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ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIA: DISPUTAS DE NARRATIVA NO NACIONALISMO HINDU 1998-20051 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas neste texto. Todos os autores participaram de todas as etapas da pesquisa e elaboração do artigo.

BETWEEN HISTORY AND MEMORY: NARRATIVE DISPUTES IN HINDU NATIONALISM 1998 - 2005

Resumo

O Movimento Nacionalista Hindu, por meio de suas organizações, disputa com historiadores profissionais as narrativas sobre o passado da Índia, ao advogar por uma versão do passado que contribua para a construção de um sentimento de orgulho nacional, destruído, segundo seus adeptos, pela narrativa histórica considerada contrária aos sentimentos religiosos da parcela hindu da sociedade. Políticos ligados ao movimento fomentam o revisionismo historiográfico inspirando-se no hindutva – ideologia etnonacionalista de supremacia da religião e cultura hindu. No presente artigo, buscamos elucidar a dinâmica da disputa de narrativas sobre o passado indiano, assim como as motivações de seus atores, mobilizando, para tanto, o conceito de uso pragmático da memória de Paul Ricoeur.

Palavras-chave
Índia; Nacionalismo Hindu; memória; revisionismo; usos do passado

Abstract

The Hindu Nationalist Movement, through its organizations, disputes with professional historians the narratives of India’s past, advocating for a version of the past that contributes to the construction of a sense of national pride, destroyed, according to its followers, by the narrative historic considered contrary to the religious sentiments of the Hindu portion of society. Politicians linked to the movement foment historiographical revisionism, taking their inspiration from the Hindutva – ethno nationalist ideology of supremacy of Hindu Culture. In this article, we seek to elucidate the dynamics of the narrative dispute about the Indian past, as well as the motivations of its actors, mobilizing, for that, Paul Ricoeur’s concept of pragmatic use of memory.

Keywords
India; Hindu Nationalism; memory; revisionism; uses of the past

Introdução

O Movimento Nacionalista Hindu, surgido durante as lutas pela independência da Índia contra a colonização britânica (1858-1947), baseia-se na chamada ideologia hindutva ou “hinduidade” – um conjunto de características culturais que define a nação indiana como sendo essencialmente hindu, não contemplando, neste critério, indianos pertencentes a outras religiões, especialmente mulçumanos e cristãos. As bases teóricas desta ideologia foram lançadas pelo líder nacionalista Vinayak Damodar Savarkar, em seu panfeto Hindutva: who is a Hindu? (1923), fonte primária para se compreender o movimento.

O termo hindutva é frequentemente utilizado para denominar, além da ideologia, o próprio movimento e seus integrantes. Uma de suas principais reivindicações é a defesa da supremacia da religião hindu sobre as outras religiões da Índia, caracterizando-se como uma forma de nacionalismo étnico-religioso. Os nacionalistas hindus são representados pela família de organizações (Sangh Parivar), cujo braço político é o Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party), atualmente no Governo da Índia. Essa vertente nacionalista desenvolveu-se em oposição ao nacionalismo de caráter cívico, representado pelo partido Congresso Nacional Indiano (CNI) e liderado por políticos como Mahatma Gandhi e Jawahlal Nehru, que defendiam a ideia de nação ecumênica, socialista e pluralista, uma vez que, para os representantes do CNI, a nacionalidade deveria ser pensada em termos territoriais e não religiosos-culturais.

Desde as primeiras vitórias eleitorais do partido Bharatiya Janata, o movimento vem implantando, gradativamente, a agenda ideológica hindutva no país. Além das tensões com as minorias4 4 De acordo com o último Censo da Índia, hindus compõem 80.5% da população, seguidos por mulçumanos 13.4% e cristãos 2.3%. Disponível em: http://censusindia.gov.in/Census_ Data_2001/India_at_glance/religion.aspx. Acesso em: 16 de novembro de 2020 cristã e islâmica, os políticos e grupos de pressão do nacionalismo hindu realizam intervenções no modelo educacional indiano, o que inclui alteração no currículo escolar, banimento de livros e perseguição a intelectuais5 5 JAIN, Rupam; LASSETER, Tom. By rewriting history, Hindu nationalists aim to assert their dominance over India. Disponível em: https://www.reuters.com/investigates/special-report/india-modi-culture/. Acesso em: 22 jul. 2018. REDDEN, Elizabeth. The religious war against American scholars in India. Disponível em: www.insidehighered.com/news/2016/04/12/scholars-who-study-hinduism-and-india-face-hostile-climate. Acesso em: 22 jul. 2018. não alinhados à ideologia hindutva. Uma de suas principais bandeiras é o revisionismo dos livros de História nos temas referentes às datações históricas, à formação étnica da população indiana, ao papel social da mulher na Índia Antiga e às representações sobre a sociedade de castas.

Com o presente artigo, objetivamos compreender as diferentes narrativas sobre o passado indiano e a relação destas com os diferentes modelos de nação, assim como com os grupos que os representam. Para tanto, analisamos os impactos da chegada da historiografa moderna na Índia, seus principais objetos de disputa e a expansão da ideologia hindutva para outros países a partir do Caso dos Livros da Califórnia.

História nacionalista e disputa de narrativas

No período que se seguiu ao início do domínio britânico, a escrita sobre o passado da Índia foi sistematicamente racionalizada, perdendo seu tradicional caráter mítico pedagógico. O paradigma da historiografa moderna foi transmitido por meio das faculdades missionárias cristãs, dos centros de treinamento para funcionários públicos criados pelo governo colonial e das escolas indianas a partir da reforma educacional de 1835, que instituiu o ensino em língua inglesa em todo o país. O tipo de consciência histórica ensinada comunicava os valores do governo imperialista, como a noção de progresso linear pela superação do passado, que justificava a presença britânica na Índia como um movimento natural da História rumo à civilização do país. As narrativas patrocinadas pelos colonizadores enfatizavam a diferença e a peculiaridade da cultura indiana, em um modelo que veio a ser chamado de orientalista:

O orientalismo é um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre ‘Oriente’ e ‘Ocidente’. Desse modo, uma enorme massa de escritores, entre os quais estão poetas, romancistas, flósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como ponto de partida para elaboradas teorias, romances, descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, dos seus povos, costumes, ‘mentalidade’, destino e assim por diante (SAID, 1990, p. 14SAID, Edward Wadie. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.).

A disciplina História passou a fazer parte do currículo educacional indiano, adquirindo um status central como transmissora da ideologia da superioridade cultural e da missão civilizatória europeia. O material didático, distribuído pelo governo britânico, realçava as conquistas culturais da civilização europeias em contraposição à ausência de civilização indiana no período anterior às invasões árabes (IGERS; WANG, 2008, p. 103). Tradicionalistas, como Mahatma Gandhi, questionavam a validade do ensino de História ocidental aos indianos, defendendo o valor da memória como fonte legítima para compreensão nativa do próprio passado:

Eu não desejo prender a atenção do leitor com minhas especulações sobre o valor da História considerada como instrumento da evolução de nossa raça. Eu acredito no provérbio que diz que feliz é a nação que não tem uma história. Minha teoria predileta é que nossos ancestrais hindus resolveram a questão para nós ignorando a história tal qual ela é compreendida hoje em dia e construindo sua estrutura flosófica a partir das sutilezas dos eventos. E eu olho para Gibbon e Motley6 6 O britânico Edward Gibbon (1737-1794) e o americano John Motley (1814-1877) foram celebrados historiadores ocidentais. como edições inferiores do [épico hindu] Mahabharata (GANDHI, 1924, p. 164GANDHI, Mohandas. My jail experiences-XI. Collected Works of Mahatma Gandhi, 1924.)7 7 GANDHI, Mohandas Karamchand. My jail experiences – XI. Collected Works of Mahatma Gandhi, 1924.

A preocupação de Gandhi, segundo Sheth (2017, p. 38)SHETH, Dhirubhai. At home with democracy: a theory of Indian politics. New Delhi: Palgrave Macmillan, 2017., era que a historicização do passado da Índia tivesse efeitos contrários a seu projeto de nação ecumênica, pois a periodização em termos religiosos, proposta pelos historiadores britânicos, fortalecia a ideia de Índia como composta por duas nações: uma hindu e outra muçulmana. A perspectiva gandhiana, entretanto, não prevaleceu e a importância intelectual e pedagógica que o governo atribuía à disciplina História incentivou a internalização de paradigmas ocidentais tanto pelos nacionalistas quanto pelos novos historiadores indianos. Como demonstra a primeira História da Índia, escrita no idioma local hindi, Itih sa Tirirn aka (História como destruidora das trevas), de Raja Sivaprasad (1864). A obra, embora crítica ao governo britânico, já manifestava a assimilação da noção ocidental de História como motor do progresso e fundadora da identidade nacional.

No mesmo período, desenvolveu-se na Índia uma historiografa econômica de linha marxista, que também funcionava nos moldes iluministas de racionalidade e progresso e que se caracterizava pelo interesse no presente e na história recente, sem muito destaque para a questões culturais ou religiosas. Os autores marxistas indianos optavam por uma crítica ao governo colonial feita a partir de análises da exploração econômica e da drenagem de riqueza por meio do imperialismo de livre comércio. Uma das primeiras obras dessa linha historiográfica foi A record of progress during one hundred year (Um registro do progresso em cem anos), de Romesh Dutt (1897)DUTT, Romesh Chunder. England and India: a record of progress during hundred years. 1785-1885. London: Chatto and Windus, 1897.. Nesta obra, o autor e membro do Congresso Nacional Indiano se utiliza de critérios modernos de representação histórica, inclusive da categoria “progresso”, para demonstrar que o governo britânico na Índia provocava, na verdade, desindustrialização e retrocesso do país:

Este ano foi de prosperidade no Império Britânico ao redor do mundo, enquanto na Índia, foi o ano mais desastroso desde que o país passou para seus domínios. Mas a fome de 1897 é apenas uma de uma série de calamidades [...] triste observar que a despeito da administração civilizada, da construção de rodovias e canais tal calamidade ocorra, em um país com solo fértil e população industriosa [...] a história do governo britânico na Índia tem sido marcada por reformas, o que justifica a esperança por reforma no futuro. O pessimismo que não reconhece reformas no passado é tolo e falso, mas o otimismo que espera progresso no futuro é igualmente ingênuo e danoso (DUTT, 1897, p. 11DUTT, Romesh Chunder. England and India: a record of progress during hundred years. 1785-1885. London: Chatto and Windus, 1897.).

Dutt, historiador que inaugurou a História Econômica na Índia, foi presidente do Partido Congresso Nacional Indiano, fazendo parte da ala dos reformadores moderados, nacionalistas que buscavam melhorar as condições de vida dos indianos e aperfeiçoar as relações com o governo britânico, dialogando com ele a partir dos mesmos conceitos utilizados pelo colonizador ocidental. A outra corrente nacionalista, que rivalizava com esta, é a representada pelo Nacionalismo Hindu, que buscava a identidade nacional no passado remoto, notadamente o da Índia Antiga. Essa linha foi estimulada a partir do trabalho de indologistas como William Jones, Mountstuart Elphinstone e Max Müller, que comparavam a Índia Antiga à Grécia e Roma e celebravam as conquistas indianas na área de flosofa, matemática e astronomia. Esses eruditos aplicavam o modelo renascentista europeu à periodização da História da Índia e exaltavam a Idade Antiga, enquanto defniam a Idade Média como a “Idade das Trevas”, representadas pela chegada dos árabes islâmicos. Esse modelo inspirou a construção do mito da “Era de Ouro Védica”, que teria sido protagonizada por nobres arianos e destruída por estrangeiros.

Em 1786, Sir William Jones, juiz e linguista inglês a serviço da Coroa Britânica em Calcutá, anunciou a semelhança entre o sânscrito, o grego e o latim, o que sugeriu um parentesco linguístico entre indianos, gregos e romanos. Sua descoberta deu início à Indologia, um campo de estudos que relaciona a língua, a cultura e a história indo-europeia e que teve como ponto de partida a tese de que europeus e indianos possuíram, em algum momento da história, as mesmas raízes étnicas e culturais. O orientalista alemão Max Müller (1823-1900), inspirado na descoberta de Jones, elaborou a Teoria da Migração Ariana, que veio a se tornar um dos principais temas de disputa entre nacionalistas hindus e historiadores. Segundo Müller (1889)MÜLLER, F. Max. The six systems of Indian Philosophy. London: Wakeman Press, 1889., ondas migratórias teriam ocupado gradualmente o nordeste da Índia por volta de 1500 a.C., compostas pelos chamados povos arianos8 8 Do sânscrito aryā (nobre), termo pelo qual os pertencentes a esse grupo referiam-se a si mesmos. ou indo-europeus, pastores seminômades originários do norte da Europa, que falavam o sânscrito, cultuavam deuses masculinos e guerreiros e mantinham uma sociedade patriarcal. Descobertas posteriores levaram à conclusão de que esse grupo já seria composto por diferentes etnias.

Ao chegarem ao território indiano, esses grupos teriam encontrado uma sociedade camponesa composta pelos povos de língua dravídica, uma população heterogênea que incluía possíveis descendentes da grande Civilização do Vale do Indo. A chegada dos indo-europeus marcaria o início do chamado período védico, numa referência aos Vedas, conjunto de hinos laudatórios sânscritos que estão entre os documentos religiosos mais antigos da humanidade, e que são considerados até hoje cânones sagrados do hinduísmo. (LITTLETON, 1973, p. 32LITTLETON, Scott. The New Comparative Mythology: an anthropological assessment of the theories of Georges Duménzil. Berkeley: University of California Press, 1973.).

Uma das principais objeções dos nacionalistas hindus em relação à Teoria da Migração refere-se à questão das datações, pois de acordo com os livros sagrados e os mitos de origem, a Índia existiria como uma civilização homogênea, completa e culturalmente integrada há mais de 8.000 anos ou mesmo desde “tempos imemoriais”:

Eruditos orientalistas têm afirmado que o Geeta [Bhagavat Gita] deve ter ocorrido cerca de 1500 a 2000 anos antes do nascimento de Buda. E Buda viveu cerca de 600 a.C. Evidentemente, o Mahabharata tem, pelo menos, 4500 a 5000 anos. Se levarmos em consideração que o Mahabharata retrata uma sociedade altamente organizada e elaborada, no ápice de seu poder e glória, e tentarmos descobrir quanto tempo uma raça levou para chegar àquele estágio, nós deveremos voltar muitos milhares de anos no passado desconhecido [...]. Se após 2000 anos após a influência humanizadora de Cristo, o Ocidente mal conseguiu apagar os vestígios de seus antepassados bárbaros [...] nós, hindus, fomos indubitavelmente os donos desta terra por 8 ou mesmo 10 mil anos antes de ela ter sido invadida por raças estrangeiras (GOWALKAR, 1939, p. 42GOWALKAR, Sadashiv. We or our nationhood defned. Nagpur: Bharat Publications, 1939.).

Para Subrahmanyam (2013, p. 3)SUBRAHMANYAM, Sanjay. Is Indian Civilization a Myth? Ranikhet: Permanent Black, 2013., a essência do confito a respeito das datações está na noção de que no primeiro milênio a.C. o conceito de “civilização indiana” já estivesse plenamente desenvolvido. O nacionalismo hindu costuma representar a Índia como autossuficiente e homeostática, isto é, capaz de apenas exportar cultura, mas nunca de ser influenciada por agentes externos.

Embora alguns opositores contestem tanto a ideia de uma migração estrangeira, quanto o período de composição dos Vedas, as datações elaboradas por Müller continuaram a predominar na Academia, mesmo depois de relativizadas pelo próprio autor anos mais tarde:

Os Vedas [...] são, para nós, guias únicos e inestimáveis ao abrir diante de nossos olhos as tumbas de conhecimento mais ricas do que as relíquias das tumbas reais do Egito e mais antigos em pensamento do que os mais antigos hinos dos poetas babilônicos ou acádios. Se aceitarmos que eles pertençam ao segundo milênio antes de nossa era, estaremos provavelmente em terreno seguro, apesar de não devermos esquecer que esta data é uma mera construção, e que ela não se torna verdadeira apenas pelo fato de ser repetida [...]. Qualquer que seja a data dos hinos védicos, se 1500 ou 15.000, eles têm seu lugar único e se afirmam por si mesmos na literatura mundial (MÜLLER, 1889, p. 34MÜLLER, F. Max. The six systems of Indian Philosophy. London: Wakeman Press, 1889.)9 9 No original: “Whatever the Vedas may be called, they are to us unique and priceless guides in opening before our eyes tombs of thought richer in relics than the Royal tombs of Egypt, and more ancient and primitive in tought than the oldest hymns of Babylonian or Acadian poets. If we grant that they belonged to the second millennium before our era, we are probably on safe ground, thought we should not forget that this is a constructive date only, and that such a date does not became positive by mere repetition […]. Whatever may be the date of the Vedic hymns, whether 1500 or 15.000, they have their own place and stand by themselves in the literature of the world” (MÜLLER, 1889, p. 34). .

O primeiro modelo de migração, que considerava uma invasão, viria justificar, entre outras coisas, as diferenças étnicas entre indianos de pele escura do Sul e os de pele clara do Norte da Índia, e seria mais tarde instrumentalizado pelo nazismo alemão no mito da “raça ariana” (THAPAR, 1987THAPAR, Romila. Comunalism and the writing of Indian history. New Delhi: People’s Publishing House, 1987.). Posteriormente, a ideia inicial de que ocupação da Índia pelos grupos indo-europeus houvesse ocorrido por meio de uma invasão foi descartada por especialistas, com base no avanço de pesquisas arqueológicas e linguísticas que apontam para um processo gradual de migração e aculturação.

A negação da migração ariana tornou-se, de pronto, uma bandeira dos nacionalistas hindus, que perceberam a importância da narrativa histórica para a formação da identidade nacional. Uma das primeiras publicações sobre o tema, no estágio inicial do nacionalismo hindu, foi The Artic Home in The Vedas (1903), na qual o ativista pró-independência, Bal Gangadhar Tilak, sugere o Ártico como pátria original das tribos arianas. Percebe-se que, nesse momento, a natureza imigrante dos falantes de sânscrito ainda é aceita pelos integrantes desta corrente nacionalista. Porém, anos mais tarde, Madhav Gowalkar, líder supremo da organização nacionalista hindu Rashtyia Swayamsevak Sangh (RSS), negou veementemente a teoria segundo a qual os grupos falantes de sânscrito teriam vindo de fora da Índia: “E afinal de contas, qual a autoridade para provar que nós temos uma natureza imigrante? O obscuro testemunho de acadêmicos ocidentais? Bem, não deve ser desconsiderado que o complexo de superioridade do ‘Homem Branco’ macula sua visão” (GOWALKAR, 1939, p. 35GOWALKAR, Sadashiv. We or our nationhood defned. Nagpur: Bharat Publications, 1939.)10 10 Grifo nosso. No original: “And after all what authority is there to prove our immigrant nature? The shady testimony of Western scholars? Well, it must not be ignored that the superiority complex of ‘The White Man’ blurs their vision”. (GOWALKAR, 1939, p. 35). .

Observe-se que Gowalkar projeta o passado na identidade do presente ao construir uma memória do povo indiano como descendentes dos fundadores da cultura védica. Entendemos que Gowalkar não pretendia, ao elaborar uma hipótese diferente da de Tilak, desautorizar um dos pais do movimento pela independência da Índia. Propôs, então, uma saída inusitada; Tilak não estaria errado em sugerir o Ártico como origem das tribos arianas, porque o Polo Norte, em um passado remoto, já teria se localizado na Índia:

Tilak propôs o Ártico como origem dos arianos. Nós podemos concordar com ele que originalmente os arianos, isto é, os hindus, viveram na região do Polo Norte. Mas, ele não estava ciente que, em tempos antigos, o Polo Norte, e com ele o Ártico, não estava onde está nos dias de hoje [...]. Se é assim, será que nós deixamos a Zona Ártica e viemos para a Índia ou nós estávamos o tempo todo aqui e o Ártico é que se moveu para o norte? Se Tilak tivesse sabido disso em seu tempo de vida, ele certamente teria proposto que o Ártico como lar dos arianos teria sido a própria Índia e não foram os hindus que imigraram para Índia, mas o Ártico que emigrou e deixou os hindus em seu lugar (GOWALKAR, 1939, p. 44-45GOWALKAR, Sadashiv. We or our nationhood defned. Nagpur: Bharat Publications, 1939.).

Embora a curiosa hipótese de deslocamento do Ártico, proposta do Gowalkar, não tenha se sustentado, a ideia de que os falantes de sânscrito criadores da sociedade védica seriam indianos nativos, a chamada teoria da origem indiana (Out of India theory) ou dos arianos autóctones (Indigenous aryas theory) tornou-se um postulado para os nacionalistas hindus. Essa narrativa propõe que as línguas indo-europeias11 11 São considerados falantes de línguas indo-europeias os anatólios, tocarianos, iranianos, indo-arianos, gregos, celtas, germânicos, itálicos, bálticos, armênios e albaneses. , ou pelo menos as indo-arianas12 12 Indo-arianos são os idiomas predominantes no norte da Índia atual, além de Paquistão, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Maldivas. , tenham sido originadas dentro do subcontinente indiano, negando o modelo dominante13 13 De acordo com o modelo prevalente, a cultura proto-indo-iraniana, que deu origem aos indo-arianos e iranianos, desenvolveu-se nas estepes da Ásia Central, ao norte do Mar Cáspio, como cultura Sintashta (2100–1800 a.C.) na atual Rússia e Cazaquistão, e se desenvolveu como a cultura Andronovo (1800-1400 a. C.), ao redor do mar de Aral. Os proto-indo-iranianos, então, migraram para o sul, para a cultura Bactria-Margiana, da qual emprestaram suas crenças e práticas religiosas distintas. Os indo-arianos se separaram dos iranianos por volta de 1800 a.C. a 1600 a.C. Depois disso, os indo-arianos migraram para a Anatólia e a parte norte do sul da Ásia (Afeganistão moderno, Bangladesh, Índia, Paquistão e Nepal), enquanto os iranianos se mudaram para o Irã, ambos trazendo consigo as línguas indo-iranianas. WITZEL, Michael. Linguistic Evidence for Cultural Exchange in Prehistoric Western Central Asia. In: Philadelphia: Sino-Platonic Papers 129, December, 2003, p. 1-70. que considera a região que engloba Ucrânia, Rússia e Cazaquistão como origem desses grupos linguísticos. Entre as diferentes vertentes da teoria, a mais adotada pelos simpatizantes da ideologia hindutva defende que o idioma indo-europeu tenha se originado no norte da Índia e de lá migrado para as outras regiões do globo, e não o inverso.

Defendemos que a narrativa sobre a formação do povo indiano constitui uma memória que é moldada pelos interesses de diferentes grupos, a partir de seus próprios quadros sociais de memória. O primeiro grupo é formado pelos orientalistas ocidentais, como Max Müller. Segundo Thapar (1987, p. 3)THAPAR, Romila. Comunalism and the writing of Indian history. New Delhi: People’s Publishing House, 1987., os orientalistas, especialmente os de origem alemã, desiludidos com as mudanças ocorridas na Europa desde a Revolução Francesa e as invasões napoleônicas, buscavam uma nova utopia romântica a ser encontrada na Índia Antiga, uma nova matriz cultural distinta do restante da civilização ocidental. Esses intelectuais discordavam dos funcionários britânicos que consideravam a cultura hindu selvagem, primitiva e irracional.

O segundo grupo a se apropriar da narrativa sobre as origens da civilização indiana foram os sem-casta (pariah), também chamados intocáveis ou dalits. Ao contrário dos estudiosos coloniais e nacionalistas, que consideravam os indo-aryas como fundadores da civilização hindu, o reformador social Jotirao Phule14 14 Jotirao Phule (1827-1890), nascido em uma casta sudra, a quarta mais baixa na hierarquia de quatro castas hindus, foi um reformador social que lutou pela erradicação do sistema de castas. Phule criou o termo político dalit (oprimido, marginalizado) para substituir o termo religioso pariah, que designava os sem-casta. , em seu livro Gulamgiri (Escravidão, 1873), elaborou uma contra narrativa na qual representou os arianos como invasores estrangeiros, criadores do sistema de castas, enquanto os śśdra, a mais baixa das quatro castas, e os intocáveis seriam os verdadeiros descendentes dos habitantes originais da Índia. Segundo Kumar (2018, p. 3)KUMAR, Ashish. Aryans and non-Aryans: a study of Dalit narratives of India´s Ancient Past. Contemporary voice of Dalits, v. 10, n. 2, jul. 2018, p. 1-11. Disponível em: http://doi.org/10.1177/2455328X18785288. Acesso em: 20 nov. 2019.
http://doi.org/10.1177/2455328X18785288...
, Phule identificava tanto os brâmanes, quanto os sultões islâmicos, como opressores e reconhecia nos missionários cristãos o mérito de mostrar aos intocáveis que eles possuíam dignidade humana.

Para o terceiro grupo, representado pelos nacionalistas hindus, a ideia de que parte da cultura que compôs aquilo se tornou o hinduísmo tenha vindo do estrangeiro desafa um dos principais alicerces da ideologia hindutva, ou seja, a noção de nacionalidade étnica baseada em sangue, solo e memória religiosa. Como reação, militantes do movimento acusam a teoria da migração de ser uma conspiração colonialista para aviltar os indianos, alijando-os de seu passado e sua identidade:

Infelizmente, a abordagem eurocêntrica da teoria da invasão ariana não tem sido questionada, particularmente por hindus. Curiosamente, mesmo os marxistas anticoloniais assumiram essa visão como se fosse sua própria. Mesmo especialistas nos Vedas como Dayanand Saraswati, Tilak e Aurobindo a rejeitaram, enquanto a maioria dos hindus a aceitaram passivamente. Eles permitiram que ocidentais, frequentemente estudiosos cristãos, interpretassem a sua história, onde eles e o hinduísmo têm um papel muito reduzido. [...] Universidades na Índia ainda utilizam essas traduções inglesas dos Vedas que propõem essas visões que denigrem sua cultura e seu país (FRAWLEY, 2005, p. 57FRAWLEY, David. The Myth of Aryan Invasion of India. New Delhi: Voice of India, 2005.).

Notemos que um padrão comum a todas essas narrativas, tenham sido elas construídas pelo método histórico ou não, é a reação a um desequilíbrio de poder nas relações. Sejam românticos europeus diante da burguesia liberal, castas baixas oprimidas pela autoridade religiosa dos brâmanes, nacionalistas dominados pelos colonizadores ou hindus menosprezados por mulçumanos e cristãos; a busca de uma compensação no passado pela falta de poder no presente parece marcar a elaboração das narrativas em disputa, assim como a animosidade com a qual elas são defendidas. Isso se dá, entendemos, devido ao caráter eminentemente afetivo da memória, ligada à subjetividade e aos estados anímicos. São os afetos que, sob o critério do agradável ou desagradável, operam a seletividade da memória na dinâmica entre lembrança e esquecimento. O caráter afetivo da memória se manifesta tanto no recorte pelo qual o passado é lido e interpretado, quanto no ressentimento que se revela diante das dificuldades em se fazer valer a versão defendida pelo grupo de pertença.

Outro elemento que se manifesta nessa disputa de narrativas é o que denominamos caráter transitivo da memória: o intercâmbio de valores, tradições e modos de pensar que circulam entre os grupos culturais que estabelecem relações entre si, sejam de oposição ou de cooperação, uma vez que a memória é formada no processo dialético entre identidade e alteridade. É desse modo que as memórias de um grupo podem vir a ser formatadas pelos quadros sociais de outro grupo, mesmo os supostamente antagônicos. Tal manifestação é perceptível no processo de internalização dos valores europeus pelos indianos; como a supervalorização da História como forma de legitimação da memória, a necessidade de historicizar os mitos e a aceitação acrítica da periodização da Índia baseada na religião dos governantes, modelo elaborado pelo colonizador.

Ricouer (2014, p. 82) aborda o fenômeno dos abusos de que é passível a memória a partir de seu exercício. A memória é exercitada quando exige uma busca, um esforço consciente de se trazer à tona o passado, essa intencionalidade que se manifesta no impulso com finalidades pragmáticas expõe a memória a possíveis distorções comprometedoras de seu caráter veritativo. Uma delas é a manipulação para fns ideológicos, algo que se dá quando a memória é mobilizada a serviço de uma reinvindicação. Em tais circunstâncias, a memória não emerge à consciência de modo espontâneo, o que Ricoeur denomina memória natural, mas é buscada como um meio para se chegar a um fim pragmático, que pode ser alcançado tanto pelo excesso, por meio da repetição constante e incisiva da lembrança que se quer incutir na consciência, ou pela falta, quando se promove o esquecimento das memórias concorrentes ou inconvenientes:

O cerne do problema é a mobilização da memória a serviço de uma busca, da demanda, da reivindicação da identidade. Entre as derivações que dele resultam conhecemos alguns sintomas inquietantes: excesso de memória, em tal região do mundo, portanto, abuso de memória – insuficiência de memória, em outra, abuso, portanto, do esquecimento. Pois bem, é na problemática da identidade que se deve buscar a causa da fragilidade da memória assim manipulada. Essa fragilidade se acrescenta àquela propriamente cognitiva que resulta da proximidade entre imaginação e memória, e nesta encontra seu incentivo e adjuvante (RICOEUR, 2014, p. 94RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. São Paulo: Unicamp, 2014.).15 15 Grifo nosso

A manipulação da memória pode levar a distorções da realidade que visam legitimar sistemas de poder constituídos, ou a lutas por um poder que se pretende conquistar. Comumente, a manipulação da memória envolve questões de identidades feridas por violências fundadoras como guerras, invasões ou colonização; quando, no início da formação de uma comunidade, um grupo social suprime o outro por meio da força. As categorias propostas por Ricoeur iluminam a compreensão sobre o uso, e abuso, da memória indiana pelos diferentes grupos e seus quadros sociais. O Movimento Nacionalista Hindu, representado pela família de organizações Sangh Parivar, dirige especial atenção ao passado da Índia Antiga, procurando historicizar uma narrativa que não atende aos critérios acadêmicos da História e que, ao mesmo tempo, fossiliza a memória ao desconsiderar seu caráter mutável, moldável, idiossincrático e transitivo.

Hindutva e a escrita da História

O controle sobre a produção da História acadêmica tornou-se uma das principais metas dos nacionalistas hindus. Desde suas primeiras vitórias eleitorais, o partido nacionalista Bharatiya Janata (BJP) tem feito ingerências nos livros da disciplina, além de promover o banimento de obras historiográficas e ataques a historiadores que desafem as narrativas defendidas pelo movimento. O trabalho de revisionismo histórico vinha sendo aplicado, já há várias décadas, nas Saraswati Shishu Mandirs e Vidya Bharati, instituições de ensino primário e secundário mantidas pela RSS, organização sênior do nacionalismo hindu. A nível regional, o revisionismo e as versões da história baseadas na ideologia hindutva já apareciam nos livros editados nos estados indianos cujos governadores eram membros do BJP. A prática tomou maiores proporções quando o BJP conquistou influência nacional.

Uma das primeiras medidas tomadas pelo partido nacionalista hindu ao participar do Governo Federal por meio de uma coligação de várias l inhas partidárias, em 1998, foi estabelecer uma nova estrutura curricular nacional para alterar o conteúdo dos livros didáticos, afirmando que a educação indiana deveria ser indianizada, nacionalizada e espiritualizada (GUICHARD, 2010, p. 1GUICHARD, Sylvie. The construction of history and nationalism in India. London: Routledge, 2010.).

As alterações representaram uma ruptura em relação as estruturas curriculares defnidas em 1972 e 1986, que enfatizavam democracia, justiça social e integração nacional, através da apreciação dos diferentes grupos étnico culturais que formam a sociedade indiana. De acordo com as novas diretrizes, o objetivo do ensino de História seria desenvolver o espírito e a consciência nacional, gerando nos jovens indianos o orgulho pelo passado da Índia e por seu ethos religioso-flosófco único. Compreendamos esse ethos como os valores da religião majoritária, o hinduísmo.

O partido promoveu a introdução de novas disciplinas consideradas afnadas com a cultura da Índia Antiga como Sânscrito e Astrologia, além de determinar alterações nos livros escolares de História, centradas, especialmente, em representar os islâmicos como causadores da decadência da civilização hindu. As mudanças provocaram reações de intelectuais e professores e o BJP foi acusado de tentar “talibanizar a escrita da História”16 16 WIENER, John. The Talibanization of Hindu History in India. 2014. Disponível em: https://www. thenation.com/article/talibanization-hindu-history-india/. Acesso em: 29 dez. 2019. , ao que contestaram:

Considerando a suprema importância do papel da educação no desenvolvimento nacional, é angustiante que nossos esforços em relação à educação, nas últimas cinco décadas, tenham sido caracterizados pela evidente falta de frmeza de propósitos. Nós herdamos do nosso passado colonial um sistema largamente imitativo e de qualidade não muito alta, e mesmo essa qualidade parece ter decaído nos últimos anos. Seria bom termos uma visão da situação da educação na Índia quando os ingleses chegaram. [...] a educação nativa no início do século XIX era comparável àquela alcançável em qualquer outro lugar e o sistema de educação britânica não era, de modo algum, superior (JOSHI, 1994, p. 26JOSHI, Murli Manohar. Reorientating Education. Dehli: Seminar, n. 417, May, 1994, p. 26.)17 17 No original: “Considering the supreme importance of the role of education in national development, it is distressing that our educational endeavours in the last fve decades should have been characterized by evident infrmity of purpose. We inherited from our colonial past a largely imitative system of not very high quality, and even that quality seems to have declined in recent years. It would be interesting to have a glimpse of the state of education in India when the British came. […] the Indian education system during the early 19th century was comparable to that obtainable elsewhere and the British educational system was no way superior” (JOSHI, 1994, p. 26). .

O autor do trecho supracitado, Murli Manohar Joshi, foi ministro da Ciência e Tecnologia da Índia entre 1998 e 2004, com o suporte da Organização Nacionalista Hindu RSS, que indicou membros para cargos de direção em órgãos centrais da educação, como o Conselho Indiano de Pesquisa em Ciências Sociais (ICSSR) e o Conselho Nacional para Pesquisa e Treinamento Educacional (NCERT). Enquanto esteve no cargo, Joshi implantou vários pontos da agenda educacional hindutva, coordenando a alteração dos livros escolares (JAFRELLOT, 2007, p. 271).

O acirrado debate que se seguiu à alteração dos livros editados pelo NCERT ofereceu uma plataforma para a polarização política das duas divergentes concepções de nação e modelos de historiografa, representadas, de um lado, pelas organizações nacionalistas hindus e, do outro, pelos partidos da esquerda secularista, ambos disputando a versão oficial sobre o passado da Índia. O NCERT é uma instituição federal responsável por elaborar o currículo nacional e produzir os livros didáticos a serem adotados nas escolas públicas do país. Foi criado no início dos anos 60 do século XX, sob o governo do Partido Congresso Nacional Indiano (CNI), quando Jawahalal Nehru18 18 Jawahalal Nehru, Primeiro Ministro da Índia de 1947 a 1964, é considerado o fundador do moderno Estado Nação Indiano. Nehru delineou uma nação indiana voltada à modernização pelos seguintes meios: unidade nacional, socialismo, democracia parlamentarista, industrialização e desenvolvimento do pensamento científco. PAREKH, Bhiku. Nehru and the National Philosophy of India. Economic and Political Weekly. 26 January, 1991, p. 35-48. ocupava o cargo de Primeiro-Ministro. Trata-se de um órgão, em princípio, autônomo, mas sua diretoria é indicada pelo partido político que estiver no poder. Assim, a estrutura do modelo educacional, no momento de sua criação, refletia os objetivos do CNI: promover a modernização da Índia, o socialismo, a integração das diversas comunidades e o desenvolvimento do pensamento científco. Seguidora do paradigma da nação cívica, fundada pela História e voltada para o futuro e o progresso, a política educacional do CNI entendia que o ensino escolar deveria ser laico e primar pelo conhecimento acadêmico, em lugar das narrativas baseadas na memória mítica e na tradição. Ademais, é perceptível a influência de uma geração19 19 Os livros oficiais de História da Índia, produzidos pelo NCERT, foram coordenados por comitê composto por eminentes historiadores indianos como Tara Chand, Nilakanta Sastri, Mohammad Habib, Bisheshwar Prasad, Branasi Prasad. Saxena e Patul Gupta. Essas obras são, ainda hoje, referências acadêmicas para a História da Índia, como Ancient India (1966) e Medieval Índia (1967) de Romila Thapar, utilizados na sexta e sétima séries do ensino fundamental, além de outros autores como Ram Sharan Sharma, Satish Chandra, Bipan Chandra e Arjun Dev. Todos produzidos entre as décadas de 1960 e 1970, com atualizações regulares. de historiadores marxistas na historiografa do período, tanto na opção pela perspectiva socioeconômica de análise, como na tendência a minimizar a importância dos fatores culturais, como as rivalidades religiosas.

Com o retorno do Partido Congresso Nacional Indiano, vitorioso nas eleições de 2004, a política educacional do Partido Bharatiya Janata foi revertida, sob a coordenação de novos diretores dos institutos de educação, indicados pelo CNI. Foi determinado o retorno à estrutura curricular anterior, com a edição de novos livros e a remoção das alterações. As disputas, entretanto, não se encerraram.

O caso dos livros da Califórnia

A diáspora indiana e atuação da militância hindutva por meio do Conselho Mundial Hindu (Vishwa Hindu Parishad), em diversos países, além da circularidade cultural da religiosidade hindu com a conversão de ocidentais a seitas de matrizes indianas, levou à internacionalização do confito, ultrapassando as barreiras nacionais. A agenda ideológica hindutva rompeu as fronteiras da Índia e chamou a atenção da comunidade acadêmica internacional quando, em abril de 2005, organizações hindus propuseram cento e cinquenta modificações nos livros escolares de história, adotados para a sexta série do ensino fundamental no estado americano da Califórnia, sob o argumento de que as representações sobre a Índia e o hinduísmo, lá contidas, eram equivocadas e desrespeitosas. Os editos tratavam de temas variados, os pontos mais polêmicos, entretanto, foram sobre a questão da migração ariana, a posição social da mulher na Índia Antiga e a natureza do sistema de castas (GUICHARD, 2010, p. 82GUICHARD, Sylvie. The construction of history and nationalism in India. London: Routledge, 2010.).

Vale mencionar que, a cada seis anos, o Conselho Estadual de Educação da Califórnia (State Board of Education) submete os livros escolares à apreciação de pais e entidades educacionais, sendo que outros grupos religiosos como judeus, mulçumanos e cristãos também propuseram modificações nos livros em nome de uma maior exatidão nas informações sobre suas religiões. Entretanto, nenhuma das propostas causou tão ampla discussão quanto as elaboradas pelos representantes do hinduísmo.

Em 2005, foram avaliados os livros de História e Ciências Sociais. Pais de alunos hindus, por meio da Fundação Educacional Hindu e da Fundação Védica do Texas, escreveram ao Departamento Educacional afirmando que os livros da sexta série continham visões degradantes e estereotipadas dos hindus. Embora houvesse, de fato, dados equivocados sobre cultura indiana, as organizações nacionalistas hindus incluíram na lista de alterações informações que, além de não estarem corroboradas pela História acadêmica, haviam sido tema de intensa disputa política na Índia no ano anterior.

De acordo com Visweswaran et al. (2009)VISWESWARAN, Kamala et al. The Hindutva view of history: rewriting textbooks in India and the United States. Georgetown Journal of International Affairs, v. 10, n. 1, p. 101-112, 2009., os editos propostos afirmavam que Civilização do Vale do Indo teria sido formada por arianos nativos, apresentavam indianos de outras religiões como estrangeiros, negavam as relações hierárquicas de gênero e casta, além de apresentar uma versão particular do hinduísmo baseado nos Vedas, obliterando aspectos do hinduísmo popular, como politeísmo.

A primeira decisão do Conselho Estadual de Educação foi no sentido de aprovar as alterações. Porém, pouco antes de elas serem sancionadas, quarenta e sete acadêmicos de diversas Universidades do mundo enviaram uma carta20 20 Carta de 47 Indologistas ao Conselho Educacional da Califórnia, em 8 de novembro de 2005. Disponível em: http://www.friendsofsouthasia.org/textbook/LettersOfSupport.html. Acesso em: 22 nov. 2019. de protesto ao Conselho, alertando para o caráter político-religioso da solicitação. Um comitê foi organizado sob a liderança dos indologistas Michael Witzel, Stanley Wolpert e James Heitzman, professores de universidades americanas que produziram um relatório no qual desaconselhavam a maioria das alterações. A virulência dos debates atribuiu grande notoriedade ao caso, que ficou conhecido como “A Controvérsia dos Livros da Califórnia”. Citamos abaixo alguns trechos dos livros didáticos, seguidos das alterações solicitadas pelas organizações hindus e das respectivas reações de acadêmicos e representantes de movimentos sociais. A primeira citação refere-se à desigualdade de gênero na Índia Antiga:

Original: Homens tinham muitos mais direitos que as mulheres. Apenas homens podiam herdar propriedades, a não ser que não houvesse filhos do sexo masculino em uma família. Somente os homens podiam ir à escola e tornar-se sacerdotes.

Proposta de alteração: ‘Homens tinham diferentes direitos e deveres em relação às mulheres’ [...]. A educação das mulheres era feita em casa21 21 Fonte: Livro escolar: Glencoe / McGraw-Hill, p. 245. Grifo nosso. .

Com o veto aos editos, foi iniciada uma batalha legal dos grupos indo-americanos contra o Departamento Educacional da Califórnia, na qual se envolveram centenas de acadêmicos ocidentais e indianos, além de grupos feministas e de defesa22 22 Os intocáveis ou sem-casta são categorizados no nível mais baixo da escala social baseada no critério de pureza ritual hinduísta. Gandhi os chamava de harijan (filhos de Deus). O termo foi substituído pela expressão de cunho político dalit. As seguintes organizações dalit se envolveram na controvérsia da Califórnia: National Campaing of Dalits Human Rights, Dalit Shakti Kendra, Dalit Solidarity Forum, Ambedkar Centre for Justice and Peace, Indian Buddhist Association of America, New Republic India e Californian Dalit Sikh temples. dos intocáveis. Vários acadêmicos estudiosos de sul asiático depuseram nas audiências públicas, além de encaminharem cartas e relatórios ao Conselho de Educação contestando as alterações, como o trecho que transcrevemos a seguir, da carta enviada ao Conselho de Educação por Shefali Chandra, professora de História das Mulheres da Universidade de Illinois:

Caro Sr. Johnson e membros do Conselho de Educação,

Escrevo como professora de História da Índia e do sul da Ásia nos Estados Unidos, com especialização em história das mulheres, especialmente na história da educação das mulheres na Índia. Com a mesma urgência, escrevo como mulher, indiana e hindu [...]. Nas minhas aulas de história, discuto o acesso diferenciado de homens e mulheres à educação, para que meus alunos possam entender melhor por que certas formas de conhecimento foram especialmente propícias à produção de diferenças sociais. Também evoco esse exemplo importante para que eles possam compreender melhor a necessidade de um acesso igual à educação hoje.

Gostaria de registrar minha profunda oposição às mudanças sectárias propostas, sugeridas por certas organizações aos livros didáticos no estado da Califórnia. [...] a afirmação de que ‘os homens tinham muito mais direitos do que as mulheres’ está sendo substituída pela alegação de que ‘os homens tinham deveres diferentes e que muitas mulheres estavam entre os sábios a quem os Vedas foram revelados’ [...]. Trata-se uma fabricação grosseira. Os Vedas eram um compêndio de observações sociais selecionados por meio de debates entre gerações de estudiosos do sexo masculino. As mulheres não tinham permissão para aprender sânscrito, a língua na qual os Vedas foram posteriormente codificados. O fato de esses textos poderem ser ‘revelados’ para qualquer um [...] é uma deturpação fagrante. Ele encoraja uma visão fantasiosa da história e desvia nossa atenção do aprendizado sobre as conexões que se reforçam mutuamente entre linguagem, classe social e conhecimento23 23 Profª. Drª. Shefali Chandra. Assistant Professor, History and Women’s Studies, University of Illinois Carta ao Conselho Estadual de Educação da Califórnia. 16 fevereiro de 2016. Disponível em: http:// www.friendsofsouthasia.org/textbook/LetterToCAStateBoard_SC.html. Acesso em: 20 dez. 2019. .

A negação das desigualdades entre homens e mulheres, e até da natureza patriarcal da sociedade indiana, é uma pauta comum na produção nacionalista hindu. A fim de compreender este ponto, é preciso considerar o contexto das relações entre indianos e ocidentais e das respostas que foram elaboradas perante as provocações dos colonizadores. As pesquisas sobre o passado da Índia se intensificaram, no final do século XVIII e início do século XIX, com o estabelecimento da ocupação colonial. A historiografa imperialista produzida, principalmente, na primeira fase da colonização inglesa, criticava aspectos da organização social indiana tendo como referência os valores da sociedade ocidental. Um dos principais objetos da crítica ocidental dizia respeito à posição da mulher na sociedade indiana. Grande parte dos missionários cristãos e administradores coloniais apontavam o casamento de crianças, sacrifício de viúvas (sati) e maus-tratos aos quais as mulheres estariam submetidas como prova da natureza bárbara do hinduísmo:

Entre povos rudimentares, as mulheres são geralmente degradadas; entre povos civilizados elas são exaltadas. Quando uma sociedade se desenvolve, a situação do sexo frágil [...] gradualmente melhora, até que seja comparada com a dos homens, e possam ocupar o lugar de coadjuvantes úteis e voluntárias. [...]. Nada pode exceder o tratamento que os hindus concedem às suas mulheres [...] elas são mantidas, de acordo, em extrema degradação24 24 No original: “Among rude people, the women are generally degraded; among civilized people they are exalted […]. When a society develops, the condition of the weaker sex gradually improves, till they associate on equal terms with the men, occupy the place of voluntary and useful coadjutors […] Nothing can exceed the habitual contempt which the Hindus entertain their women…They are held, accordingly, in extreme degradation” (MILL, 1818, p. 323). (MILL, 1818, p. 323MILL, James. The History of British India. London: Baldwin, Cradock and Joy, 1818.).

Em que pese a realidade das desigualdades de gênero observadas na Índia do período colonial, é incontornável a constatação de que o discurso do colonizador se apropriou da condição feminina na Índia, a fim de legitimar sua suposta superioridade civilizatória, em detrimento de uma narrativa que permitisse dar voz à interpretação e vivência dos grupos oprimidos, como ressalta o seguinte comentário sobre o livro Sutee (sacrifício de viúvas), de Edward Thompson:25 25 THOMPSOM, Edward. Sutee: a historical and philosophical enquiry into the hindu rite of widow-Burning. London: Georg Allien and Unwin, 1928.

Mais uma vez, impondo as exigências típicas da classe alta vitoriana sobre ‘sua’ mulher (sua expressão preferida), Thompson se apropria da mulher hindu como sua para protege-la do ‘sistema’. Bikaner é em Rajastão; e qualquer discussão sobre a queima de viúvas no Rajastão, especialmente da classe dominante, estava intimamente ligada à construção do positiva ou negativa do comunalismo hindu (SPIVAK, 2010, p. 117SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.).

Por outro lado, o pedido de alteração no texto escolar sobre a diferença de direitos dos homens revela, por parte dos grupos nacionalistas hindus, uma preocupação com a imagem pública da Índia e dos indianos. A organização social patriarcal é uma característica predominante em várias nações e religiões do mundo, enquanto a desigualdade de gênero é comum a várias sociedades pré-modernas. Não há, portanto, um necessário demérito em reconhecer esse dado. Contudo, o fato de nacionalistas hindus tenderem a reagir diante da menção ao caráter patriarcal da sociedade indiana nos leva a atentar para a assimilação de valores ocidentais que origina essa negação: embora a passagem do livro didático citado anteriormente se refra a sociedade da Índia Antiga, a atual tentativa de alterar o passado visa atender às demandas de uma identidade modernizada do presente – a busca de uma reparação na imagem internacional da nação, ferida pela persistência de práticas26 26 Tais como: abortos e infanticídios de meninas, agressões a recém-casadas devido a disputas pelo dote, casamento infantil etc. culturais de gênero que ainda ocorrem na sociedade indiana hodierna, embora proibidas por lei.

Outro ponto da polêmica que mobilizou diversas organizações indianas foi a representação dos intocáveis nos livros escolares. Algumas alterações propostas foram acusadas de omitir a realidade da discriminação de castas, enquanto outros editos afirmavam que a casta era determinada pelas aptidões naturais dos indivíduos. Entre as propostas, as que provocaram maior reação foram a supressão do termo dalit e a negação da atualidade das discriminações de casta, sob alegação de que teriam sido proibidas pela Constituição Indiana de 1948. Como demonstra um dos editos sobre o tema, seguido de uma carta do movimento Campanha Nacional Dalit de Direitos Humanos (NCDHR), enviada à Dra. Ruth Green, presidente do Conselho de Educação:

Texto original: Ademais, cerca de 500 d.C. ou antes, existiram certas comunidades fora do Sistema Jati [castas], os dalits.27 27 National Geographic World History Ancient Civilizations, California Student Edition. Unit 2, chapter 6, page 149.

Proposta de alteração: No nível mais baixo estavam escravos, trabalhadores e artesãos. Muitos séculos mais tarde, outro grupo se desenvolveu que era considerado ainda mais inferior.

Prezada Dra. Ruth,

O NCDHR é parte de uma ampla luta para abolir intocabilidade. Mais de cinquenta anos após a independência da Índia, as fronteiras de casta são ainda uma forte realidade que confronta 160 milhões de dalits [...] que vivem uma existência precária, são discriminados, forçados a trabalhar em condições degradantes e cotidianamente abusados nas mãos da polícia e de grupos das castas altas. [...] Nessas circunstâncias, mencionar castas como ‘um sistema do passado’, como sugerido pela VF [Fundação Védica] ou que se apague o termo dalit [dos livros escolares], como sugerido pelo HEF [Fundação Educacional Hindu] é uma ofuscação da realidade [...]. Os grupos hindutva podem alegar estereotipização do hinduísmo, mas brutalidades contra dalits continuam a ser justificadas por motivos religiosos (NCDHR, 2006)28 28 Carta do grupo de proteção dalit NCDHR ao Conselho Educacional da Califórnia em 04 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www.friendsofsouthasia.org/textbook/NCDHR_Letter_to_RuthGreen.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019. .

A palavra dalit (sânscrito: partido, oprimido) é um termo destinado, principalmente, aos grupos étnicos na Índia que foram mantidos excluídos do sistema idealizado de quatro varnas29 29 Na prática, as castas são pulverizadas em centenas de sub castas e comunidades (jati). hindu. Eram chamados de depressed classes (classes desfavorecidas) nos censos britânicos até 1935 e hoje recebem o nome oficial de scheduled castes (castas registradas). O termo foi popularizado pelo economista e reformador B.R. Ambedkar (1891–1956) e abarcava todos aqueles socialmente e economicamente oprimidos, independentemente da casta. Dalit é uma palavra de cunho político, criada para mobilizar os socialmente excluídos a lutar pelos seus direitos. Ela veio substituir termos hindus como pariah ou a expressão preferida por Gandhi, harijan (filhos de Deus), pois os sem castas, liderados por Ambedkar, almejavam desconstruir a legitimação religiosa para sua condição social. Estratégia diferente da dos nacionalistas hindus, que tendem a abordar a questão das castas sem apontar os preceitos religiosos que as justificam. Mesmo Gandhi, que, embora não fosse seguidor da ideologia radical hindutva, era um nacionalista cultural, procurava defender os direitos dos intocáveis sem, contudo, imputar ao hinduísmo a responsabilidade pela sua condição.

Uma das narrativas sobre o processo de estratificação da sociedade hindu diferencia o sistema classificatório védico de onde vem o termo varna (cor, tipo), do atual termo de origem portuguesa casta. O modelo ideal do varnaashrama, que classificava os seres humanos em brâmanes (sacerdotes e professores), kshatryia (guerreiros e governantes), vashyas (fazendeiros e comerciantes) e shudras (serviçais) teria legitimidade espiritual e cultural e consistiria em um sistema natural de classificação humana, que não foi produzido pelo homem, mas inspirado pela instância sagrada. Afirma-se que, originalmente, esse modelo seguia o critério da aptidão natural dos indivíduos; a rigidez e hereditariedade do sistema, assim como a intocabilidade, seriam distorções ocorridas após a época védica.

Para Chakravorty (2019)CHAKRAVORTY, Sanjoy. The truth about us: the politics of information from Manu to Modhi. Gurugram: Hachette Book, 2019., os colonizadores tiveram um grande papel na construção das relações de castas tal qual elas se configuram hoje. Primeiramente, ao buscar informações sobre história e organização social indiana, os britânicos se voltaram à classe letrada brâmane, recebendo deles textos e documentos que foram prontamente traduzidos e admitidos como canônicos, quando, na verdade, se referiam a prescrições elaborados por e para comunidades brâmanes, sem reverberação na complexa sociedade indiana como um todo. Uma dessas escrituras foi o Manusm iti – Memórias de Manu30 30 O Manusm iti, redigido por volta do século II a.C, é também chamado Manavadharmasastra e foi traduzido para o inglês por Sir William Jones, em 1794, com o nome de “Leis de Manu”. –, considerado um dos mais influentes livros da literatura normativa dedicados a reforçar a ortodoxia bramânica, a estabelecer regras de conduta familiar e a delinear as separações e obrigações de casta.

Outro fator importante foi a organização dos censos no período colonial, quando o impulso de sistematização levou à classificação arbitrárias dos indianos em castas e religiões. Além de sistematizar os inúmeros credos e práticas indianas em religiões defnidas, os britânicos teriam tentado encaixar a variedade de atividades econômicas encontradas na Índia no modelo das quatro varnas descritas no Manusm iti.

A despeito destas ponderações, a realidade é que milhares de dalits abandonam, anualmente, o hinduísmo por religiões mais igualitárias como budismo, cristianismo e islamismo, em busca de aceitação social. Segundo Jafrellot (1996, p. 340), a decisão é tomada não apenas pelos pobres das castas baixas, mas também por aqueles que, apesar de terem ascendido intelectual e economicamente, ainda sofrem o ostracismo motivado pela discriminação.

Cientes do efeito desagregador da discriminação de castas, membros do movimento nacionalista hindu, em especial a organização de líderes religiosos Vishwa Hindu Parishad, têm atuado no sentido de combater a intocabilidade e integrar indígenas, intocáveis e castas baixas ao movimento através de suas instituições assistenciais e educacionais. Um número significativo de egressos das castas baixas se tornou membro do movimento nacionalista hindu, alcançando cargos políticos, como o próprio atual primeiro ministro indiano Narendha Modi. Dessa forma, o movimento nacionalista busca unir os hindus e evitar as migrações para outras religiões.

As conversões ameaçam o projeto de hegemonia hindu, sendo que a conversão ao Islã é a que mais preocupa os nacionalistas hindus, pois costuma ser associada ao medo do pan-islamismo internacional. Além da tendência a rejeitar o hinduísmo, o Movimento Dalit possui um caráter político, estando associado à militância, formação de caldeirão eleitoral e luta de classes. Esse conjunto de sentidos ideológicos contribui para o incômodo com o uso do termo e para a tentativa de seu apagamento nos livros escolares.

Temas como discriminação de castas, condição social da mulher e politeísmo são especialmente sensíveis para as comunidades hindus que vivem no estrangeiro, pois são fatores de estranhamento cultural, que reforçam as fronteiras e dificultam a integração dos indianos. Muitas das alterações propostas para os livros da sexta série do fundamental visavam evitar que crianças indianas se sentissem discriminadas em seu grupo escolar. Ao negar a desigualdade de gênero, as discriminações de casta na sociedade atual e afirmar a crença em um Deus único (Brahman) os indianos na diáspora promovem uma adequação de sua memória religiosa aos quadros sociais da sociedade norte-americana.

Trata-se de uma situação em que o caráter transitivo da memória opera a assimilação de conteúdos culturais de um grupo pelo outro. No caso das alterações discutidas acima, são as noções ocidentais de democracia, igualdade e monoteísmo que transitam não apenas internamente, no grupo religioso, mas também no grupo familiar indo-americano, onde se vive mais intimamente os confitos da múltipla pertença.

O terceiro tema, entre os mais debatidos no processo pela alteração dos livros, foi a questão ariana. Em especial, a afirmação de que a teoria da migração já estaria superada chamou a atenção de acadêmicos ao redor do mundo. A retirada da teoria e sua substituição pela versão segundo a qual os falantes de indo-europeu são originários da Índia é uma das principais bandeiras do nacionalismo hindu na campanha revisionista da História da Índia. A adesão à ideologia da pureza cultural e a defesa do orgulho nacional parecem estar fortemente presentes na resistência nacionalista à ideia de que a civilização indiana tenha sido resultado da mistura com outros povos. A tentativa de apagar a memória dessa possível influência estrangeira está presente, também, nas propostas de mudança dos livros da Califórnia, como apontado nos editos propostos:

Original: A linguagem e tradições dos falantes de Indo-ária substituíram os antigos costumes dos Harapianos / Os arianos introduziram novas tecnologias.31 31 Oxford University Press, p. 76 /Glencoe/McGraw-Hill. p. 238. Grifo nosso.

Proposta de alteração: Substituir ‘falantes de Indo-ária’ por ‘pessoas de outros locais da Índia’ / ‘Novas ideias e tecnologias foram desenvolvidas na Índia’.

As narrativas sobre a formação da civilização indiana são disputadas por diferentes grupos sociais. Enquanto nacionalistas hindus consideram os indianos descendentes dos antepassados védicos e a maior parte dos historiadores acadêmicos considera os falantes de sânscrito como imigrantes, os indígenas indianos, que reivindicam o status de verdadeiros povos nativos (adivasis) da Índia, se opõem a teoria dos arianos autóctones, como demonstra a carta enviada pelo NFTSR (Frente Nacional para o Autogoverno dos Povos Tribais) ao Conselho de Educação da Califórnia:

Caro Sr. Adams

[...]. Nós somos uma coalisão de diversas organizações de povos Adivasis [indígenas]. Uma parte fundamental de nosso trabalho tem sido combater os esforços de organizações de extrema direita hindu de cooptar adivasis para sua agenda de um ‘Estado Hindu’. Nós gostaríamos de observar que a proposta que descreve os ‘arianos’ como nativos da Índia e ‘hinduísmo’ como a religião original do país é controversa e baseada em uma falsa forma de História. Ela nega a legitimidade e os direitos dos verdadeiros indígenas – os adivasis- que há séculos vêm sendo discriminados por aqueles que alegam possuir uma ‘herança ariana’32 32 Carta da National Front for Tribal Self Rule. 2 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www. friendsofsouthasia.org/textbook/LettersOfSupport.html. Acesso em: 20 dez. 2019. .

A proposta de alteração feita pela Fundação Educacional Hindu nega a natureza imigrante dos falantes de sânscrito, reafirmando a origem exclusivamente nativa das alterações culturais e tecnológicas ocorridas na Índia Antiga. Por relacionar-se com a formação étnica da população indiana, a natureza imigrante da civilização sânscrita constitui um dos mais acirrados temas de disputa entre o nacionalismo hindu e os historiadores secularistas. Apesar de intensamente debatida, a Teoria de Migração Ariana nunca foi defnitivamente refutada, estando presente na maioria dos livros didáticos em diversos países. A militância hindutva, inclusive a que atua dentro dos meios acadêmicos ao redor do mundo, esforça-se para retirar as referências à migração ariana dos livros escolares.

A Teoria da Migração sofreu atualizações ao longo do tempo; a primeira versão de invasão violenta foi substituída pela hipótese da migração gradual e a antiga noção de raça, que caracterizava o pensamento do século XIX, foi substituída pela noção de etnia ou grupo linguístico. A despeito dessas mudanças, está longe da verdade a afirmação de que a teoria tenha sido invalidada. O equívoco dessa estratégia, no Caso dos Livros da Califórnia, foi denunciado pelo indologista belga Koennraad Elst, ele próprio defensor do pensamento hindutva:

[...] O inimigo pode escapar com mentiras, mas a equação de poder é tal, que os hindus não podem [fazer o mesmo]. O menor erro que fzerem será total e cruelmente explorado pelo inimigo. O inimigo se mobilizou e as propostas hindus foram recusadas, por causa de um punhado de editos menos que impecáveis. Fingir que a Teoria da Migração Ariana (AIT) foi descartada, foi simplesmente não usar da verdade. A Fundação Hindu poderia simplesmente ter afirmado que a questão das origens védicas era disputada [...]. A tendência hindu de fazer falsas conclamações de vitória foi a causa desta derrota33 33 ELST, Koennraad. Hindu month in California and lessons from textbooks controversy. 2013. Disponível em: http://koenraadelst.blogspot.com/2013/07/hindu-month-in-california-and-lessons.html. Acesso em: 5 jan. 2020. .

A teoria concorrente, a chamada Teoria da Origem Indiana (OIT), propõe a origem nativa dos arianos, que teriam saído da Índia para a Europa e retornado à pátria, milhares de anos depois. A teoria pode ser encontrada, frequentemente, em obras34 34 FEUERSTEIN Georg; KAK, Subhash; FRAWLEY, David. In search of the cradle of civilization. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1999. RAJARAM, Navaratna Srinivasa. The Politics of History: Aryan Invasion Theory and the Subversion of Scholarship. New Delhi: Voice of India, 1995. publicadas pela editora nacionalista hindu The Voice of India, como indica o seguinte trecho retirado de The Myth of Aryan Invasion of India (O mito da invasão ariana na Índia), do apologista hindutva americano David Frawley:

Há cerca de 50.000 anos, quando os desertos se tornaram campos verdejantes, uma migração vinda da Índia povoou o Oriente próximo e a Europa, uma outra corrente foi em direção à China e sobre o agora submerso Estreito de Bering para as Américas. Isso está de acordo com os mais antigos sítios humanos conhecidos no Oriente próximo (45 mil anos) e Europa (40 mil anos). É provável que os primeiros sítios no litoral, que foram ocupados pelos primeiros imigrantes, estejam agora submersos, já que o nível do mar se elevou mais de seis metros após a última Era do Gelo (FRAWLEY, 2005, p. 78FRAWLEY, David. The Myth of Aryan Invasion of India. New Delhi: Voice of India, 2005.).

Apesar de cada vez mais populares, as publicações sobre a formação da sociedade védica a partir da Teoria da Origem Indiana não contam com suficiente penetração no meio acadêmico, especialmente onde há um número significativo de especialistas no assunto, nas diferentes cadeiras universitárias de estudos asiát icos ao redor do mundo. Em v ista disso, Koenrad Elst conclama hindus a investirem na formação acadêmica de defensores da causa hindutva a fim de conquistar espaço para a divulgação da ideologia nas Universidades:

O fracasso na controvérsia dos livros escolares era quase inevitável. Hindus não têm investido em conhecimento acadêmico, assim eles não podem colher seus frutos. Vamos falar uma linguagem que hindus bem-sucedidos conhecem e entendem: organização e dinheiro. Eles gostam de se gabar do sucesso nos negócios, como uma das mais prósperas comunidades nos EUA [...], mas eles não gastam seu dinheiro em investir na área acadêmica. Eles inclusive financiam estudiosos que são anti-hindus, uma falta de discernimento para distinguir amigos de inimigos. Depois ficam surpresos quando encontram a academia na mão dos inimigos (ELST, 2013ELST, Koennraad. Hindu month in California and lessons from textbooks controversy. 2013. Disponível em: http://koenraadelst.blogspot.com/2013/07/hindu-month-in-california-and-lessons.html. Acesso em: 5 jan. 2020.
http://koenraadelst.blogspot.com/2013/07...
, on-line).

O nacionalismo hindu criou raízes nos Estados Unidos por meio de braços internacionais da Sangh Parivar, como Vishwa Hindu Parishad of America, Hindu Swayamsevak Sangh e Overseas Friends of the BJP, fundados a partir dos anos 1970. Além de militantes indianos que vivem no estrangeiro, a ideologia hindutva fora da Índia conta com a adesão de ocidentais de diversos países, frequentemente ligados à identidade hindu por meio da pertença a religiões de matrizes indianas, mais do que por motivos políticos.

Com a triunfante vitória do BJP nas eleições de 2014, a pauta da reforma educacional, principalmente do ensino de História, retornou à plena potência. A agenda revisionista do nacionalismo hindu inclui alterar a narrativa histórica sobre governantes e lideranças mulçumanas, o entendimento a respeito do caráter da sociedade de castas, a condição social das mulheres indianas, a teoria da migração ariana e promover historicização da memória religiosa hindu.

Considerações fnais

As narrativas historiográficas em disputa, aqui analisadas, são marcadas pela ideologia e pelo projeto de nação dos grupos sociais que as representam. De um lado, temos os nacionalistas seculares, representados no plano político pelo Partido Congresso Nacional Indiano e Partido Comunista da Índia, que defendem uma narrativa inspirada no universalismo iluminista e internacionalismo socialista, na qual transparece o ideal cívico da nação criada pela História, pela vontade dos homens movidos por uma racionalidade moderna. Implícita neste modelo de nação está a convicção de que a lealdade a um projeto nacional voltado para um futuro e baseado no igualitarismo e o secularismo dissolveria as diferenças étnicas, religiosas e regionais da nação, unificando-a sob uma mesma bandeira.

Do outro lado, estão os nacionalistas religiosos representados pela família de organizações do nacionalismo hindu (Sangh Parivar) da qual faz parte o partido político BJP. Representantes da ideologia hindutva, essas organizações defendem um modelo de nação étnica, fundada na memória e baseada na identidade religiosa e cultural, da qual estão excluídos aqueles que não compartilham da mesma religião e vínculo de ancestralidade. Esse modelo busca sua legitimação no passado e demanda a validação de uma narrativa que reforce o orgulho nacional por meio das ideias de antiguidade da civilização, pureza cultural na formação do povo e a representação da cultura estrangeira, em particular, a muçulmana, como responsável pelos problemas nacionais.

A introdução da historiografa moderna na Índia, por meio da colonização, causou uma ruptura na percepção que os indianos tinham de si e de seu passado, até então compreendido por meio dos ensinamentos presentes nos mitos e nas narrativas semi-históricas dos épicos hindus. O contato com a historiografa ocidental originou dois caminhos de reação; um seguido pelos historiadores indianos secularistas e outro por nacionalistas hindus, que, inspirados nos orientalistas europeus, notadamente alemães, buscavam a construção de uma identidade nacional baseada no passado remoto da Índia Antiga.

Na tentativa de fazer valer essa identidade, organizações nacionalistas hindus buscam promover interferências na escrita da História, gerando oposição de diversos grupos sociais, como castas baixas, dalits, indígenas, mulheres e acadêmicos que, com seus próprios quadros sociais de memória, disputam as narrativas sobre o passado da Índia. No presente artigo, procuramos demonstrar que história e memória constituem duas formas de abordagem do passado, que não se opõem de forma intrínseca, mas circunstancial; a depender dos usos, ideologias e paradigmas defendidos pelos diferentes grupos sociais, que disputam poder e identidade por meio dos usos políticos do passado.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas neste texto. Todos os autores participaram de todas as etapas da pesquisa e elaboração do artigo.
  • 4
    De acordo com o último Censo da Índia, hindus compõem 80.5% da população, seguidos por mulçumanos 13.4% e cristãos 2.3%. Disponível em: http://censusindia.gov.in/Census_ Data_2001/India_at_glance/religion.aspx. Acesso em: 16 de novembro de 2020
  • 5
    JAIN, Rupam; LASSETER, Tom. By rewriting history, Hindu nationalists aim to assert their dominance over India. Disponível em: https://www.reuters.com/investigates/special-report/india-modi-culture/. Acesso em: 22 jul. 2018. REDDEN, Elizabeth. The religious war against American scholars in India. Disponível em: www.insidehighered.com/news/2016/04/12/scholars-who-study-hinduism-and-india-face-hostile-climate. Acesso em: 22 jul. 2018.
  • 6
    O britânico Edward Gibbon (1737-1794) e o americano John Motley (1814-1877) foram celebrados historiadores ocidentais.
  • 7
    GANDHI, Mohandas Karamchand. My jail experiences – XI. Collected Works of Mahatma Gandhi, 1924.
  • 8
    Do sânscrito aryā (nobre), termo pelo qual os pertencentes a esse grupo referiam-se a si mesmos.
  • 9
    No original: “Whatever the Vedas may be called, they are to us unique and priceless guides in opening before our eyes tombs of thought richer in relics than the Royal tombs of Egypt, and more ancient and primitive in tought than the oldest hymns of Babylonian or Acadian poets. If we grant that they belonged to the second millennium before our era, we are probably on safe ground, thought we should not forget that this is a constructive date only, and that such a date does not became positive by mere repetition […]. Whatever may be the date of the Vedic hymns, whether 1500 or 15.000, they have their own place and stand by themselves in the literature of the world” (MÜLLER, 1889, p. 34MÜLLER, F. Max. The six systems of Indian Philosophy. London: Wakeman Press, 1889.).
  • 10
    Grifo nosso. No original: “And after all what authority is there to prove our immigrant nature? The shady testimony of Western scholars? Well, it must not be ignored that the superiority complex of ‘The White Man’ blurs their vision”. (GOWALKAR, 1939, p. 35GOWALKAR, Sadashiv. We or our nationhood defned. Nagpur: Bharat Publications, 1939.).
  • 11
    São considerados falantes de línguas indo-europeias os anatólios, tocarianos, iranianos, indo-arianos, gregos, celtas, germânicos, itálicos, bálticos, armênios e albaneses.
  • 12
    Indo-arianos são os idiomas predominantes no norte da Índia atual, além de Paquistão, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Maldivas.
  • 13
    De acordo com o modelo prevalente, a cultura proto-indo-iraniana, que deu origem aos indo-arianos e iranianos, desenvolveu-se nas estepes da Ásia Central, ao norte do Mar Cáspio, como cultura Sintashta (2100–1800 a.C.) na atual Rússia e Cazaquistão, e se desenvolveu como a cultura Andronovo (1800-1400 a. C.), ao redor do mar de Aral. Os proto-indo-iranianos, então, migraram para o sul, para a cultura Bactria-Margiana, da qual emprestaram suas crenças e práticas religiosas distintas. Os indo-arianos se separaram dos iranianos por volta de 1800 a.C. a 1600 a.C. Depois disso, os indo-arianos migraram para a Anatólia e a parte norte do sul da Ásia (Afeganistão moderno, Bangladesh, Índia, Paquistão e Nepal), enquanto os iranianos se mudaram para o Irã, ambos trazendo consigo as línguas indo-iranianas. WITZEL, Michael. Linguistic Evidence for Cultural Exchange in Prehistoric Western Central Asia. In: Philadelphia: Sino-Platonic Papers 129, December, 2003, p. 1-70.
  • 14
    Jotirao Phule (1827-1890), nascido em uma casta sudra, a quarta mais baixa na hierarquia de quatro castas hindus, foi um reformador social que lutou pela erradicação do sistema de castas. Phule criou o termo político dalit (oprimido, marginalizado) para substituir o termo religioso pariah, que designava os sem-casta.
  • 15
    Grifo nosso
  • 16
    WIENER, John. The Talibanization of Hindu History in India. 2014. Disponível em: https://www. thenation.com/article/talibanization-hindu-history-india/. Acesso em: 29 dez. 2019.
  • 17
    No original: “Considering the supreme importance of the role of education in national development, it is distressing that our educational endeavours in the last fve decades should have been characterized by evident infrmity of purpose. We inherited from our colonial past a largely imitative system of not very high quality, and even that quality seems to have declined in recent years. It would be interesting to have a glimpse of the state of education in India when the British came. […] the Indian education system during the early 19th century was comparable to that obtainable elsewhere and the British educational system was no way superior” (JOSHI, 1994, p. 26JOSHI, Murli Manohar. Reorientating Education. Dehli: Seminar, n. 417, May, 1994, p. 26.).
  • 18
    Jawahalal Nehru, Primeiro Ministro da Índia de 1947 a 1964, é considerado o fundador do moderno Estado Nação Indiano. Nehru delineou uma nação indiana voltada à modernização pelos seguintes meios: unidade nacional, socialismo, democracia parlamentarista, industrialização e desenvolvimento do pensamento científco. PAREKH, Bhiku. Nehru and the National Philosophy of India. Economic and Political Weekly. 26 January, 1991, p. 35-48.
  • 19
    Os livros oficiais de História da Índia, produzidos pelo NCERT, foram coordenados por comitê composto por eminentes historiadores indianos como Tara Chand, Nilakanta Sastri, Mohammad Habib, Bisheshwar Prasad, Branasi Prasad. Saxena e Patul Gupta. Essas obras são, ainda hoje, referências acadêmicas para a História da Índia, como Ancient India (1966) e Medieval Índia (1967) de Romila Thapar, utilizados na sexta e sétima séries do ensino fundamental, além de outros autores como Ram Sharan Sharma, Satish Chandra, Bipan Chandra e Arjun Dev. Todos produzidos entre as décadas de 1960 e 1970, com atualizações regulares.
  • 20
    Carta de 47 Indologistas ao Conselho Educacional da Califórnia, em 8 de novembro de 2005. Disponível em: http://www.friendsofsouthasia.org/textbook/LettersOfSupport.html. Acesso em: 22 nov. 2019.
  • 21
    Fonte: Livro escolar: Glencoe / McGraw-Hill, p. 245. Grifo nosso.
  • 22
    Os intocáveis ou sem-casta são categorizados no nível mais baixo da escala social baseada no critério de pureza ritual hinduísta. Gandhi os chamava de harijan (filhos de Deus). O termo foi substituído pela expressão de cunho político dalit. As seguintes organizações dalit se envolveram na controvérsia da Califórnia: National Campaing of Dalits Human Rights, Dalit Shakti Kendra, Dalit Solidarity Forum, Ambedkar Centre for Justice and Peace, Indian Buddhist Association of America, New Republic India e Californian Dalit Sikh temples.
  • 23
    Profª. Drª. Shefali Chandra. Assistant Professor, History and Women’s Studies, University of Illinois Carta ao Conselho Estadual de Educação da Califórnia. 16 fevereiro de 2016. Disponível em: http:// www.friendsofsouthasia.org/textbook/LetterToCAStateBoard_SC.html. Acesso em: 20 dez. 2019.
  • 24
    No original: “Among rude people, the women are generally degraded; among civilized people they are exalted […]. When a society develops, the condition of the weaker sex gradually improves, till they associate on equal terms with the men, occupy the place of voluntary and useful coadjutors […] Nothing can exceed the habitual contempt which the Hindus entertain their women…They are held, accordingly, in extreme degradation” (MILL, 1818, p. 323MILL, James. The History of British India. London: Baldwin, Cradock and Joy, 1818.).
  • 25
    THOMPSOM, Edward. Sutee: a historical and philosophical enquiry into the hindu rite of widow-Burning. London: Georg Allien and Unwin, 1928.
  • 26
    Tais como: abortos e infanticídios de meninas, agressões a recém-casadas devido a disputas pelo dote, casamento infantil etc.
  • 27
    National Geographic World History Ancient Civilizations, California Student Edition. Unit 2, chapter 6, page 149.
  • 28
    Carta do grupo de proteção dalit NCDHR ao Conselho Educacional da Califórnia em 04 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www.friendsofsouthasia.org/textbook/NCDHR_Letter_to_RuthGreen.pdf. Acesso em: 22 nov. 2019.
  • 29
    Na prática, as castas são pulverizadas em centenas de sub castas e comunidades (jati).
  • 30
    O Manusm iti, redigido por volta do século II a.C, é também chamado Manavadharmasastra e foi traduzido para o inglês por Sir William Jones, em 1794, com o nome de “Leis de Manu”.
  • 31
    Oxford University Press, p. 76 /Glencoe/McGraw-Hill. p. 238. Grifo nosso.
  • 32
    Carta da National Front for Tribal Self Rule. 2 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www. friendsofsouthasia.org/textbook/LettersOfSupport.html. Acesso em: 20 dez. 2019.
  • 33
    ELST, Koennraad. Hindu month in California and lessons from textbooks controversy. 2013. Disponível em: http://koenraadelst.blogspot.com/2013/07/hindu-month-in-california-and-lessons.html. Acesso em: 5 jan. 2020.
  • 34
    FEUERSTEIN Georg; KAK, Subhash; FRAWLEY, David. In search of the cradle of civilization. Delhi: Motilal Banarsidass Publishers, 1999. RAJARAM, Navaratna Srinivasa. The Politics of History: Aryan Invasion Theory and the Subversion of Scholarship. New Delhi: Voice of India, 1995.

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2020
  • Aceito
    31 Maio 2021
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