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O VÉRTICE DO ATLÂNTICO. CABO VERDE NA CRIAÇÃO LITERÁRIA DE AUGUSTO CASIMIRO (1931-1964)1 1 Este artigo resulta da investigação levada a cabo por Sérgio Neto a partir de fundos nacionais, por meio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito do financiamento do UIDB/00460/2020 atribuído ao Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC). Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo

THE CORNER OF THE ATLANTIC. CAPE VERDE IN THE LITERARY CREATION OF AUGUSTO CASIMIRO (1931-1964)

Resumo

O arquipélago de Cabo Verde foi uma colónia portuguesa até 1975. Amiúde comparado com o Brasil e os arquipélagos da Madeira e dos Açores, Cabo Verde constituiria um dos territórios mais importantes, em termos de propaganda, na defesa do império colonial luso. O objectivo deste artigo é a análise dos escritos do capitão Augusto Casimiro dos Santos, que ajudou a criar a construção propagandística de um arquipélago cabo-verdiano como um reflexo do Portugal de Quatrocentos e Quinhentos. Adoptando a metodologia de um estudo de caso e empregando uma multiplicidade de fontes, algumas das quais inéditas, reconstituir-se-á o pensamento de Casimiro em face dos contemporâneos e a influência que ele teve à época nos meios coloniais durante a transição do darwinismo social para o luso-tropicalismo.

Palavras-chave
Cabo verde; colonialismo; luso-tropicalismo; alteridade; hibridez

Abstract

The archipelago of Cape Verde was a Portuguese colony until 1975. Often compared to Brazil and the archipelagos of Madeira and the Azores, Cape Verde was an important territory, in terms of propaganda, for the defence of the Portuguese colonial empire. This case study analyzes the writings of Captain Augusto Casimiro dos Santos, who helped to create the propagandistic construct of Cape Verde as a reflection of 15th and 16th century Portugal. Using a multiplicity of sources, some of them unpublished, the paper discusses Casimiro’s thought against his contemporaries and its influence in colonial circles during the transition from social Darwinism to Luso tropicalism.

Keywords
Cape Verde; colonialism; luso tropicalism; alterity; hybridity

Introdução

Em virtude de um redobrado interesse pelo passado colonial relativamente próximo, a historiografia portuguesa tem consagrado nos últimos anos cada vez mais páginas ao tema, tendência presente em publicações científicas e em teses universitárias. Em paralelo, a sociedade civil começou a dispensar mais atenção à problemática, mesmo que o seu olhar continue de certo modo tolhido por alguma nostalgia do império, bem como por alguns elementos das teses de Gilberto Freyre — em especial a não existência de racismo — reminiscentes da apropriação ideológica que o regime do Estado Novo de Salazar fez do autor brasileiro a partir da década de 1950. Veja-se que, no recente discurso proferido no âmbito das comemorações dos 47 anos da Revolução dos Cravos, talvez um dos discursos políticos mais importantes do ano, o presidente da República centrou suas palavras na necessidade de “dissecar” o passado colonial português (FRANCISCO, 2021FRANCISCO, Suzete. Marcelo. Portugal deve assumir “glórias e fracassos” do seu passado. Diário de Notícias. Lisboa, 25/4/2021, Política. Disponível em: <https://www.dn.pt/politica/marcelo-portugal-deve-assumir-glorias-e-fracassos-do-seu-passado--13610070.html>. Acesso em: 30 abr. 2021.
https://www.dn.pt/politica/marcelo-portu...
).

Decerto que projetos científicos mais recentes, ancorados na questão da memória, como Memórias Cruzadas, Políticas do Silêncio – as Guerras Coloniais e de Libertação em Tempos Pós-Coloniais (Crome), que pretende discutir “o silêncio” em torno das “guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, ou o Filhos do Império e Pós-Memórias Europeias (Memoirs), que intenta recuperar a memória dos “filhos dos impérios” de segunda e terceira geração num quadro comparativo entre França, Portugal e Bélgica, têm vindo a preencher uma lacuna importante neste campo. Por outro lado, iniciativas recentes, como a reedição do jornal O Negro (HENRIQUES, 2021HENRIQUES, Joana Gorjão. Jornal O Negro reeditado 110 anos depois: “pelo direito à memória”. Ípsilon, Lisboa, 9/04/2021, Racismo. Disponível em: <https://www.publico.pt/2021/03/09/culturaipsilon/noticia/jornal-negro-reeditado-110-anos-direito-memoria-1953531>. Acesso em: 30 abr. 2021.
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), órgão de estudantes africanos residentes em Lisboa, assim como diversos artigos versando periódicos e movimentos de ativistas críticos do colonialismo dos inícios do século XX (VARELA; PEREIRA, 2020), têm procurado responder ao desafio de dar voz à “presença silenciosa” dos “negros em Portugal” (TINHORÃO, 1998).

Tais incursões historiográficas correm em paralelo com estudos apoiados em um escopo mais tradicional, os quais têm vindo a privilegiar a análise dos últimos anos do colonialismo português, passando em revista os meandros da exploração económica, o desenho dos derradeiros projetos coloniais, o início da Guerra Colonial ou a atitude dos colonos brancos de Moçambique em face do salazarismo e da descolonização (ALEXANDRE, 2017ALEXANDRE, Valentim. Contra o Vento. Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960). Lisboa: Temas & Debates, 2017.; CASTELO, 2014; PIMENTA, 2021PIMENTA, Fernando Tavares. Brancos de Moçambique: Da oposição eleitoral ao Salazarismo à descolonização (1945-1975). Porto: Afrontamento, 2021.; SOUTO, 2007SOUTO, Amélia Neves. Caetano e o ocaso do ‘ império ’. Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo (1968-1974). Porto: Afrontamento, 2007.).

Assim, embora de forma ainda ténue e tímida, um debate mais generalizado acerca da imagem colonial do país começou a mover-se do campo académico para o da opinião pública, ganhando forma nos meios de comunicação social e noutros fóruns; pois, em última análise, a verdade é que se desconhece o que foi o império e as linhas-mestras da colonização. Do mesmo modo, tende-se a minimizar as implicações do esclavagismo, das guerras coloniais, do racismo e dos traumas ainda existentes. Neste sentido, percebe-se que a imagem veiculada pelos manuais escolares ainda continua cativa de uma certa heroicidade (ARAÚJO; MAESO, 2010ARAÚJO, Marta & MAESO, Silvia Rodriguez. Explorando o Eurocentrismo nos Manuais Portugueses de História. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 15, n. 28, p. 239-270, 2010.; CABECINHAS, 2020CABECINHAS, Rosa. Luso(A)fonias. Memórias cruzadas sobre o colonialismo português. Estudos Ibero-Americanos, Rio Grande do Sul, v. 45, n. 2, p. 16-25, 2020.).

Tendo presente todos esses elementos, o texto que se segue pretende analisar uma das visões mais importantes para a (re)construção colonial da imagética africana na primeira metade do século passado, assente na promoção propagandística de Cabo Verde como um espaço diferente dos demais territórios coloniais. Aí a cultura portuguesa teria ganho um travo tropical, pelo que se reabilitava a mestiçagem, agora alcandorada a elemento fundamental, pelo menos em teoria, da colonização de Lisboa. Neste sentido, o arquipélago seria uma continuidade insular da metrópole, não diversa da Madeira e dos Açores, faltando apenas uma integração administrativa mais plena (concessão da adjacência).

Coube ao capitão Augusto Casimiro dos Santos (1889-1967), na senda de muitos visitantes a Cabo Verde, sustentar esta visão, através de uma série de escritos. Com efeito, este poeta — republicano, colonialista, combatente na Primeira Guerra Mundial e opositor de Salazar (FRAGA, 2010FRAGA, Luís Alves. Augusto Casimiro: militar e escritor republicano. Biblos, Coimbra, v. 8, p. 261-289, 2010.) —, cujas múltiplas experiências se consubstanciaram num longo percurso literário, encarnou algumas das contradições do colonialismo português novecentista no que respeita à visão do “não” ou do “quase” europeu (NETO, 2016NETO, Sérgio. Das Trincheiras da Flandres aos Sertões de África: percursos geográfico-literários de Augusto Casimiro. Mneme: Revista de Humanidades, Rio Grande do Norte, v. 17, n. 39, p. 14-35, 2016.).

Acresce que Cabo Verde, para onde Casimiro foi desterrado nos inícios dos anos 1930 após ter participado numa revolta contra a ditadura, constituiu um caso muito peculiar no contexto do imaginário africano, que importa conhecer. De facto, este arquipélago, a despeito da aridez e escassez de recursos económicos, tornou-se decisivo para a propaganda colonial do Estado Novo (1933-1974), sobretudo a partir do momento em que as vozes do anticolonialismo se faziam escutar com cada vez maior intensidade (CASTELO, 1998CASTELO, Cláudia. «O modo português de estar no mundo». O Luso-tropicalismo e a Ideologia Colonial Portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1998., p. 129). Positivamente associado ao discurso luso-tropical de Gilberto Freyre, tendendo a ser encarado como um “Brasil em miniatura” ou, melhor dizendo, “um Ceará desgarrado no meio do Atlântico” (FREYRE, 1954FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Lisboa: Edições Livros do Brasil, 1954., p. 237), Cabo Verde seria a prova das supostamente singulares qualidades lusas de colonização. Era assim que se contrastava a pobreza generalizada da população com a “riqueza” cultural das elites letradas, embora se tratasse de um exercício propagandístico de extrapolação e romantização das dificuldades locais (NETO, 2009NETO, Sérgio. Colónia mártir, colónia modelo. Cabo Verde no pensamento ultramarino português (1925-1965). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.).

O papel do capitão Casimiro na elaboração desta imagética cabo-verdiana, nos anos 1930 e 1940, não foi despiciendo, mesmo que o poeta fosse opositor ao regime estadonovista (e estivesse genuinamente interessado na melhoria das condições de vida dos ilhéus e fascinado pela sua cultura) — o que muito diz sobre o consenso das elites portuguesas no que toca à importância de manter as colónias na órbita lusa. Alguns dos seus livros, quase-diários, uma peça de teatro e um romance, bem como diversos poemas, ilustram essa apropriação literária do espaço insular, a qual decorreu em paralelo com outros autores portugueses, numa altura em que grupos literários cabo-verdianos, não necessariamente independentistas, iam emergindo e vincando a sua identidade insular (BRITO-SEMEDO, 2006BRITO-SEMEDO, Manuel. A construção da identidade nacional: análise da imprensa entre 1877 e 1975. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2006.; MADEIRA, 2018MADEIRA, João Paulo. Nação e Identidade: A singularidade de Cabo Verde. Pedro Cardoso Livraria, 2018.).

Deste modo, adotando a metodologia de um estudo de caso, o presente texto assentará na (re)leitura dos textos de Casimiro, incluindo escritos inéditos oriundos do seu arquivo particular, em articulação com outros autores contemporâneos, tendo como objetivo destrinçar as nuances do pensamento colonial português nas décadas de 1930 a 1950, e fixando-se no caso cabo-verdiano. Fazendo uso de alguns conceitos dos estudos pós-coloniais, como alteridade, hibridez e exotismo (SANTOS, 2002SANTOS, Boaventura de Sousa. Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade. Luso-Brazilian Review, [S. l.], v. 39, n. 2, p. 9-43, 2002.), pretende-se explicitar e contribuir para a desconstrução das ambiguidades de uma época de transição na ideologia colonial portuguesa: do darwinismo social para o luso-tropicalismo (CASTELO, 1998CASTELO, Cláudia. «O modo português de estar no mundo». O Luso-tropicalismo e a Ideologia Colonial Portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1998.).

Breve enquadramento biográfico

Natural da vila de Amarante, onde viu a luz do dia a 11 de maio de 1889, no seio de uma família da pequena burguesia, Augusto Casimiro dos Santos iniciou os seus estudos na terra natal, para depois passar a Coimbra, local em que concluiu o ensino liceal. Em todo o caso, não foi à sombra da velha universidade, a única à época em Portugal, na qual chegou a estar inscrito por algum tempo, que Casimiro prosseguiu a sua educação. Em breve assentou praça como voluntário no Regimento de Infantaria Nº 23 dessa cidade, passando a Lisboa, a fim de ingressar no curso de infantaria da Escola do Exército, o qual concluiu em 1909.3 3 PEDROSO, Alberto. Augusto Casimiro, 1889-1967. Mostra Biobliográfica. Lisboa: Biblioteca Nacional/Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, 1989.

Em paralelo, tinha publicado em Coimbra, logo em 1906, o livro de poemas Para a Vida, que dedicou a Teófilo Braga. A linguagem, de pendor neorromântico, viria a ceder na obra seguinte, intitulada A Vitória do Homem (1910), a influxos naturalistas, a qual, em todo o caso, manteve a toada prometeica: “a ideia visionária e doida, à solta, / iluminando, esfarrapando a treva, / nas asas fulgurantes da Revolta (CASIMIRO, 2001CASIMIRO, Augusto. Obra Poética. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001., p. 98).

A “vitória” da “revolta” chegaria nesse mesmo ano com a Implantação da República. O novo regime, que fez da educação um dos seus esteios, tanto mais que o analfabetismo era muito elevado (68% dos homens e 81% das mulheres), criou escolas primárias, escolas para a formação de professores e acrescentou duas novas universidades: Porto e Lisboa. A Primeira República abriu, ainda, espaço à afirmação de uma nova geração de escritores com preocupações sociais e educativas, parte da qual gravitou em torno da revista Águia, publicada no Porto. Daqui iria germinar o grupo da Renascença Portuguesa, cultuando a filosofia e a estética saudosista, da qual foi mentor o poeta Teixeira de Pascoaes (1877-1952), conterrâneo de Casimiro. Foi, aliás, nesse contexto que este último publicou A Tentação do Mar (1911), passando a colaborar assiduamente com a revista portuense. Em simultâneo, prosseguiu a carreira militar, sendo promovido a tenente em 1914, e a capitão em 1917 (FRAGA, 2010FRAGA, Luís Alves. Augusto Casimiro: militar e escritor republicano. Biblos, Coimbra, v. 8, p. 261-289, 2010., p. 264).

O primeiro contacto direto com o território africano chegou em 1913-14, quando integrou a Missão de Delimitação da Fronteira Luso-Belga. Era então governador-geral da colónia José Norton de Matos (1867-1955), de quem foi colaborador próximo até à morte desse último. Em 1916, ano da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, Casimiro voltou a emprestar os seus versos à revista Águia, cujo número especial desse ano reuniu alguns dos maiores vultos da intelectualidade portuguesa num testemunho de apoio à entrada no conflito mundial. O seu poema, intitulado A Hora de Nun’Álvares, procurava conciliar passado e presente, espadas e baionetas, fossados e trincheiras, certo “que um só desejo unirá todos” na causa belicista (CASIMIRO, 1916CASIMIRO, Augusto. A Hora de Nun’Álvares. A águia: órgão da renascença portuguesa, Porto, v. 9, n. 2, p. 155-162, 1916., p. 157).

A despeito das reticências que dividiram a sociedade portuguesa, no que diz respeito à participação na guerra, o governo enviou corpos expedicionários para Angola, Moçambique e Flandres. Casimiro seguiu integrado neste último, no mencionado Regimento de Infantaria Nº 23. A sua experiência em França ficaria marcada em dois livros de memórias, uma peça de teatro (representada em 1923), alguns ensaios e um considerável conjunto de poemas que redigiu nas trincheiras. Por exemplo, em No Man’s Land, publicado na revista Atlântida, o poeta caracterizava o estranho silêncio premonitório dos campos da Flandres: “e atrás de nós, na vaga luz morrente, / os parapeitos onde vela a nossa gente / recortam-se no céu como se fosse a aurora, / E a hora enerva (…) sente-se a morte”.4 4 CASIMIRO, Augusto. No man’s land. Atlântida. Mensário artístico, literário e social para Portugal e o Brasil, Lisboa, v. 6, n. 22, p. 865, 1917.

Uma vez regressado da guerra, participou, em 1921, da fundação da revista Seara Nova, a qual reuniu alguns dos colaboradores de Águia. Mais tarde, já nos anos 1960, viria a ser diretor do periódico seareiro, que se tornara uma das principais publicações de oposição à ditadura. Entretanto, em 1923, novamente às ordens de Norton de Matos, nomeado alto-comissário de Angola, Augusto Casimiro retomou os trabalhos de delimitação de fronteiras interrompidos pelo conflito. Permaneceria em Angola até 1926, ano do golpe militar levado a cabo pelo general Gomes da Costa, que daria origem à ditadura militar e, posteriormente, ao Estado Novo. Comprometido com a causa da oposição, participaria na malograda Revolta da Madeira, em 1931, facto que lhe custaria o desterro em Cabo Verde até 1936. Teve o ensejo de visitar as diversas ilhas e esta experiência seria uma das mais marcantes da vida, tanto mais que, num dos derradeiros textos que consagrou a África, referir-se-ia às “ilhas onde quisera morrer e dormir o último sono” (CASIMIRO, 1964CASIMIRO, Augusto. Diário Imperfeito. Seara Nova, Lisboa, v. 1420, p. 43, 1964., p. 43).

De facto, desde finais dos anos 1920 que boa parte da sua obra passou a fixar-se cada vez mais na temática africana: em 1929, o livro Nova Largada. Romance de África foi laureado com um prémio no Concurso de Literatura Colonial da Agência-Geral das Colónias (voltou a ser distinguido em duas outras ocasiões). Amnistiado em 1936, de novo em Portugal, foi reintegrado no exército, ainda que na condição de reformado. Continuou a militar nos meios oposicionistas, apoiando, em 1949, a candidatura, sem sucesso, de Norton de Matos à presidência da República, uma de várias tentativas de derrubar por via “legal” o Estado Novo (PAULO; JANEIRO, 2010PAULO, Heloísa & JANEIRO, Helena Pinto. Norton de Matos e as eleições presidenciais de 1949. 60 anos depois. Lisboa: Edições Colibri, 2010.). Em 1955, veio a lume a sua coletânea Portugal Atlântico. Poemas da África e do Mar. Morreu a 23 de setembro de 1967: era desde há seis anos diretor da revista Seara Nova.

O imaginário africano de Augusto Casimiro

Desde os finais do século XIX que as elites coloniais lusas vinham postulando a adoção de um modelo de desenvolvimento assente na descentralização, tendo presente o paradigma britânico. Por sua vez, o darwinismo social ganhava cada vez mais adeptos, erigindo-se como doutrina dominante que enfatizava o racismo, ao mesmo tempo que apregoava desenvolvimento e civilização para as colónias e para os colonizados. No entanto, as dificuldades financeiras finisseculares, assim como as sangrentas campanhas militares de ocupação da Guiné, Angola e Moçambique, à época chamadas eufemisticamente de “pacificação”, foram retardando o estabelecimento de uma malha administrativa e fiscal capaz de abranger todo o território (PÉLISSIER, 2006PÉLISSIER, René. As Campanhas Coloniais de Portugal (1844-1941). Porto: Afrontamento, 2006.).

O novo regime republicano, defensor da descentralização colonial — uma análise dos programas dos seus partidos políticos é esclarecedora (LEAL, E., 2008LEAL, Ernesto Castro. Partidos e Programas: O campo partidário republicano português (1910-1926). Coimbra: Imprensa da Universidade, 2008.) — teve em Norton de Matos um destacado agente em Angola, território ao qual imprimiu um dinâmico plano de construção de vias de comunicação, de expansão da rede do ensino primário, de desenvolvimento do sistema de “assistência” médico e várias iniciativas destinadas a atrair colonos portugueses (DÁSKALOS, 2008DÁSKALOS, Maria Alexandre. A Política de Norton de Matos para Angola. Coimbra: Minerva-História, 2008.). Segundo Malheiro, tratou-se de uma conceção de “colonialismo nacionalista, capaz de articular vários matizes diferentes, como o socialismo utópico, o eurocentrismo antropológico, o demoliberalismo político”, assim como o “humanismo maçônico e o capitalismo de cariz keynesiano avant la lettre” (2008, p. 13).

Ora, data desses tempos a colaboração de Augusto Casimiro com Norton. Foi no contexto da Missão de Delimitação da Fronteira Luso-Belga que o primeiro tomou contacto com a paisagem física e humana de África, registrando as suas primeiras impressões. Refira-se que estas se enquadram na visão de paternalismo civilizacional arrogado por todas as potências coloniais, sendo interessante ressalvar que o paternalismo é aqui a um tempo metafórico, literal e tido por recíproco. Curiosamente, a situação enfatizada é a mesma que, à distância de mais de um século, o filme Mosquito (2020), de João Nuno Pinto, escolheu para iniciar a sua película crítica do passado colonial: os soldados portugueses recém-chegados a Moçambique para combater os alemães são levados às costas pelos naturais. Ou, nas palavras de Casimiro, que recordava o testemunho em verso de uma angolana: “nós transportamos o branco / como se fosse filho nosso. / E vamos buscar ao mato / Fruta boa para lhe dar”. E acrescentava, em jeito de comentário: “a métrica é do branco. O amor das palavras tem raízes no coração de África. Que gente admirável para renovarmos o mundo e refazermos a civilização”.5 5 CASIMIRO, Augusto. Manuscrito. 1913-1914. Diário Imperfeito (fragmentos). Espólio Augusto Casimiro, D5, Cx. 23, p. 8, Biblioteca Nacional de Portugal (BPN).

No entanto, estas notas iniciais não foram seguidas por outras formulações, tanto mais que a Primeira Guerra Mundial, com a partida para a Frente Ocidental, em breve mereceu a melhor atenção de Casimiro, sobre ela assinando diversos poemas, uma peça de teatro, dois livros de memórias, entre outros textos. Foi apenas em meados dos anos 1920 que África se tornou um dos temas centrais da sua obra, facto que não é alheio à sua segunda ida para Angola durante o segundo consulado de Norton de Matos à frente da então colónia.

Este seu renovado interesse haveria de coincidir temporalmente com um maior investimento na área da propaganda do império: em 1924, era criada a Agência-Geral das Colónias (AGC), tendo por modelo a francesa Agence Générale des Colonies de 1919, com o intuito de “fazer a propaganda do nosso património colonial, contribuindo por todos os meios para o seu engrandecimento, defesa, estudo das suas riquezas” (GARCIA, 2011GARCIA, José Luís Lima. Ideologia e Propaganda Colonial no Estado Novo: da Agência Geral das Colónias à Agência Geral do Ultramar 1924-1974. Tese de Doutorado em História, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011., p. 265); em 1925, foi lançado o Boletim da Agência-Geral das Colónias, com uma periodicidade mensal, o qual seria publicado (mais tarde com os nomes de Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar) até 1969; finalmente, em 1926, a AGC instituiu um prémio de literatura colonial que desse resposta ao facto de Portugal, “país [que] vivia há séculos de aventuras marítimas e do contacto com outras civilizações ditas exóticas”, apenas dispor de “uma literatura tão pouco interessada nos enquadramentos paisagísticos e humanos tropicais” (GARCIA, 2008GARCIA, José Luís Lima. Propaganda no Estado Novo e os concursos de literatura colonial o concurso da Agência Geral das Colónias/Ultramar (1926-1974). In: TORGAL, Luís Reis & PAULO, Heloísa (org.). Estados autoritários e totalitários e suas representações: propaganda, ideologia, historiografia e memória. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008, p. 131-143., p. 131), ou, segundo Carlos Selvagem (1890-1973), um dos autores deste género: “[na] paisagem, quanto outras fontes mais de sugestão e de inspiração (…) os hábitos, a moral, as estranhas e picarescas tradições”.6 6 SELVAGEM, Carlos. Literatura portuguesa de ambiente exótico. Boletim da Agência-Geral das Colónias, Lisboa, n. 8, p. 8-9, 1926.

Acrescente-se que o prémio funcionou até ao fim do regime colonial, constituindo um dos mecanismos de propaganda e romantização exótica dos lugares e das gentes, ao qual as grandes exposições nacionalistas dos anos 1930 e 1940, onde figuraram zoos humanos, vieram conferir uma nota ainda mais afirmativa (ACCIAIUOLI, 1998ACCIAIUOLI, Margarida. Exposições do Estado Novo (1934-1940). Lisboa: Livros Horizonte, 1998.). Além disso, pode-se dizer que, apesar de o Estado Novo ter imposto um controlo mais apertado às finanças de cada uma das colónias, fechando as portas ao investimento estrangeiro em nome do nacionalismo económico, ao mesmo tempo que não financiava programas de instalação de colonos (CASTELO, 2007CASTELO, Cláudia. Passagens para África. O Povoamento de Angola e Moçambique com naturais da Metrópole (1920-1974). Porto: Edições Afrontamento, 2007., p. 87), a verdade é que pôs a tónica no vetor propagandístico, lançando coleções e revistas e promovendo o império nas escolas.

Como outros oposicionistas, Casimiro participou nessa tarefa, uma vez que a questão colonial estava acima da questão do regime. Assim, ficou em segundo lugar, em 1929, no supracitado prémio, com Nova Largada. Romance de África. Esse livro em pouco diferia das características de obras de outros autores da época, como Julião Quintinha (1886-1968) e Henrique Galvão (1895-1970). Regra geral, as obras premiadas procuravam reabilitar a imagem de África de “terra de maldição” (degredo, selvajaria e canibalismo, entre outros estereótipos) para “terra de promissão”, assim como reafirmar o papel da “missão” portuguesa e descrever de modo luxuriante as paisagens, usando a grelha do exótico e da alteridade para os chamados “indígenas”.

Vejam-se exemplos do livro de Casimiro para cada um desses argumentos: “a África chama por mim. Sinto a excedência do seu apelo como uma força que seria uma traição perder” (1929, p. 32); “Angola Portuguesa, nossa! Este era o campo mais propício, a gleba que devia transfundir-se o sangue da Pátria” (1929, p. 90); “amei a África (…) pela vastidão bárbara dos seus horizontes, as suas florestas, as suas montanhas, a virginal e áspera rudeza das planícies (…) a volúpia de certos encontros” (1929, p. 82); “o soba Calamundo espera, […] a pele de gato bravo, insígnia de chefe desce da cintura. […] Como fundo, entre a multidão e o céu azul, palmas tremendo” (1929, p. 109).

De igual modo, significativa é a descrição mais tardia do sertão angolano, em que o autor conferiu um sabor (ainda mais) literário às impressões colhidas nos anos 1910 e 1920:

Leio e releio estas páginas [do diário?]. Surgem-me ricas da minha saudade, as paisagens, os rios nos vales profundos ou nos largos leitos, as florestas em que há um mistério e um poder sagrado, os morros e as planuras, os caminhos que percorri. E encontro, revivo o cansaço das marchas, a ardência e a quebraria das febres, a frescura da noite sob o dilúvio do luar, a canção das quedas e das cachoeiras, aquele silêncio dos primeiros dias do mundo (1957, p. 12).

Neste excerto, percorrido por elementos bíblicos ligados à criação, como “dilúvio” e “génesis”, mas também por certo deslumbramento panteísta, ainda que fundamentalmente baseado no exotismo, percebe-se que viajar ao hinterland africano seria o mesmo que viajar in illo tempore. Segundo outro mito colonial, caberia ao expansionismo europeu orientar o “indígena” no trato com uma Natureza grandiosa, virgem e ubérrima (LÉVI-STRAUSS, 2003LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Tradução. Queluz: Presença, 2003., p. 24). Note-se que esse contraste de acentos supostamente filosóficos entre povos desprovidos de ferramentas tecnológicas e até ferramentas mentais, que pouco teriam alterado a face da Mãe-Terra, e europeus imbuídos de dinamismo conquistador não passava de uma visão economicista sobre o que deveria ser feito nas colónias.

Nos anos 1930, conforme adiante se verá, o seu pensamento sobre África foi tolhido pela experiência cabo-verdiana, a qual se orientou em redor do conceito de hibridez. Os seus outros escritos contemporâneos, mais genéricos, tentaram antes sintetizar princípios, dirigindo-se aos potenciais colonos mais jovens. Em A Cartilha Colonial, “livro para crianças” redigido em Santo Antão, Cabo Verde, o autor começava por se dirigir “aos pais e aos professores”, lembrando “a aliança fecunda e a cooperação de duas raças, de duas almas, de dois sangues, de dois egoísmos obedientes ao superior interesse do mundo” (1937, p. 5). Organizado como um manual escolar, daí a designação de “cartilha”, os textos curtos e despojados traçavam o longo arco histórico do colonialismo luso, terminando com indicações programáticas: “o nosso dever”, “o papel de Portugal no mundo” ou “a defesa do império” (1937, p. 133-143).

Esse desiderato foi comum, quer no discurso oficial do Estado Novo, quer nos textos de opositores ao regime. Por exemplo, o livro de leitura da 4.ª Classe continha diversos textos acerca dos “Descobrimentos Portugueses”, figuras e factos, e um excerto de António Enes (1848-1901), comissário régio de Moçambique durante as campanhas de ocupação de finais de Oitocentos, decerto as operações militares mais celebradas pela propaganda: “as vitórias de África foram saudadas no país por um clamor unânime que dizia: ainda somos portugueses” (GRAVE, 1931GRAVE, João. Livro de Leitura: IV Classe. Porto: Livraria Lello, 1931., p. 121). De igual modo, o futuro ministro das colónias e sucessor de Salazar escrevia em O Mundo Português, revista destinada aos mais jovens, uma “Carta a um jovem português sobre o serviço do Império”.7 7 CAETANO, Marcello. Carta a um jovem português sobre o serviço do Império. O Mundo Português, Lisboa, v. 1, 1934, p. 259-265. Por seu turno, ao jeito dos famosos decálogos da época, Norton de Matos consagraria alguns aforismos “aos novos” de Portugal: “não deixeis que ninguém toque no território nacional — conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever” (1933, p. 8).

Cumpre, ainda, aduzir dois outros elementos. Primeiro, o modo como o capitão Casimiro ensaiou conferir uma roupagem mais fraterna, mas sempre paternalista, ao famoso poema de Kipling, num discurso proferido na véspera da vitória dos aliados na Europa: “o fardo do homem branco, disse um inglês. O encargo do irmão mais velho” (1945, p. 4). Acrescente-se que a oposição alimentava grandes esperanças no fim da ditadura, nesse contexto de triunfo das democracias em 1945. Seis meses antes, uma frase sua inscrita nas notas que compunham o Diário Imperfeito, a qual não podia ser publicada devido à censura, dava conta desse entusiasmo: “a situação está morta. O Estado Corporativo não tem amanhã”.8 8 CASIMIRO, Augusto. Manuscrito. 1944. Diário Imperfeito (fragmentos). Espólio Augusto Casimiro, D5, Cx. 23, Biblioteca Nacional de Portugal (BPN).

Seja como for, procurando humanizar o colonialismo, o autor não se terá apercebido de como um anticolonialismo mais militante emergiria nos anos subsequentes ao conflito mundial, nem tão-pouco de como Portugal, pretendendo manter a integridade do império, se veria arrastado para um longo e anacrónico conflito entre 1961 e 1974 (ALEXANDRE, 2017ALEXANDRE, Valentim. Contra o Vento. Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960). Lisboa: Temas & Debates, 2017.). Essa percepção chegaria no longo arco temporal e territorial desenhado por Portugal Atlântico. Poemas de África e do Mar, publicado em meados dos anos 1950, outrossim distinguido com o Prémio de Literatura Colonial.

Nessa coletânea, que mimetiza do ponto de vista estrutural formas da música erudita como “andamentos” de uma “sinfonia do mar alto”, mas que aqui são antes interlúdios de navegação entre as diversas colónias africanas (promenades à maneira de Mussorgsky em Quadros de uma Exposição), o autor reafirmava a sua ligação a Cabo Verde em 22 dos 47 poemas. Replicando o mesmo modelo de “ronda colonial” empregue por outros poetas,9 9 CASTRO, Alberto Osório. Os Poemas Coloniais. O Mundo Português, Lisboa, v. 1, 1934, p. 267-269. 10 10 ROCHA, Hugo. Poemas Exóticos. O Mundo Português, Lisboa, v. 7, p. 137-142, 1940. espécie de catálogo exótico comentado, Casimiro versificava sobre o Brasil e os “novos Brasis em África” da propaganda oitocentista: “da nau de Cabral e do Mar, / inocentes e puros, dois índios / naquela hora de Primavera! / Pudera / eu abrir nos Sertões novos trilhos”; sobre a Guiné: “nem as altas marés, nem as tuas queimadas, / as tuas traições, os teus perigos, / os teus fortes filhos inimigos, / as teimosas e verdes emboscadas, / nos cansaram! Viemos e ficámos”; sobre São Tomé e Príncipe: “anda no ar, perturba, ardente e vivo, / um hálito de força, primitivo, / do Génesis — o Verbo — como um vento / soprando sobre o Caos”; enfim, sobre Angola: “pelos teus filhos, irmãos negros — poeta, / ergui-te num altar dentro do peito, / não distingo entre ti e Portugal” (1955).

Enfatizando, pois, o paradigma brasileiro, presente no discurso colonial luso desde a viragem para África na sequência de 1822, assim como o querer ficar, o binómio caos primevo/génesis criador e a sacralização do império, Casimiro acabava por não destoar do pensamento dominante. Daí que importe passar em revista a maior originalidade no que tange ao caso específico do arquipélago de Cabo Verde.

Vértice ou ângulo morto do Atlântico?

Se a posição geográfica de Cabo Verde sempre foi tida como estratégica, uma vez que assegurava um decisivo ponto de escala triangular (navegação à vela, navegação a vapor, aviação) entre a Europa, a África Subsaariana e a América do Sul,11 11 SILVA, António Correia e. Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo. Praia-Mindelo: Centro Cultural Português, 1998. já a questão cultural sempre suscitou debates, tendo em conta que a miscigenação era tida como a pedra-de-toque do arquipélago. Assim, de acordo com o discurso oficial do momento e/ou considerando as suas próprias visões pessoais, firmadas ou não num conhecimento direto das ilhas e das suas gentes, os autores reagiam de modo positivo ou negativo ao processo. Por exemplo, a descrição da paisagem física ou, melhor dizendo, a chegada a Cabo Verde seguia um padrão típico que ficou impresso em tantas e tantas impressões: os viajantes aportavam por algumas horas no Mindelo, na ilha de S. Vicente, onde a fuligem negra do carvão contrastava com o amarelado dos montes próximos e o colorido do casario urbano, e seguiam depois viagem para alto mar, sem qualquer outro contacto que não fosse a paisagem vulcânica tornada (ainda mais) árida pelos ventos do Sahel.

Inúmeros testemunhos atestam tais impressões: “o confrangimento espiritual provocado pelo aspeto externo daquele bloco de lava […] não cedia lugar a impressões mais fagueiras quando se abordava terra firme” (LEAL, 1966LEAL, Francisco da Cunha. As minhas memórias: coisas de tempos idos. Lisboa: Edição do Autor, 1966., p. 295); “expressão dantesca […] foi a que experimentei nas horas matutinas, ao alvor dum sol esbranquiçado, enquanto o navio entrava, confiadamente, na baía majestosa” (QUINTINHA, 1931QUINTINHA, Julião. África Misteriosa. Crónicas e impressões duma viagem jornalística nas Colónias da África Portuguesa. Lisboa: Nunes de Carvalho, 1931., p. 47); “uma espécie de ciclópico muro negro. Era o arquipélago de Cabo Verde. […] Terra de abominação onde a vida parara por completo… arestas sobre arestas, abismos sobre abismos” (BOTELHO, 1931BOTELHO, Abel. Amor Crioulo (vida argentina). Porto: Livraria Chardron, 1931., p. 67-68); “este nome de Cabo Verde, em território insular, onde o verde mal se lobriga, nem se conhece Cabo que não seja pardo e corroído de ventos e ímpetos de mar” (GALVÃO; SELVAGEM, 1951, p. 115). Segundo o intelectual cabo-verdiano Baltasar Lopes, o próprio Gilberto Freyre, em 1951, apenas “arranhou o litoral de três das nossas ilhas — Santiago, S. Vicente e Sal” (1956, p. 7).

Acerca da população, com a ênfase quase sempre posta na miscigenação, os autores oscilavam entre a estereotipação desumanizante: “a maior parte vestidos apenas dum pó ainda mais negro que eles, e que trepavam pelas cordas como símios (…) mostrando o impecável marfim dos dentes. Eram os carregadores de carvão” (BOTELHO, 1931BOTELHO, Abel. Amor Crioulo (vida argentina). Porto: Livraria Chardron, 1931., p. 69); entre o registo da “riqueza” cultural: “esta gente de Cabo Verde é uma das grandes curiosidades do Arquipélago” (GALVÃO, 1944GALVÃO, Henrique. Outras terras, outras gentes. Porto: Empresa do Jornal de Notícias, 1944., p. 49); e na denúncia da pobreza e das fomes cíclicas, às quais o povo responderia com a sua tradicional “morabeza” (amabilidade), quer dizer, não se insurgindo mesmo perante situações extremas.

Veja-se que a validade desta última crença não resiste ao confronto com a realidade, porquanto desde os inícios do século XIX uma série de revoltas sociais contra a opressão e a exploração coloniais se fizeram sentir no arquipélago, sobretudo na ilha de Santiago: sublinhem-se a de Ribeira de Engenhos, em Santiago (1822); a de Achada Falcão, também em Santiago (1841); a de Paul, em Santo Antão (1894); a de Ribeirão Manuel, em Santiago (1910); a de Achada Portal, na mesma ilha (1920); e as de S. Vicente (1929 e 1934), a última das quais chamada de Revolta de Nhô Ambrose, uma manifestação de trabalhadores, professores e estudantes, contra a fome e a falta de emprego que percorreu as ruas do Mindelo, culminando no assalto a vários armazéns e uma violenta repressão policial (AMADO, 2019AMADO, Manuel Souto. Instauração do Salazarismo em Cabo Verde (1926-1939). Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2019.; BRITO-SEMEDO, 2006BRITO-SEMEDO, Manuel. A construção da identidade nacional: análise da imprensa entre 1877 e 1975. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2006.; MADEIRA, 2018MADEIRA, João Paulo. Nação e Identidade: A singularidade de Cabo Verde. Pedro Cardoso Livraria, 2018.).

Na verdade, a propaganda colonial iria operacionalizar todos estes temas, tentando associar o ethos cabo-verdiano ao português, ao destacar uma suposta maior europeização dos naturais por via da ampla miscigenação ocorrida nos séculos anteriores. Refira-se que, do ponto de vista jurídico, os cabo-verdianos foram, até aos anos 1950, os únicos africanos considerados cidadãos, enquanto os demais eram amalgamados sob o rótulo de “indígenas”. Contudo, na prática, o sentimento de alteridade persistiu até ao fim do regime colonial, tendo-se sempre adiado a concessão da adjacência ao arquipélago nos moldes da Madeira e dos Açores12 12 LOPES, Baltasar. Regionalismo e Nativismo. Notícias de Cabo Verde, São Vicente, n. 1, p. 6, 1931. (CENTEIO, 2007CENTEIO, Ivone. As Ilhas Adjacentes de Cabo Verde (1820-1960). A problemática da mestiçagem e a defesa do estatuto de adjacência. Dissertação de mestrado em História Contemporânea, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007.).

Persistiram e conviveram, de facto, duas visões oficiais. A primeira, mais antiga, baseada no pensamento do darwinismo social e prevalecente até meados dos anos 1940, gizada a partir das escolas antropológicas do Porto e de Coimbra, condenava a mestiçagem, chegando a recorrer a exemplos do mundo animal, embora tendesse a amenizar as palavras em relação ao arquipélago. Por exemplo, Mendes Correia, da universidade portuense, referia que “em geral os Cabo-verdianos são encarados pelos autores com simpatia”, ele próprio afirmando que o “lirismo de fundo nostálgico, do português e do africano” estaria presente nas mornas cantadas em crioulo pelos naturais: “nha coraçam é um bidro, / bidro fino na bu mom. / Se bu crê bingá dél, basta / bu dixà-l tombá na chom” (1943, p. 319).

Quanto à segunda visão, integrando elementos de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, valorizava a mestiçagem como o elemento fundamental do povoamento de Cabo Verde, ao mesmo tempo que enfatizava a ligação umbilical entre a cultura portuguesa e a do arquipélago. Ou seja, que o dinamismo do arquipélago, presente na literatura, na música (morna) e no grau de alfabetização dos naturais, paradoxalmente compensaria as impressões mais negativas gravitando em torno das crises de fome.

Essa visão veio a consubstanciar-se em inícios dos anos 1930, beneficiando quatro fatores correlatos: a presença de diversos escritores no arquipélago, como o mencionado Julião Quintinha, mas também Augusto Casimiro e José Osório de Oliveira (1900-1964); as ligações destes vultos à nascente revista Claridade (1936-1960), a qual agregou intelectuais cabo-verdianos em torno de um projeto de recriação literária a partir de uma perspetiva de enquadramento regional no império português, isto é, ainda não decididamente nacionalista; o mencionado impacto de Casa Grande e Senzala junto de Osório de Oliveira e, ainda mais, perante os claridosos, que chegaram a nomear de “messias” o sociólogo brasileiro, uma vez que a realidade humana da outra margem do Atlântico proposta por si espelharia, à escala continental, o sucedido nas ilhas; e, finalmente, o destaque que essa “nova” visão começou a ter nos meios de propaganda do Estado Novo, sobretudo quando as vozes do anticolonialismo começaram a subir de tom e importava exaltar as “qualidades” e o “excecionalismo” da colonização lusa (CASTELO, 1998CASTELO, Cláudia. «O modo português de estar no mundo». O Luso-tropicalismo e a Ideologia Colonial Portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1998.; FERREIRA, 1985FERREIRA, Manuel. A Aventura Crioula. Lisboa: Plátano, 1985.; MADEIRA, 2018MADEIRA, João Paulo. Nação e Identidade: A singularidade de Cabo Verde. Pedro Cardoso Livraria, 2018.; NETO, 2009NETO, Sérgio. Colónia mártir, colónia modelo. Cabo Verde no pensamento ultramarino português (1925-1965). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.).

As impressões iniciais das ilhas ao luar

Desterrado, então, para o arquipélago de Cabo Verde, no rescaldo da Revolta da Madeira de 1931, Augusto Casimiro não ficou restringido a uma única ilha ou sequer a um presídio. Tal forma de detenção estava, porém, a mudar, posto que a ditadura ensaiava os primeiros testes no sentido de criar colónias penais, como seria o caso do Campo do Tarrafal, que abriu em 1936 (BARROS, 2009BARROS, Víctor. Campos de Concentração em Cabo Verde: as ilhas como espaço de deportação e de prisão no Estado Novo. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.). Foi justamente no ano anterior que o capitão regressou, amnistiado, após ter percorrido diversas ilhas dos grupos de Barlavento e Sotavento, conforme testemunhou no Cântico do Desterro:

Esta ilha é uma nau. O Atlântico profundo Arrola, bate, beija, morde as amuradas Basálticas… A nau do meu desterro é um mundo Perdido em mar azul e névoas apressadas (…) Aqui sou livre embora prisioneiro!13 13 CASIMIRO, Augusto. Cântico do Desterro. Boletim da Sociedade Luso-africana do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 78-79, 1934a.

Apesar das notas que, mais tarde, haveriam de servir de base a vários livros, os primeiros escritos por si publicados foram poemas dados à estampa na imprensa local. Logo em maio de 1933, no número inicial de O Eco de Cabo Verde, periódico da Praia, assinava Ilhas ao Luar, soneto que abre a secção “Ilhas Crioulas” da supracitada coletânea Portugal Atlântico. Diferenças de pormenor (pontuação, sinónimos, alternância de versos) não chegam para se falar de versões do poema, o qual está datado de dezembro de 1931. No essencial, recuperando a adjetivação ribombante das descrições de aridez, o capitão Casimiro inseria o tópico do mito da Atlântida, referência que haveria de estar presente nos poemas do claridoso Jorge Barbosa (1902-1971): “pairam as ilhas ao luar, frota gigante, / petrificadas, taciturnas sentinelas. / Testemunhas sem voz dum assombrado instante / em que a Terra, ou o Mar, quis subir às estrelas”;14 14 CASIMIRO, Augusto. Ilhas ao Luar. Eco de Cabo Verde, Praia, n. 1, p. 6, 1933a. “destroços de que continente, / de que cataclismos, / de que sismos? / Ilhas perdidas, /esquecidas / num canto do mundo” (BARBOSA, 1935BARBOSA, Jorge. Arquipélago. São Vicente: Editora Claridade, 1935., p. 37).

A essas impressões iniciais, que não escapavam ao lugar-comum, seguiram-se outros poemas, incidindo sobretudo na paisagem. No entanto, um poema dissertava acerca do crioulo em termos de apropriação paternalista: “a fala crioula é nossa / trouxe-a ao colo Portugal”.15 15 CASIMIRO, Augusto. Fala Crioula. A Voz de Cabo Verde, Praia, n. 104, p. 5, 1934b. Acrescente-se que o crioulo, língua materna dos cabo-verdianos, não era ensinada nas escolas, e as autoridades coloniais tendiam a censurar o seu uso, apodando-a de “língua de trapos” ou forma “mimada” e indolente de falar o português. Daí que um debate, por vezes cerrado, entre ilhéus e colonos, acerca da relevância de falar em crioulo, estivesse omnipresente nas páginas dos periódicos locais (OLIVEIRA, 1998OLIVEIRA, João Nobre. A Imprensa Cabo-verdiana (1820-1975). Macau: Fundação, 1998., p. 442-443). O próprio poema de Casimiro, apesar de lisonjeiro, não deixava de empregar os mesmos termos daqueles que apodavam o crioulo: “é uma fala de menina, / andou ao colo, animou-se, / ficou sempre pequenina, / e, de preguiça, mais doce”.16 16 CASIMIRO, Augusto. Fala Crioula. A Voz de Cabo Verde, Praia, n. 104, p. 5, 1934b.

A este propósito, vale a pena não perder de vista as observações expendidas por Alfredo Margarido. Segundo o autor, a despeito das “boas intenções” de “um dos portugueses que mais procurou compreender os valores específicos da cultura cabo-verdiana”, o resultado acabaria por se traduzir em “os caboverdianos serem apenas uma continuação inferior dos portugueses” (1983, p. LXXVIII). De igual modo, Margarido comparou Casimiro com o cabo-verdiano Pedro Monteiro Cardoso (1890-1942). Este último, natural da ilha do Fogo, professor, jornalista e figura de proa da geração protonacionalista cabo-verdiana, que, significativamente, também assinava com o pseudónimo “Afro” os seus textos ativistas, foi autor do influente Folclore Caboverdiano (1933).

A oposição estabelecida, mesmo se involuntária, entre Augusto Casimiro, o governador colonial cheio de boas intenções, e o intelectual caboverdiano aspirando a uma autonomia próxima da independência, como é o caso de Pedro Monteiro Cardoso é enorme. Para Pedro Monteiro Cardoso a presença portuguesa nas várias formas de organização caboverdiana, não elimina a autonomia do arquipélago. Cabo Verde não pode desaparecer em favor de Portugal, mesmo se este mascare de crioulo. O folclore só pode ser inteiramente caboverdiano, quer dizer só pode ser entendido em termos de autonomia total. (MARGARIDO, 1983MARGARIDO, Alfredo. A perspectiva histórico-cultural de Pedro Monteiro Cardoso. In: CARDOSO, Pedro Monteiro. Folclore caboverdiano. Praia: Solidariedade Caboverdiana, 1983, p. 21-83., p. LXXIX)

O próprio Casimiro, que, em O Eco de Cabo Verde, fez um comentário elogioso do texto de Cardoso, anotando “a certeira intuição de certas descobertas” deste “título de honra para a África e Portugal”, não deixava de sublinhar que a ilha “que melhor conheço, e amo portanto” era a Brava. Esta seria, em seu entender, a mais “ariana”. Nela descortinava “ligeiramente desfiguradas, algumas tal e qual como na origem, palavras dos séculos grandes ou em uso ainda no Minho ou na Madeira”.17 17 CASIMIRO, Augusto. Folclore Caboverdiano por Pedro Cardoso. Eco de Cabo Verde, Praia, n. 6, p. 4, 1933b. E, com efeito, seria justamente esta leitura da ilha Brava — e, por extensão, de Cabo Verde — como reservatório atávico da cultura lusa dos séculos XV e XVI, que constituiria o cerne da sua interpretação, conforme iremos explorar nos pontos seguintes.

Ensaiando o Portugal Crioulo

O tema das “ilhas desconhecidas”, reais ou imaginárias, com os seus laivos de fantasia e mistério, desde sempre ecoou na literatura universal de diversas formas. Desde as Ilhas Afortunadas, da mitologia greco-latina, e da Ilha de S. Brandão, dos monges irlandeses da Idade Média, à Ilha dos Amores, de Camões, sem perder de vista que o género utópico se estribou, quase sempre, em territórios insulares (MANUEL; MANUEL, 1979MANUEL, Frank & MANUEL, Fritzie. Utopian thought in the Western World. Oxford: Basil Blackwell 1979.). Acresce que, na contemporaneidade, o turismo tem explorado com linguagem similar tais “lugares encantados”, mesmo que as criaturas fantasiosas de outros tempos se circunscrevam agora aos cartazes da publicidade e aos parques temáticos.

Neste particular, o livro As Ilhas Desconhecidas. Notas e Paisagens, de Raul Brandão (1867-1930), vindo a lume em 1926, foi tão exemplar quanto influente. Membro fundador da revista Seara Nova, à qual Casimiro esteve ligado, Brandão traçou numa linguagem “impressionista”, plena de cores, reflexos e cintilâncias, um quadro do arquipélago açoriano e dos seus habitantes (um capítulo foi consagrado à Madeira). A vívida descrição da luta travada diariamente entre a população e os elementos conheceu, talvez, na descrição do espaço insular corvino uma nota maior: “mas aqui não há nada que ver! Almas tão descarnadas como o penedo e uma vida impossível noutro mundo que não seja este mundo arredado” (BRANDÃO, 2018BRANDÃO, Raul. As Ilhas Desconhecidas: Notas e Paisagens. Açores: Artes e Letras, 2018., p. 73).

Em breve, a obra inspirou mais “redescobertas”, e o mencionado Osório de Oliveira assinou uma série de artigos e livros sobre Cabo Verde, entabulando relações com os intelectuais das ilhas (sobretudo claridosos), onde introduziu a obra de Gilberto Freyre (FERREIRA, 1985FERREIRA, Manuel. A Aventura Crioula. Lisboa: Plátano, 1985., p. 92). Chefe da Divisão de Propaganda da Agência-Geral das Colónias, depois da Agência-Geral do Ultramar (AGC/AGU), entre 1935 e 1956, Osório de Oliveira intermediou a ligação cultural entre o arquipélago e a metrópole lusa, procurando divulgar a literatura dos ilhéus. Neste sentido, Freyre afirmou que “Cabo Verde é a menina dos seus olhos” (1954, p. 24), não se coibindo Osório de Oliveira de insistir em serem as ilhas um “pequeníssimo Brasil” (1939, p. 55). Por outro lado, as grandes exposições (coloniais) do regime estadonovista, em 1934 e 1940, de igual forma contribuíram para divulgar o cancioneiro, com destaque para a morna, assim como o artesanato e a literatura tradicional.

Pode-se dizer que, ao procurar paralelos para o caso de Cabo Verde, a visão de Augusto Casimiro se apegou mais ao cluster Madeira/Açores/Portugal, mas sem perder de vista o Brasil e sem negar a originalidade do arquipélago. Em Ilhas Crioulas declarou que “escrever sobre Cabo Verde é um dever nacional”, desejando que esse pequeno livro operasse no sentido de inspirar uma “política de atenção e resgate” capaz de “resolver as suas trágicas dificuldades”, quer dizer, as estiagens e as frequentes crises de fome (CASIMIRO, 1935CASIMIRO, Augusto. As Ilhas Encantadas: Visão de Cabo Verde. Diario de Lisboa, Lisboa, 16/08/1935, Suplemento Literário, p. 38., p. 3). Descrevendo os primeiros séculos da ocupação das ilhas, Casimiro considerava a colonização como um ato colaborativo entre senhores e escravizados unidos no desterro:

Órfã da terra mãe, a alma africana sofria a transfiguração do seu destino. A alma de Portugal vivia a sua saudade. A actividade do branco, a religião nova, outros costumes, outra língua, desfiguravam o filho da África. E o branco encontrava-se de novo, na sua alma, com a África milenária donde viera talvez.

A luta ampliava-se entre os homens duros e a terra inimiga. Misturava-se os sangues, as almas, as falas. A África originária e remota, a sua alma misteriosa, refundia-se no prolongado conúbio das duas raças. (1935, p. 9)

Ainda assim, “a Europa sobrelevava a África” (CASIMIRO, 1935CASIMIRO, Augusto. As Ilhas Encantadas: Visão de Cabo Verde. Diario de Lisboa, Lisboa, 16/08/1935, Suplemento Literário, p. 38., p. 13), tanto mais que “do dialecto africano muito pouco resta”, assumindo o crioulo “o sabor, e como nas nossas províncias mais estruturalmente portuguesas, os velhos termos e as velhas expressões da língua” (p. 25). Deste modo, a expressão musical seguiria o mesmo padrão: “o baile crioulo, com excepção (…) do batuque que sobrevive e rompe, à superfície, em certas horas de mais viva e primitiva alegria — é o baile da terra portuguesa” (p. 25), enquanto “a morna é o fado sem o arraste e a miséria aiada das vielas sombrias” (p. 26). Estabelecendo, pois, nuances e contrastes, continuidades e adaptações, mas sem nunca renunciar à alteridade, o capitão vincava a ideia que mais atraiu a intelligentsia do arquipélago nos anos 1930 e 1940, ou seja, a hibridez funcionando como fator diferenciador das colónias africanas continentais da Guiné, da Angola e de Moçambique (ANJOS, 2006ANJOS, José Carlos Gomes. Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde. Porto Alegre: Universidade Federal de Rio Grande do Sul, 2006.; GABRIEL, 2002).

Seja como for, a obra mais importante de Casimiro viria a ser Portugal Crioulo. Ampliando o título do livro anterior, o autor identificava Cabo Verde com a metrópole, sua continuação e extensão natural, ainda que a alteridade crioula se constituísse como um traço tão distintivo quanto decisivo. Num género difícil de caracterizar, entre o ensaio etnográfico, a reportagem, a memória e o diário, com poemas seus e de outros, o livro tomava como ponto de referência as mencionadas Ilhas Desconhecidas:

As brisas castigam o mar, ásperas e bravas. Na manhã que nasce a terra sai das ondas. E não é um vento de aleluia este, ao aflorar da terra no horizonte marinho sob o açoite das brisas. O Sol não emoldura ou doira ainda a terra que nasce do mar sombrio…

Mas a distância morre. A claridade do crepúsculo matutino cresce, canta. Primeiro azul. Depois ouro fundido. E o sol irrompe em triunfo, numa apoteose. (CASIMIRO, 1940CASIMIRO, Augusto. Portugal Crioulo. Lisboa: Editorial Cosmos, 1940. p. 59)

Atento, pois, à “tragédia das ilhas”, Casimiro deambulou por S. Vicente, a “capital espiritual do arquipélago. Com um liceu povoado e uma catedral por concluir. Fábricas de vida incerta. Alfândegas. Funcionários. (…) A África aonde?” (CASIMIRO, 1940CASIMIRO, Augusto. Portugal Crioulo. Lisboa: Editorial Cosmos, 1940., p. 62), passando depois a Santo Antão e a Santiago. Acerca deste último território insular, no qual, devido à prevalência da monocultura assente na escravização, se acreditava ter gerado uma sociedade menos miscigenada e mais africana, Augusto Casimiro dedicou menos tempo, quer dizer, menos páginas, e adotou um tom mais desapaixonado.

Por isso, não deve surpreender a sua “descoberta da Brava”, porque, “explicavam [os naturais], eu descobrira aspectos da paisagem e alma bravenses que até eles mal conheciam e devem ser inteiramente ignorados em Portugal” (CASIMIRO, 1940, p. 107CASIMIRO, Augusto. Portugal Crioulo. Lisboa: Editorial Cosmos, 1940.). De igual modo, se atendermos às páginas consagradas à Brava, percebe-se que esta ilha ocupa mais de metade do livro, sendo ela de facto o “Portugal Crioulo”. Conforme escreveu numa passagem mais reveladora: “do cruzamento ao longo dos anos, afirmou-se, dominou o tipo ariano. Não houve degenerescência. Criou-se um tipo diferente mas português ainda. Crioulos” (1940, p. 121). Espaço insular mais verdejante e florido, daí que o nome de Nova Sintra tenha sido atribuído ao seu maior centro populacional, a Brava, talvez a ilha mais remota e menos visitada, terá surgido aos olhos de Casimiro como uma ilha do arquipélago açoriano ou mesmo a Madeira, de onde o escritor viera em 1931.

Importa, ainda, reter a associação a Eugénio Tavares (1867-1930). Este jornalista, natural da Brava, figura destacada da geração protonacionalista e conhecido autor de mornas, morrera pouco antes da chegada de Casimiro. Sentindo os naturais de certo modo órfãos do seu vulto maior, Casimiro anotou: “dizem que recordo Eugénio” (1940, p. 124). E, neste particular, o próprio Casimiro procurou tal identificação, como poeta desterrado à sombra de Eugénio, com saudades de casa. Pois não era o sentimento saudoso amiúde associado a Cabo Verde e à morna, assim como a Portugal e ao movimento de Teixeira de Pascoaes? Em boa verdade, paternalismo, portuguesismo e algum exotismo davam, pois, as mãos:

Hora di bai,

Hora di dôr!

Amor,

Dixa’m chorâ.

No momento em que baixavam o seu corpo à campa humilde em que o descuidam bárbaros, a alma de Eugénio ouviu esta Hora di bai, gemida nos violinos magoados, soluçada nas vozes dos que o viam, sem remédio, partir. (CASIMIRO, 1940CASIMIRO, Augusto. Portugal Crioulo. Lisboa: Editorial Cosmos, 1940., p. 125-126)

Da ficção à realidade

Uma outra obra de Casimiro incidiu sobre Cabo Verde: A Vida Continua. Pertencendo ao domínio da ficção, o texto existe em dois géneros (ambos com data de 1942): romance (publicado) e peça de teatro (em manuscrito). Na verdade, alguns anos volvidos, o capitão voltou a seguir esse padrão, desta feita num escrito sobre o conflito de 1939-1945 intitulado Regresso da Guerra, o qual existe como peça de teatro, “argumento para um filme”, romance e novela (em manuscrito). A adoção desse procedimento nas duas obras permite comparar e perceber que, no caso dos textos versando a Segunda Guerra Mundial, tratou-se de um trabalho de condensação, sendo a novela o “produto final”. Relativamente aos textos sobre o arquipélago atlântico é provável que a peça tenha precedido o romance, posto que não foi a primeira vez que o autor seguiu tal procedimento,

Como quer que seja, este contributo sobre Cabo Verde lida com temas facilmente enquadráveis na literatura que os claridosos vinham desenvolvendo: partida e regresso sob o espectro da emigração (FERREIRA, 1985FERREIRA, Manuel. A Aventura Crioula. Lisboa: Plátano, 1985., p. 199). É também possível descortinar na peça/romance alguns elementos do percurso biográfico do próprio Casimiro: definitivamente instalado em Portugal após os anos de desterro, era Cabo Verde que agora vinha ter consigo. De facto, a personagem principal da peça/romance, a jovem Bia, natural do Fogo, ilha fronteira à Brava, viaja com o pai, um capitão da indústria, para Lisboa, abandonando o seu apaixonado Toi. Naturalmente, um mistério encobre esta partida apressada: Bia e Toi são irmãos. Entretanto, em Lisboa, Bia torna-se noiva de um médico, mas não esquece o seu primeiro amor, o qual julga divisar num parque, embora se tratasse de Soveral, um primo de Toi com semelhanças físicas. A saudade de Bia expressa-se, em todo o caso, pela evocação da paisagem: “esta terra é boa e linda. Mas a nossa ilha chama por mim sempre. Se aqui morresse nem a terra me comeria o corpo”.18 18 CASIMIRO, Augusto. Dactilografado. 1942a. A Vida Continua (peça em 5 actos). Espólio Augusto Casimiro, D5, Cx. 17-9, Biblioteca Nacional de Portugal (BPN). O desencanto em breve conduz ao desenlace abrupto: perturbada pela “sombra” de Toi (este tinha, entretanto, morrido), Bia tenta suicidar-se, mas sobrevive e “dorme… dorme”. Na peça de teatro, o retrato de Toi é alçado de uma parede. No romance, em maiúsculas, é escrito que “a vida continuará”.19 19 CASIMIRO, Augusto. A Vida Continua. Lisboa: Imprensa Lucas, 1942b.

Como explicar o final da peça/romance? Estaria Casimiro a expressar a sua própria saudade, tanto mais que Bia declara a dada altura que “quis subir ao alto da serra, ver lá de cima, da pedrinha, o Chão das Caldeiras, o Pico do Fogo, o mar, a Brava… expiar lá de cima a largueza do mundo”?20 20 CASIMIRO, Augusto. Dactilografado. 1942a. A Vida Continua (peça em 5 actos). Espólio Augusto Casimiro, D5, Cx. 17-9, Biblioteca Nacional de Portugal (BPN). Ou evocaria, de modo inconsciente, através da semelhança entre Toi e Soveral, a identificação que os ilhéus da Brava fizeram entre si e Eugénio Tavares?

Na verdade, com exceção dos poemas do Portugal Atlântico, o capitão apenas regressaria esporadicamente ao tema cabo-verdiano. Dele diriam escritores ligados ao anticolonialismo que “exprime contudo o ponto de vista mais progressista do mundo colonial português” (MARGARIDO, 1983, p. LXXVIIIMARGARIDO, Alfredo. A perspectiva histórico-cultural de Pedro Monteiro Cardoso. In: CARDOSO, Pedro Monteiro. Folclore caboverdiano. Praia: Solidariedade Caboverdiana, 1983, p. 21-83.) ou que, à época, “constituiu um documento novo para a compreensão do homem e da terra de Cabo Verde” (FERREIRA, 1985FERREIRA, Manuel. A Aventura Crioula. Lisboa: Plátano, 1985., p. 58). Porém, o olhar de Casimiro foi, em todo o caso, o olhar do colonizador. Ao traçar paralelos entre uma das colónias e a metrópole, mais do que ter alterado a perceção da gente portuguesa acerca do arquipélago, alertou as elites coloniais e o regime para o potencial propagandístico que as ilhas poderiam oferecer para a defesa do império. Daí que, nos finais dos anos 1940, à medida que o pensamento dominante transitava do darwinismo social para o luso-tropicalismo, em virtude do recrudescimento das vozes anticolonialistas, Cabo Verde parecesse encarnar cada vez mais o Brasil imaginado por Gilberto Freyre ou um “Portugal exilado no meio do Atlântico azul”.21 21 CASIMIRO, Augusto. As Ilhas Encantadas: Visão de Cabo Verde. Diario de Lisboa, Lisboa, 16/08/1935b, Suplemento Literário, p. 38. O facto de, mesmo oposicionistas do regime sustentarem a defesa do império não deve estranhar, uma vez que a causa ultramarina era comum, a despeito das diferenças políticas.

Norteado, então, para este quadrante imagético e discursivo, o colonialismo luso passou cada vez mais a apresentar um espaço insular tolhido pela tragédia das estiagens e da fome, mas onde uma população quase portuguesa, mais escolarizada do que qualquer outra em África, tenazmente lutava contra o “destino” geográfico: quer deixando-se morrer quase sem protestar, quer emigrando para as mortíferas roças de S. Tomé e Príncipe, quer empregando-se nos lugares intermédios da administração colonial portuguesa na Guiné, Angola e Moçambique — isto é, agindo como colonizadores de segunda linha —, quer ainda espelhando-se na promissora literatura que um punhado de escritores (claridosos) vinha assinando há várias décadas (NETO, 2009NETO, Sérgio. Colónia mártir, colónia modelo. Cabo Verde no pensamento ultramarino português (1925-1965). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.).

Paradoxalmente, Gilberto Freyre não caucionou a visão luso-tropical do arquipélago, pretextando que a “diluição da África” não se teria chegado a operar, quando a generalidade dos autores portugueses e a elite claridosa afinava pelo diapasão do brasileirismo e portuguesismo do território. Esse facto teve o condão de separar águas: os seguidores portugueses do sociólogo cedo esqueceram o episódio, não perdendo oportunidades para caracterizar o arquipélago com uma linguagem tributária tanto de Freyre quanto de Casimiro.

No que concerne às elites cabo-verdianas, estas compreenderam que o potencial emancipatório do luso-tropicalismo se encontrava esgotado. Ou seja, se a teoria caucionara, nos anos 1930 e 1940, o argumento da europeização dos ilhéus e a subsequente imperiosidade da concessão da adjacência, a verdade é que, a partir dos anos 1950, veio, pelo contrário, robustecer o colonialismo português e daí, talvez, o desencontro e o desencanto de Freyre ao visitar o arquipélago. A questão geracional não foi de somenos importância: enquanto na metrópole os novos continuavam comprometidos com a causa do império, já em Cabo Verde o anticolonialismo começou a ganhar expressão (FERNANDES, 2002FERNANDES, Gabriel. A diluição da África. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002., p. 139).

Conclusões

Mais do que revisitar, importa refletir acerca do passado colonial português. Se alguns projetos mais inovadores têm privilegiado a questão das memórias dos intervenientes, outros trabalhos têm feito uso de uma abordagem mais tradicional, procurando conhecer os alicerces em que se encontrava fundado o Estado colonial. Por outro lado, cumpre escalpelizar os elementos da superstrutura ideológica e cultural, baseada no darwinismo social e no racismo, no paternalismo protecionista e, a dada altura, no luso-tropicalismo; pois, a literatura, a partir dos anos 1920, começou a influenciar decisivamente a propaganda colonial, à medida que organismos, como a AGC, e revistas, como o seu boletim e O Mundo Português, romantizavam a realidade africana, quer heroicizando o esforço dos colonos, quer reatualizando os estereótipos do colonizado.

Neste contexto, o contributo do capitão Augusto Casimiro para a construção da mitologia colonial portuguesa novecentista não deve ser negligenciado. Veterano da Grande Guerra, republicano e poeta, Casimiro residiu por diversos anos em África, tendo escrito profusamente sobre Angola e Cabo Verde. Adotando um tom paternalista, tributário do discurso do seu mentor Norton de Matos, o capitão seguiu, ao invés daquele, uma posição favorável à hibridez e à miscigenação, mesmo que Gilberto Freyre não tenha sido a sua principal inspiração. Assim, ao pensar Cabo Verde, Casimiro transferiu algumas das suas inquietações (poéticas, políticas e ideológicas) para o arquipélago, sublinhando a saudade, o desterro e o lusitanismo como elementos mais proeminentes.

Procurando Portugal em Cabo Verde, Casimiro julgou encontrá-lo na ilha Brava, atribuindo às outras ilhas significações diferentes, mas não menos simplificadas: S. Vicente (Brasil), Santiago (África). A sua análise compreendeu diversos registos: do ensaio à poesia, do romance à dramaturgia, enfim, do texto propagandístico destinado aos mais novos às sínteses panfletárias. De qualquer modo, emerge de todos os textos o apego a um espaço de que se julgou ter apropriado: uma “descoberta” ou redescoberta de um território geográfica e sentimentalmente próximo, cujo estatuto de adjacência, similar ao existente nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, vinha sendo protelado desde o século XIX. E daqui provém, de facto, a ambiguidade e a contradição: pois se a percecionada hibridez era o elemento que motivava a aproximação a Portugal e à Europa, era, contudo, essa mesma hibridez, considerada alteridade, que apartava as ilhas cabo-verdianas dos territórios insulares madeirense e açoriano.

A visita de Gilberto Freyre às colónias portuguesas, em 1951, selou a apropriação do luso-tropicalismo pelo Estado Novo, mas ditou o princípio do afastamento dos intelectuais ilhéus do pensamento do sociólogo brasileiro, agora definitivamente conotado com o colonialismo luso. Quanto à visão de Augusto Casimiro, pouco ortodoxa à data do seu surgimento nos anos 1930, esta acabou por se repercutir na propaganda das décadas seguintes. Na verdade, aquela enfatizava as ilhas como um espaço peculiar, onde as tradições seculares lusas ainda persistiam, espécie de museu a céu aberto ou repositório etnográfico e linguístico do que os portugueses haviam sido in illo tempore.

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    Este artigo resulta da investigação levada a cabo por Sérgio Neto a partir de fundos nacionais, por meio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito do financiamento do UIDB/00460/2020 atribuído ao Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC). Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo
  • 3
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  • 6
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  • 16
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  • 21
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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2021
  • Aceito
    27 Ago 2021
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