entusiasmo, a ditosa vocação da ação. A vontade é o cinzel que esculpiu esse povo na dura pedra. Seus relevos característicos são duas manifestações do poder da vontade: a originalidade e a audácia. Toda a sua história é o arrebatamento de uma atividade viril. Seu personagem representativo se chama Eu quero, como o “super-homem” de Nietzsche. (RODÓ, 1900/1991RODÓ, José. Ariel. 1a edição. São Paulo: Editora da Unicamp, 1900/1991. 115p., p. 77, 78 - Grifos em itálico são do autor. Grifos em negrito são nossos).

A proposta central de Rodó é pensar a identidade supranacional da América Latina a partir de reflexões sobre seu próprio “espírito”, reivindicando o resgate e a valorização de sua tradição cultural e intelectual. Sendo assim, ela é apresentada como herdeira da Europa e da antiguidade clássica, em contraposição à deterioração moral representada pela encarnação das forças primitivas do capitalismo industrial e do utilitarismo vigentes na América do Norte.

A abordagem histórica de Manoel Bomfim

Em “A América Latina: Males de origem”, publicada em 1905 por Manoel Bomfim (1868-1932) - brasileiro e médico de formação -, realiza uma análise histórica de longa duração para tentar compreender os elementos constitutivos da região e, tal como sugere o título de seu livro, as causas mais profundas de seus desafios, problemas e impasses.

Assim como José Martí, Manoel Bomfim se mostrou à frente de sua época quanto ao modismo intelectual do darwinismo social, cujos argumentos seduziam muitos pensadores latino-americanos - a exemplo de Domingo Faustino Sarmiento. Bomfim rejeitava tanto a lógica de hierarquização racial e social como a ideia de que a mestiçagem estaria na base da “decadência” latino-americana. Seu talento para a pesquisa, bem como o método utilizado e o modo pelo qual elaborava as hipóteses de seu trabalho renderam-lhe elogios de Darcy Ribeiro, que atribuía a Bomfim o título simbólico de “antropólogo” (RIBEIRO, 2005RIBEIRO, Darcy. Manoel Bomfim, antropólogo. In: Manoel Bomfim. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 1905/2005. pp. 11-22., p. 11).

Uma característica particular de Bomfim em relação aos demais autores é a forma por meio da qual ele concebe a identidade latino-americana. Em um ponto, sua análise converge com as dos três pensadores anteriores: a acentuação de um vínculo histórico-cultural comum - muito embora a interpretação de cada um dos intelectuais aponte para recortes ou características específicas para compor esses atributos compartilhados. Todavia, quando se observa o peso da alteridade, percebe-se que a afirmação da identidade latino-americana é engendrada a partir da negação da Europa, e não dos Estados Unidos.

Isso não significa que Bomfim desconhecesse os riscos implícitos na retórica da Doutrina Monroe e no papel de gendarme regional exercido por Washington. As ameaças às quais estavam submetidas a soberania de cada um dos países ao Sul do Rio Grande eram suficientemente evidentes para o autor. Assim como José Martí e Eduardo Prado, Bomfim também entendia a Doutrina como uma proclamação unilateral que permitia aos norte-americanos moldar a sua interpretação de acordo com cada contexto específico, de modo a aplicá-la de forma errática e sempre visando à satisfação de seus interesses nacionais.

Ainda assim, a preocupação de Bomfim estaria situada não da ingerência direta estadunidense, mas nos impactos indiretos da assimetria econômico-militar entre a América Latina e os Estados Unidos, uma vez que as elites europeias passavam a interpretar as relações interamericanas a partir de uma perspectiva na qual os países ao Sul do Rio Grande não passariam de uma espécie de grande protetorado sob a tutela de Washington (BOMFIM, 1905/2005BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora , 1905/2005. 390p., pp. 49-50).

Dessa maneira, a “proteção interessada” ofertada pelos Estados Unidos acabaria, na visão do autor, por resultar na absorção da soberania dos países da América do Sul, que da categoria de protegidos transitariam gradualmente para uma situação de perda da condição de povos livres.

A soberania de um povo está anulada do momento em que ele se tem de acolher à proteção de outro. Defendendo-nos, a América do Norte irá, fatalmente, absorvendo-nos. Acredito que essa absorção não esteja nos planos dos estadistas americanos; mas é ela uma consequência natural da situação de protegido e protetor. (BOMFIM, 1905/2005BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora , 1905/2005. 390p., p. 49, grifo nosso).

Com os Estados Unidos na condição de guardião do continente, ficava implícito o papel estratégico da América Latina, onde o logro da hegemonia hemisférica seria facilitado partindo do recurso simbólico à identidade supranacional pan-americana. O elemento basilar desta última se ancorava na Doutrina Monroe, ainda que seu caráter tivesse conhecido alterações fundamentais ao longo das décadas, conforme explica Ricardo Mendes (2005MENDES, Ricardo. América Latina: interpretações da origem do imperialismo norte-americano. Revista Projeto História, São Paulo, p. 167-188, dez. 2005.).

Em comparação com o grupo de intelectuais selecionados, Manoel Bomfim é um dos menos preocupados com os detalhes do perfil da política externa norte-americana. Isso se deve à sua convicção de que a soberania dos países latino-americanos poderia ser assegurada a partir de uma mudança comportamental endógena, esclarecendo as elites dirigentes de modo a retirá-las do estado de letargia em face do discurso da proteção hemisférica proporcionado pela Doutrina Monroe.

Seria necessário, apenas, que cada país tivesse capacidade de se autogerir em qualquer situação - inclusive em caso de guerra - sem demandar proteção externa a outrem. Contudo, o papel passivo de “protegido”, ao qual se submetiam os países latino-americanos, era interpretado como algo derivado de suas diretrizes domésticas, e não necessariamente da imposição externa.

Por ora, preserva-nos a teoria de Monroe por detrás do poder e riqueza dos Estados Unidos; e é este um dos graves inconvenientes da atitude malévola e agressiva da Europa. A perspectiva de um ataque nem por isto desaparece; nada nos garante que a grande República queira manter, para sempre, esse papel de salvaguarda e defesa das nações sul-americanas. É preciso notar que sobre a opinião pública norte-americana se refletem os efeitos dos juízos e conceitos com que a Europa nos condena, e que os políticos americanos nos consideram também ingovernáveis, imprestáveis quase. Nessas condições, a doutrina de Monroe se lhes afigura, no que se reporta à América do Sul, como uma preocupação platônica, sentimental; eles a mantêm, mais por orgulho nacional, talvez, que por qualquer outro motivo (BOMFIM, 1905/2005BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora , 1905/2005. 390p., p. 48 - Grifo em negrito é nosso. Grifos em itálico são do autor).

O trecho destacado deixa claro que, de acordo com Bomfim, a visão dos Estados Unidos sobre a América Latina é apenas um reflexo de um problema maior: a opinião pública europeia sobre a instabilidade latino-americana. O autor critica com veemência o desprezo com o qual a região é tratada.

(...) sempre que se trata das repúblicas latino-americanas, os doutores e publicistas da política mundial se limitam a lavrar sentenças - invariáveis e condenatórias. Ao ouvi-los, não há solução possível para tais nacionalidades. É, esta, uma opinião profundamente, absolutamente arraigada no ânimo dos governos, sociólogos e economistas europeus. Como variantes a essas sentenças, eles se limitam a ditar, de tempos em tempos, uns tantos conselhos axiomáticos; mas os ditam da ponta dos lábios, no tom em que o mestre-escola repente ao aluno indisciplinado e relapso: “Se você me ouvisse, se não fosse um malandro, faria isto e mais isto e isto...; mas você não presta para nada!... Nunca fará nada! Nunca saberá nada! Nunca será nada! (BOMFIM, 1905/2005BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora , 1905/2005. 390p., p. 42, grifo do autor)

Além da questão envolvendo a imagem pública, Bomfim responsabiliza os colonizadores europeus pela estruturação dos “males de origem” da América Latina. Essa conclusão é tomada a partir de uma imersão histórica de longa duração, que é explorada ao longo de praticamente todo o livro. Em linhas gerais, o autor traça um panorama geral sobre o projeto de colonização ao qual estava submetido aquele grupo de países.

Vítimas da ação violenta do parasitismo social dos conquistadores ibéricos, a América Latina acabou por desenvolver particularidades muito negativas em sua formação histórica e nacional - além das diferenças étnicas e culturais -, o que a torna substancialmente distinta da América Anglo-Saxônica. Bomfim resume a natureza da expansão ibérica a partir do “caráter guerreiro” e da “tendência depredadora” de Portugal e Espanha.

Foi mister transcrever longamente; transcrever e repetir. Repetições propositais para deixar bem evidente o caráter da conquista portuguesa: saquear, sem nenhum outro objetivo - a rapina, a pirataria, o parasitismo depredador.

(...) Causas comuns produzem efeitos comuns. Na América, os espanhóis procedem como os portugueses na Índia. Toda a diferença está em que as riquezas acumuladas no Novo Mundo eram em muito menor quantidade que as do Oriente, e que a Espanha tem um estômago mais vasto que o de Portugal. Este não chegou a devorar, a consumir a presa inteiramente (...). A Espanha depara com uma presa que ela devorou na primeira investida. Não foram só as riquezas, foi tudo: povos, civilização, monumentos históricos. A violência da sua voracidade tudo consumiu. (BOMFIM, 1905/2005BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. 2a edição. Rio de Janeiro: Topbooks Editora , 1905/2005. 390p., p. 106-107, grifo do autor).

Em “América Latina: males de origem”, nota-se o esforço de Bomfim para entender os modelos coloniais como catalisadores de sociedades diferentes. A história ibero-americana, bem como sua herança colonial hodierna, seria a chave para a compreensão da existência de duas Américas. A essência da identidade latino-americana seria encontrada nesse passado compartilhado, a partir do qual outros elementos são gerados como subprodutos.

A “consciência unitária” Latino-Americana e seus impactos políticos

Ainda que os quatro autores analisados não estejam perfeitamente alinhados em suas considerações sobre que define a América Latina, fica evidente a existência de um núcleo duro de características que os aproximam nas reflexões sobre o que compõe a região e sua identidade. Dessa maneira, a herança colonial, a cultura, o pertencimento territorial e a alteridade emergem como elementos fundantes da latino-americanidade na virada do século. Mesmo que seja importante reconhecer os limites dessa identidade embrionária, as contribuições de José Martí, Eduardo Prado, José Enrique Rodó e Manoel Bomfim foram cruciais para dar início àquilo que Gustavo Lagos (1967LAGOS, Gustavo. Prólogo: la evolución del pensamento y la acción integracionistas em América Latina. In: Felipe Herrera. America Latina Integrada. 2a edição. Buenos Aires, Editorial Losada S.A., 1967. p. 9-32., p. 12) chamou de “consciência unitária” e que Benedict Anderson (2011ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. 2a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 330p.) denominou “comunidade imaginada”25 25 Desconsiderando, contudo, o critério da soberania como componente das comunidades imaginadas, visto que somente seria aplicável nos casos dos Estados. No caso da América Latina, que é uma identidade supranacional, seria incoerente falar em soberania. .

Sendo assim, os intelectuais abordados encabeçam o que se pode considerar a primeira geração de pensadores preocupados com o ser latino-americano. A despeito de suas origens, convicções e perspectivas teóricas heterogêneas, esses pensadores coincidiam em diversos pontos. Todos os quatro autores afirmam a existência de uma base cultural latina, todos reconhecem que há uma história ibero-americana comum e todos denunciam a hipocrisia do pan-americanismo e as ingerências norte-americanas. Conquanto que a importância de cada um desses pontos varie em intensidade de acordo com cada autor, são esses elementos que nos anos seguintes vão se consolidar como os fundamentos de uma expressão identitária autêntica, influenciando a próxima geração de intelectuais que também vão refletir sobre características latino-americanas, tais como Víctor Raúl Haya de la Torre, José Carlos Mariátegui e Caio Prado Jr., por exemplo.

As considerações realizadas pela intelectualidade ibero-americana revelam duas conclusões basilares. De um lado, a América Latina pode ser interpretada como uma ressignificação do panlatinismo, apresentando uma comunidade latina dessa vez restrita apenas ao Novo Mundo e hierarquicamente horizontal, haja vista que, diferentemente do que os franceses fizeram, nenhum autor reivindicou a “liderança natural” para seu país de origem. Por outro lado, a concepção dessa nova identidade coletiva e seu uso cada vez mais corrente são derivações do esgotamento da tentativa de construção de uma identidade pan-americana, que havia se convertido em instrumento da política externa americana, visando à hegemonia continental.

É interessante observar que, à semelhança do que ocorreu com a ideia de latinismo na Europa - cuja consolidação ocorre ao rivalizar com o pangermanismo e o imperialismo anglo-saxão (RIVAS, 2005RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. 1a edição. São Paulo: Hucitec, 2005. 302p.) -, o latino-americanismo se tornou um conceito operacional e de interpretação geopolítica a partir da reação ao pan-americanismo e ao perfil interventor dos Estados Unidos.

Nesta conjuntura, a desarmonia verificada entre a política externa dos Estados Unidos e os interesses das demais nações redundou tanto no despertar de frações das elites políticas como na reflexão crítica dos intelectuais. Entretanto, foi nesses últimos que pairou um sentimento de urgência no que tange à necessidade de traçar reconsiderações acerca do sensível tema das identidades, o que se evidencia na própria organicidade com a qual proliferou o conceito de América Latina e sua oposição intrínseca ao pan-americanismo.

Percebe-se que até a penúltima década do século XIX, a América Latina era ainda uma concepção identitária imprecisa frente ao viço das variantes pan-americanistas - especialmente a monroísta, cuja manifestação prática mais significativa foi a I Conferência Pan-Americana (1889), ocorrida em Washington. Ainda assim, é importante ressaltar que a adesão ao latino-americanismo não ocorreu de maneira linear.

A inclinação dos pensadores latino-americanos em incorporar uma nova categoria identitária ocorreu devido à sua leitura contextual de um cenário interamericano cada vez menos auspicioso no que tange às garantias de manutenção da integridade soberana, da cultura latina e dos próprios interesses nacionais, ponderando o avanço de uma política externa norte-americana cada vez mais agressiva e negligente para com a cooperação interamericana (GAVIÃO, 2018GAVIÃO, Leandro. Do Pan-Americanismo ao Sul-Americanismo: As Identidades Supranacionais no Continente Americano em Três Tempos (1826, 1960 e 2008). Tese de Doutorado PPGH/UERJ, 2018.). Não por coincidência, em menos de um século os Estados Unidos deixaram de ser encarados como o país guardião do continente e modelo socioeconômico inspirador, ganhando em troca a desconfiança latente das demais nações. Desgastou-se a ideia de um suposto destino comum entre os Estados americanos, enfraquecendo, ao menos no campo intelectual, a sensação de pertencimento à família pan-americana.

Esta atmosfera permeada de adversidades conduziu novamente os pensadores ibero-americanos a meditarem sobre questões identitárias. Foi precisamente neste momento que a herança latina entrou novamente em pauta, mas com a diferença fundamental de ser agora um elemento gerado a partir da própria América Latina - tal como verificado nos estudos e ensaios apresentados pela intelectualidade do período -, e não imposto por uma potência estrangeira - como fora o panlatinismo de Napoleão III. Daí a justificativa de utilizar a produção intelectual de Prado, Martí, Rodó e Bomfim como marco para a compreensão do (re)nascimento da identidade latino-americana.

No entanto, é importante salientar que a narrativa identitária desenvolvida por esses autores teve sua aceitação restrita ao meio intelectual. Na transição do século XIX para o XX, os impactos políticos práticos ainda eram bastante rarefeitos. Ainda que a Argentina já se posicionasse de forma crítica ao pan-americanismo (CERVO, 2001CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Brasília: IBRI, 2001.), não havia nenhum sinal claro de que a identidade latino-americana fosse empregada de forma prática e consciente como recurso de cooperação interestatal ou de contenção da hegemonia norte-americana.

De fato, os atores que ocupavam as instâncias centrais da condução política - presidentes e chanceleres - precisariam primeiro absorver aquela identidade para que ela pudesse atuar como uma força capaz de agir sobre as decisões dos Estados. Isso somente veio a ocorrer de forma explícita na terceira fase do desenvolvimento da identidade latino-americana, qual seja: o período compreendido entre a criação da Cepal e a viabilização da Associação Latino-Americana de Livre Comércio. A Cepal nasceu chancelada pela organização internacional mais importante do mundo, uma vez que pertence ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc) da Organização das Nações Unidas (ONU). A Alalc, por sua vez, deu vida à inovadora ideia da integração latino-americana26 26 Criada a partir do Tratado de Montevidéu de 1960, a Alalc foi inovadora porque pela primeira vez houve uma iniciativa de união latino-americana. Ao contrário do que é vulgarmente afirmado - inclusive em alguns livros didáticos -, o Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua (1826), proposto por Simón Bolívar, previa apenas a integração da América Hispânica. , materializando-a em uma organização internacional pensada pela América Latina e para a América Latina (WIONCZEK, 1966WIONCZEK, Miguel. História do Tratado de Montevidéu. In: Miguel Wionczek (org.). A Integração Econômica da América Latina: Experiências e Perspectivas. 1a edição. Rio de Janeiro: Gráfica O Cruzeiro, 1966. pp. 85-124. ).

Os trabalhos desenvolvidos e vocalizados no âmbito da Cepal resultaram em uma verdadeira ressignificação da ideia de América Latina, com os Estados da região - e não mais apenas os intelectuais - afirmando a existência de um destino comum: o desenvolvimento. Reconhecendo as limitações de seu mercado interno e enxergando a possibilidade de formar um grupo pautado por uma mesma identidade de base, os países da região empreenderam as primeiras iniciativas exitosas de integração regional. Conforme explicou Celso Furtado, em 1970FURTADO, Celso. Formação Econômica da América Latina. 2a edição. Rio de Janeiro: Lia, Editor S.A., 1970. 375p., “A formação de uma consciência latino-americana é fenômeno recente, decorrência dos novos problemas colocados pelo desenvolvimento econômico e social da região nos três últimos decênios.” (FURTADO, 1970FURTADO, Celso. Formação Econômica da América Latina. 2a edição. Rio de Janeiro: Lia, Editor S.A., 1970. 375p., p. 20, grifo nosso).

Desde as suas origens, a Cepal atuou praticamente como uma escola de pensamento voltada para o exame das tendências econômicas e sociais de médio e longo prazo dos países latino-americanos. Ademais, buscou conceber um pensamento teórico e analítico autônomo e original naquela área, desvencilhando-se das teorias e abordagens tradicionais exportadas pelos Estados desenvolvidos (LAGOS, 1967LAGOS, Gustavo. Prólogo: la evolución del pensamento y la acción integracionistas em América Latina. In: Felipe Herrera. America Latina Integrada. 2a edição. Buenos Aires, Editorial Losada S.A., 1967. p. 9-32., p. 20). A ideia era localizar soluções para promover o desenvolvimento dos países da região mediante a combinação de uma revolução produtiva interna (PECEQUILO, 2010PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às Relações Internacionais. 1a edição. Petrópolis, Editora Vozes, 2010. 246p., p. 169) e a integração latino-americana, de modo a compor um forte mercado regional.

Segundo Gustavo Lagos (1967LAGOS, Gustavo. Prólogo: la evolución del pensamento y la acción integracionistas em América Latina. In: Felipe Herrera. America Latina Integrada. 2a edição. Buenos Aires, Editorial Losada S.A., 1967. p. 9-32., p. 20)27 27 O chileno Gustavo Lagos (1924-2003) foi ministro da Justiça de Eduardo Frei Montalva, criador e primeiro Secretário Geral da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) e diretor do Instituto para a Integração da América Latina (Intal). , “O trabalho da Cepal representa, neste sentido, a primeira expressão significativa de uma consciência de grupo latino-americano”. Eis o pioneirismo da Cepal: estabelecer um ponto de ruptura na visão dos Estados sobre essa comunidade latino-americana, que deixou de estar centrada em componentes mais subjetivos - alteridade - e culturais para ganhar contornos de uma verdadeira identidade supranacional, com impactos reais nas decisões políticas dos Estados nas relações internacionais28 28 Isso não quer dizer que todos os projetos futuros buscaram inspiração nas ideias cepalinas. A ideia é enfatizar o quanto a Cepal foi importante para dividir a história dessa identidade comum. . Lagos continua:

Pela primeira vez dentro da estratégia mundial de poder se fala do “grupo latino-americano” e o comportamento desse grupo é estudado de perto dentro da política de blocos das Nações Unidas. É nos procedimentos direcionados para a criação da Comissão Econômica para a América Latina que o grupo latino-americano definirá a si mesmo, destacando suas particularidades econômicas, demográficas, sociais e políticas comuns. (LAGOS, 1967LAGOS, Gustavo. Prólogo: la evolución del pensamento y la acción integracionistas em América Latina. In: Felipe Herrera. America Latina Integrada. 2a edição. Buenos Aires, Editorial Losada S.A., 1967. p. 9-32., p. 22).

O economista argentino Raúl Prebisch foi o mais destacado intelectual da Cepal, sendo considerado um dos maiores economistas da América Latina, além de ter influenciado toda uma geração de pensadores, incluindo o brasileiro Celso Furtado (BIELCHOWSKY, 2011BIELCHOWSKY, Ricardo. Introdução. In: Raúl Prebisch. O Manifesto Latino-Americano e outros ensaios. 1a edição. Rio de Janeiro: Contraponto / Centro Internacional Celso Furtado, 2011., pp. 12-14). Muito respeitado, Prebisch se manteve no cargo de Secretário Executivo da Cepal entre 1950 e 1963. A teoria estruturalista sobre o subdesenvolvimento latino-americano foi fundada a partir de seus três textos inaugurais na Cepal. Compõem essa trilogia: “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas” (1949), “Crescimento, desequilíbrio e disparidades: interpretação do processo de desenvolvimento econômico” (1950) e “Problemas teóricos e práticos do crescimento econômico” (1951). Em comum, nota-se o desejo de se valer das virtudes acadêmicas para modificar a realidade.

Prebisch ansiava colocar o conhecimento a serviço da transformação da realidade latino-americana (GURRIERI, 2011GURRIERI, Adolfo. A economia política de Raúl Prebisch. In: Raúl Prebisch. O Manifesto Latino-Americano e outros ensaios. 1a edição. Rio de Janeiro: Contraponto / Centro Internacional Celso Furtado , 2011. pp. 15-92. p. 16). Da mesma forma que houve um giro teórico na doutrina socialista a partir das contribuições do pensamento econômico de Karl Marx, pode-se dizer, com alguma licença poética, que Raúl Prebisch e a Cepal inauguraram o “latino-americanismo científico”.

Conclusão

Do ponto de vista prático, o leque de atuação da identidade latino-americana se amplia após a criação da Cepal. A partir de então, começa a abranger novos temas e a se converter em uma expressão identitária dotada de sentido não somente para um círculo restrito cidadãos ilustrados ou partidos políticos da região, mas também para os próprios Estados, a essa altura preocupados com a urgente questão do desenvolvimento econômico. Desde então, as relações internacionais passam também a ser regidas pelos efeitos da existência dessa nova variável identitária, com os países atuando por vezes em conjunto para formalizar acordos de cooperação e de integração que privilegiassem seus “irmãos” latino-americanos.

Paralelamente à sua consolidação no âmbito da alta política, o conceito também se popularizou em outras esferas da sociedade civil. No campo da produção intelectual, era ainda mais comum encontrar a referência identitária latino-americana. Para se ter uma ideia da dimensão desse fenômeno, seguem os nomes de alguns autores que já optaram por estampar no título de algum livro as palavras “América Latina” ou “latino-americano”: Alain Rouquié, Andre Gunder Frank, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Eduardo Frei Montalva, Eduardo Galeano, Enzo Faletto, Ernesto Guevara, Fernando Henrique Cardoso, Fidel Castro, Florestan Fernandes, Hélio Jaguaribe, Jacques Lambert, José Serra, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares, Moniz Bandeira, Noam Chomsky, Octavio Ianni, Olivier Dabène, Paul Sweezy, Paulo Freire, Pierre Chaunu, Robert Kennedy, Ruy Mauro Marini, Samuel Pinheiro Guimarães, Theothonio dos Santos, Wilson Cano, dentre muitos outros. Do ponto de vista da filiação teórica ou ideológica esses autores são inquestionavelmente heterogêneos, mas todos convergem para o reconhecimento da identidade latino-americana.

A consolidação da identidade latino-americana também se atesta em uma análise na produção artística. A partir dos anos 1970, o tema aparece com certa espontaneidade - e imprecisão - em títulos de pinturas, de músicas29 29 A América Latina é citada em canções de Caetano Veloso, Chico Buarque, Atahualpa Yupanqui, Belchior, Jorge Humberto Gonzalez Rios, Baiana System, dentre outros. e em manifestações da cultura popular30 30 Incluindo a escola de samba Unidos de Vila Isabel, que em 2006 desfilou com o enredo “Soy loco por ti America - A Vila canta a latinidade”. . Também se convencionou utilizar o referencial latino-americano para se referir à arte e à literatura produzida nos países da região.

No âmbito político, o resultado mais interessante é a incorporação do latino-americanismo nos textos constitucionais de todos os países latinos sul-americanos31 31 Convém lembrar que a Guiana e o Suriname não são países latinos, embora sejam sul-americanos. - à exceção do Chile32 32 Neste caso, trata-se da chamada “Constituição de Pinochet” de 1980 - ainda em vigor quando da submissão deste artigo. . No Brasil, a Constituição Federal de 1988 prevê a formação de uma comunidade de Estados na América Latina como um dos princípios norteadores das relações internacionais do país. Conforme se pode verificar no artigo 4º, parágrafo único: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988.).

Considerando que a constituição define os fundamentos e os princípios sócio-políticos, bem como a estrutura, os procedimentos, os poderes e os direitos que regem o funcionamento do Estado, é particularmente interessante observar como as cartas magnas atestam e reafirmam o pertencimento à comunidade imaginada latino-americana. Isso ocorre mediante a apresentação de preferências explícitas por projetos de cooperação ou de integração no âmbito da América Latina. A referência à região na lei maior desse grupo de países comprova a existência de um consenso mínimo em torno dessa identidade supranacional comum.

Do panlatinismo francês aos primeiros intelectuais latino-americanistas, a ideia de América Latina percorreu um longo percurso até conseguir se afirmar como uma variante identitária capaz de concorrer com o pan-americanismo de Washington e nortear algumas importantes decisões político-diplomáticas dos Estados da região.

Se por um lado foi a Cepal que alçou a América Latina à categoria de identidade supranacional, é preciso reconhecer que ela não parte do vazio, mas de referenciais preexistentes. Por essa razão, a consolidação da identidade latino-americana não pode ser compreendida ignorando o período de quinze anos que vai de Martí a Bomfim, passando por Prado e Rodó. O momento de transição do século XIX para o XX é tão significativo quanto os doze anos que abrangem a criação da Cepal e a assinatura do Tratado de Montevidéu.

Daí por diante, a ideia de América Latina consegue se afirmar como conceito “vencedor” de forma não excludente, com aplicação frequente nos campos mais variados, das artes à política internacional.

Referências Bibliográficas

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  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e referências bibliográficas utilizadas são referenciadas no texto. Este artigo é resultado de pesquisa de Pós-Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com supervisão do Prof. Dr. Fernando Vale Castro.
  • 3
    A quantificação do nível de popularidade dos referidos termos foi elaborada com base em análises de títulos de livros e artigos, além de referências cotidianas contidas em materiais e citações de teor não acadêmico. Neste processo, duas ferramentas foram utilizadas: o buscador clássico da Google, para analisar a quantidade de títulos de livros e artigos jornalísticos e acadêmicos com as quatro palavras-chave; e o Google Trends, que levanta a quantidade de vezes que um nome foi pesquisado na plataforma, entre 2004 e 2020. A opção por ferramentas da Google se justifica porque essa empresa possui o maior e mais popular sistema de pesquisa online. Em ambos os instrumentos, os termos foram pesquisados em português, espanhol e inglês. Em ordem decrescente, os nomes mais citados e presentes em livros e artigos são: América Latina, América do Sul, América Hispânica e Ibero-América.
  • 4
    A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi estabelecida pela resolução 106 (VI) do Conselho Econômico e Social, de 25 de fevereiro de 1948. Por meio da resolução 1984/67, de 27 de julho de 1984, a Comissão passou a se chamar Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
  • 5
    Conselheiro de Estado e Senador do Segundo Império.
  • 6
    Embora o próprio Chevalier reconhecesse que havia uma “terceira Europa” eslava e ortodoxa, a ênfase de sua análise recai sobre as outras duas matrizes étnico-religiosas.
  • 7
    Todas as traduções foram feitas pelo autor do artigo.
  • 8
    Em 1866, as tropas francesas começaram a se retirar do México, enfraquecendo a posição de Maximiliano, que não mais contava com apoio interno ou externo. No ano seguinte, acabou capturado e executado por forças do governo republicano mexicano.
  • 9
    De fato, a França era a única potência europeia capaz de reclamar o status de “líder natural” de uma hipotética comunidade panlatina. Isso se devia não apenas ao capital simbólico de Paris, epicentro cultural do Velho Continente, mas também devido a atributos de poder bastante tangíveis. Basta recordar que, na segunda metade do século XIX, a Itália era apenas uma “expressão geográfica”, conforme a definição do chanceler austríaco Klemens Wenzel von Metternich. Espanha e Portugal, por sua vez, eram potências decadentes, marcadas pela perda de territórios coloniais no Novo Mundo. Romênia e Moldávia sequer haviam conquistado a independência.
  • 10
    A turbulência política iniciada com esse processo não tardaria a se encerrar com final trágico tanto para Maximiliano como para todo o movimento político conservador que o apoiava. Abandonado por Napoleão III, Maximiliano acabou condenando à morte em 1867, após o ex-presidente liberal Benito Juárez recuperar o controle do país e refundar a república (MEDINA, 2004MEDINA, Javier Torres. El império mexicano y el império brasileño: uma historia no compartida. Revista de História, Juiz de Fora, vol. 10, n. 2, pp.3-12, jul./dez. 2004.).
  • 11
    Isto é, o uso agrupado duas palavras: “América” e “Latina”.
  • 12
    A autora ignorou uma menção realizada por Francisco Bilbao ainda antes, em julho do mesmo ano.
  • 13
    A distância passa a ser de menos de dois anos, entre julho de 1856 e maio de 1858.
  • 14
    O autor realmente acreditava na superioridade material latina, mesmo quando o parâmetro de comparação era o mundo anglo-saxônico: “(...) nós pretendemos sustentar e provar que tudo é falso na pretendida superioridade das raças anglo-saxônicas, e que as raças latinas estão exclusivamente proprietárias de todos os elementos reais e duradouros do progresso. (...) É do ponto de vista da arte, da ciência, da literatura, da indústria, do comércio e das finanças que nós temos que comparar as raças latinas às suas rivais.” (HUGELMANN, 1858bHUGELMANN, Gabriel. Nos intentions. Revue des Races Latines. Paris: le 5 mai 1858b. pp. 5-18., p. 14).
  • 15
    Identidades supranacionais são aquelas tecidas entre Estados. Elas se distinguem de suas congêneres de viés subnacional, nacional ou transnacional (GAVIÃO, 2018GAVIÃO, Leandro. Do Pan-Americanismo ao Sul-Americanismo: As Identidades Supranacionais no Continente Americano em Três Tempos (1826, 1960 e 2008). Tese de Doutorado PPGH/UERJ, 2018.).
  • 16
    Disponível em: http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm. Acesso em: 11 nov. 2018.
  • 17
    Cabe ressaltar que a identificação da origem do imperialismo na política externa norte-americana é um tema extremamente complexo e envolto a grandes debates. O historiador Ricardo Mendes (2005MENDES, Ricardo. América Latina: interpretações da origem do imperialismo norte-americano. Revista Projeto História, São Paulo, p. 167-188, dez. 2005.), por exemplo, realizou um discurso historiográfico bastante interessante sobre o tema, concluindo que o mais coerente seria localizar aquele fenômeno no Destino Manifesto, muito embora a percepção dos demais Estados sobre o imperialismo dos Estados Unidos seja um processo que ocorre de forma retardatária e com ritmos de assimilação distintos.
  • 18
    Ou tornando-se um conceito “guarda-chuva”, com amplitude cultural e/ou geográfica capaz de abarcar outras denominações, tais como: América Ibérica, América Hispânica, América do Sul, América Andina, América Central etc.
  • 19
    O termo monroísmo faz referência narrativa pan-americana por trás da Doutrina Monroe, de 1823.
  • 20
    O malogrado projeto de Simón Bolívar para a formação de uma confederação hispano-americana.
  • 21
    Existem, todavia, algumas exceções. Ruy Barbosa defendeu a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial ao lado da França, interpretando aquele conflito como um embate entre o “idealismo latino” e o “despotismo Oriental” germânico (RIVAS, 2005RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. 1a edição. São Paulo: Hucitec, 2005. 302p., p. 21-22).
  • 22
    Atentando-se para a forma como o autor utiliza o pronome possessivo ao se referir à nossa América, nota-se que esta faz referência à área latina do continente, “do rio Bravo ao estreito de Magalhães” (MARTÍ, 1891a/2006, p. 201), em clara oposição à sua homóloga anglo-saxã.
  • 23
    A expansão do mercado europeu impulsionou a produção agropecuária do país. Em termos demográficos, o número de habitantes saltou de 200 mil (1870) para 1,5 milhão em (1900). Essas mudanças impactaram nas reflexões sobre a nação.
  • 24
    Anagrama de “canibal”.
  • 25
    Desconsiderando, contudo, o critério da soberania como componente das comunidades imaginadas, visto que somente seria aplicável nos casos dos Estados. No caso da América Latina, que é uma identidade supranacional, seria incoerente falar em soberania.
  • 26
    Criada a partir do Tratado de Montevidéu de 1960, a Alalc foi inovadora porque pela primeira vez houve uma iniciativa de união latino-americana. Ao contrário do que é vulgarmente afirmado - inclusive em alguns livros didáticos -, o Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua (1826), proposto por Simón Bolívar, previa apenas a integração da América Hispânica.
  • 27
    O chileno Gustavo Lagos (1924-2003) foi ministro da Justiça de Eduardo Frei Montalva, criador e primeiro Secretário Geral da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) e diretor do Instituto para a Integração da América Latina (Intal).
  • 28
    Isso não quer dizer que todos os projetos futuros buscaram inspiração nas ideias cepalinas. A ideia é enfatizar o quanto a Cepal foi importante para dividir a história dessa identidade comum.
  • 29
    A América Latina é citada em canções de Caetano Veloso, Chico Buarque, Atahualpa Yupanqui, Belchior, Jorge Humberto Gonzalez Rios, Baiana System, dentre outros.
  • 30
    Incluindo a escola de samba Unidos de Vila Isabel, que em 2006 desfilou com o enredo “Soy loco por ti America - A Vila canta a latinidade”.
  • 31
    Convém lembrar que a Guiana e o Suriname não são países latinos, embora sejam sul-americanos.
  • 32
    Neste caso, trata-se da chamada “Constituição de Pinochet” de 1980 - ainda em vigor quando da submissão deste artigo.

Editado por

Editores Responsáveis

Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    15 Mar 2021
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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