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A DIREITA CRISTÃ NOS ESTADOS UNIDOS: USOS DO PASSADO E PROJETOS POLÍTICOS (1980)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e toda a bibliografia empregada são referidas no artigo. Os autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.

THE CHRISTIAN RIGHT IN THE UNITED STATES USES OF THE PAST AND POLITICAL PROJECTS (1980)

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de analisar os principais elementos do pensamento da Direita Cristã norte-americana no final dos anos 1970 e início dos 1980. Para tal, investigaremos duas importantes obras escritas por destacadas lideranças da Moral Majority: Listen, America: the conservative blueprint for America´s moral rebirth (1980), de Jerry Falwell, e The Battle for the Mind: a subtle warfare(1980), de Tim LaHaye. Levando em conta a trajetória dos autores e o contexto de publicação e circulação das obras, procuraremos demonstrar como a articulação entre interpretações fundamentalistas dos textos bíblicos, concepções políticas conservadoras e uma perspectiva moral da história dos Estados Unidos estruturou a agenda política e as ações no espaço público de grupos religiosos conservadores naquele país, inaugurando uma aliança pragmática com o partido Republicano que permanece até os dias atuais.

Palavras-chave
Estados Unidos; Direita Cristã; Moral Majority; Jerry Falwell; Tim LaHaye

Abstract

This article aims to analyze the main elements of the American Christian Right’s thought in the late 1970s and early 1980s. To this end, two important books written by two of the Moral Majority’s main leaders were investigated: Listen, America: the conservative blueprint for America´s moral rebirth (1980), by Jerry Falwell, and The Battle for the Mind: a subtle warfare (1980), by Tim LaHaye. Taking into account the trajectory of authors and the context of publication and circulation of their works, we try to demonstrate how an articulation between fundamentalist interpretations of biblical texts, conservative political conceptions and a moral perspective of America’s history structured a political agenda and practical actions of conservative religious groups in public space, inaugurating a pragmatic alliance with the Republican party that remains today.

Keywords
United States; Christian Right; Moral Majority; Jerry Falwell; Tim LaHaye

A eleição do Republicano Donald Trump em 2016 à presidência dos Estados Unidos, com o apoio expressivo de lideranças evangélicas conservadoras ainda durante as primárias do Partido Republicano, desencadeou um interessante debate na imprensa e nos meios acadêmicos naquele país. Trump, antigo defensor do direito ao aborto, casado três vezes e com diversos casos públicos de infidelidade conjugal, pareceu, de antemão aos especialistas, o menos palatável ao eleitorado evangélico conservador. Mas quem seria, afinal, esse “eleitorado evangélico”? Historiadores ligados à tradição protestante, como George Marsden e Thomas Kidd, têm criticado a imprensa e os institutos de pesquisa ao longo do governo Trump pelo que consideram uma banalização do termo “evangélico”, e sua associação restrita à população branca. Para Marsden (2016), grosso modo, o termo evangélico tornou-se confuso nos Estados Unidos,4 4 De acordo com Corrigan e Hudson (2018), o evangelicalismo seria mais uma ênfase na importância atribuída à experiência religiosa pessoal (especialmente a da conversão) do que um sistema teológico ou um conjunto específico de denominações. Sua origem remonta aos grandes movimentos de reavivamento espiritual dos séculos XVIII e XIX. No contexto norte-americano contemporâneo, os principais grupos considerados evangelicals compartilham essa importância da experiência de conversão pessoal, embora alguns enfatizem a importância da interpretação literalista do texto bíblico (fundamentalistas) e outros, as experiências sobrenaturais com o Espírito Santo (pentecostais). Outro termo utilizado para esse grupo, que deixa clara a importância dada à conversão ou “novo nascimento”, é o de born again christians. Após a Segunda Guerra Mundial, ganhou força entre as lideranças ligadas à National Evangelicals Association (NAE) a noção de neo-evangelicalism, que pode ser melhor compreendida através das mensagens do famoso pastor batista Billy Graham. De acordo com Axel Schäfer (2012, p. 10), os neo-evangélicos procuraram se estabelecer como uma “terceira força” no campo protestante norte-americano, diferenciando-se tanto do fundamentalismo quanto do liberalismo teológico. Apesar de sustentarem um discurso menos “beligerante” do que os fundamentalistas, eles se aproximavam mais do espectro conservador do protestantismo norte-americano em relação à forma de interpretação do texto bíblico, da ênfase na necessidade da experiência pessoal de conversão, da moralidade tradicional e do nacionalismo e anti-comunismo. No discurso midiático e entre alguns acadêmicos, os termos fundamentalista e evangelical são utilizados muitas vezes como sinônimos, como identificadores de um protestantismo conservador e “branco” nos Estados Unidos. Adotamos aqui a tradução de evangelical por evangélico, mesmo sabendo que tal tradução também está envolta nessas polêmicas e distinções conceituais imprecisas. predominando para o campo conservador, contraditoriamente, uma associação étnica, em detrimento da prática religiosa. Na mesma linha, Thomas Kidd (2019, p. 04)KIDD, Thomas. Who Is an Evangelical?: The History of a Movement in Crisis. Connecticut Yale University Press, 2019. 5 5 Todas as traduções são dos autores. , argumenta que o evangelicalismo foi multiétnico desde suas origens. “Essa é uma das razões pelas quais o coro do apoio ‘evangélico’ a Donald Trump é problemático. [...] Às vezes os evangélicos não brancos parecem mais consistentes em suas crenças e ações do que os evangélicos brancos”.

Por outro lado, de acordo com o sociólogo John Schmalzbauer (2019)SCHMALZBAUER, John. [entrevista concedida] Harry Bruinius. Is the label evangelical more about politics than religious beliefs? In: The Christian Century. 02 jan. 2016. <https://www.christiancentury.org/article/news/label-evangelical-more-about-politics-religious-beliefs-0> Acesso em: 20 dez 2019.
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A crise do rótulo evangélico é uma crise para os 20% de brancos evangélicos que não votaram em Donald J. Trump, assim como para a maior parte dos evangélicos não brancos. [...] Os brancos evangélicos que simpatizam com a defesa retórica de Trump de um Estados Unidos branco e cristão, e seu nacionalismo religioso, não estão preocupados com o futuro do rótulo evangélico.

Como aponta John Green (2007)GREEN, John. The Faith Factor: How Religion Influences American Elections. Westport, CT: Praeger Publishers, 2007., o comportamento eleitoral do conservadorismo evangélico tem se mostrado muito menos previsível do que os comentaristas políticos e especialistas gostariam. Tais previsões e análises levariam em conta prioritariamente os aspectos morais e religiosos como condicionantes eleitorais, entretanto, outros temas têm mobilizado este grupo, como economia, imigração e terrorismo. Para a cientista política Michelle Margolis (2019)MARGOLIS, Michelle. Who Wants to Make America Great Again? Understanding Evangelical Support for Donald Trump. In: Politics and Religion, 1-30, 2019. Doi:10.1017/S1755048319000208
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, haveria um descompasso no debate público norte-americano6 6 Embora cientes da imprecisão do termo “norte-americano∕a”, optaremos pela utilização do mesmo, posto ser o mais usual entre leitores brasileiros. ao conceber o eleitorado evangélico conservador apenas pelos seus aspectos mais estereotipados. A partir de suas pesquisas, Margolis propõe a divisão do eleitorado evangélico conservador em dois grupos: os tradicionalistas, que são filiados e frequentam regularmente uma determinada igreja, e os nominais, indivíduos que se autodeclaram evangélicos, mas que não frequentam qualquer congregação ou sequer leram a Bíblia. A base de suporte eleitoral ao partido Republicano estaria justamente entre os evangélicos conservadores autodeclarados, nominais, que começam a receber maior atenção de pesquisadores recentemente

De fato, este debate está longe do fim (MARSDEN; BEBBINGTON, 2019MARSDEN, George Mish. BEBBINGTON, David. NOLL, Mark A. Evangelicals: Who They Have Been, Are Now, and Could Be. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 2019.). Nos interessa a constatação de uma relativa maleabilidade da agenda política evangélica conservadora, superando um estrito corte moral religioso para dialogar com temáticas mais amplas, forjando, assim, a autoidentificação como evangélico de um eleitorado pouco religioso. Embora Gilberto Dupas (2009, p.38)DUPAS, George. Introdução. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins. (org) Uma nação com alma de Igreja. Religiosidade e políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009. saliente que “crenças e dogmas religiosos sempre tiveram enorme influência na sociedade norte-americana desde sua ‘fundação’”, trata-se de um fenômeno histórico distinto, que Michelle Goldberg (2007)GOLDBERG, Michelle. Kingdom Coming: The rise of Christian nationalism. NY London: W.W. Norton & Company, 2007. identificou como a consolidação de um nacionalismo cristão nos Estados Unidos a partir da segunda metade do século XX. Para Goldberg (2007, p. 7)GOLDBERG, Michelle. Kingdom Coming: The rise of Christian nationalism. NY London: W.W. Norton & Company, 2007.,

O nacionalismo cristão conta uma história. É a história sobre um país divino, abençoado por sua piedade, que começou a dar errado no século XIX e afundou a níveis inimagináveis durante o século XX. A teoria da evolução de Charles Darwin corroeu a fé das pessoas na dignidade do homem e na supremacia de Deus. As grandes universidades, que antes viam o cristianismo como a base de todo conhecimento, se afastaram das Escrituras e se voltaram para as filosofias seculares de uma Europa decadente, que colocou o homem no centro do universo. O New Deal de Franklin Delano Roosevelt trouxe o socialismo para os Estados Unidos e iniciou o processo no qual o governo, ao invés das igrejas, se tornou o garantidor do bem-estar social.

Embora Goldberg trace as linhas gerais de uma leitura histórica compartilhada que motivaria a atuação política evangélica conservadora nas últimas décadas, consideramos o conceito de nacionalismo cristão empregado pela autora impreciso. Dessa forma, nos orientaremos metodologicamente pela categoria de cultura política para buscar compreender a emergência no cenário social e político norte-americano nas últimas décadas de uma agenda cristã conservadora estruturada e específica.

Como aponta Rodrigo Motta (2009, p. 21)MOTTA, Rodrigo Patto de Sá. Desafios e Possibilidades na Apropriação de Cultura Política pela Historiografia. In: MOTTA, Rodrigo Patto de Sá (org). Culturas Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. cultura política pode ser definida como:

conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leitura comuns de passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro.

O estudo da reflexão e atuação política dos atores sociais na história passaria a levar em conta não apenas os interesses pragmáticos, baseados em um cálculo racional, mas também crenças, valores, mitos, tradições etc. Neste sentido, para além das análises das representações inerentes à configuração de uma determinada cultura política, é importante decifrar os métodos, práticas e espaços de sociabilidade responsáveis pela sua constituição, configuração e reconfiguração na longa duração. Ainda segundo Motta (2009, p.24)MOTTA, Rodrigo Patto de Sá. Desafios e Possibilidades na Apropriação de Cultura Política pela Historiografia. In: MOTTA, Rodrigo Patto de Sá (org). Culturas Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.

Os impressos são veículo fundamental na divulgação e disseminação dos valores das diferentes culturas políticas, e são usados propositalmente para tal fim. Nos textos dos livros e jornais, e também nas suas imagens visuais, desfilam heróis (e, tão importante quanto esses, os desprezíveis inimigos), mitos, símbolos e valores morais do grupo.

Sendo assim, analisaremos duas importantes obras escritas por destacadas lideranças evangélicas conservadoras no final dos anos 1970, período que marca a emergência do que se convencionou denominar Direita Cristã7 7 Uma definição mais precisa será apresentada adiante. : The Battle for the Mind: a subtle warfare, de Tim LaHaye (1926 - 2016), e Listen, America: the conservative blueprint for America´s moral rebirth, de Jerry Falwell (1933 - 2007), ambas publicadas em 1980.

O critério para a escolha das obras a serem investigadas levou em conta não apenas a destacada atuação e liderança de seus autores na estruturação da Direita Cristã norte-americana, mas também a intenção subjacente das publicações em influenciar o eleitorado cristão durante as eleições presidenciais de 1980, quando o candidato Republicano Ronald Reagan venceu o então presidente e candidato Democrata Jimmy Carter. A vitória de Reagan marcou o início de uma aliança estratégica entre a Direita Cristã e o partido Republicano que, apesar das previsões pessimistas à época e diversas tensões ao longo do tempo, se mantém até os dias atuais.

Desse modo, para além da análise interna das obras, é importante não tomá-las como meras testemunhas de um determinado processo histórico nos Estados Unidos; mas, ao contrário, como agentes desse processo, revelando não apenas a constituição de um diagnóstico do país ancorado em uma leitura histórico-bíblica própria, como também lançando as bases para a constituição de estratégias e projetos políticos vinculados a uma cultura política evangélica conservadora desde então.

A Direita Cristã entre atores e processos

O surgimento da Direita Cristã no cenário político norte-americano no final dos anos 1970 não possui uma trajetória linear a ser traçada. Entretanto, não é possível compreendê-la sem observar a trajetória particular das denominações e das lideranças cristãs fundamentalistas, sobretudo no período pós-Segunda Guerra Mundial.

Fundamentalismo é um conceito que tem sido utilizado com uma frequência cada vez maior e, infelizmente, com menor rigor e clareza sobre seu conteúdo. Procuremos, numa perspectiva histórica, entender o surgimento e desenvolvimento do conceito no protestantismo norte-americano. O fundamentalismo cristão surgiu, na virada do século XIX para o século XX, como uma reação contra o liberalismo teológico, uma tendência no campo da teologia protestante (de origem alemã) que defendia a compatibilização do cristianismo com o mundo moderno e o conhecimento científico e o uso de um método histórico-crítico para a interpretação das Sagradas Escrituras. O principal problema da teologia liberal, na perspectiva dos teólogos conservadores, seria sua negação da Bíblia como verdade histórica. A dimensão escriturística e teológica da polêmica fundamentalista - que precedeu o próprio surgimento do conceito8 8 É um entendimento corrente entre os diversos pesquisadores do período que o primeiro a utilizar o termo foi o batista conservador Curtis Lee Laws, em 1920, para definir a sua facção dentro da disputa que se travava entre liberais e conservadores na Convenção Batista do Norte. - prevaleceu, aproximadamente, até o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A partir de então pode-se falar, de fato, de um movimento fundamentalista9 9 Enzo Pace e Piero Stefani (2002, p. 20) buscam uma delimitação mais clara com relação aos movimentos fundamentalistas destacando o “primado do livro” nas expressões de fé fundamentalistas. Entre os elementos que seriam essenciais para se caracterizar um movimento fundamentalista, os autores elencam: “a) a crença no princípio da inerrância do conteúdo do livro sagrado”; “b) princípio da astoricidade da verdade e do livro que a conserva, significa que a razão não tem poderes para conceber historicamente a mensagem religiosa nem deve ousar adaptá-la às novas condições que se vão produzindo no decurso dos tempos”; e a “c) crença de que é possível deduzir do livro sagrado um modelo integral de sociedade perfeita” somada ao “princípio da superioridade da lei divina sobre a lei terrena”. Dessa forma, no mundo contemporâneo, o fundamentalismo seria um movimento de reação ao processo de secularização da sociedade - com, numa perspectiva weberiana, a emancipação das diferentes esferas do conhecimento - defendendo a retomada do papel central da religião na organização da sociedade. que, apesar de maior penetração entre os presbiterianos e batistas, congregava lideranças protestantes de diferentes denominações, numa batalha pela reafirmação dos valores que consideravam tradicionais do cristianismo na sociedade norte-americana contra as “ameaças” da modernidade.

Entretanto, foi considerável a ampliação do escopo das pautas fundamentalistas no começo da década de 1920: de combate inicial à propagação do “veneno liberal” dentro da teologia cristã, a agenda fundamentalista transformou-se numa batalha pelo futuro da civilização ocidental. Os combates fundamentalistas passaram a ser travados em diferentes frentes: contra o modernismo teológico, contra o modernismo nos costumes, contra os “inimigos externos” que começavam a penetrar nos Estados Unidos, como o anarquismo e o comunismo, e, de modo extensivo, contra a teoria da evolução de Charles Darwin.

Em 1923, William Jennings Bryan, político Democrata (ex-secretário de Estado e candidato derrotado à presidência por três vezes), ardoroso defensor da interpretação fundamentalista do texto bíblico, iniciou uma grande cruzada contra o ensino da teoria da evolução nas escolas públicas norte-americanas. A cruzada de Bryan e o combate dos fundamentalistas à teoria darwinista foi responsável, em 1925, por um episódio que marcaria a história do fundamentalismo e seria, também, responsável pelo descrédito dos fundamentalistas junto ao grande público.

Na pequena cidade de Dayton, no estado do Tennessee, o jovem professor de Biologia John Scopes foi processado pelo estado por ensinar a teoria da evolução em suas aulas, contrariando uma recente legislação estadual10 10 A aprovação da lei, ocorrida em 1925, foi articulada pelo então deputado estadual John W. Butler, líder da World Christian Fundamentals Association, organização fundada em 1919 com o objetivo de promover o “novo protestantismo”, baseado em uma perspectiva pré-milenarista das profecias bíblicas. A lei, conhecida como Butler Act, só seria revogada em 1967. que proibia o ensino de qualquer teoria que negasse o relato da Divina Criação, tal qual consta no livro de Gênesis. O julgamento do caso Scopes (no qual Bryan atuou como auxiliar da acusação) mobilizou a imprensa norte-americana da época, que cobriu ostensivamente o caso. Embora o professor tenha sido condenado a uma multa de 100 dólares, a perspectiva majoritária presente na imprensa norte-americana foi a de um embate entre ciência versus religião, urbano versus rural e norte versus sul. Neste cenário, os fundamentalistas cristãos foram representados como obscurantistas e atrasados, um estereótipo que, em certa medida, se mantém até os dias atuais.11 11 Alguns autores têm buscado fazer uma revisão dessa história do conceito de fundamentalismo. A própria academia teria adotado um discurso simplista de que o fundamentalismo seria o último refúgio de pessoas amedrontadas com o mundo moderno e inimigas da ciência. Seria importante levar-se em conta o fato de que o uso do conceito fundamentalismo ou do adjetivo fundamentalista quase sempre aparecem em discursos anti-fundamentalistas (HARDING, 1991; WATT, 2017).

Segundo Marsden (2006, p. 218)MARSDEN, George Mish. Fundamentalism and American Culture. New York: Oxford University Press, 2006. a visão de mundo dos fundamentalistas “que até pouco tempo atrás era considerada, ao mesmo tempo, religiosa e academicamente impecável, havia se tornado motivo de chacota. Essa foi uma parte essencial da experiência de ‘deslocamento social’ vivida pelos fundamentalistas”. Nos anos subsequentes ao “Monkey Trial12 12 Julgamento do macaco. , como foi apelidado o caso Scopes, os fundamentalistas, progressivamente, se afastaram dos debates públicos do país e se refugiaram do “espírito secularizante” em suas próprias igrejas (separadas das grandes denominações influenciadas pela teologia liberal), institutos bíblicos, agências missionárias, escolas cristãs e associações como World Christian Fundamentals Association, Bible Crusaders of America, Bryan Bible League e Defenders of the Christian Faith.

O caminho rumo ao sectarismo, à espiritualidade mística, à falta de engajamento político e às expectativas apocalípticas foi a tendência majoritária do fundamentalismo nos anos que se seguiram. Entretanto, como aponta a reflexão de Bjerre-Poulsen (1988, p. 97)BJERRE-POUSEN, Niels. The Transformation of the Fundamentalist Movement, 1925 - 1942 (in) American Studies in Scandinavia, Vol. 20, 1988., é preciso relativizar o autodeclarado isolamento fundamentalista:

o desenvolvimento de instituições fundamentalistas [entre 1930 e 1950] demonstram claramente suas ambiguidades com relação à cultura [secular] norte-americana. Os fundamentalistas estão divididos entre a pureza da doutrina e o desejo de interagir com a sociedade ao redor. O dilema entre a salvação individual através do separatismo, e o compromisso de espalhar o evangelho e deter a maré de modernismo através da ação social tem se mantido como uma tensão não resolvida do fundamentalismo. Os fundamentalistas fundaram suas próprias instituições e organizações profissionais, a fim de suportar a atração da vida moderna. Neste processo, no entanto, eles assumiram a competição com as suas contrapartes liberais ou seculares, e perderam grande parte de sua alegada inocência.

Fora dos holofotes da mídia tradicional, os fundamentalistas ampliaram suas denominações independentes, seus institutos bíblicos, suas agências missionárias, suas escolas, seus programas de rádio, seus jornais etc. Criaram um senso cada vez maior de identidade - os defensores do cristianismo “verdadeiro” em meio a um ambiente hostil e “pecaminoso” -, aumentaram sua força no nível local e ampliaram sua base de adeptos no sul do país.13 13 Mesmo com todas as adversidades, o fundamentalismo ainda atraía o interesse de muitas pessoas e, ao contrário do que possa parecer, o movimento continuou a ganhar adeptos. Bjerre-Poulsen (1988, p. 95) buscou atestar essa informação através da constatação do crescimento de denominações declaradamente fundamentalistas. Entre 1926 e 1940, os batistas do sul conquistaram cerca de 1,5 milhão de novos adeptos - num total de 4.949.174 membros - e as pentecostais Assembleias de Deus, muito fortes entre brancos do sul dos Estados Unidos, passaram de 47.950 para 198.834 membros no mesmo período. Uma clara evidência desse isolamento relativo foi a utilização por lideranças fundamentalistas do rádio14 14 A partir da década de 1920 e 1930, o rádio passou a ser utilizado por importantes figuras do protestantismo norte-americano como meio de evangelização. Além de Charles Fuller, podemos citar ainda Aimee Semple McPherson, Paul Rader e Billy Graham (este último nos anos 1940) como pioneiros em fazer pregações e adaptar suas mensagens para o novo veículo. Para uma análise mais aprofundada sobre o impacto do rádio na religiosidade norte-americana ver HANGEN, 2002. e, posteriormente, da televisão, como instrumentos de evangelização.

Se rejeitavam a modernidade na teologia e nos costumes, por outro lado, os fundamentalistas fizeram dos modernos meios de comunicação um elemento essencial para a divulgação de sua visão de mundo por todo o país e para uma audiência bem mais ampla do que a que comparecia às suas igrejas. Se as novas denominações criadas pelos fundamentalistas eram forças mais locais do que nacionais, os seus “sacerdotes midiáticos” se tornaram figuras com penetração nacional. Vários pregadores compravam horários nas rádios por todo o país; os institutos bíblicos eram ainda mais ousados e criavam suas próprias estações de rádio (CARPENTER, 1980CARPENTER, Joel. Fundamentalist institutions and the rise of Evangelical Protestantism. Church History, v. 49, n. 1, 1980, p. 62-75.). Desse modo, os fundamentalistas construíram um método de apresentação e narrativa evangelizadora próprias, que migrou para a televisão na década de 1950. Não por acaso, os principais pastores televangelistas dos anos 1960 e 1970 haviam iniciado suas carreiras nas rádios.

A estratégia de um autodeclarado isolamento, entretanto, não era consenso entre importantes figuras lideranças de tendências mais conservadoras do protestantismo norte-americano. Já em 1947, o teólogo batista Carl F. Henry publicou a obra The Uneasy Conscience of Modern Fundamentalism, que ficaria marcada como o principal manifesto do período em defesa de uma retomada do engajamento explícito de lideranças cristãs fundamentalistas nos debates públicos do país. Segundo Carl Henry (1947, p. 4-11)HENRY, Carl Ferdinand Howard. The Uneasy Conscience of Modern Fundamentalism. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2003.p.4-11.:

A grande maioria dos pastores fundamentalistas, durante a última geração de desintegração mundial, tornou-se cada vez menos vocal em relação aos males sociais. [...] O preconceito moderno, justa ou injustamente, chegou a identificar em grande parte o Fundamentalismo nos termos de um espírito anti-ecumênico de isolacionismo independente, um conjunto de fórmulas teológicas sustentadas de modo acrítico e um tipo de revivalismo excessivamente emocional. [...] O fracasso do movimento evangélico em reagir favoravelmente a qualquer frente ampla de campanhas contra os males sociais levou, finalmente, a uma suspeita por parte dos não evangélicos de que haveria algo na própria natureza do Fundamentalismo que tornaria impossível uma visão ética de mundo.

Os males sociais, preconizados por Carl Henry, seriam oriundos do que considerava uma hegemonia do pensamento liberal15 15 O conceito “liberal” nos Estados Unidos difere muito da compreensão que se tem na América Latina e mesmo na Europa. A partir dos anos 1930, o termo passou a ser associado aos apoiadores das políticas de bem-estar do New Deal que, sem contestarem o capitalismo, buscavam minimizar seus efeitos perversos. Liberdade, para esses liberais, não se limitaria à “liberdade de mercado” (SOUSA, 2013). na sociedade norte-americana, sendo necessário, portanto, um maior engajamento dos fundamentalistas na arena pública. O interessante é perceber que tal perspectiva encontrava ressonância em outros setores da sociedade norte-americana.

Em 1948, o professor de Retórica na University of Chicago, Richard M. Weaver, publicou a obra Ideas have Consequences, na qual defendeu a tese de uma crise ética e cultural do Ocidente, iniciada ainda no século XIV. O homem moderno teria se tornado egoísta e materialista, e uma das formas de reverter tal processo seria o retorno às crenças religiosas tradicionais. Embora Weaver (2013)WEAVER, Richard. Ideas have Consequences. Expanded Edition. Chicago: University of Chicago Press, 2013. não sugira qualquer protagonismo do cristianismo em sua obra, buscando tecer reflexões de cunho filosófico, sua posição acerca do contexto norte-americano fica evidente em artigo publicado poucos anos antes. Para Weaver (1943, p. 237-244)WEAVER, Richard. The Older Religiouness in the South. In: The Sewanee Review, vol.51, no.2, apr-jun, 1943., especialista na história do Sul dos Estados Unidos:

Os jornais liberais satirizam o cinturão da Bíblia e atacam o ‘fundamentalismo’, identificando-o com a ignorância [...] As discussões modernas sobre o fundamentalismo ignoraram o fato de que a crença na revelação é a essência da religião, em seu sentido mais antigo. [...] O homem não pode viver sob uma dispensação instituída se os postulados de sua existência devem ser continuamente revisados de acordo com o conhecimento fornecido por uma natureza cheia de contingências.

Weaver buscava, assim, revitalizar a imagem pública dos fundamentalistas cristãos, associada ao estereótipo do atraso, da ignorância e do obscurantismo do mundo agrário Sulista. Embora com circulação restrita, as obras de Richard Weaver e Carl Henry foram importantes por se colocarem na contramão do pensamento predominante no contexto dos anos 1940 - seja no campo liberal, identificando o fundamentalismo cristão com o atraso, seja entre lideranças religiosas, advogando um afastamento dos debates públicos.

Como aponta Dareen Dochuk (2011)DOCHUK, Darren. From Bible Belt to Sunbelt: Plain-Folk Religion, Grassroots Politics, and the Rise of Evangelical Conservatism. New York: W. W. Norton, 2011., a associação dos fundamentalistas cristãos a um pensamento agrário e obscurantista eclipsava, na verdade, um grupo demográfico com relativo grau de diversidade e mobilidade. Entre 1930 e 1950, uma intensa migração para a Califórnia e a instalação de indústrias do aparato de defesa norte-americana em cidades sulistas reconfigurariam os vínculos econômicos, sociais e políticos dos fiéis, não mais vinculados majoritariamente aos aspectos culturais tradicionais do Deep South.

Vale ressaltar que o autodeclarado isolamento fundamentalista, somado a uma ostensiva estratégia de evangelização através de diferentes métodos e suportes, como visitações, malas diretas, programas de rádio e de televisão, redundou que diversas denominações fundamentalistas se estruturassem em torno de uma megachurches, que passariam a crescer nos subúrbios dos Estados Unidos a partir dos anos 1960.

A caracterização de uma megachurch não deriva necessariamente do número de fiéis16 16 Para alguns pesquisadores, a lógica de uma vida comunitária em torno da igreja pode ser encontrada desde o século XVIII nos Estados Unidos, preferindo o termo: modern megachurch para caracterizar o fenômeno da segunda metade do século XX. , mas, principalmente, por oferecer um elevado e diversificado conjunto de serviços que estimulam a vida social em torno da igreja, como clubes para solteiros e casais, tratamento para dependentes químicos, pré-escola, escolas primárias, secundárias e universidades. Como afirma Winters (2012, p. 03), “a megachurch é uma espécie de vila organizada em torno da igreja, oferecendo alternativas às ofertas sociais, educacionais e culturais encontradas na cultura mais ampla”. Embora as megachurches não sejam um fenômeno exclusivamente fundamentalista, o contexto político e social das décadas de 1950 e 1960 com uma gradativa interferência do governo federal e da Suprema Corte em questões até então consideradas assuntos estaduais, como o ensino público e racial, colocaram os fundamentalistas em rota de colisão com o pensamento liberal, que passou a ameaçar a autonomia que possuíam para organizar instituições vinculadas às igrejas.

De fato, nos anos 1950, uma percepção crítica da hegemonia liberal se espraiou em diferentes setores da sociedade norte-americana. Richard Viguerie e David Franke (2004, p. 50-52)VIGUERIE, Richard. FRANKE, David. America´s Right Turn: how conservatives used new and alternative media to take power. Chicago Los Angeles: Bonus Books, 2004., que participaram ativamente da constituição de uma nova agenda conservadora nos Estados Unidos, traduzem a leitura que faziam acerca do ambiente político e social na década de 1950:

Não exageramos quando dizemos que, em 1955, o liberalismo reinava supremo na política dos Estados Unidos. Ambos os partidos políticos estavam sob o controle de alas liberais. [...] Os jornais mais influentes também eram virtualmente todos liberais. [...] Os liberais controlavam as redes de TV e a Academia com o mesmo rigor, especialmente as “universidades respeitáveis” mais proeminentes, e os acadêmicos liberais eram impiedosos com os dissidentes conservadores. [...] Quando você tem esse nível de desequilíbrio entre a população e os líderes de opinião do país, uma quantidade considerável de reclamações dissidentes passa a ocorrer, mesmo que ocultas. E assim foi.

Segundo Eric Foner (1999, p. 309)FONER, Eric. The Story of American Freedom. New York: WW Norton, 1999., embora de fato haja um certo exagero nesta leitura, grosso modo, o pensamento conservador nas décadas de 1940 e 1950 não encontrava espaço no debate público norte-americano:

Quando as ideias conservadoras começaram a circular, os liberais as explicaram como uma reação transitória de pessoas alienadas, psicologicamente perturbadas ou carentes, contra a própria “modernidade” [...] Convencidos de que o mundo livre precisava se armar moral e intelectualmente, não apenas militarmente, para as batalhas contra o comunismo, escritores como Russel Kirk e Richard Weaver rejeitaram o “relativismo” que supostamente corroeu a autoconfiança do Ocidente e fizeram uma convocação pela reafirmação de valores absolutos fundamentados na religião e em noções atemporais de bem e mal.

A valorização de instituições tradicionais, como a igreja e a família, tendeu a aproximar uma nova geração de intelectuais conservadores, mais tarde conhecidos como neoconservadores, e os fundamentalistas cristãos. Para Richard Viguerie e David Franke (2004)VIGUERIE, Richard. FRANKE, David. America´s Right Turn: how conservatives used new and alternative media to take power. Chicago Los Angeles: Bonus Books, 2004., o velho conservadorismo posicionava-se de modo defensivo no debate político norte-americano, mais preocupado em vencer debates do que vencer eleições. A geração posterior - a chamada Nova Direita- seria “mais jovem, mais impaciente e mais agressiva. Para eles, o objetivo era ganhar campanhas e ganhar poder. Eles estavam mais interessados ​​em vencer a eleição do que em vencer o debate (VIGUERIE. FRANKE, 2004VIGUERIE, Richard. FRANKE, David. America´s Right Turn: how conservatives used new and alternative media to take power. Chicago Los Angeles: Bonus Books, 2004., p. 127).

Em 1964, a candidatura à presidência dos Estados Unidos do então senador Republicano pelo Arizona, Barry Goldwater, embora derrotado pelo Democrata Lyndon Johnson, teve forte impacto ao aglutinar críticos do liberalismo e defender uma autoafirmação conservadora na arena pública. Em livro publicado ainda em 1960, Goldwater sintetizou o que deveria ser uma nova postura e agenda conservadoras.

Fico muito preocupado com o fato de tantas pessoas hoje com instinto conservador se sentirem compelidas a pedir desculpas. [...] “Nós liberais”, eles dizem, “estamos interessados nas pessoas. Nossa preocupação é com o ser humano, enquanto vocês conservadores estão preocupados com a preservação de privilégios econômicos e status” [...] Tais declarações, tanto de amigos e como inimigos, são uma grande injustiça ao ponto de vista conservador [...] A principal diferença entre os conservadores e os liberais de hoje é que os conservadores levam em consideração o homem como um todo, enquanto os liberais tendem a olhar apenas para o lado material da natureza humana. O conservador acredita que o homem é, em parte, uma criatura econômica. Mas também é uma criatura espiritual, com necessidades e desejos espirituais (GOLDWATER, 2007GOLDWATER, Barry. The Conscience of a Conservative: Princeton: Princeton University Press, 2007 [1960]. [1960], p. 2-3).

A valorização dos aspectos espirituais, remetendo ao pensamento de Richard Weaver, atraiu a simpatia do eleitorado fundamentalista cristão, embora este não tenha sido o objetivo principal da obra. Na verdade, Goldwater teve como ghostwriter L. Brent Bozell, cunhado de William F. Buckley Jr, fundador da National Review em 1955. A revista, embora concebida como um espaço para o debate intelectual conservador, contando com a contribuição de judeus e católicos, não priorizava o debate religioso, e tinha pouca presença evangélica conservadora entre seus articulistas.

Como aponta Eric Foner (1999)FONER, Eric. The Story of American Freedom. New York: WW Norton, 1999., Barry Goldwater foi fortemente estigmatizado pelo partido Democrata, representado como um extremista que acabaria com os programas sociais e levaria os Estados Unidos a uma guerra nuclear. Entretanto, apesar da derrota, a candidatura de Goldwater foi vista como um triunfo pela nova geração de conservadores. Vale ressaltar que o livro The Conscience of a Conservative (1960) vendeu quase 3 milhões de cópias, passando a circular entre estudantes das principais universidades do país. Como aponta Harp (2019)HARP, Gillis. Protestants and American Conservatism: a short history. NY: Oxford University Press, 2019., o livro fez especial sucesso entre o eleitorado evangélico da Califórnia, definindo um modelo de publicação que ganharia força entre os conservadores e as lideranças fundamentalistas: obras com linguagem acessível e publicação em editoras próprias e de baixo custo.

Como revelam Richard Viguerie e David Franke (2004)VIGUERIE, Richard. FRANKE, David. America´s Right Turn: how conservatives used new and alternative media to take power. Chicago Los Angeles: Bonus Books, 2004., de modo mais ou menos articulado, a nova geração conservadora, embora não constituísse um bloco uníssono, forjou um método multiplataforma para divulgar suas ideias, buscando romper com o que considerava um monopólio liberal na grande imprensa, incluindo a publicação de periódicos, livros de baixo orçamento e o envio de informes através de malas diretas. A derrota de Barry Goldwater em 1964, antes de provocar um desânimo entre seus apoiadores, teria, ao contrário, estimulado um maior engajamento.

Sob o radar do establishment, no entanto, nós nos mantivemos ocupados e continuamos crescendo. Mesmo que o ritmo de crescimento fosse agonizantemente lento, esperávamos e confiávamos que, em algum momento, atingiríamos uma massa crítica em que poderíamos fazer uma grande diferença na agenda política nacional. (VIGUERIE. FRANKE, 2004VIGUERIE, Richard. FRANKE, David. America´s Right Turn: how conservatives used new and alternative media to take power. Chicago Los Angeles: Bonus Books, 2004., p. 100).

Esta diferença viria no final dos anos 1970, sendo tributária de uma tácita aproximação com lideranças evangélicas fundamentalistas. Segundo Paul Weyrich, ativista conservador católico, considerado o arquiteto da Direta Cristã: “nós, conservadores, desfilamos todos aqueles candidatos da câmara de comércio com as contas da Mobil Oil nas costas. Isso não funciona nos bairros de classe média” (WEYRICH, 1982WEYRICH, Paul M. Blue Collar or Blue Blood? The New Right Compared with the Old Right. In: WHITAKER, Robert. The New Right Papers. New York: St. Martin’s Press, 1982., p. 60).

Segundo Michael Lienesch (1982)LIENESCH, Michael. Right-Wing Religion: Christian Conservatism as a Political Movement In: Political Science Quarterly. vol. 97, n. 3, 1982. DOI: 10.2307/2149992
https://doi.org/10.2307/2149992...
, estrategistas conservadores, como Weyrich, identificaram nos anos 1970 que o predomínio do argumento econômico tenderia a afastar a classe trabalhadora e a classe média, sendo necessário reforçar argumentos simbólicos contra o liberalismo. “Com uma política simbólica, o compromisso moral poderia superar o interesse econômico individual, atraindo os cristãos para o campo conservador e para longe dos candidatos liberais” (LIENESCH, 1982LIENESCH, Michael. Right-Wing Religion: Christian Conservatism as a Political Movement In: Political Science Quarterly. vol. 97, n. 3, 1982. DOI: 10.2307/2149992
https://doi.org/10.2307/2149992...
, p. 413). De fato, experiências políticas nos anos 1970 tendiam a corroborar essa linha de pensamento. Em 1976, o Democrata Jimmy Carter tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos a declarar-se um born again, lecionando em escolas dominicais durante a presidência. Embora a simpatia de diversas lideranças evangélicas conservadores durante a campanha tenha evanescido rapidamente ao longo do mandato, este eleitorado não passou desapercebido por Weyrich e outros estrategistas conversadores.

É importante destacar, entretanto, que a mobilidade econômica e social do eleitorado fundamentalista, assim como o crescimento de algumas denominações em diferentes estados, não foi objeto de grande interesse por parte da imprensa e de cientistas políticos. Por outro lado, como aponta Daniel K. Williams (2010, p. 159-160)WILLIAMS, Daniel. God’s own party: the making of the Christian Right. New York: Oxford University Press, 2010., as lideranças fundamentalistas estavam se tornando:

maiores e mais influentes do que a maioria das principais denominações protestantes. Os evangélicos operavam massivos impérios televisivos, educacionais e editoriais. Eles estavam começando a ter acesso a figuras políticas proeminentes. Já não tinham que se comportar mais como uma minoria sitiada, lamentando o ‘humanismo secular’ da nação enquanto ansiavam por uma libertação política.

Neste contexto, duas importantes lideranças fundamentalistas, dentre outras17 17 Vale ressaltar a proeminente atuação dos pastores televangelistas Jim Bakker, Pat Robertson, James Robinson, dentre outros, que, por limites de espaço, serão abordados quando relacionados às trajetórias dos pastores Tim LaHaye e Jerry Falwell, objetos deste artigo. , já despontavam no cenário nacional: o pastor Tim LaHaye, a partir da costa Oeste, e o pastor Jerry Falwell, no Sul dos Estados Unidos. Ambos os pastores, como veremos, mesmo antes da constituição da Moral Majority, experienciaram diferentes formas de participação política.

Buscando a Maioria Moral

Tim LaHaye ganhou fama e projeção mundial, especialmente no meio evangélico, com sua série de “ficção apocalíptica” Left Behind (Deixados pra trás), escrita em parceria com Jerry Jenkins.18 18 Left Behind é uma série muito popular nos Estados Unidos e também nos ambientes influenciados pelo fundamentalismo protestante ao redor do mundo, inclusive no Brasil. De acordo com Timothy Weber (2004, p. 194), cada autor - até o momento em que Weber havia escrito sua obra - já havia embolsado mais de 50 milhões de dólares em royaltes. A história é, basicamente, uma interpretação literalista do livro do Apocalipse dentro do contexto geopolítico das décadas de 1990 e 2000. O arrebatamento pré-tribulacional dos crentes ocorre, o Anticristo controla a ONU e cria um sistema econômico global integrado. Enquanto isso, um pequeno grupo de cristãos norte-americanos, que devido à sua falta de fé foram “deixados pra trás” no advento do Arrebatamento, combate as forças do mal, aguardando o desfecho final. Essa série de livros (12 volumes) já havia vendido até 2004 mais de 62 milhões de cópias (MARSDEN, 2006MARSDEN, George Mish. Fundamentalism and American Culture. New York: Oxford University Press, 2006.). Tal “aventura apocalíptica” ganhou também versões cinematográficas de relativo sucesso (uma delas estrelada pelo famoso ator Nicolas Cage) e acabou até nas telas dos videogames. Entretanto, no meio fundamentalista norte-americano, a importância de LaHaye não se limita às suas interpretações das profecias bíblicas baseada numa perspectiva pré-milenarista/dispensacionalista19 19 O pré-milenarismo é uma tendência da escatologia cristã que advoga que Jesus Cristo inaugurará um reinado de mil anos após a sua Segunda Vinda. O dispensacionalismo é uma perspectiva pré-milenarista na qual o plano de Deus relativo à salvação do homem deve ser compreendido a partir de uma divisão em sete períodos (dispensações) atestados biblicamente, sendo o último período o reinado milenar de Cristo na Terra. e a seu sucesso como autor de best sellers.

Em uma reportagem de 26 de julho de 2001, o Washington Times afirmava que LaHaye e sua esposa Beverly “têm um impressionante registro de ativismo religioso e influência, que vão dos quartos20 20 Referência ao livro The Act of Marriage: The Beauty of Sexual Love escrito pelo casal LaHaye que vendeu, de acordo com Timothy Weber (2004, p. 192), mais de 2,5 milhões de cópias. até a Casa Branca”.21 21 Disponível em: < https://www.washingtontimes.com/news/2001/jul/26/20010726-024436-3747r/>. Acesso em 25/02/2020. O Institute For The Study Of American Evangelicals do Wheaton College o considerou a liderança evangélica mais influente do último quarto do século XX, suplan tando figuras como Billy Graham, Pat Robertson e o próprio Jerry Falwell (URBAN, 2006URBAN, Hugh. America, left behind: Bush, the neoconservatives, and evangelical Christian fiction. Omaha, Journal of Religion & Society, v. 8, p. 1-15, 2006.). Mesmo em 2005, a Time Magazine ainda elencava Tim e Beverly LaHaye entre os 25 evangélicos mais influentes dos Estados Unidos.22 22 Disponível em:<http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1993235_1993243_1993291,00.html> Acesso em 18/02/2020. Apesar de ter se notabilizado por seus livros sobre escatologia,23 23 No terreno da escatologia, LaHaye teve muito sucesso ainda nos anos 1970 com seu livro The Beginning of the End (1972) - de acordo com Boyer (1992, p. 188), “outro popular best seller do início da década de 1970” - e mais uma série de outros trabalhos (como Revelation: Illustrated and Made Plain de 1973 e No fear of the storm: why Christians will escape all the Tribulation de 1977. LaHaye escreveu várias obras de sucesso sobre diferentes áreas da vida cristã, especialmente sobre o combate à depressão, o controle do temperamento e, inclusive, sobre preceitos para uma vida sexual sadia para os casais cristãos.

Tim LaHaye nasceu em 1926 no seio de uma família operária de Detroit. Após passagem pelo exército norte-americano, LaHaye graduou-se pela Bob Jones University na Carolina do Sul, onde conheceu e se casou (em 1947) com a também estudante Beverly Ratcliffe. Após doutorar-se em ministério pelo Western Theological Seminary em Portland (seminário batista conservador), ele pastoreou uma igreja em Minneapolis até 1956, quando então se transferiu com sua família para San Diego, no sul da Califórnia, onde consolidou um trabalho duradouro e de sucesso por mais de 25 anos à frente da Scott Memorial Baptist Church. Tim LaHaye concentrava seu ministério em uma das regiões do chamado Sun Belt norte-americano, região que recebeu grandes levas de imigrantes sulistas que se identificavam com uma tradição batista e conservadora e com uma perspectiva escatológica dispensacionalista. LaHaye chegou a San Diego no final dos anos 1950 e - apesar de conviver com liberalismo nos costumes que marcou as grandes cidades da Califórnia durante a década de 1960 - conseguiu uma grande base de apoio de fiéis com sua formação religiosa e moral muito ligada à tradição fundamentalista do sul do país. Além de estar à frente de uma enorme igreja batista - Scott Memorial Baptist Church - em San Diego, possuir um programa de televisão em rede nacional e ser autor de livros de grande sucesso, LaHaye já era, desde meados da década de 1970, um dos principais articuladores do movimento em torno da criação de escolas cristãs. Na Califórnia, ele foi responsável pela implantação de doze escolas cristãs, entre elas o Christian Heritage College e, também, o Institute for Creation Research, que procurava difundir o “criacionismo científico”.

Antes da fundação da Moral Majority, LaHaye já havia feito algumas “incursões” no campo da política. Apesar de, segundo Williams (2010, p. 73)WILLIAMS, Daniel. God’s own party: the making of the Christian Right. New York: Oxford University Press, 2010., ter se interessado muito pouco por questões políticas antes de sua chegada a San Diego, a partir de meados da década de 1960, “LaHaye passou a se envolver no emergente movimento conservador que estava profundamente desconfiado do comunismo, dos gastos com políticas de bem-estar social e da permissividade cultural e que via Barry Goldwater como um herói”. Antes das primárias do Partido Republicano na Califórnia para a escolha do candidato à presidência nas eleições de 1964, LaHaye tentou mobilizar alguns pastores para que apoiassem Goldwater, que concorria contra o liberal e “moralmente condenável” governador de Nova Iorque Nelson Rockefeller:

LaHaye enviou uma carta para pastores evangélicos de toda a Califórnia, conclamando-os a votar contra Rockefeller. “Um ladrão de esposas, que se divorciou de sua esposa há 30 anos, destruiu o lar de outro homem e tirou uma mãe de seus quatro filhos, possui uma grande chance de conseguir o apoio dos eleitores republicanos da Califórnia”, escreveu LaHaye. “Se ele for eleito, será o mesmo que conceder aprovação pública a seus atos malignos e estimulará um grande crescimento na nossa taxa de divórcios” Ele anunciou que faria um sermão contra Rockefeller na manhã de domingo e conclamava os outros pastores a fazer o mesmo. “O custo de ficar em silêncio é muito alto!”, alertou (WILLIAMS, 2010WILLIAMS, Daniel. God’s own party: the making of the Christian Right. New York: Oxford University Press, 2010., p. 73).

Em 1966, LaHaye foi um dos fundadores da California League Enlisting Action Now (CLEAN), uma organização que buscava combater a produção e a distribuição de material pornográfico no estado. Apesar do pouco sucesso da CLEAN, ela ganhou o apoio do conservador pré-candidato republicano ao governo do estado: o ex-ator Ronald Reagan. LaHaye manteve uma boa relação com Reagan e exaltava os feitos de sua administração na Califórnia.24 24 Em 1980, às vésperas da eleição que levaria Reagan à Casa Branca, LaHaye (1980, p. 155) dizia que “Ronald Reagan foi governador do maior estado da União por oito anos, 1967 a 1974, onde ele reduziu o tamanho do governo, dos programas de bem-estar social e do desperdício, deixando o estado com mais de 500 milhões de dólares em caixa”. Progressivamente, LaHaye politizou seu discurso e suas ações na Califórnia, se envolvendo com uma série de campanhas e organizações como a Christian Voice (que possuía uma agenda contra a pornografia e contra os direitos civis dos homossexuais). Em 1978, juntamente com sua esposa Beverly, LaHaye fundou a Concerned Women for America, que tinha por objetivo organizar as mulheres que combatiam as ideias feministas “anticristãs” e a Equal Rights Amendment.

Em uma reportagem sobre o falecimento de LaHaye em julho de 2016, a revista Time dizia que ele havia sido um dos grandes pilares da politização das lideranças fundamentalistas no final da década de 1970 e na fundação da Moral Majority, inclusive citando o fato de que “Falwell foi inspirado a dar início ao grupo em 1979 após ver como LaHaye havia organizado vários colegas pastores para trabalharem a favor de causas conservadoras na Califórnia durante a década de 1970”.25 25 Disponível em:<http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1993235_1993243_1993291,00.html>. Acesso em 25 de fev. 2020. A parceria entre LaHaye e Falwell rendeu vários frutos, como o doutorado em literatura de LaHaye na Liberty University e, especialmente, a organização da Moral Majority no final da década de 1970.

Jerry Falwell nasceu na cidade de Lynchburg, Virgínia, em 1933. Durante sua adolescência pouco se preocupou com questões religiosas. Conforme narra em sua autobiografia: “Eu gostava de garotas bonitas, carros velozes, festas noturnas com a Wall Gang26 26 Apelido dado ao grupo de amigos liderados por Jerry Falwell que cometiam pequenos delitos em Lynchburg. , basebol na areia, futebol bem disputado, jogos de poker e cerveja”. (FALWELL, 1997FALWELL, Jerry. An Autobiography: The Inside Story. Lynchburg: Liberty House Publishers,1997., p. 128). Entretanto, aos 18 anos, ao escutar junto com sua mãe o programa de rádio de Charles Fuller, intitulado, Old-Fashioned Revival Hour, Falwell experimentou o renascimento em Cristo.

Segundo Hale (2011)HALE, Grace Elizabeth. A Nation of Outsiders: How the white middle class fell in love with rebellion in postwar America. Oxford University Press: New York, 2011., no espectro evangélico norte-americano, tornar-se um born again não é apenas um evento de radical transformação interior, uma mudança drástica de valores, hábitos e atitudes. É, antes de tudo, contar e recontar uma história teatralizada e flexível, adaptando-se constantemente ao interlocutor, como instrumento de estímulo à sua conversão. Embora Jerry Falwell tenha repetido inúmeras vezes o momento de sua conversão, usaremos como base a versão registrada em sua autobiografia de 1997:

A manhã de domingo começou sem grandes eventos [...]. Eu brinquei com a minha mãe por estar ouvindo o sermão de Fuller naquela manhã. Eu não me lembro de seu texto, mas eu lembro que senti algo que nunca havia sentido antes. Tive vontade de chorar, mas eu não estava triste. Eu me sentia animado, mas não havia nada excitante na minha agenda naquele dia. Fuller foi aquecendo o seu texto, e enquanto eu estava ouvindo suas palavras, eu fui me lembrando de outras palavras faladas em outros momentos. Fuller disse: ‘Você é um renascido?’ [...] Eu não sabia nada sobre o Espírito Santo. Se alguém tivesse me dito que naquele dia o próprio Deus estava presente na cozinha da nossa família operando para me salvar do pecado, eu teria rido em voz alta. Mas olhando para trás, foi a Sua presença que eu estava sentindo. [...] Ele estava me chamando, mas eu não reconhecia a Sua voz. Eu me senti nervoso e animado como quando você está diante de uma forte tempestade ou naquele momento no hospital pouco antes do nascimento do seu primeiro filho (FALWELL, 1997FALWELL, Jerry. An Autobiography: The Inside Story. Lynchburg: Liberty House Publishers,1997., p. 118).

Convertido aos 18 anos, Falwell passou a frequentar a Park Avenue Baptist Church, ingressando na Baptist Bible College, no Missouri, no ano seguinte. Como destaca Winters (2012), grande parte dos docentes era fundamentalista, incluindo a leitura diária de três capítulos da Bíblia como prática pedagógica. Falwell graduou-se 1956, tornando-se um instruído pastor fundamentalista. Ao visitar sua cidade natal, mas com planos de fundar uma igreja na Georgia, Falwell encontrou um grupo de dissidentes na Park Avenue Baptist Church. Os dissenters27 27 Vale ressaltar que para os protestantes em geral, a palavra dissenters (dissidentes) não possui uma conotação pejorativa. Mas remonta aos primeiros dissidentes do período da reforma religiosa. , como ficariam conhecidos, convidaram Falwell para fundar uma nova igreja batista em Lynchburg.

Apesar da negativa da Baptist Bible Fellowship (BBF)28 28 A Baptist Bible Fellowship, localizada em Springfield, Missouri, é uma organização composta por igrejas fundamentalistas dissidentes da World Baptist Fellowship, criada em 1950 pelo pastor J. Frank Norris. , que não permitia a concorrência entre duas igrejas batistas filiadas na mesma cidade, Falwell fundou a Thomas Road Baptist Church (TRBC), em 1956, sendo excluído da BBF. Falwell elaborou uma estratégia agressiva para conquistar novos fiéis, visitando pessoalmente as casas da região. Pouco tempo depois, na recém inaugurada estação de rádio WBRG, estreou o programa Old Time Gospel Hour, com 30 minutos de duração. Como aponta Falwell, os resultados positivos alcançados pelo programa de rádio superaram suas expectativas, fazendo-o sonhar com um programa de televisão.

Em dezembro de 1956, eu decidi que era hora de agir. Numa manhã de segunda-feira eu dirigi até o pequeno estúdio e escritório da nossa filial da ABC. [...] A estação me ofereceu meia hora semanal por 90 dólares. Eu assinei o contrato imediatamente. [...] Posteriormente, na tarde de domingo, Macel [sua esposa], Bill e eu chegamos ao estúdio sem absolutamente nenhuma instrução sobre o que deveríamos fazer. Às 17:30 h uma luz vermelha começou a piscar na porta do estúdio, e o cameraman/diretor fez sinal para iniciar o programa. ‘Olá’ eu disse, olhando para Macel e Bill esperando apoio, ‘Meu nome é Jerry Fawell. Eu sou o pastor da Igreja Batista Thomas Road’” (FALWELL, 1997FALWELL, Jerry. An Autobiography: The Inside Story. Lynchburg: Liberty House Publishers,1997., p. 223-225).

No final da década de 1960, a TRBC possuía quase 7 mil membros, configurando-se como uma megachurch; a congregação possuía espaços descentralizados para tratamento de dependentes químicos, treinamentos profissionais, creches, esporte e lazer, etc. A arena educacional foi concebida inicialmente com a inauguração do colégio Lynchburg Christian Academy, em 1967, e a inauguração, em 1971, da Liberty University, atualmente uma das principais universidades de orientação fundamentalista dos Estados Unidos. Ao longo da década de 1970, Jerry Falwell se consolidou como líder religioso com bastante influência local e alguma penetração nacional.

Embora Falwell assumisse publicamente um alinhamento ao autodeclarado isolamento fundamentalista, focando seus sermões em temas como conversão, métodos de oração e interpretações de passagens bíblicas, o contexto social e político norte-americano, que se acirrava a partir da segunda metade da década de 1950, não foi ignorado pelo pastor.

Ainda em 1958, Falwell proferiu, transcreveu e enviou aos seus fiéis pelo correio o sermão “Segregation or Integration, Which?”, atacando fortemente a decisão da Suprema Corte em 1954, no caso Brown vs Board of Education29 29 A decisão Brown vs Board of Education, de 1954 alterou a interpretação da Suprema Corte com relação a 14ª Emenda que na seção 1 determina que “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis”. , que considerou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas dos Estados Unidos. Segundo o pastor, então defensor da premissa “separate but equal30 30 Separados mas iguais. :

Este exercício indevido de poder pela Corte, contrário à Constituição, está criando caos e confusão nos estados diretamente afetados. Está destruindo as relações amigáveis ​​entre as raças branca e negra que foram criadas ao longo de 90 anos de pacientes esforços das boas pessoas de ambas as raças. Ele plantou ódio e desconfiança onde tinha havido até agora amizade e compreensão31 31 FALWELL, Jerry. Integration or Segregation, 1958. Sermão. Arquivo pessoal: Susan Harding. .

De fato, o apoio nacional do partido Democrata à decisão Brown vs Board of Education aproximou grupos religiosos conservadores do partido Republicano, crítico do que considerava um avanço da Suprema Corte sobre as liberdades individuais. Assim, o partido tornou-se espaço privilegiado para grupos religiosos que, a pretexto de advogar a autonomia legislativa dos estados, defendiam a manutenção da segregação racial institucionalizada. Como aponta Dochuck (2011), embora o partido Democrata da Califórnia tenha tentado se aproximar do eleitorado fundamentalista cristão, a partir dos anos 1960, este grupo foi se tornando cada vez mais desiludido com a agenda partidária, negando-se a abraçar projetos multiculturais ancorados em decisões da Suprema Corte. Neste ponto, a ala mais conservadora do partido Republicano tornou-se extremamente atraente.

Como afirma Lins da Silva (2009, p.105)SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Religião e política na história dos Estados Unidos. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da (org) Uma Nação com alma de Igreja: religiosidade e Políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009,

Em vez de formarem um partido político, os religiosos [conservadores] resolveram influir, se possível tomar, o Partido Republicano, que desde a promulgação da Lei dos Direitos Civis, em 1965 (pelo democrata Lyndon Johnson, do Texas), tornara-se o partido do sul do país (que historicamente era o Democrata), e já fazia muito tempo era o preferido dos conservadores de todas as regiões.

Na percepção de Falwell, compartilhada por defensores do segregacionismo institucionalizado32 32 O documento The Southern Manifesto, assinado por diversos políticos liderados pelo senador Democrata pela Virgínia Harry Byrd, tornou-se representativo da reação segregacionista. Cf. http://alvaradohistory.com/yahoo_site_admin/assets/docs/4SouthernManifesto.1134251.pdf , a decisão de 1954 havia estimulado um caos social em estados do Sul, acirrando tensões raciais até então inexistentes. Interpretando as questões raciais a partir de uma leitura literal e específica da Bíblia33 33 A comprovação bíblica de que a separação das raças era uma vontade divina estaria nos capítulos 8 e 10 do livro de Gêneses. Noé, embriagado e nu, é flagrado por seu filho Cã (pai de Canaã). Este, após ver a nudez do pai, avisa a seus dois outros irmãos, Sem e Jafé. Sem olhar para a nudez de Noé, os dois irmãos o envolvem numa manta para protegê-lo. Após despertar da embriaguez, Noé amaldiçoa Cã, tornando Canaã, seu neto, servo de Sem e Jafé. Segundo a tradição bíblica, os descendentes de Canaã migraram para a África, dando origem, portanto, aos povos negros. O irmão Sem teria dado origem aos povos semíticos: elamitas, assírios, caldeus, hebreus, arameus (ou sírios), diversas tribos árabes e os lídios da Ásia Menor; e Jafé teria dado origem aos povos arianos ou indo-europeu (indo-germânicos). Dessa forma, a maldição bíblica de Noé serviu (e ainda serve) como justificativa religiosa para a submissão e inferiorizarão dos povos negros. , Falwell alertou para o que considerava perigos de desobediência às ordens de Deus, subjugando a Constituição norte-americana aos escritos sagrados. Para o pastor, estabelecendo uma interessante relação entre o cristianismo, política interna e política externa, a maior beneficiada com o fim da segregação nas escolas públicas seria a União Soviética (URSS).

Quem, então, está propagando essa coisa terrível? Em primeiro lugar, eu vejo as mãos de Moscou por trás. Em segundo lugar, vemos aqueles que querem usar uma ferramenta tão terrível como essa para ganhar poder político. Finalmente, vemos o próprio Diabo por trás disso. O que a integração das raças fará conosco? Ela vai, eventualmente, destruir nossa raça. [...] Amigos cristãos, precisamos orar como nunca. Oração muda a coisas. Se orarmos com suficiente fervor, Deus pode tocar os corações dos nossos líderes em Washington, e algo será feito. Ore pela Suprema Corte. Ore pela atual administração. (FALWELL, 1958).

Como aponta Winter (2012), o discurso segregacionista entre os pastores batistas era a norma naquele momento. Embora seja preciso apontar a exceção de Billy Graham que, em 1952, passou a defender a integração racial nas escolas batistas e retirou o muro que separava a seção dos brancos e dos negros em sua igreja. Décadas mais tarde, buscando justificar a sua defesa pela segregação racial no passado, Falwell indicou o contexto em que fora criado como determinante para a posição na época. “Nós sulistas não achávamos que as coisas estavam tão ruins. Mas nós estávamos errados. Poucos de nós perceberam como os negros tinham sofrido.” (FALWELL, 1997FALWELL, Jerry. An Autobiography: The Inside Story. Lynchburg: Liberty House Publishers,1997., p. 304).

Vale apontar a diferenciação implícita entre sulista e negro ainda presente na retórica do pastor no final dos anos 1990, sendo representativo de como tensões raciais ainda permeiam a relação entre grupos religiosos conservadores e a política nos Estados Unidos. Ainda em 21 de março de 1965, durante a Marcha para Selma, Falwell retornaria ao tema e proferiria o histórico sermão: Ministers and Marchs, atacando Martin Luther King e criticando a participação de lideranças religiosas liberais nos protestos pelo país.

Eu realmente questiono a sinceridade e as intenções não violentas de alguns líderes dos direitos civis, como o Dr. Martin Luther King, o Dr. James Farmer e outros, que são conhecidos por terem associações com a esquerda. É muito óbvio que os comunistas, como fazem em todas as partes do mundo, estão se aproveitando da tensa situação em nosso país [...]A igreja precisa novamente se dedicar à tarefa de pregar a Cristo. Educação, medicina, reforma social e todos os outros ministérios externos não podem atender às necessidades da alma e do espírito humano. Se dinheiro e educação pudessem elevar os padrões morais de uma nação, os Estados Unidos já estariam puros.34 34 FALWELL, Jerry. Ministres and Marches, 1965. Arquivo pessoal Susan Harding.

O sermão guarda uma tensão interessante. Se o texto parece reforçar uma visão pré-milenarista, defendendo o afastamento de pastores dos debates públicos, o contexto de sua divulgação revela um indisfarçável desejo de intervir. Não por acaso, Falwell tornou-se uma das principais lideranças fundamentalistas contra o movimento pelos direitos civis, passando a viajar por todo o país, estabelecendo contato com políticos e intelectuais conservadores, com o intuito de defender, contraditoriamente, o não ativismo de lideranças religiosas.

Entretanto, um conjunto de decisões da Suprema Corte, entre as décadas de 1950 e 1970, provenientes de contestações constitucionais empreendidas por grupos ligados, direta ou indiretamente, ao movimento pelos direitos civis, começaram a afetar o autodeclarado isolamento fundamentalista. Nem tanto pelo mérito dos temas discutidos, afinal, sempre havia a opção de retornar para suas congregações e orar pela salvação individual, mas justamente porque tais decisões revelaram um contexto no qual a Suprema Corte e o governo Federal não hesitariam em intervir na própria dinâmica das igrejas, o que no contexto de proliferação das megachurches, suas lideranças não estavam dispostas a aceitar. Como bem observou Eric Foner (1999, p. 300)FONER, Eric. The Story of American Freedom. New York: WW Norton, 1999.:

É uma das ironias mais marcantes da época que se a ‘revolução pelos direitos’ começou nas ruas, alcançou legitimidade constitucional através da Suprema Corte, historicamente o ramo mais conservador do governo. Sob a orientação de Earl Warren [...] a Corte ampliou enormemente os direitos [...] e colocou-os fora do alcance do legislativo e das maiorias locais.

Justamente os espaços onde os fundamentalistas cristãos historicamente exerciam sua influência política. Segundo Devins (1983)DEVINS, Neal. State Regulation of Christian Schools. In: William & Mary Law School Scholarship Repository, 1983., decisões como Brown vs. Board of Education, em 1954, e Abington School District vs. Schempp, em 1963, quando a Suprema Corte declarou inconstitucionais a segregação racial e a oração em escolas públicas, foram contornadas pela manutenção das mesmas em escolas privadas cristãs. Porém, em 1970, a Internal Revenue Service (IRS), órgão do governo federal responsável pelo recolhimento de impostos, proibiu a isenção fiscal para escolas privadas que mantivessem práticas consideradas inconstitucionais para as escolas públicas. Ao longo da década, a IRS escalou suas ações, entrando em rota de colisão com a Bob Jones University, uma das principais instituições de ensino de orientação fundamentalista no país, culminando em uma ação judicial na qual a universidade foi obrigada a devolver os impostos não recolhidos entre 1971 e 1976.

Como afirma Hale (2011)HALE, Grace Elizabeth. A Nation of Outsiders: How the white middle class fell in love with rebellion in postwar America. Oxford University Press: New York, 2011., as ações da IRS assustaram os fundamentalistas, tomando-as como uma agressão inaceitável às suas instituições educacionais, consideradas livres da influência do mundo secular. O relato do estrategista conservador Paulo Weyrich sobre o período é significativo:

O que galvanizou a comunidade cristã [protestante] não foi o aborto, a oração escolar ou o ERA [Equal Rights Amendent]. Eu sou uma testemunha viva disso, eu estava tentando fazer com que essas pessoas ficassem interessadas nessas questões e falhei completamente. O que mudou a ideia deles foi a intervenção de Jimmy Carter35 35 Vale ressaltar que em 1971 o presidente dos Estados Unidos era o republicano Richard Nixon, entretanto, a política da IRS se manteria na mesma direção durante a presidência de Jimmy Carter. nas escolas cristãs. (WEYRICH, Paul. Apud HALE, 201HALE, Grace Elizabeth. A Nation of Outsiders: How the white middle class fell in love with rebellion in postwar America. Oxford University Press: New York, 2011., p. 266).

Em maio de 1979, um grupo de políticos conservadores visitou Falwell em Lynchburg, com o intuito de convidá-lo para assumir a liderança formal do movimento. O encontro, organizado por Robert Billings, que anteriormente havia dirigido a National Christian Action Coalition, contou ainda com a presença de Ed McAteer, líder da Religious Roundtable, e os estrategistas políticos, Howard Phillips e Paul Weyrich, formalizando a aliança entre lideranças religiosas conservadoras de diferentes denominações e estrategistas e intelectuais conservadores e neoconservadores. Conforme aponta Gillis J. Harp (2019)HARP, Gillis. Protestants and American Conservatism: a short history. NY: Oxford University Press, 2019., Tim LaHaye teve papel fundamental para que Falwell assumisse seu engajamento político e a liderança da Moral Majority, apesar das fortes críticas de figuras emblemáticas, como os pastores Pat Robertson e Billy Graham.

Rapidamente a Direita Cristã36 36 Entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, surgiram vários grupos de organização política defendendo as bandeiras da direita cristã. Entre eles: Focus on the family, Concerned Women for America, Family Research Council, Eagle Forum, Traditional Values Coalition, Citizens for Excellence in Education, entre vários outros. , da qual a Moral Majority, seria a principal organização, se tornou uma grande força política nos EUA. Esse movimento acabaria se tornando uma importante base popular para o conservadorismo e para o Partido Republicano, que, com as seguidas decepções dos fundamentalistas com os governos democratas, acabou recebendo a simpatia e tornando-se o abrigo partidário das lideranças da Direita Cristã. As camadas populares, especialmente do sul dos Estados Unidos, não liam os textos de intelectuais conservadores como Leo Strauss ou Irving Kristol, mas assistiam aos programas de Jerry Falwell e a partir dali interagiam com discursos moralizantes e também “aprendiam” a criticar as políticas sociais do governo.

Embora seja corrente a narrativa que atribui a Paul Weyrich a arquitetura da Direita Cristã nos Estados Unidos, dar-lhe o mérito pela concepção do grupo político que ficaria conhecido como Moral Majority talvez seja mais preciso. Uma tendência conservadora de grupos religiosos ao longo da década de 1970 pode ser observada não apenas nos Estados Unidos, como em outras partes do mundo, passando pela própria Igreja Católica, Israel e diversos países mulçumanos. Por outro lado, no contexto norte-americano, para além da intervenção nas escolas cristãs pela IRS, a própria lógica de estruturação das megachurches, colocando igrejas em competição com estado em diversas áreas, fomentou uma forte adesão à defesa do estado mínimo e uma aproximação com o partido Republicano.

Ou seja, ao longo da segunda metade do século XX, a dinâmica de desenvolvimento interno das denominações fundamentalistas, construindo verdadeiras empresas para mediar sua relação com o mundo secular, combinadas com a mudança do perfil demográfico de seus fiéis, corroborou para a construção de uma agenda própria; a decepção com o governo de Jimmy Carter, entretanto, demonstrou que para implementá-la seria necessário um engajamento político estruturado. Tanto Weyrich quanto Falwell declararam posteriormente ter pensado primeiro em uma organização no formato da Moral Majority. Apesar da evidência de que Weyrich ligou primeiro, talvez fosse em algo parecido que Falwell estivesse pensando quando atendeu o telefone. Seja como for, Tim LaHaye e Jerry Falwell já estavam refletindo sobre o passado e o futuro dos Estados Unidos há algum tempo, e não era o outro intelectual conservador, Buckley Jr, que os inspirava diretamente.

O diagnóstico da Moral Majority para os EUA

O projeto de levar o país novamente a um passado idealizado, no qual a orientação bíblica teria sido a responsável pela consolidação de uma grande e próspera nação no Novo Mundo, tornou-se o argumento central das lideranças da Direita Cristã. Jerry Falwell, por exemplo, afirmava que essa expectativa era compartilhada não apenas pelos cristãos devotos, mas pela maioria dos norte-americanos. “Eu acredito que os norte-americanos desejam ver este país voltar às suas origens, voltar aos valores, voltar à moralidade bíblica, voltar à sensibilidade, e voltar ao patriotismo. Os norte-americanos estão à procura de liderança e orientação”. (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p. 17).

Entretanto, um mero chamado ao arrependimento pelos “pecados da nação não teria o poder de mobilizar uma parcela da população norte-americana que estava politicamente desengajada. Era necessário despertar um “senso de urgência” no público-alvo da Direita Cristã, estimulando o registro do voto e a participação eleitoral. Neste sentido, a Moral Majority foi fundada, definindo-se como uma instituição pró-família tradicional, pró-vida e pró-Israel, colocando-se publicamente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e o divórcio. A organização foi subdivida em 4 setores: Moral Majority Political Action Committee, responsável pelo apoio material a candidaturas políticas que refletissem os valores do grupo; Moral Majority Legal Defense Fund, direcionada a travar ou apoiar disputas judiciais contra organizações liberais; Moral Majority Foundation, responsável pelo apoio ao registro eleitoral de seus membros; e a Moral Majority Inc., setor encarregado pela divulgação das ideias do grupo e contato com lideranças políticas. A Moral Majority Inc. tornou-se o setor de maior participação de Jerry Falwell e Tim LaHaye, não apenas coordenando os materiais gráficos enviados aos seus membros, estimados em quase 500 mil ao longo dos anos 1980, mas escrevendo livros de baixo orçamento e linguagem simples, que se tornariam best sellers, alcançando um público maior do que seus membros registrados (HARP, 2019HARP, Gillis. Protestants and American Conservatism: a short history. NY: Oxford University Press, 2019.).

Tanto Listen America! de Jerry Falwell quanto The Battle For the Mind de Tim LaHaye, publicados ao longo do ano de 1980, foram concebidos no contexto de apoio à candidatura do Republicano Ronald Reagan, alinhando-se à agenda reformista do candidato. Ambos buscavam apresentar diagnósticos sobre os Estados Unidos do final da década de 1970 e, também, propor ações práticas que poderiam vir a transformar o país. Comecemos pelos diagnósticos.

Uma fonte comum na qual Falwell e LaHaye basearam grande parte de sua retórica em relação ao contexto norte-americano da década de 1960 e sobre a necessidade de engajamento dos cristãos na política foram as obras de Francis Schaeffer. Pastor e missionário presbiteriano, Schaeffer era um personagem sui generis no contexto protestante conservador norte-americano.

Diferenciando-se dos televangelistas e dos promotores de grandes cruzadas evangelísticas, Schaeffer tornou-se um missionário na Suíça e, junto com sua esposa Edith, abria sua casa para receber viajantes e jovens estudantes com os quais debatia questões religiosas, filosóficas e existenciais numa linguagem mais atrativa para a juventude dos anos 1960. Sua perspectiva teológica e de interpretação da Bíblia era fundamentalista, mas Schaeffer conseguia inserir em suas pregações referências a filósofos, artistas e elementos da cultura pop. Ao mesmo tempo em que defendia uma interpretação literalista do texto bíblico, procurava aproximar-se da juventude discutindo, por exemplo, letras das músicas de Bob Dylan e dos Beatles. Nos Estados Unidos, os livros de Schaeffer fizeram muito sucesso com vendas na casa dos três milhões de cópias (WILLIAMS, 2010WILLIAMS, Daniel. God’s own party: the making of the Christian Right. New York: Oxford University Press, 2010.).

Além disso, tornou-se um palestrante extremamente requisitado em escolas evangélicas, mas também teve oportunidade de falar para plateias compostas por alunos de grandes universidades norte-americanas como Harvard e Boston University (Hankins, 2008HANKINS, Barry. Francis Schaefferand the Shaping of Evangelical America. Grand Rapids: Eerdmans, 2008., p. 75).

Uma interpretação de Schaeffer que se tornou importante na construção do discurso da Direita Cristã do final da década de 1970 era a ideia de que a sociedade ocidental e secularista não apenas estava em oposição, mas havia se tornado hostil ao cristianismo. Assim, o avanço do humanismo secular estava transformando o cristianismo, no contexto da década de 1970, em uma contracultura. Para ele, o sinal mais claro disso teria sido a decisão da Suprema Corte no caso Roe vs. Wade de 197337 37 Em 1976, Schaeffer sintetizou sua crítica da sociedade ocidental e do humanismo secular no livro How Should We Then Live: The Rise and Decline of Western Thought and Culture. O livro se tornou um grande sucesso e, com o apoio de pastores bem relacionados politicamente e alguns magnatas conservadores (como Richard DeVos da Amway), seu conteúdo foi transformado em um ambicioso documentário dividido em treze episódios que fez um grande sucesso entre os evangélicos. . As ideias e o “chamado para a batalha” de Schaeffer inspiraram as lideranças da Moral Majority38 38 LaHaye dedicou o livro The Battle For the Mind a Schaeffer, segundo ele o “renomado filósofo-profeta do século XX”. . Para LaHaye (1980)LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., o humanismo secular, tendo se tornado a base intelectual das instituições governamentais, do meio acadêmico e da mídia norte-americana, tendia a “naturalizar” suas concepções de sociedade para que as pessoas as aceitassem de maneira irrefletida. A consolidação do humanismo secular nos Estados Unidos teria tido seu início com o domínio que seus adeptos passaram a exercer sobre o sistema educacional público na década de 1950:

O auxílio federal para a educação, que teve início realmente em 1957, deu início à dominação humanista de nossas escolas. Desde então, o controle filosófico de nossas escolas passou das comunidades locais para o governo federal, para todos os fins práticos. Para receber o auxílio federal, as escolas têm aceitado políticas aprovadas pelo governo federal que apresentam um pensamento humanista - indiferente aos padrões da comunidade (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 45).

Antes disso, segundo LaHaye, a educação tradicional fornecia o conhecimento necessário sobre ciência, mas também ensinava os princípios morais e abordava temas “realmente importantes” para os seres humanos (De onde vim?; Para onde vou?; Qual o sentido da vida?). Bons teriam sido os tempos do McGuffrey Reader, com suas “referências a Deus, obediência, moralidade e formação do caráter” (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 41), que fora totalmente abolido das escolas ao ser ridicularizado pelos educadores humanistas e liberais. A educação pública “pré-humanista” partia da concepção de um Deus Criador do qual seríamos servos neste mundo e da moral judaico-cristã (baseada no Decálogo). Mas tudo isso teria se perdido, progressivamente, a partir da década de 1920. O grande “ardil” humanista seria dominar a educação pública para conquistar as mentes dos jovens e impor a sua “hegemonia cultural” sobre gerações seguintes.

Segundo os fundamentalistas, outro pilar da disseminação dos valores do humanismo secular na educação norte-americana estava nas universidades. Os principais idealizadores do “projeto” do humanismo secular seriam os docentes do ensino superior - responsáveis pela formação dos novos professores que, segundo LaHaye, reproduziriam o que haviam aprendido para seus estudantes nas escolas públicas. Entre os motivos de “escândalo” dos fundamentalistas estavam: o ensino da teoria da evolução das espécies (seu já “velho inimigo”); as aulas sobre educação sexual; referências consideradas como negativas a Deus e ao cristianismo; ideias liberais sobre política e economia defendidas por alguns professores em sala de aula etc. Uma questão que havia se tornado uma “bandeira de luta” pessoal de LaHaye na Califórnia era a presença de professores homossexuais nas escolas públicas. Eles seriam uma péssima influência para as crianças e fariam parecer normal - e mesmo incentivariam - um “estilo de vida” que seria condenado pelo ensino das Sagradas Escrituras. “Sempre que se permitir que os professores homossexuais exaltem a homossexualidade como um estilo de vida opcional para crianças pré-púberes, a população homossexual dobrará em dez anos” (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 213) - logicamente, LaHaye não apresentava nenhum dado que fornecesse algum subsídio para essa afirmativa.

A consolidação dos Estados Unidos como a “terra da liberdade” só teria se tornado possível graças à “nossa forma de governo baseada na Bíblia e ao nosso incomparável sistema educacional também baseado nos ensinamentos bíblicos” (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 37). Na interpretação de LaHaye, tanto os Pais Peregrinos quanto os Pais Fundadores legaram ao povo norte-americano princípios de organização de governo e da vida em sociedade amplamente baseados em preceitos bíblicos.

LaHaye afirmava que toda essa aceitação de princípios “antibíblicos” na sociedade norte-americana só tinha se tornado viável com o domínio do aparelho estatal pelos “militantes humanistas”. Presidentes, juízes da Suprema Corte, congressistas etc. estariam, em sua grande maioria, a serviço do humanismo secular. Para ele, essa também era a razão do enfraquecimento norte-americano como grande potência mundial e liderança do “mundo livre”. Após a Segunda Guerra Mundial, os líderes políticos dos Estados Unidos estariam mais interessados no “socialismo mundial do que nos Estados Unidos” (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 77). O poder comunista se expandira pelo mundo afora e os insucessos na Coreia e no Vietnã seriam uma demonstração do enfraquecimento da “terra da liberdade”.

Foi neste sentido que Jerry Falwell dedicou todo o primeiro capítulo de seu livro a apontar o que seriam os principais impasses econômicos e diplomáticos dos Estados Unidos naquele momento, tecendo fortes críticas a políticas assistenciais geridas pelo Estado,

Até os primeiros dias deste século foi amplamente reconhecido que igrejas e outras instituições privadas tinham a responsabilidade principal, não apenas com relação à educação, mas também com os cuidados de saúde e de caridade. O caminho para derrotar o assistencialismo na América é, para aqueles que desejam ver a lei de Deus restaurada no nosso país, ofertar [doações] totalmente a organizações que retiram do governo as tarefas que são tratadas mais apropriadamente por instituições religiosas e privadas [...] (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p.11-24).

Falwell encontra na Bíblia, citando Paulo de Tarso, terceiro capítulo do livro II Tessalonicenses, os argumentos para se contrapor aos programas assistenciais geridos pelo governo:

Intimando-vos irmãos, em nome de nosso senhor Jesus Cristo, que eviteis a convivência de todo irmão que leve vida ociosa e contrária à tradição que de nós tendes recebido. Sabeis perfeitamente o que deveis fazer para nos imitar. Não temos vivido entre vós desregradamente, nem temos comido de graça o pão de ninguém. Mas, com trabalho e fadiga, labutamos noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos poder para isso, mas foi para vos oferecer em nós mesmos um exemplo a imitar. Aliás, quando estávamos convosco, dizíamos formalmente: Quem não quiser trabalhar não tem o direito de comer. Entretanto, soubemos que entre vós há alguns desordeiros, que não trabalham, e são intrometidos. A esses indivíduos ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer. Vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem.

Falwell completa a passagem perguntando: “Quando o governo se preocupa com seu povo, por que seu povo deveria se preocupar consigo mesmo?” (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p. 64). Como se fosse, portanto, um desdobramento lógico das políticas assistenciais estatais, Falwell volta sua análise para os perigos do comunismo. Para o pastor, os norte-americanos, após a 2ª Guerra Mundial, observaram apáticos o avanço comunista nos Estados Unidos, ignorando a influência de Moscou na política interna. Temas como educação, família, homossexualidade e pornografia são abordados na segunda parte do livro, intitulado Morality - The Deciding Factor, retratados tanto como provas da degeneração da nação, quanto como espaços privilegiados para a ação.

Do discurso à ação

Mas a importância de Falwell e LaHaye na história do conservadorismo religioso norte-americano não estava relacionada apenas ao campo da retórica e da crítica à “decadência” moral e espiritual da sociedade norte-americana. Apesar de, como dissemos, Listen America e The Battle for the Mind terem sido importantes pilares para o discurso da Direita Cristã na virada da década de 1970, o conteúdo dessas obras também apresentava algo que as diferenciava de um discurso fundamentalista “genérico” (moralista e “escatológico”): propostas de atuação práticas/pragmáticas no campo da política.

A última parte do livro Listen, América é toda dedicada a instrumentalizar o leitor sobre como atuar politicamente. O primeiro passo seria registrar-se para votar. Falwell alerta que “uma pesquisa nacional recente indicou que oito milhões de evangélicos norte-americanos não estão registrados para votar. Estou convencido de que este é um dos principais pecados da igreja hoje (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p. 226).

Jerry Falwell segue não apenas conclamando os fiéis a se registrarem, mas também agentes políticos a visitarem igrejas no estimulo ao registro. O passo seguinte seria informar-se, de preferência filiando-se à Moral Majority.

Esse é um dos principais motivos pelos quais criamos Moral Majority. Queremos manter o público informado sobre vitais questões morais [...] Nosso objetivo é exercer uma influência significativa na direção espiritual e moral de nossa nação da seguinte forma: a) mobilizando as bases de norte-americanos morais em uma só voz clara e eficaz; b) informando à maioria moral o que está acontecendo pelas suas costas em Washington e nas legislaturas estaduais do país; c) fazendo forte pressão no Congresso para derrotar projetos de esquerda e os custos do welfare que corroerão nossa liberdade; d) pressionando pela aprovação de leis positivas [...] e) ajudando a maioria moral nas comunidades locais a combater a pornografia, a homossexualidade, a defesa da imoralidade nos livros escolares e outras questões que todos nós enfrentamos (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p. 227).

E, por último, Falwell aponta para a necessidade de mobilização:

Como o governo tem o poder de controlar várias áreas e atividades de nossas vidas, é vital que nós, norte-americanos preocupados, compreendamos a importância de nosso envolvimento no processo político [...] uma de suas mais importantes obrigações é escrever ou telefonar para o seu representante eleito para expressar sua opinião sobre questões morais e legislativas. (FALWELL, 1980FALWELL, Jerry. Listen, America. New York: Doubleday, 1980., p. 230)

Entretanto, Falwell destaca que esses passos devem ser orientados para a construção de uma maioria moral, não restrita a divisões teológicas. A construção dessa maioria não começaria nas igrejas, mas em casa, com os pais e mães assumindo a responsabilidade de educar moralmente seus filhos baseados nos textos bíblicos. Falwell então remete à LaHaye, como quem logrou conjugar a defesa de padrões morais mínimos e atuação política.

O último capítulo de The Battle for the Mind começa com uma improvável epígrafe de John F. Kennedy (um dos presidentes mais rejeitados pelos fundamentalistas): “Do not ask what America can do for you; ask what you can do for America”.39 39 Há uma alteração, se acidental ou deliberada não sabemos, na citação de LaHaye em relação ao discurso original de Kennedy de 20 de janeiro de 1961, no qual ele disse: “And so, my fellow Americans: ask not what your country can do for you - ask what you can do for your country”. Intitulado “What you can do”, esse capítulo é uma espécie de “cartilha” sobre como o pro-moral citizen engajado poderia e deveria agir na arena política. Inicialmente, ele reafirma três questões espirituais que sempre fizeram parte da retórica fundamentalista: oração pelas autoridades; continuar pregando e compartilhando as “verdades do Evangelho” (quanto mais conversos, melhor a sociedade); e ter ações condizentes com uma genuína fé cristã. Mas, após essas exortações de fundo espiritual, LaHaye elenca uma série de ações pragmáticas que deveriam ser tomadas para “resgatar” a “América para Jesus”: promoção de uma campanha nacional para registro de eleitores;40 40 Isso seria uma necessidade para dar maior peso eleitoral aos grupos fundamentalistas. “We have already pointed out that between 8 and 10 million Christians are not even registered to vote” (LAHAYE, 1980. p. 229). A fonte de tais números não foi mencionada. prestar auxílio voluntário às campanhas de candidatos comprometidos com valores morais;41 41 Nos anos que se seguiram, LaHaye se consolidou como uma grande referência sobre mobilização eleitoral para a Direita Cristã, sendo inclusive coordenador-geral da campanha de reeleição de Ronald Reagan. Na campanha presidencial de 1984 Nos anos que se seguiram, LaHaye se consolidou como uma grande referência sobre mobilização eleitoral para a Direita Cristã, sendo inclusive coordenador-geral no segmento religioso da campanha de reeleição de Ronald Reagan em 1984 LaHaye criou em 1984 uma associação chamada American Coalition for Traditional Values (ACTV) que tinha por objetivo impulsionar o registro de mais eleitores conservadores. engajar-se em “desmascarar” candidatos defensores de projetos e concepções humanistas; informar-se e buscar informar os amigos e vizinhos sobre as propostas e a conduta moral dos candidatos; caso se sinta preparado, o cristão deve considerar concorrer a algum cargo público; e, por fim, engajar-se e ajudar no sustento de organizações pro-moral. Para LaHaye, os cristãos, além de não apoiar, deveriam fazer campanha contrária a candidatos que defendessem bandeiras como:

Aborto sob demanda; Equal Rights Amendment; Descriminalização da prostituição; Aprovação da homossexualidade e do lesbianismo; Leniência em relação à pornografia; Sobreposição dos direitos das crianças sobre o direito dos pais; Legalização da maconha; Jogos de Azar; Enfraquecimento nacional pelo desarmamento (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980., p. 137-138).

Além desse receituário de ações práticas a serem tomadas pelos cristãos na arena política, um ponto importante, que já está presente na Moral Majority e aparece explicitamente no livro de LaHaye, é a possibilidade de aliança com outros grupos religiosos e sociais que estejam em sintonia com suas demandas. LaHaye (1980, p. 187)LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980. dizia que “por trinta anos, tenho sido um fundamentalista bíblico com fortes convicções doutrinárias. [...] A batalha contra o humanismo, no entanto, não é teológica; é moral.” A busca de aliados na construção de seu projeto conservador de nação deixava questões religiosas e alguns “desvios morais” em segundo plano. Os “heréticos” católicos, judeus e mórmons tornaram-se importantes aliados dos fundamentalistas nas cruzadas contra os ataques aos “valores da família”, como na questão do aborto, do combate à pornografia e à educação sexual “laica” nas escolas públicas.

Talvez nunca seja possível precisar o grau de colaboração que ambos os livros tiveram na vitória de expressiva de Ronald Reagan nas eleições de 04 de novembro de 198042 42 Reagan venceu em 489 dos 538 colégios eleitorais. .

A mobilização em torno da campanha de Reagan “selou” uma aliança mais próxima entre as tendências mais conservadoras do protestantismo norte-americano - especialmente os fundamentalistas - e o Partido Republicano. Apesar de nunca ter sido um cristão dos mais “fervorosos”, Reagan percebeu a enorme força de mobilização da Direita Cristã desde seu período como governador da Califórnia e procurou fortalecer laços com suas lideranças (LaHaye entre elas) e abraçar publicamente algumas de suas bandeiras, especialmente na área da moralidade. De acordo com Williams (2010, p. 123)WILLIAMS, Daniel. God’s own party: the making of the Christian Right. New York: Oxford University Press, 2010., em seu mandato como governador ele “assinou uma dura legislação contra a obscenidade, bem como uma medida que permitia aos pais retirarem seus filhos das aulas de educação sexual”. O discurso afinado com os valores da Direita Cristã se manteve na campanha presidencial e durante os mandatos de Reagan. A Reaganation se apresentava como um resgate dos verdadeiros “valores americanos”, da idealizada “América Cristã” para os cristãos conservadores:

Nas entrelinhas do discurso de Reagan se escondia uma forma de imaginar a nação pautada por um ideal mais étnico do que cívico, no qual a América e os estadunidenses eram definidos por características essencializadas e naturais, dadas por Deus, e não por direitos políticos e sociais associados à cidadania. Para Reagan, sob a visão de mundo neoconservadora, o verdadeiro estadunidense, nacionalista, era o oposto dos homens que apoiavam os programas de bem estar social, os direitos civis e as regulamentações, bem como dos homens que participavam de tais programas ou defendiam tais causas. O verdadeiro estadunidense, que refletia o ideal de nação “verdadeiro”, era aquele que, com a liberdade individual e a independência dada por Deus, era, essencialmente ou naturalmente, empreendedor, produtivo, competitivo e valorizava as tradições sociais e morais, como a família e a comunidade. Acima de tudo o estadunidense, nesta visão de mundo, confiava em um futuro divinamente ordenado para ele e para a nação, desde que trabalhasse duro e realizasse as obras de Deus na terra: era o “sonho americano”, o resgate do passado mítico e a liderança mundial (MOLL NETO, 2010MOLL NETO, Roberto. Reaganation: a nação e o nacionalismo (neo)conservador nos Estados Unidos (1981-1988). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, 2010., p. 129).

Reagan não agradou a Direita Cristã apenas no terreno da retórica. Durante seu governo, figuras de destaque entre os fundamentalistas ocuparam cargos no governo federal, como o parceiro de Francis Schaeffer na luta contra a legalização do aborto, Everett Koop, para o cargo de surgeon general e Robert Billings para um importante cargo no Departamento de Educação do governo norte-americano, sendo responsável pela coordenação dos seus dez escritórios regionais. Cada vez mais organizados politicamente e articulados como uma força determinante dos rumos do Partido Republicano - de acordo com Finguerut (2009, p. 131)FINGUERUT, Ariel. Formação, crescimento e apogeu da direita cristã nos Estados Unidos. (in) SILVA, Carlos Eduardo Lins da (Org) Uma Nação com alma de Igreja: religiosidade e Políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009., “em 1992, 47% dos delegados à convecção nacional do partido eram cristãos renascidos” - eles se tornaram personagens fundamentais dentro dos rumos da política norte-americana.

Entretanto, mais do que a organização política Moral Majority em si, que terminaria em 1989, ambas as obras deixaram um legado importante para a contínua atuação da Direita Cristã na política norte-americana. Se o projeto da Moral Majority não logrou constituir de fato uma maioria, no auge contou com 500 mil associados, definiu o modelo a ser seguido: a construção de uma maioria politicamente engajada na defesa de uma moral ancorada em um passado cristão idealizado dos Estados Unidos.

Considerações finais

Buscamos, ao longo do texto, demonstrar que a constituição da Direita Cristã norte-americana no final da década de 1970 não pode ser compreendida apenas pelos seus aspectos sincrônicos, o que de fato gerou nos anos 1980 uma certa onda de surpresa na imprensa e entre cientistas políticos. Embora o contexto tenha sido determinante para a articulação de pastores fundamentalistas em um grupo de engajamento político, a Moral Majority, estes nunca se afastaram totalmente dos debates públicos e políticos ao longo do século XX, flutuando entre uma atuação mais marcante e mais discreta. A conformação das megachurches a partir da década de 1950, com todo o seu aparato educacional, não apenas impulsionou a crítica à intervenção do Estado, como também concedeu-lhes a oportunidade de praticar diferentes suportes de interação social, desde programas de televisão a envio de folhetos via mala direta.

A publicação de livros de baixo custo e em linguagem acessível apenas refletiu a experiência acumulada em décadas de comunicação direta com o público, tornando-se um dos vários intrumentos utilizados para a divulgação de um projeto de sociedade, articulando uma interpretação bíblica da história dos Estados Unidos, que se arvora originalista, pois baseada em uma pretensa literalidade analítica, com projetos políticos contemporâneos motivados por uma dita moral fundamentalista cristã que não é tão sólida quanto defendem seus agentes. Assim como a legalização do aborto em 1973 foi majoritariamente ignorada pelos fundamentalistas cristãos, suas alianças políticas não partem de visões cristalizadas no tempo.

Atualmente, mais uma vez vemos na imprensa e na intelectualidade norte-americana palavras um certo ar de supresa ao observarem o forte apoio da Direita Cristã a Donald Trump. Na verdade, as coincidências entre Trump e Reagan vão muito além dos seus slogans de campanha. A busca por aliados na construção de seu projeto conservador de nação pode deixar questões religiosas e alguns “desvios morais” em segundo plano.

É preciso compreender a Direita Cristã como mais um ator político no tabuleiro norte-americano, com suas contradições e flutuações. Enquanto forem vistos por seus críticos e adversários através dos seus aspectos mais retóricos e esterotipados, terão de ouvir falas como a de Jerry Falwell Jr que, para justificar sua aproximação com Donald Trump, relembrou os motivos para o apoio que seu pai, Jerry Falwell, havia dado ao então candidato Republicano Ronald Reagan há 40 anos:

Quando ele entrou na cabine de votação, não estava elegendo um professor de escola dominical, um pastor ou mesmo um presidente que compartilhava suas crenças teológicas; ele estava elegendo o presidente dos Estados Unidos, com os talentos, habilidades e experiência necessárias para liderar uma nação [...] Afinal, Jimmy Carter era um ótimo professor de escola dominical, mas veja o que aconteceu com nossa nação com ele na presidência.43 43 COSTA, Robert. JOHNSON, Jenna. Evangelical leader Jerry Falwell Jr. endorses Trump. The Washington Post, Washington DC, 26∕01∕2016, Politics. Disponível em <https://www.washingtonpost.com/news/post-politics/wp/2016/01/26/evangelical-leader-jerry-falwell-jr-endorses-trump/>. Acesso em: 20 de out. 2019.

  • Coordenação do Dossiê Direitas nos Estados Unidos e Brasil durante a Guerra Fria
    Mary Anne Junqueira e Marcos Napolitano
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e toda a bibliografia empregada são referidas no artigo. Os autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo.
  • 4
    De acordo com Corrigan e Hudson (2018)CORRIGAN, John. HUDSON, Winthrop. Religion in America. NY: Routledge, 2018, o evangelicalismo seria mais uma ênfase na importância atribuída à experiência religiosa pessoal (especialmente a da conversão) do que um sistema teológico ou um conjunto específico de denominações. Sua origem remonta aos grandes movimentos de reavivamento espiritual dos séculos XVIII e XIX. No contexto norte-americano contemporâneo, os principais grupos considerados evangelicals compartilham essa importância da experiência de conversão pessoal, embora alguns enfatizem a importância da interpretação literalista do texto bíblico (fundamentalistas) e outros, as experiências sobrenaturais com o Espírito Santo (pentecostais). Outro termo utilizado para esse grupo, que deixa clara a importância dada à conversão ou “novo nascimento”, é o de born again christians. Após a Segunda Guerra Mundial, ganhou força entre as lideranças ligadas à National Evangelicals Association (NAE) a noção de neo-evangelicalism, que pode ser melhor compreendida através das mensagens do famoso pastor batista Billy Graham. De acordo com Axel Schäfer (2012, p. 10)SCHÄFER, Axel. Piety and public funding: evangelicals and State in modern America. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2012., os neo-evangélicos procuraram se estabelecer como uma “terceira força” no campo protestante norte-americano, diferenciando-se tanto do fundamentalismo quanto do liberalismo teológico. Apesar de sustentarem um discurso menos “beligerante” do que os fundamentalistas, eles se aproximavam mais do espectro conservador do protestantismo norte-americano em relação à forma de interpretação do texto bíblico, da ênfase na necessidade da experiência pessoal de conversão, da moralidade tradicional e do nacionalismo e anti-comunismo. No discurso midiático e entre alguns acadêmicos, os termos fundamentalista e evangelical são utilizados muitas vezes como sinônimos, como identificadores de um protestantismo conservador e “branco” nos Estados Unidos. Adotamos aqui a tradução de evangelical por evangélico, mesmo sabendo que tal tradução também está envolta nessas polêmicas e distinções conceituais imprecisas.
  • 5
    Todas as traduções são dos autores.
  • 6
    Embora cientes da imprecisão do termo “norte-americano∕a”, optaremos pela utilização do mesmo, posto ser o mais usual entre leitores brasileiros.
  • 7
    Uma definição mais precisa será apresentada adiante.
  • 8
    É um entendimento corrente entre os diversos pesquisadores do período que o primeiro a utilizar o termo foi o batista conservador Curtis Lee Laws, em 1920, para definir a sua facção dentro da disputa que se travava entre liberais e conservadores na Convenção Batista do Norte.
  • 9
    Enzo Pace e Piero Stefani (2002, p. 20)PACE, Enzo; STEFANI, Piero. Fundamentalismo religioso contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2002. buscam uma delimitação mais clara com relação aos movimentos fundamentalistas destacando o “primado do livro” nas expressões de fé fundamentalistas. Entre os elementos que seriam essenciais para se caracterizar um movimento fundamentalista, os autores elencam: “a) a crença no princípio da inerrância do conteúdo do livro sagrado”; “b) princípio da astoricidade da verdade e do livro que a conserva, significa que a razão não tem poderes para conceber historicamente a mensagem religiosa nem deve ousar adaptá-la às novas condições que se vão produzindo no decurso dos tempos”; e a “c) crença de que é possível deduzir do livro sagrado um modelo integral de sociedade perfeita” somada ao “princípio da superioridade da lei divina sobre a lei terrena”. Dessa forma, no mundo contemporâneo, o fundamentalismo seria um movimento de reação ao processo de secularização da sociedade - com, numa perspectiva weberiana, a emancipação das diferentes esferas do conhecimento - defendendo a retomada do papel central da religião na organização da sociedade.
  • 10
    A aprovação da lei, ocorrida em 1925, foi articulada pelo então deputado estadual John W. Butler, líder da World Christian Fundamentals Association, organização fundada em 1919 com o objetivo de promover o “novo protestantismo”, baseado em uma perspectiva pré-milenarista das profecias bíblicas. A lei, conhecida como Butler Act, só seria revogada em 1967.
  • 11
    Alguns autores têm buscado fazer uma revisão dessa história do conceito de fundamentalismo. A própria academia teria adotado um discurso simplista de que o fundamentalismo seria o último refúgio de pessoas amedrontadas com o mundo moderno e inimigas da ciência. Seria importante levar-se em conta o fato de que o uso do conceito fundamentalismo ou do adjetivo fundamentalista quase sempre aparecem em discursos anti-fundamentalistas (HARDING, 1991HARDING, Susan. Representing fundamentalism: the problem of the repugnant cultural other. Social Research, Vol. 58, nº 2, 1991. (p. 373-393).; WATT, 2017WATT, David. Antifundamentalism in modern America. Ithaca; London: Cornell University Press, 2017.).
  • 12
    Julgamento do macaco.
  • 13
    Mesmo com todas as adversidades, o fundamentalismo ainda atraía o interesse de muitas pessoas e, ao contrário do que possa parecer, o movimento continuou a ganhar adeptos. Bjerre-Poulsen (1988, p. 95)BJERRE-POUSEN, Niels. The Transformation of the Fundamentalist Movement, 1925 - 1942 (in) American Studies in Scandinavia, Vol. 20, 1988. buscou atestar essa informação através da constatação do crescimento de denominações declaradamente fundamentalistas. Entre 1926 e 1940, os batistas do sul conquistaram cerca de 1,5 milhão de novos adeptos - num total de 4.949.174 membros - e as pentecostais Assembleias de Deus, muito fortes entre brancos do sul dos Estados Unidos, passaram de 47.950 para 198.834 membros no mesmo período.
  • 14
    A partir da década de 1920 e 1930, o rádio passou a ser utilizado por importantes figuras do protestantismo norte-americano como meio de evangelização. Além de Charles Fuller, podemos citar ainda Aimee Semple McPherson, Paul Rader e Billy Graham (este último nos anos 1940) como pioneiros em fazer pregações e adaptar suas mensagens para o novo veículo. Para uma análise mais aprofundada sobre o impacto do rádio na religiosidade norte-americana ver HANGEN, 2002.
  • 15
    O conceito “liberal” nos Estados Unidos difere muito da compreensão que se tem na América Latina e mesmo na Europa. A partir dos anos 1930, o termo passou a ser associado aos apoiadores das políticas de bem-estar do New Deal que, sem contestarem o capitalismo, buscavam minimizar seus efeitos perversos. Liberdade, para esses liberais, não se limitaria à “liberdade de mercado” (SOUSA, 2013SOUSA, Rodrigo Farias de. William F. Buckley Jr., National Review e a crítica conservadora ao liberalismo e os direitos civis nos EUA, 1955-1968. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, 2013.).
  • 16
    Para alguns pesquisadores, a lógica de uma vida comunitária em torno da igreja pode ser encontrada desde o século XVIII nos Estados Unidos, preferindo o termo: modern megachurch para caracterizar o fenômeno da segunda metade do século XX.
  • 17
    Vale ressaltar a proeminente atuação dos pastores televangelistas Jim Bakker, Pat Robertson, James Robinson, dentre outros, que, por limites de espaço, serão abordados quando relacionados às trajetórias dos pastores Tim LaHaye e Jerry Falwell, objetos deste artigo.
  • 18
    Left Behind é uma série muito popular nos Estados Unidos e também nos ambientes influenciados pelo fundamentalismo protestante ao redor do mundo, inclusive no Brasil. De acordo com Timothy Weber (2004, p. 194)WEBER, Timothy. On the Road to Armaggedon: How Evangelicals Became Israel’s Best Friend. Baker Academic, 2004., cada autor - até o momento em que Weber havia escrito sua obra - já havia embolsado mais de 50 milhões de dólares em royaltes. A história é, basicamente, uma interpretação literalista do livro do Apocalipse dentro do contexto geopolítico das décadas de 1990 e 2000. O arrebatamento pré-tribulacional dos crentes ocorre, o Anticristo controla a ONU e cria um sistema econômico global integrado. Enquanto isso, um pequeno grupo de cristãos norte-americanos, que devido à sua falta de fé foram “deixados pra trás” no advento do Arrebatamento, combate as forças do mal, aguardando o desfecho final.
  • 19
    O pré-milenarismo é uma tendência da escatologia cristã que advoga que Jesus Cristo inaugurará um reinado de mil anos após a sua Segunda Vinda. O dispensacionalismo é uma perspectiva pré-milenarista na qual o plano de Deus relativo à salvação do homem deve ser compreendido a partir de uma divisão em sete períodos (dispensações) atestados biblicamente, sendo o último período o reinado milenar de Cristo na Terra.
  • 20
    Referência ao livro The Act of Marriage: The Beauty of Sexual Love escrito pelo casal LaHaye que vendeu, de acordo com Timothy Weber (2004, p. 192)WEBER, Timothy. On the Road to Armaggedon: How Evangelicals Became Israel’s Best Friend. Baker Academic, 2004., mais de 2,5 milhões de cópias.
  • 21
  • 22
  • 23
    No terreno da escatologia, LaHaye teve muito sucesso ainda nos anos 1970 com seu livro The Beginning of the End (1972) - de acordo com Boyer (1992, p. 188), “outro popular best seller do início da década de 1970” - e mais uma série de outros trabalhos (como Revelation: Illustrated and Made Plain de 1973 e No fear of the storm: why Christians will escape all the Tribulation de 1977.
  • 24
    Em 1980, às vésperas da eleição que levaria Reagan à Casa Branca, LaHaye (1980, p. 155)LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980. dizia que “Ronald Reagan foi governador do maior estado da União por oito anos, 1967 a 1974, onde ele reduziu o tamanho do governo, dos programas de bem-estar social e do desperdício, deixando o estado com mais de 500 milhões de dólares em caixa”.
  • 25
  • 26
    Apelido dado ao grupo de amigos liderados por Jerry Falwell que cometiam pequenos delitos em Lynchburg.
  • 27
    Vale ressaltar que para os protestantes em geral, a palavra dissenters (dissidentes) não possui uma conotação pejorativa. Mas remonta aos primeiros dissidentes do período da reforma religiosa.
  • 28
    A Baptist Bible Fellowship, localizada em Springfield, Missouri, é uma organização composta por igrejas fundamentalistas dissidentes da World Baptist Fellowship, criada em 1950 pelo pastor J. Frank Norris.
  • 29
    A decisão Brown vs Board of Education, de 1954 alterou a interpretação da Suprema Corte com relação a 14ª Emenda que na seção 1 determina que “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis”.
  • 30
    Separados mas iguais.
  • 31
    FALWELL, Jerry. Integration or Segregation, 1958. Sermão. Arquivo pessoal: Susan Harding.
  • 32
    O documento The Southern Manifesto, assinado por diversos políticos liderados pelo senador Democrata pela Virgínia Harry Byrd, tornou-se representativo da reação segregacionista. Cf. http://alvaradohistory.com/yahoo_site_admin/assets/docs/4SouthernManifesto.1134251.pdf
  • 33
    A comprovação bíblica de que a separação das raças era uma vontade divina estaria nos capítulos 8 e 10 do livro de Gêneses. Noé, embriagado e nu, é flagrado por seu filho Cã (pai de Canaã). Este, após ver a nudez do pai, avisa a seus dois outros irmãos, Sem e Jafé. Sem olhar para a nudez de Noé, os dois irmãos o envolvem numa manta para protegê-lo. Após despertar da embriaguez, Noé amaldiçoa Cã, tornando Canaã, seu neto, servo de Sem e Jafé. Segundo a tradição bíblica, os descendentes de Canaã migraram para a África, dando origem, portanto, aos povos negros. O irmão Sem teria dado origem aos povos semíticos: elamitas, assírios, caldeus, hebreus, arameus (ou sírios), diversas tribos árabes e os lídios da Ásia Menor; e Jafé teria dado origem aos povos arianos ou indo-europeu (indo-germânicos). Dessa forma, a maldição bíblica de Noé serviu (e ainda serve) como justificativa religiosa para a submissão e inferiorizarão dos povos negros.
  • 34
    FALWELL, Jerry. Ministres and Marches, 1965. Arquivo pessoal Susan Harding.
  • 35
    Vale ressaltar que em 1971 o presidente dos Estados Unidos era o republicano Richard Nixon, entretanto, a política da IRS se manteria na mesma direção durante a presidência de Jimmy Carter.
  • 36
    Entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, surgiram vários grupos de organização política defendendo as bandeiras da direita cristã. Entre eles: Focus on the family, Concerned Women for America, Family Research Council, Eagle Forum, Traditional Values Coalition, Citizens for Excellence in Education, entre vários outros.
  • 37
    Em 1976, Schaeffer sintetizou sua crítica da sociedade ocidental e do humanismo secular no livro How Should We Then Live: The Rise and Decline of Western Thought and Culture. O livro se tornou um grande sucesso e, com o apoio de pastores bem relacionados politicamente e alguns magnatas conservadores (como Richard DeVos da Amway), seu conteúdo foi transformado em um ambicioso documentário dividido em treze episódios que fez um grande sucesso entre os evangélicos.
  • 38
    LaHaye dedicou o livro The Battle For the Mind a Schaeffer, segundo ele o “renomado filósofo-profeta do século XX”.
  • 39
    Há uma alteração, se acidental ou deliberada não sabemos, na citação de LaHaye em relação ao discurso original de Kennedy de 20 de janeiro de 1961, no qual ele disse: “And so, my fellow Americans: ask not what your country can do for you - ask what you can do for your country”.
  • 40
    Isso seria uma necessidade para dar maior peso eleitoral aos grupos fundamentalistas. “We have already pointed out that between 8 and 10 million Christians are not even registered to vote” (LAHAYE, 1980LAHAYE, Tim. The battle for the mind: a subtle warfare. New Jersey: Fleming H. Revell, 1980.. p. 229). A fonte de tais números não foi mencionada.
  • 41
    Nos anos que se seguiram, LaHaye se consolidou como uma grande referência sobre mobilização eleitoral para a Direita Cristã, sendo inclusive coordenador-geral da campanha de reeleição de Ronald Reagan. Na campanha presidencial de 1984 Nos anos que se seguiram, LaHaye se consolidou como uma grande referência sobre mobilização eleitoral para a Direita Cristã, sendo inclusive coordenador-geral no segmento religioso da campanha de reeleição de Ronald Reagan em 1984 LaHaye criou em 1984 uma associação chamada American Coalition for Traditional Values (ACTV) que tinha por objetivo impulsionar o registro de mais eleitores conservadores.
  • 42
    Reagan venceu em 489 dos 538 colégios eleitorais.
  • 43
    COSTA, Robert. JOHNSON, Jenna. Evangelical leader Jerry Falwell Jr. endorses Trump. The Washington Post, Washington DC, 26∕01∕2016, Politics. Disponível em <https://www.washingtonpost.com/news/post-politics/wp/2016/01/26/evangelical-leader-jerry-falwell-jr-endorses-trump/>. Acesso em: 20 de out. 2019.

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Fontes

Editado por

Editores Responsáveis
Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Fev 2020
  • Aceito
    03 Set 2020
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