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A PESTE (DA SERVIDÃO) NO ÍNDIO FRACO. O COLAPSO DEMOGRÁFICO DO MÉXICO EM PARECERES MÉDICO-FILOSÓFICOS DE FACÇÕES CLERICAIS (SÉCULO XVI)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

THE PLAGUE (OF SERVITUDE) ON THE WEAK INDIAN. DEMOGRAPHIC COLLAPSE OF MEXICO IN MEDICALPHILOSOPHICAL OPINIONS OF CLERICAL FACTIONS (XVITH CENTURY)

Resumo

Em peculiar filosofia natural e saber médico de expressão e difusão clerical, as pestes e mortandades foram vinculadas ao regime de trabalho forçado de um índio delicado e debilitado. Se essa condição física surgiu pelas circunstâncias da dominação estrangeira, também se pensava numa natureza frágil ancestral. A alegoria de Motolinia das dez pragas da Nova Espanha, um tratado filosófico de Las Casas, e o ambiente acadêmico mexicano constituíram bases literárias e conceituais para os pareceres do terceiro concílio mexicano, do Consejo de Indias e da crônica de Mendieta. Concluo com algumas respostas dos indígenas ao ditame de sua fraqueza fatal. No campo da história das ideias e conhecimentos, reavalio sentidos da queda do índio por autores como Anthony Pagden e Jorge Cañizares Esguerra, bem como reviso a trama do ameríndio indefeso perante a conquista colonial e biológica.

Palavras-chave
Epidemias; regime servil; índio débil; crônica religiosa da conquista; filosofia natural clerical

Abstract

In a peculiar natural philosophy and medical knowledge of clerical expression and diffusion, plagues and deaths were linked to the regime of forced labor and the miserable life condition of a delicate and weakened Indian. If this physical condition arose from the circumstances of foreign domination, there were also thoughts about an ancestral fragile nature. Motolinia’s allegory of the ten plagues of New Spain, a philosophical treatise of Las Casas, and the Mexican academic environment, are literary and conceptual bases of the opinions of the third council, the Consejo de Indias and the chronicle of Mendieta. I conclude with some indigenous responses to their portrayed fatal weakness. In the field of the history of ideas and knowledge, I reassess the fall of the Indian from authors such as Pagden and Cañizares Esguerra, and review the narrative of the defenseless Amerindian in face of the colonial and biological conquest.

Keywords
Epidemics; servile regime; weak Indian; religious chronicle of the conquest; clerical natural philosophy

Yo para mi tengo que todas las pestilencias proceden del negro repartimiento

Frei Gerónimo de Mendieta

Ora sea por el clima y region donde viven, que no cria hombres mas robustos, ora sea porque como su comida es tan liviana, tambien tras ella se siguen pocas fuerças

Frei Pedro de Pravia

Entre meados e final do século XVI, conselheiros eclesiásticos, missionários das ordens mendicantes, formadores de sacerdotes da Igreja episcopal na universidade real do México, fizeram uso abrangente e criativo da tradição médica e filosófica aristotélica, hipocrática e galênica, procurando ligar as enfermidades mortais à guerra de conquista e ao ambiente de miséria no regime de trabalho forçado para setores senhoriais e empresariais laicos. O índio debilitado e delicado seria impróprio para o esforço laboral, em contraste com o negro escravizado. Em boa medida, tratou-se de uma disputa contra o argumento de Sepúlveda do cabimento da servidão para índios que seriam naturalmente torpes e robustos. Mas os clérigos opositores de tal postura de certa forma forjaram e aprimoraram uma noção de inferioridade física dos naturais da terra, embora houvesse a intenção de se evitar ou mesmo questionar a contumaz depreciação da capacidade mental, moral e cultural dos novos cristãos.3 3 Este artigo apresenta resultados do pós-doutorado no Departament d’Humanitats de la Universitat Pompeu Fabra (UPF-Barcelona) com o projeto “El temperamento de los idólatras en la monarquía católica. Fisiología del indio y evangelización española entre los siglos XVI y XVII”, sob a supervisão de Alexandre Coello de la Rosa, entre março de 2020 e fevereiro de 2021, e também é produto de colaboração no projeto PAPIIT (IG400619) “Religiosidad nativa, idolatrías e instituciones eclesiásticas en los mundos ibéricos, época moderna”, coordenado por Gerardo Lara Cisneros e Roberto Martínez no Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM-Cidade do México).

Enfoco a alegoria das pragas do Egito transportada para a história da conquista do México e um tratado de filosofia natural e moral de Las Casas como prelúdio para observar – depois de arrasadora epidemia – os pareceres de conselheiros dos bispos no terceiro concílio ocorrido na capital da Nova Espanha. Enfatizo também a crônica do f ranciscano Mendieta, que relacionou metafórica e concretamente as pestilências ao sistema de trabalho conhecido como repartimiento de indios. Observo ainda a discussão sobre o regime servil do débil no Consejo de Indias e concluo o artigo com breve apartado sobre depoimentos indígenas em torno do ditame de sua fraqueza fatal.

O discurso das facções clericais é relevante no bojo das representações sociais e manifestações políticas hispano-americanas do século XVI, e repercute na história social e cultural da Nova Espanha. Como nas visões de sacerdotes dos pueblos de índios nos séculos XVII e XVIII (TAYLOR, 1999TAYLOR, William B. Ministros de lo sagrado. Sacerdotes y feligreses en el México del siglo XVIII. Vol. I. México, El Colegio de México, El Colegio de Michoacán, Secretaría de Gobernación, 1999.). Como nas histórias patrióticas, não apenas da região mexicana como dos Andes, a respeito das populações nativas marginalizadas, e também nos tratados filosóficos europeus que definiam uma raça continental degenerada (CAÑIZARES ESGUERRA, 2007CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Cómo escribir la historia del Nuevo Mundo; Historiografías, epistemologías e identidades en el mundo del Atlántico del siglo XVIII. México: Fondo de Cultura Económica, 2007.). Na Ilustração escocesa, por exemplo, visões seiscentistas de um índio delicado são trazidas para compor uma história da queda das civilizações mexicana e peruana (VARELLA, 2014VARELLA, Alexandre C. A queda do homem civil: os antigos mexicanos e peruanos na History of America de William Robertson. In: Revista História Unisinos, São Leopoldo, v. 18, n. 2, p. 248-259, maio/agosto 2014. ISSN: 2236-1782. Disponível em: htps://revistas. unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2014.182.04. Acesso em: 07 mai. 2014. doi: http://doi.org/10.4013/htu.2014.182.04
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). Mas o estereótipo da fraqueza física dos ameríndios e suas implicações psíquicas se reforçam inclusive nas explicações atuais dos processos históricos da exploração social e das epidemias nas Américas, como pretendo situar mais adiante.

Charles Gibson (1967, p. 138)GIBSON, Charles. Los aztecas bajo el dominio español, 1519-1810. México: Siglo Veintiuno, 1967., ao tratar das configurações sociais e das relações de poder no México central, deparando-se com os depoimentos da acentuada depopulação até as primeiras décadas do século XVII, levantou as seguintes causas que na época davam para as mortandades: os trabalhos e tributos exagerados, os maus tratos, a embriaguez, a fraca compleição, a fome, as inundações e estiagens, as enfermidades e a providência divina. Claro que há diferentes pesos para cada coisa dependendo do momento. O fator da exploração laboral é bem importante no final do século XVI e a bebida e as enchentes tornam-se centrais em pareceres do início do século XVII. Mas nessa listagem de Gibson faltam claves importantes. Destaco a opinião da pouca substância ou até mesmo insalubridade dos alimentos da região mexicana, o que em parte esteia a visão de debilidade física dos indígenas, principalmente a partir da década de 1570. Tampouco aparece, no rol de motivos de mortandade, a pestilência. Ela não significava qualquer tipo de doença, embora todos os motivos apontados e outros mais pudessem integrar a generosa etiologia das pestes.

Houve diferentes valores e articulações, opiniões interessadas que definiam os motores da decadência. Interessante a sistematização feita por David Jones (2004, p. 3)JONES, David S. Racionalizing epidemics: meanings and uses of American Indian mortality since 1600. Cambridge: Harvard University Press, 2004. das explicações de epidemia a partir da fundação da Nova Inglaterra no século XVII. A inclemência das novas enfermidades seria basicamente “prova de hierarquia natural”, “produto de maus comportamentos” e “evidência de injustiça social”, linhas de pensamento coerentes com as plataformas de intervenção social.4 4 As traduções da bibliografia de apoio em língua estrangeira são minhas, já as citações de fontes históricas repetem as edições utilizadas. Fiz as transcrições de impressos e manuscritos de época em versão literal, com ligeiras modificações para facilitar a leitura. Bem antes, na Nova Espanha, esses núcleos também podem ser notados. Nos pronunciamentos de franciscanos e outros clérigos, houve uma combinação particular de argumentos de fundo espiritual, em concerto com observações do mundo natural e das práticas dos homens. Também para sustentar posições, imputar responsabilidades, e propor expedientes.

É preciso dar um destaque para a linguagem filosófica das epidemias depois dos surtos da peste bubônica no século XIV. Os letrados europeus organizaram um esquema hierárquico de base aristotélica para a explanação dos morticínios.5 5 Utilizo o resumo de Margareth Pelling (2001, p. 18) trazendo complementações. Pensava-se em “causas primeiras, primárias ou remotas”, de ordem metafísica e cosmológica, como a ira divina e as influências astrais. Havia diferenças entre teólogos e médicos sobre essas “causas superiores” da peste, que se atrelavam ao ciclo das estações do ano, às bruscas mudanças climáticas e aos fenômenos ctônicos, como a ação dos vulcões e os terremotos, incluindo eventos como a proliferação de gafanhotos, ratos e mosquitos. Abaixo disso vinham as “causas eficientes ou imediatas”. De um lado, os elementos cunhados por Galeno como não-naturais, ou seja, fatores externos à natureza corpórea que podiam trazer a enfermidade. Como os alimentos, águas e ares de qualidades e quantidades que chegavam a desequilibrar a saúde corpórea. Entram nesse âmbito dietético vários cuidados para além das ingestões. Como a vestimenta, o banho, os exercícios, o sexo, inclusive a atenção com o efeito das emoções como a tristeza. Ainda seriam causas eficientes de enfermidade os envenenamentos e ferimentos, sentidos adequados para descrever a pestilência como intrusão de algo estranho ao corpo. Também havia um sentido de predisposição do indivíduo para o estado enfermiço causado pelos desequilíbrios humorais e pela absorção de maus ares e outras matérias percebidas, em geral, como fétidas e pegajosas.

Expoente do movimento humanista, Andrés Laguna (1999 [1556], p. 11)LAGUNA, Andrés. Discurso breve sobre la cura y preservación de la pestilencia [1556]. Segovia: Diputación Provincial de Segovia, 1999. esclareceu que a peste estritamente é uma “febre aguda y peligrosíssima, que causada del aire infecto y corrupto, assalta e inficiona todos los populares aptos y dispuestos a recibirla”. Também são chamadas assim as “viruelas, sarampiones, cámaras y algunas otras malas dispositiones que assaltarnos suelen a temporadas”, mas que “no son tan feras e inexorables”. Porém, como afligem as crianças e muitas não resistem, o doutor vai recomendar alguma terapia de banho aromático e outros cuidados no final de seu breve Discurso sobre a verdadeira peste.6 6 O destacado doutor da corte espanhola talvez não soubesse do efeito aterrador das doenças mediterrâneas entre os ameríndios de todas as idades.

Na visão renascentista do corpo físico, a compleição, ou seja, a constituição e a aparência do ser humano se relacionavam ao temperamento dos humores, isto é, às proporções dos fluidos como o sangue e a bílis que governariam as funções fisiológicas. Os temperamentos indicavam ainda as características psíquicas predo- minantes do sujeito. Na apropriação dos princípios cósmicos quente e frio, seco e úmido, uma herança da filosofia dos antigos hipocráticos e do eclético Galeno, a tradição cristã medieval estabeleceu o que muitos apontam como doutrina dos temperamentos. Surgem quatro tipos humanos ideais: sanguíneo (quente e úmido), colérico (quente e seco), feumático (frio e úmido) e melancólico (frio e seco). Os dois últimos temperamentos de qualidade fria receberam cargas morais geralmente negativas, assim como o sentido de propensão às enfermidades (KLIBANSKY, 1989KLIBANSKY, Raymond, PANOFSKY, Erwin, SAXL, Fritz. Saturne et la mélancolie; études historiques et philosophiques: nature, religion, médecine et art. Paris: Gallimard, 1989.).

Na ideia de um microcosmo humano de semelhanças e interações com o macrocosmo das forças astrais, das condições ambientais, dos alimentos, que tinham suas qualidades, persistia uma perspectiva clínica das compleições ou temperamentos também moralizante. Como numa visão do veneno da peste que atacava em especial os corpos populares.

Médico sem expressão acadêmica ou política que atuou contra a peste bubônica em Saragoça, tido por Antonio Carreras Panchón (1976, p. 28)CARRERAS PANCHÓN, Antonio. La peste y los médicos en la España del Renacimiento. Salamanca: Instituto de Historia de la Medicina Española, 1976. como o “mais genial autor de um tratado epidemiológico de todo o Renascimento”, Joan Thomas Porcell (1565, f. 22)PORCELL, Joan Thomas. Informacion y curacion de la peste de Çaragoça y preservacion contra peste en general. Saragoça: en casa de la viuda de Bartholome de Nagera, 1565. Ref. R/3700, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri. explicou que o humor “pecante” de “tan mala, venenosa, y pestilencial qualidad”, se ele achar o corpo “bien acomplexionado, limpio”, ou seja, livre das “superfluydades y malos humores, robusto y de rezia complexion”, faz o sujeito sobrepujar a enfermidade, que “de peligrosa y mortal” se torna “salutifera y no peligrosa”. Em contrapartida, um corpo “mal acomplexionado y lleno de malos humores, debil y de flaca complexion, dispuesto a que de qualquier leve ocasion y causa incida en qualquier enfermedad” vai ser óbvio risco de morte.

Diferente dos ricos, que podiam fugir da cidade, só vai adoecer a “gente labradora y trabajadora”, com maus humores por resultado da alimentação ruim. Gente que se farta de “abadejo y legumbres (...) mantenimiento depravado y malo”. Isto não difere das impressões no outro lado do oceano sobre a comida dos índios mexicanos.

E aqueles pobres espanhóis têm “cuerpos dispuestos y aparejados” para receber a peste sem conseguir vencê-la. Porcell completa que entre os feridos vai estar o “flaco timido”. Estado psicofísico bastante usado para identificar a categoria do índio colonial, particularmente na perspectiva clerical que anunciei.

Tal visão do homem fraco das Índias Ocidentais parece refletir-se inclusive num ensaio de contextualização dos pensares etnológicos que despontaram no século XVI. Reporto à obra de Anthony Pagden (1988)PAGDEN, Anthony. La caída del hombre natural; el indio americano y los orígenes de la etnología comparativa. Madrid: Alianza, 1988., na verdade inspiração neste estudo, ao comentar os empregos da noção de barbárie em sentido de comportamentos irracionais ou falhos junto ao debate da premissa aristotélica da servidão natural.

De breve nota do Filósofo, especulou-se que os povos do Novo Mundo seriam incapazes, por condição inata, de governo autônomo, devendo reger-se pela inteligência superior do espanhol. Por isso deviam trabalhar com mando forte para o bem comum. Tal princípio, que tinha grande simpatia dos aristocratas e outros co- lonos, foi posto em cena pelo notável jurista canônico Ginés de Sepúlveda, e contestado ou revisado por outros sábios do império católico, como Francisco de Vitoria, Bartolomé de las Casas e José de Acosta, que prevaleceram na ideologia do Estado. Afinal, as práticas comparáveis à escravidão legalizada dos negros não cabiam para os índios pacificados, vassalos livres que deviam tributo ao reino de Castela.

Ao concentrar-se nas ideias de condição mental e cultural, Pagden deixou um pouco de lado a construção simbólica da fisiologia do outro. Aliás, chega a se surpreender que o sentido de robustez do índio, ou seja, fisicamente aparelhado para a vida de escravo, tivesse de ser levado a sério e combatido “apesar” da “ev idente incapacidade” dos indígenas “para supor tar o trabalho que lhes ex igia o homem branco, ou para resistir às enfermidades do homem branco” (p. 74). Asseverações controversas, como será comentado mais à frente, e que reproduzem algumas mensagens do século XVI.

Vale revisitar os argumentos da fraqueza corpórea do nativo, levantados principalmente pelos evangelizadores franciscanos e dominicanos. Facções de religiosos mendicantes formaram a ponta de lança das acusações de opressão e exploração social dos primeiros milicianos e das levas de imigrantes na região mesoamericana.

Os missionários enxergaram ainda outros responsáveis pela queda do índio. Eles admoestavam os negros, os mestiços, os mascates, os tipos considerados vagabundos, inclusive os desgarrados de origem indígena, quaisquer intrusos que estivessem supostamente contaminando com maus costumes, ou mesmo enfermidades, os povoados e bairros dos chamados pobres e inocentes.

Para tratar dessa história, nada melhor que reaver alguns aspectos da teoria de Las Casas estudada por Pagden, bem como uma série de opiniões de missionários e formadores do clero secular. No contexto da controvérsia em torno das justificativas da dominação espanhola no Novo Mundo que culmina na junta de Valladolid (1550-1551), observo o teor da Brevísima relación de la destrucción de las Indias e analiso a Apologética historia sumaria, ambos daquele conselheiro que tanto influenciou a legislação do imperador Carlos V de proteção dos indígenas contra os abusos das novas elites. Las Casas, além de acentuar o tema das matanças e humilhações na invasão militar, primou pela explicação de uma degeneração enfermiça da elogiável natureza física do índio. Também me concentro nos detalhes da paradigmática crônica franciscana das dez pragas da Nova Espanha, que aproximou as causas de pestilência à guerra e fome e outros sinais da servidão. Esses escritos auxiliam bastante na abordagem aos discursos do colapso demográfico nas décadas finais do século XVI.7 7 No decorrer da análise, procuro cotejar as noções e saberes dos médicos das almas – impingidos de curar ou aliviar os corpos dos neóftos – com uma seleção de tratados da peste produzidos na península ibérica. As razões de mortandade cruzavam o Atlântico junto com os vetores e agentes das enfermidades. Mas esses princípios se redimensionam no chão da América.

Durante o reinado de Felipe II, as epidemias foram amplamente relacionadas às questões sociais, certamente devido à desproporção entre a demanda de trabalho para as minas, fábricas e lavouras e o declínio da massa de trabalhadores. Do período utilizo como fonte principal os pareceres produzidos no terceiro concílio da Igreja na cidade do México, ocorrido em 1585. São textos pouco conhecidos e analisados, mas bem significativos, senão cruciais para notar a persistência do embate clerical ao lema da servidão natural e práticas de teor escravista, o que de certa forma contemplava as prerrogativas tanto dos missionários do clero regular como da incipiente Igreja episcopal na curadoria de uma minguante sociedade nativa.

Na arte retórica, em alusões bíblicas, nas assertivas médico-filosóficas, as pestes e mortandades foram atreladas ao regime de trabalho do repartimiento. Realço posições de conselheiros eclesiásticos como o líder franciscano Gaspar de Recarte e o padre da ordem dos predicadores, Pedro de Pravia, professor de teologia na Universidade de México. O clérigo Hernando Ortiz de Hinojosa, que ocupava uma cátedra de filosofia na mesma instituição que servia para formar os sacerdotes para a inserção nas paróquias, também participou do encontro da Igreja com pareceres médicos que sustentavam a ideia de uma condição taxativamente miserável de homens de físico débil.

Ainda como fonte principal deste artigo, estão os capítulos da crônica franciscana de Gerónimo de Mendieta que reelaboram, no final do século XVI, as conexões antes estabelecidas por Motolinia entre pestilência e servidão. A atualização da crônica das dez pragas e as opiniões expostas no terceiro concílio, também filiadas a essa narrativa do desmoronamento do mundo indígena, devem ser examinadas junto a um distintivo circuito intelectual mexicano, o qual contou com a presença de expoentes médicos como Francisco Bravo, Francisco Hernández e Juan de Cárdenas.

Talvez as relações acadêmicas fiquem claras simplesmente citando a verve médica de Pravia e Ortiz de Hinojosa. Mas acredito que a ciência clerical das pestes no mundo do trabalho, a qual também é notável em Mendieta, representa algo mais. Foi um discurso compartícipe da embrionária visão de um corpo peculiar dos indivíduos do estamento social do índio, através da noção de temperamento. O que talvez possa ser avaliado como racialização, noutro paradigma de pensamento. Mas nem tanto como atitude de racismo.8 8 Joan-Pau Rubiès (2017) avalia a noção de temperamento no início da modernidade como passível de correspondências com as perspectivas atuais de raça e racismo. Uma versão aumentada desse texto se encontra em outra coletânea, dedicada à hereditariedade e natureza humana no mundo ibérico, onde também há um artigo de Cañizares Esguerra voltado para questões do corpo criollo no século XVIII (GARCÍA-ARENAL; PEREDA, 2021). Destaco duas obras dedicadas à Nova Espanha, uma de María Helena Martínez (2008) a respeito de religião e limpieza de sangre com conexões sobre os temperamentos, a outra de Rebecca Earle (2012), que enfatizou a maleabilidade dos temperamentos pelas alterações de hábito alimentar.

Lembro de Jorge Cañizares Esguerra (2006)CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. New world, new stars: patriotic astrology and the invention of Amerindian and Creole bodies in Colonial Spanish America, 1600-1650. In: CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Nature, empire, and nation: Explorations of the history of science in the Iberian World. Stanford: Stanford University Press, 2006., que colecionou vários artigos no objetivo de contestar as convenções anglo-saxônicas e protestantes da história da ciência no início da modernidade resgatando formas de conhecimento hispano--americano. Um dos textos, “New World, new stars”, foi inovador para a apreensão de incipiente ou antecessora ideia de raça nos vice-reinos do império castelhano. O autor enfatizou o movimento patriótico criollo peruano no século XVII, que driblou as más influências do céu do hemisfério sul pela definição de uma herança corpórea advinda da região ibérica. Também recuperou nomes do século XVI na Nova Espanha, inclusive o Las Casas da apologia de um índio naturalmente sanguíneo, porém, sem observar que o dominicano elaborou a degradação desse temperamento ideal devido aos efeitos da conquista espanhola.

Cañizares Esguerra trouxe discursos pioneiros do que denominou “paradigma do ameríndio feumático” (p. 84), o que basicamente teria surgido em avaliações de uma demasiada umidade da região mexicana. Mas havia um raciocínio definidor antecedente. O tipo feumático cabia bem para descrever o índio diametralmente oposto ao temperamento ibérico – a nação hispânica seria colérica com a divulgação de uma sentença do galenista muçulmano Avicena.

No artigo, Cañizares Esguerra utilizou o médico Juan de Cárdenas formado na universidade mexicana como fonte da atitude criolla de classificação do outro como fleumático.9 9 Acredito que Cárdenas não expressa exatamente o início do crioulismo novo-hispânico ao colocar-se em atitude cortesã, professoral, morigeradora da elite criolla (VARELLA, 2017). Mendieta, apesar de igualmente ter abraçado a máxima do temperamento frio e úmido, não compartilhou com Cárdenas o intuito de menosprezar a capacidade moral ou intelectual do índio. Para o franciscano, a fleuma consistia em algo positivo em termos psíquicos, mas não na aferição fisiológica mais estrita. A compleição úmida, enfermiça, fraca, motivos frequentes do tipo feumático na vulgarização medieval, expressa uma peculiar racialização promovida pelos clérigos. Ela é contrária à insinuação de uma fortaleza física de homens servos por natureza.10 10 A influência desse preceito pode ser aventada para o índio feumático um tanto saudável que se apresenta nos Problemas y secretos de las Indias de Juan de Cárdenas.

Entretanto, as autoridades da Igreja tiveram alguma participação naquilo que Cañizares Esg uerra chamou de representação dos índios “feumáticos indolentes que deviam ser disciplinados para fazê-los trabalhar”, uma “ideologia do nativo preguiçoso (...) que auxiliou justificar a institucionalização da coerção laboral” (p. 83-84). Ainda assim, a visão clerical do corpo fraco dos indígenas enquadra-se melhor como discurso paralelo e próximo ao argumento das falhas culturais potencialmente superáveis pela proteção e educação cristã, sendo avessa às posições que defendiam contundente inferioridade mental ou infantilidade psíquica incorrigível do índio.

Antes de seguir nessa avaliação, abro um parêntese para lidar com as perspectivas da história social das epidemias e da colonização, principalmente para gerar alguma dúvida sobre o sentido normalizado de corpo indefeso e debilitado dos ameríndios.

Algumas narrativas da depopulação das Américas apostam no grande poder letal das novas doenças infectocontagiosas que invadem o continente, enquanto outras histórias buscam mais força destrutiva numa precária condição social de povos oprimidos. A chamada de um dossiê organizado por Nicolas Sánchez-Albornoz (2003) na Revista de Indias, “¿Epidemias o explotaciones? La catástrofe demográfica del Nuevo Mundo”, expressa bem essa oposição de interpretações – talvez complementares, considerando a variedade e interação dos fatores ambientais e humanos. De todo modo, os estudiosos da catástrofe procuram chancela documental nos discursos clericais.

Elucidativo antepor Born to die de Noble Cook a La distruzione degli indios americani de Massimo Bacci.11 11 Utilizo a edição barcelonesa (BACCI, 2006). O primeiro autor encontrou nos vírus e micróbios antessalas ou culminâncias de fortes abalos políticos e estruturais. Cook (1998)COOK, Noble David. Born to die: disease and New World conquest, 1492-1650. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. enfatizou até mesmo a crônica de Las Casas, famosa por denúncias da ação deletéria dos conquistadores, para mostrar a importância dos fenômenos epidêmicos. Bacci, por sua vez, buscou o advogado dos índios e missionários combativos, como Motolinia e Mendieta, para provar a prevalência do colonialismo como o principal ente da devastação.

Em ambas tendências transparece um sentido comum que vem de longa data: a ideia da extrema vulnerabilidade dos indígenas. No célebre ensaio dos sete mitos da conquista, Mathew Restall (2003, p. 129) concordou que houve forte comoção do mundo aborígene devido a novas doenças e às imposições do poder ibérico. Mas isso não significa que os ameríndios simplesmente “mergulharam em depressão e inatividade” sem enfrentar as mudanças e os desafos para suportar ou melhorar a vida. Aliás, a queda demográfica não tivera como resultado o franco declínio cultural. Pelo contrário, houve diversas apropriações das novidades e um desenvolvimento adaptativo semelhante ao que tinha acontecido na Europa depois da peste negra.12 12 Mas essa afirmação deve ser ponderada. Uma Renascença mexicana – em palavras de Serge Gruzinski e o que James Lockhart também destacou como produto das atividades dos índios igrejeiros junto aos frades mendicantes – se dissipou no colapso populacional do século XVI. Pode-se arguir que as morbidades mais letais na Ibéria, como a peste e o tifo, tiveram à ocidente maior efeito de destruição, devido à situação social que teria impedido a regeneração normal das sociedades aborígenes (ALCHON, 2003).

Mesmo alertando para o protagonismo político e cultural dos indígenas, as novas histórias da conquista não costumam enxergar – ou até naturalizam – a ideia disseminada de que há uma população bem propícia de falecer com qualquer doença. Tornou-se normal explicar as grandes ceifas a partir do que Alfred Crosby (1976) cunhou de “solo virgem” das Américas.13 13 Alusão ao terreno fértil para diversos males devido à carência de anticorpos, por inexperiência das populações locais com os patógenos de zonas temperadas e tropicais do Velho Mundo. A maior violação teria sido a da varíola. Não obstante, os agentes letais se transformam na história, não se sabe as variantes e mutações das cepas desse vírus no circuito atlântico. Inclusive, há reticências sobre a relevância factual da varíola no cerco liderado por espanhóis e tlaxcaltecas à capital mexica (BROOKS, 1993). No aceno a diferenças de estoque genético e impactos da falta de imunidade surgem assunções fáceis na vulgarização da ciência, quando também relatos coloniais são inadvertidamente reiterados (NASH, 2014NASH, Linda. Beyond the virgin soils: disease as environmental history. In: ISENBERG, Andrew C. (ed.). The Oxford handbook of environmental history. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 76-107).14 14 Numa crítica interna da história ambiental, que comporta nomes como Jared Diamond e William McNeill, a autora é reticente de uma narrativa leviana ou dogmática sobre assuntos que passam por constante reavaliação na epidemiologia. Nash recupera ideias como a suposta forte resistência dos africanos à malária. Aponto um deslize de anacronismo em passagem do relevante trabalho de Sherry Fields (2008, p. 9-10)FIELDS, Sherry. Pestilence and headcolds: encountering illness in colonial Mexico. New York: Columbia University Press, 2008. sobre o cotidiano das doenças no México colonial:

No processo de conquista, os habitantes do Novo Mundo imunologicamente naïfs entraram em contato direto com os ‘super-homens imunológicos’ do Velho Mundo. Dentre os europeus, é possível considerar que os ibéricos possuíssem um dos mais desenvolvidos sistemas imunológicos do mundo naquela época.

A autora completa que os indígenas logo perceberiam características corpóreas excepcionais dos invasores. Não parece, contudo, que normalmente tenha existido esse entendimento, senão em breve estupor quando os nativos se depararam com monstros bem equipados. Talvez os milicianos espanhóis, incluindo os auxiliares africanos, tivessem uma carga divina e fossem mensageiros dos deuses, como contemplam escritos nauas da conquista (PASTRANA FLORES, 2009PASTRANA FLORES, Miguel. Historias de la conquista: aspectos de la historiografía de tradición náhuatl. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2009.). De qualquer forma, Fields não se dedicou à história das epidemias no corpo social indígena. O que fez foi narrar os incômodos leves e graves de uma sociedade diversa em crescente mestiçagem, e, contraditoriamente, procurou mostrar a suscetibilidade dos imigrados perante doenças como a gripe, sífilis, tuberculose e malária.

Claro que os ameríndios tiveram de lidar com mais doenças graves e contagiosas além das que já enfrentavam, e muitos teriam assumido a impressão de debilidade física nas crises sociais e mortandades seletivas, porém, o entendimento de sua fraqueza física estaria mais vinculado ao motivo das alterações nos costumes e ordenação social.15 15 Na conclusão do artigo observo alguns aspectos do problema.

Os itens a seguir procuram sustentar as considerações gerais desta introdução em torno das posturas que entremearam os motivos da epidemia, exploração do trabalho e natureza física dos indígenas da região mesoamericana no século XVI.

A peste debaixo da guerra e fome no Novo Mundo

Eminentes personagens da Igreja hispânica se colocaram como intérpretes e sanadores da peste. A instituição havia fortalecido sua aliança com a medicina universitária desde o fim do medievo. Esses ambientes foram bastiões da distinção social e da indução de reformas da cultura popular. Mas a elite laica devia entender a autoridade suprema da teologia sobre a medicina (CAMPAGNE, 2002, p. 353-363CAMPAGNE, Fabián Alejandro. Homo catholicus, homo superstitiosus: el discurso antisupersticioso en la España de los siglos XV a XVIII. Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires: Miño y Dávila, 2002.), como se nota claramente em Pedro Ciruelo (1519)CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri., matemático renomado e inquiridor das chamadas superstições e feitiçarias, que viu por bem escrever a respeito do “peligro de la pestilencia epidemial” (p. 4).16 16 A palavra epidemia advinda dos tratados hipocráticos indicava a incidência de uma infecção fatal por cima de muitos indivíduos numa mesma região.

Ciruelo chegou à conclusão de que a peste era pior que a guerra e a fome, demais extremos infortúnios. O mentor da Universidad de Alcalá anunciou as mortandades como “sañas y iras de dios” (p. 9). Havia “quatro razones justas” para o despacho das pragas: elas podiam significar um mistério inacessível; vinham para revelar os vícios abomináveis; seriam castigos aos pecadores, inclusive provocando a morte dos estimados, o caso das crianças inocentes; e também surgiam como provação aos virtuosos (p. 57).

O sábio contestou as pretensões da clínica pouco eficaz para impedir o estrago da peste, enquanto exortava pelas obrigações da caridade aos feridos e extrema-unção aos moribundos, criticando as fugas de médicos, religiosos e administradores. Mas apesar de acentuar a causa superior e relativizar outras importâncias, acatou diversas explicações e advertências da filosofia natural e da medicina.

Em tempos da Contrarreforma, o tratado Alivio de pestilencia, de Pedro de Azeredo, que exercia como bispo de Sevilha, corroborou a disputa com os filósofos laicos ao acentuar os arroubos da “astrologia judiciária”, como se tudo estivesse determinado pelas conjunções zodiacais. As pestes seriam expedidas por Deus devido aos males de humano arbítrio: “el pecado es la estrella que causa la pestilenc ia” (AZEREDO, 1570, p. 276AZEREDO, Pedro de. Alivio de pestilencia e otros males y reprehension de astrologia judiciaria. Sevilla: Casa de Alonso Escrivano, 1570. Ref. 07 B-51/7/4, Biblioteca de Reserva de la Universidad de Barcelona.). O prelado também considerou a peste o “mayor açote” e “mas cruel castigo” dedicando longo capítulo para sustentar que era pior que a fome e a guerra (p. 277-310). De todo jeito, “qualquier adversidad” teria por causa o pecado. É isso que os antigos profetas e Jesus haviam ensinado (p. 112). Mesmo assim, a prédica se alia à compilação de práticas que a tradição separava nas artes da dietética, farmácia e cirurgia. Em apêndice ao extenso tratado religioso, Azeredo enfatizou que suas recomendações de saúde física foram retiradas de excelentes peritos, e ainda ergueu as autoridades de Hipócrates, Galeno e Avicena (p. 455-464).

Os mesmos parâmetros espirituais e morais, bem como a atenção médica dos tratados teológicos da peste foram observados pelos evangelizadores do Novo Mundo em suas crônicas, tratados, informes e pareceres. Mas a expoente peste que atacava a Europa estava em outro terreno, e nele preponderava o relato da violência e carestia devido à invasão estrangeira.

Bartolomé de las Casas, celebridade máxima dessa narrativa, alguma vez vai lembrar de epidemia na extensa Historia de las Indias – o que Noble Cook (1998, p. 7-8, 62)COOK, Noble David. Born to die: disease and New World conquest, 1492-1650. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. pinçou para demonstrar que dera importância ao assunto. Podia ter recuperado a Apologética historia sumaria para encontrar plenamente o assunto da pestilência no índio, o que depois vou comentar.

O texto mais conhecido de Las Casas é a Brevísima relación de la destrucción de las Indias. A edição de Martínez Torrejón foi perspicaz em indicar que o clérigo sintetizou numa só oração o cerco à ilha de México, desaproveitando rica fonte para condenar a subjugação guerreira (LAS CASAS, 2009 [1542], p. 46-47LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destrucción de las Indias [1542]. Edición de José Miguel Martínez Torrejón. Barcelona: Centro para la Edición de los Clásicos Españoles, 2009.). Acrescento que o polemista omitiu o ataque da varíola na conjuntura, algo que mereceu na crônica de Motolinia o posto de inaugurar as pragas da conquista espanhola. Curiosamente, Las Casas chamou de “tiránica pestilencia” a violência guerreira que “fue a cundir e inficionar y asolar” diversas províncias (p. 48). Se quis expressar a dispersão da crueldade, o recurso retórico substituiu notória pandemia.

Toribio de Benavente, que se rebatizou Motolinia, ‘o pobre’ na língua náuatle, foi um dos apelidados apóstolos a desembarcar em Vera Cruz. Por quatro décadas atuou na missão católica. Os textos a ele atribuídos recuperaram assertivas do cronista López de Gómara, sofreram interpolações e foram aproveitados por outros, como o jurista Alonso de Zurita e mesmo por Las Casas, que o notável franciscano teve como detestável adversário.17 17 Para tratar das comparações do Êxodo e do Apocalipse com a história da queda dos índios, utilizo a mais recente edição de Edmundo O’Gorman, com base no manuscrito Memoriales (MOTOLINIA, 1989, p. 42-53).

Bacci (2006, p. 42-45)BACCI, Massimo Livi. Los estragos de la conquista: quebranto y declive de los indios de América. Barcelona: Crítica, 2006. se apoiou no enredo de Motolinia para defender que as epidemias foram coadjuvantes, num cenário em que a conquista e seus desdobramentos teriam cobrado mais vidas. No entanto, o frade não deixaria de perceber a relevância das pestes ao sublinhar as atrocidades da guerra e a calamidade da fome. Se entre as dez pragas só o primeiro látego foi de epidemia – quando trouxe a história da varíola de 1521 e do sarampo onze anos depois – o vulto das enfermidades populares não se encerrou no primeiro episódio da comparação com os livros sagrados.

As pragas do Egito tinham sido mandamentos de Deus, mas na Nova Espanha se deram por “crueldad y codicia” dos homens (MOTOLINIA, 1989, p. 42MOTOLINIA, Toribio. El libro perdido. Ensayo de reconstrucción de la obra histórica extraviada de Fray Toribio. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1989.). Remete às lutas fratricidas de avarentos espanhóis e destaca a destruição dos pobres vitimados pela iniquidade dos senhores de dois mundos e seus delegados.

Motolinia empunhou razões espirituais e morais, mas acreditava também em causas naturais e soluções mundanas para os graves males. Julgou que o sarampo trouxe menos dano que as “viruelas” ou “huey zahuatl”, que “quiere decir la gran lepra”.18 18 O termo zahuatl consta como “roña o sarna” e “viruelas” no vocabulário do frade Alonso de Molina (2016, p. 475). A analogia com a lepra estabelecida pela crônica traz a carga semântica do Levítico. A enfermidade sagrada era marca de pecados como a luxúria (HAYS, 2009, p. 15). Isto porque os índios tinham o costume de banhar-se muito e os religiosos alertavam que não se molhassem tanto, e trouxeram alguns remédios.19 19 Entre as causas da peste na filosofia natural (CIRUELO, 1519, p. 43) estariam os “baños de agua dulce que abren las carnes y reciben demasiada humidad aparejada a corrupcion” . Se o exagero no asseio podia ainda afetar o calor interno e desequilibrar os humores, o receio médico se atrelava ao controle clerical dos comportamentos sexuais (VIGARELLO, 1991).

A pestilência significava a vingança de Deus contra impudicos e sacrificadores de homens, mas havia inequívocas causas naturais: “el agua fue hecha hedionda, cuando muchos morían, que no los pudiendo enterrar hedían por todas partes”. O motivo se repete na segunda praga, que foi a guerra. Os cadáveres expostos “hediendo como pescado hediondo” foram o estopim da enfermidade (MOTOLINIA, 1989, p. 42, 46MOTOLINIA, Toribio. El libro perdido. Ensayo de reconstrucción de la obra histórica extraviada de Fray Toribio. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1989.).20 20 Velasco de Taranta, médico português da escola de Montpellier, destacou a influência dos astros para a ocorrência das tempestades e proliferação de insetos e ratos. Se Saturno está em sua casa, haverá mudança nos ares e com isso vinha a peste. Porém, “consta” que se pode engendrar só por “rayz [causa] inferior o por los muertos no sepultados” (TRATADOS, 1993, p. 24-25). Ciruelo (1519, p. 42) indica o perigo das águas “suzias hediondas” onde há “cosas podridas”, pois, “malos vapores” se levantam pelo calor do sol.

O retrato das refregas enfermiças talvez se relacione ao tifo exantemático que surgiu na conquista de Granada, o último bastião muçulmano na Ibéria. A doença teria atingido o Méx ico décadas depois (HAYS, 2009, p. 69-70HAYS, Jo Nelson. The burdens of disease: epidemics and human response in Western history, revised edition. New Brunswick: Rutgers University Press, 2009.). A etiologia da putrefação dos corpos sem sepultura aumentava a dimensão das pestes no ambiente da guerra.21 21 Francis Brooks (1993, p. 26-27), no intuito de diminuir a perspectiva analítica da invasão biológica, ignorou o raciocínio causal que havia na época ao analisar a retórica de Motolinia.

Motolinia (1989, p. 51)MOTOLINIA, Toribio. El libro perdido. Ensayo de reconstrucción de la obra histórica extraviada de Fray Toribio. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1989. ainda considerou uma causa telúrica de epidemia. Os socavões das minas de prata – que lhe representam a nona praga – exalavam fortíssimo mal odor, o que “causó pestilencia”, matando índios e negros.22 22 Da lista de Ciruelo (1519, p. 42) de causas naturais obtém-se que “la tierra tiene dentro de si grandes cavernas y cuevas vazias en las quales se engendran vapores de las minas (...) fetidos y corruptos” que “inficionan el aire” atingindo homens e animais.

A terceira praga completou a tríade dos grandes males. A fome foi equiparada ao enxame de gafanhotos no Egito bíblico. Trata-se agora de uma Nova Espanha sem cultivo, quando os mosquitos da terra estéril vieram “afligir el estado miserable de los pobres” (p. 46-47).

Doravante, várias pragas remetem diretamente ao estado servil dos índios. Os excessivos tributos e serviços, exequíveis pelo terror, são os carrascos tanto da alma dos mandantes como do corpo dos trabalhadores. Motolinia (1989, p. 47-51)MOTOLINIA, Toribio. El libro perdido. Ensayo de reconstrucción de la obra histórica extraviada de Fray Toribio. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1989. lembra dos carregadores em longas jornadas e da construção da cidade do México, que é outra praga. Ali jejuavam após terminado o lanche trazido de casa. Nas minas e no regresso ao pueblo, também havia o desequilíbrio de enorme esforço físico e pouco alimento.

Mas qual a relação disso tudo com a pestilência? Ciruelo (1519, p. 43)CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri. asseverou que por falta do “mantenimiento necessario, o por demasiado trabajo”, ocorria a “debilitacion de la virtud”, ou seja, faltava força para resistir ao mal. Em opúsculo de 1501, o iátrico Fernando Álvarez comentou que o estômago não podia ficar vazio em tempos de peste. Convém almoçar “cada uno segun su complexion e costumbre” (TR ATADOS, 1993, p. 168).

Os exercícios físicos seriam saudáveis, mas com moderação se a enfermidade está à espreita. Velasco de Taranta, outro médico da peste, acusou o trabalho corporal de “escaliente e [c o m o] faga mucho alentar e resollar e, por conseguiente, atraher aire corrupto (...) altera e corrumpe los humores del coraçon”. O sujeito deve guardar-se de “baylas e de lucha e de saltar e correr” (p. 47-48). O licenciado Fores, também autor de um opúsculo da virada para o século XVI, idem reticente quanto à intensidade dos exercícios, por outro lado, pondera: “mi intencion es para los populares principalmente escrevir, que viven necessario del trabajo”, então, “que escusen luchas e juego de pelota e cosa de plazer o del contrario” (p. 105-106).

O regime opressor – no outro lado do Atlântico – havia extrapolado nos conturbados anos de imposição militar. Mas isso já passou, esclarecia Motolinia (1858)MOTOLINIA, Toribio. Carta… al Emperador Carlos V [1555]. In: Colección de documentos para la historia de México. Vol. I. México: Librería de J. M. Andrade, 1858, p. 251-277. quando contestou os eloquentes exageros de Las Casas em missiva de 1555 ao imperador Carlos V. O franciscano amenizou a má fama dos colonos. Nessa carta inclusive acentuou o mistério divino do flagelo pestilencial. Ou seja, podia ser injusto só culpar os espanhóis pelas epidemias. De todo jeito, a crônica das pragas da Nova Espanha foi grande inspiração para dissertar sobre os trabalhos que acabavam com os índios. Mas faltou Motolinia elaborar a respeito de um corpo débil dos nativos sujeitos à extrema servidão.

Corpos dispostos para a enfermidade pestilencial

Se a história franciscana não tinha mencionado uma debilidade de compleição do índio, pode-se resgatar essa noção desde o começo da colonização. Noble Cook (1998, p. 22)COOK, Noble David. Born to die: disease and New World conquest, 1492-1650. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. trouxe o relato do germânico Nicolaus Federmann, que por volta de 1530 testemunhou o ocaso dos povos tainos em Santo Domingo. O viajante indicou três causas: as pestilências, as guerras e as minas de ouro, onde os índios se viam obrigados a trabalhar contra sua natureza, pois seriam muito delicados. Cook realça a perspicácia de Federmann na distinção dos fatores, sem observar, porém, que a suposta constituição fraca é praticamente inextricável das três causas exteriores à natureza corpórea.

Resgato relato mais antigo de um tesoureiro real em Puerto Rico. Defensor da encomienda de indios aos colonos e opondo-se à ingerência de visitadores dos monges jerônimos, Andrés Haro (1518, f. 2)HARO, Andrés de. Carta. 21/01/1518. Carta de... tesorero oficial real de la isla de Puerto Rico, a Su Majestad, sobre la disminución del número de indios... San Juan de Puerto Rico, 6 fs. Legajo Patronato, 176, R.1, Archivo General de Indias, Sevilha. apontou que os poucos nativos que restavam na ilha deviam ser orientados pelos colonos tanto na religião como nos “mantenimientos y vistuarios”, haja vista diminuírem “a cada dia porque como son yncapaces en las cosas de la fee lo son en lo que toca a su salud y de muy flaca conplisyon”. 23 23 O adjetivo flaco não tinha só o significado de magro ou emaciado, podendo aparecer como sinônimo de débil.

Tal como esse funcionário, vários clérigos inclinaram-se por notar defeitos culturais dos indígenas, o que remete ao alheamento perante graves princípios dietéticos (PAGDEN, 1988PAGDEN, Anthony. La caída del hombre natural; el indio americano y los orígenes de la etnología comparativa. Madrid: Alianza, 1988.). A ideia de fraqueza corporal igualmente avançaria entre os religiosos tornando-se argumento central em suas disputas. Foi determinante a visão de exígua força física junto à condição de vida miserável que enfraquecia o índio ainda mais.

Na primeira versão da Brevísima relación e logo no começo do texto, Las Casas (2009 [1542], p. 9)LAS CASAS, Bartolomé de. Brevísima relación de la destrucción de las Indias [1542]. Edición de José Miguel Martínez Torrejón. Barcelona: Centro para la Edición de los Clásicos Españoles, 2009. havia indicado a qualidade física dos índios: “las gentes más delicadas, flacas y tiernas en complisión y que menos sufrir trabajos, y que más fácilmente mueren de cualquiera enfermedad”. Em nota editorial, há o aviso de que raramente o cronista vai considerar “a natureza delicada dos índios como uma das causas de sua extinção” (p. 9-10). De fato, o dominicano se esmera em descrever décadas de brutalidade e injúria, porém, postula previamente a fragilidade dos naturais.

A característica vinha de uma criação similar a dos nobres europeus, inclusive entre os indivíduos de “linaje de labradores”. Entretanto, a “vida regalada” não significava riqueza e ostentação, ao contrário, seriam paupérrimos sem grandes ambições, e comiam pouco, igual que os “Santos Padres en el desierto” (p. 10).

Las Casas não estava sozinho nessa mirada. Os franciscanos com seu voto de pobreza espelhavam-se no modo de vida do estamento de baixo da sociedade indígena, e o primeiro bispo, o humanista Vasco de Quiroga, concebeu os pueblos hospitales se aproveitando tanto da Utopia de Morus como do modelo de pobreza do macegual (o índio camponês ou plebeu). Essa figura podia se revestir de valores morais positivos, mas havia uma ambiguidade relacionada à saúde corpórea.

Até Las Casas, que tanto sublinhou as virtudes da modéstia e temperança, e assinalou para os índios a melhor compleição – o temperamento sanguíneo –, vai concluir que a fraca constituição corpórea somada às circunstâncias da dominação estrangeira teria levado a uma degeneração enfermiça.24 24 Os índios de Las Casas seriam moderadamente sanguíneos, ou seja, saudáveis e pletóricos. A sentença é ilógica, considerando que comiam coisas “delicadas” tornando o corpo também delicado (LAS CASAS, 1992 [1553], p. 433).

Chego ao inacabado tratado da Apologética historia sumaria aonde a defesa do índio é fundamentada na filosofia natural e moral. O texto é do início dos anos 1550, portanto, no momento em que Las Casas também compunha a versão final da Brevísima relación, que logo fez fama entre os inimigos de Castela ao narrar os abusos dos conquistadores. Se aí procurou ocultar os surtos de varíola, senão como metáfora do espalhamento dos horrores de milícias estrangeiras, na outra obra tocou em cheio no tema das pestes, ao explanar as graves alterações psicofísicas dos naturais – ainda que mantenha o acento na causa artificial das perturbações, ou seja, as enfermidades advinham de ações concretas dos espanhóis.

Com base em De anima infere que o índio sucumbia de tristeza e temor em conjunção: “imaginación del mal o de la cosa triste que se teme padecer (...) causa muchas veces venir pestilencia”. Além do mais, “si el hombre imagina algunas enfermedades incurre en ellas” (LAS CASAS, 1992 [1553], p. 404LAS CASAS, Bartolomé de. Apologética historia sumaria... [c.1553]. Tomo primero. Edición de Vidal Abril Castelló et al. Madri: Alianza Editorial, 1992.).

Não foram poucos os tratados do Siglo de Oro espanhol que disputaram se a faculdade mental da imaginação poderia operar desequilíbrios humorais manifestando enfermidades (JORDAN ARROYO, 2017JORDÁN ARROYO, María V. Entre la vigilia y el sueño: soñar en el Siglo de Oro. Madrid: Iberoamericana, 2017.). Desde a catástrofe da peste bubônica no século XIV, como nos escritos de Jacme d’Agramont e Juan de Aviñon tão concentrados no regimen sanitatis de medidas profiláticas, frisava-se que o sujeito devia cuidar da alimentação, exercício e sexo, assim como tinha que governar as emoções. Para cogitar os “perigosos efeitos do medo e da autosugestão”, os médicos cristãos tiveram a influência dos filósofos muçulmanos, em particular Averróis (AMASUNO SÁRRAGA, 1996, p. 201-202AMASUNO SÁRRAGA, Marcelino V. La peste en la corona de Castilla durante la segunda mitad del siglo XIV. Salamanca: Junta de Castilla y León, Consejería de Educación y Cultura, 1996.), aliás, bastante citado na Apologética historia.

Las Casas chegou a descrever os índios como covardes e pusilânimes, termos que se tornaram comuns para a depreciação dessa gente e que já figuravam na obra de Gonçalo Fernández de Oviedo, o primeiro cronista oficial das Novas Índias antagonizado nas histórias do dominicano. Mas é importante diferenciar o significado que o defensor maior dos índios quis dar para isso. O antecedente caráter dos naturais se identificava à alegria. Vide os bailes que ainda faziam durante a árdua faina diária. O dominicano destacou o que agora parece ser o âmbito do estresse e depressão: “per accidens (...) a saber, por causa de las grandes y extrañas crueldades” , e, “viviendo en amarguísima y durísima servidumbre”, os índios tornaram-se tristes e medrosos (LAS CASAS, 1992 [1553], p. 434LAS CASAS, Bartolomé de. Apologética historia sumaria... [c.1553]. Tomo primero. Edición de Vidal Abril Castelló et al. Madri: Alianza Editorial, 1992.).

Isto também abalou seu estado físico. A situação mental coibia inclusive os cuidados com o corpo.25 25 O nobre e valente sujeito vai “degenerar en vileza de vida” e, assim, os índios vão “olvidarse de lo que sabían, no curar de lo que podrían saber, convertirse en covardes y pusilánimes” (p. 406). A rudeza e ignorância que se via agora neles foi o resultado da conquista, não há qualquer sentido de barbárie ancestral.

Las Casas se refere a outro texto de Aristóteles, De somno et vigilia, para realçar espécie de justo-meio fisiológico do índio. O equilíbrio humoral se traduzia na excelência dos “sentidos exteriores” como visão e audição. Mas as fortes impressões em mentes imaginativas facilitavam adoecer. Em conclusão: “cualquiera enfermedad accidental más presto adelgaza, enflaquece y los despacha que a otra nación alguna de las que tenemos noticia”, e, “como es notorio a todos los que los cognoscemos”, os índios são “para sufrir muy poco trabajo” (p. 435-436).

O temperamento peculiar do índio não adveio, portanto, só das circunstâncias da conquista. Tratava-se de uma qualidade hereditária ou praticamente acrônica como substância do ser. Las Casas havia enxergado primordial compleição sanguínea, ou seja, uma aparência de robustez, um tipo psíquico alegre, contraditoriamente em corpo delicado.

A boa fruição das faculdades mentais – enfim da alma – desse homem ficou comprometida porque estava enfraquecido e perturbado. Las Casas foi incisivo na promoção desse arranjo, da mesma forma que foi expoente no enquadramento dos novos vassalos à categoria de indivíduos miseráveis. Isto é, politicamente indefesos, presas fáceis da ganância dos outros, e à vista disso deviam contar com jurisprudência leniente e apoio processual em suas queixas e demandas.

Deve-se ter em conta que a Coroa logo se apropriou da noção jurídica no processo de institucionalização civil da protectoría de los indios. Não por isso o princípio deixaria de ser usado na figuração dos neóftos pela Igreja, particularmente nos trabalhos do terceiro concílio ocorrido em México (LLAGUNO, 1983LLAGUNO, José A. La personalidad jurídica del indio y el III Concilio Provincial Mexicano (1585): Ensayo histórico-jurídico de los documentos originales. México: Editorial Porrúa, 1983.).

Nesse encontro que foi o primeiro em amplitude pela mobilização de várias autoridades, avigora-se o que Jose Llaguno (p. 144-146) chamou de “personalidade jurídica do índio menor de idade”. Um sujeito tímido, não responsável por seus atos, simplório na fé, pobre, oprimido.

Llaguno não observou que o corpo e mente enfermos também se somavam na representação do neófto. O tratado De privilegiis pauperum et miserabilium personarum da autoria de Gabriel Álvarez de Velasco, que foi publicado em Madri no ano de 1636, apontou a influência da concepção medieval de amparo aos desvalidos, mulheres, órfãos, para a constituição dos foros especiais para os índios dos vice-reinos do Novo Mundo.26 26 Esse tratado é a base do estudo pioneiro de Paulino Castañeda Delgado (1971) sobre o tema do índio miserável. Mas tal como José Llaguno, o autor não deu qualquer atenção ao motivo da compleição fraca do índio. O compilador havia sido oidor da audiência de Santa Fe de Bogotá. Retirou das Partidas do rei Alfonso X, o Sábio – código basilar de Castela – a normativa de proteção aos “cuytados de grandes enfermedades, o de muy gran pobreza”. E também colocou os “enfer mos de mente” como miseráveis (CASTAÑEDA DELGADO, 1971, p. 255-256CASTAÑEDA DELGADO, Paulino. La condición miserable del indio y sus privilegios. Anuario de Estudios Americanos. Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, v. 28, 1971, p. 245-335.).

A condição de miséria se casa com a ideia da debilidade do corpo e mente. Como notou Caroline Cunill (2011, p. 242)CUNILL, Caroline. El indio miserable: nacimiento de la teoría legal en la América colonial del siglo XVI. Cuadernos Inter.c.a.mbio sobre Centroamérica y el Caribe, San Jose, Centro de Investigación en Identidad y Cultura Latinoamericanas de la Universidad de Costa Rica, n. 9, año 8, p. 229-248, 2011. ISSN: 1659-0139. Disponível em: htps://www.redalyc.org/articulo.oa?id=476948771004. Acesso em: 10 jul. 2017.
htps://www.redalyc.org/articulo.oa?id=47...
, o termo “miserável” cada vez mais serviu para referir-se à “natural fraqueza” do índio.

A pestilência do recrutamento de índios

A região mesoamericana foi castigada por uma pandemia de cocoliztli que começou em 1576 e perdurou por cinco anos.27 27 Há várias hipóteses sobre o agente mórbido, como um brote de febre tifoide ou de salmonela, e também, a ideia de conjunção de doenças e suas relações com más condições sanitárias. A expressão de origem náuatle carregou sentidos no castelhano como o de “pasión trabajosa” e “enfermedad contagiosa” , sendo equiparada a “pestilencia” (MOLINA, 2016, p. 86-87MOLINA, Alonso de. Diccionario náhuatl-español. Edición de Marc Thouvenot. México: Universidad Nacional Autónoma de México; Fideicomiso Felipe Teixidor y Monserrat Alfau de Teixedor, 2016.). Foi um acontecimento que parece ter sepultado de vez o projeto dos monges mendicantes de segregação das comunidades índias, para evitar o contato com os males da república de los españoles.

Para tratar do impacto simbólico da catástrofe é salutar recorrer ao corpus documental das Relaciones Geográficas, informes que responderam a um extenso questionário enviado pelo Consejo de Indias. Os relatos produzidos nas comarcas dos vice-reinos pelos funcionários reais corregidores e auxiliares, que incluíam muitas vezes entrevistas com oficiais e líderes dos povoados indígenas, em sua maioria, é de meados da década de 1580.

Houve não pouca participação de doctrineros na construção desses informes. Destaco um trecho dos papéis do distrito de Tetela que representa a voz dos religiosos mendicantes:

La causa por que ahora mueran tantos, y haya tan frecuentes pestilencias, es secreto de Dios, que es ansí servido, (…) pero, la que según ordinariamente se entiende, es que no estaban tan vejados ni oprimidos con servicios personales como ahora lo están. Y siendo, como es, gente tan flaca y delicada y para poco trabajo, y las enfermedades los hallan tan fatigados y trabajados que no hallan resistencia, y, ansí, se acaban (RELACION, 1986b, p. 267-268RELACIÓN de Tetela y Hueyapan. Relaciones geográficas del siglo XVI: México. Vol. 7. Edición de René de Acuña. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1986b, p. 257-272.).

O editor René Acuña supõe que um dos escreventes anônimos foi um padre domínico adepto de Las Casas (p. 257), mas não necessariamente, pois entre as facções de missionários havia certa convergência de explicações, o que se observa claramente nos pareceres entregues ao terceiro concílio mexicano. Aí eles costuraram o tema da diminuição e degradação do delicado corpo social do índio para sustentar políticas sectárias, mas também institucionais – a Igreja episcopal apostou nesse discurso, ainda que o propósito fosse algo distinto.

Se há décadas o poder dos bispos vinha sendo confrontado pelas ordens conventuais, que buscavam conservar o mando nas paróquias, também havia o caminho da distensão política. Os grupos de missionários, por sua vez, tinham suas diferenças, e todo o bloco percebeu a força dos jesuítas há pouco autorizados a missionar e fundar colégios na Nova Espanha. Enquanto isso, o incipiente clero secular precisava de titulação universitária. E essa Igreja em formação rivalizava com a governança e justiça seculares no contexto do patronato do rei, que entre outras prerrogativas nomeava os bispos enfraquecendo a mitra. Já as ordens mendicantes tiveram a retaguarda de alguns vice-reis. Havia enlaces e ruídos por toda parte, e um pouco disso pode ser captado nas consultas do concílio.28 28 O contexto dos trabalhos e descrição dos participantes se encontra na seção introdutória da edição de Alberto Carrillo Cáceres (2006) do maço documental guardado na Bancroft Library que comporta boa parte dos pareceres. Menciono uma relevante resolução do concílio: o Directorio de confesores y penitentes, que adverte o pecado de consciência devido à opressão ao índio (CARRILLO CÁCERES, 2011). Várias diretrizes permaneceram formais, tiveram alcance limitado, ou demoraram a tornar-se políticas efetivas. Aliás, a publicação das resoluções se deu somente em 1622.

Se quase todos que participaram do concílio tiveram formação ou carreira em teologia, a função devocional de recorrer aos favores do plano superior para livrar-se das enfermidades foi cumprida por um médico laico. Pedro López, que atendia um convento dominicano e solicitou no evento a fundação de uma irmandade dos negros na capital, também pediu a celebração de São Roque, “a quien en Castilla toman las gentes por abogado de la pestilençia, y en muchos pueblos le huelgan” (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 421-422MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.).

De seu turno, os clérigos observaram a condição social para tratar do problema da saúde dos indígenas. Os missionários veteranos foram efusivos na condenação aos recrutamentos de índios tributários através dos caciques y mandones para a empresa mineira, fabril e agrícola supervisionados pelos jueces repartidores.

Recordo que John Phelan (1970)PHELAN, John Leddy. The millennial kingdom of the Franciscans in the New World. Berkeley: University of California Press, 1970. estipulou uma vertente milenarista entre os clérigos mendicantes. O fatalismo pode ter sido importante, mas o discurso médico é o que contava para a expectativa de salvação neste mundo. O mistério da queda inexorável do índio ficou ofuscado pela exigência moral de reforma do regime laboral.

A Igreja podia admitir, outrossim, que o desígnio divino fosse favorável aos espanhóis. Prelado da diocese de Chiapas, Pedro de Feria vaticinou o fim dos “naturales deste nuevo orbe”. 29 29 Expoente da evangelização dominicana em Oaxaca ao produzir vocabulários do zapoteco, depois estudou teologia em Salamanca regressando à Nova Espanha em 1575 como bispo de Chiapas. Pois, “faltan más de la mitad”, e isso ao ter entrado na Nova Espanha depois da devastação do “huey cocoliztli” de 1544. A situação justificava o incentivo à imig ração. Citou versículos sobre a destruição dos cananeus e outros idólatras na terra prometida, tropo praticamente obrigatório na crônica da conquista. Ainda indicou o risco de a terra ser tomada pela animália (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 297MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.).30 30 Desastre bíblico comparável à peste, guerra e fome, como destacou Ciruelo (1519, p. 9).

O horizonte de extinção do índio que amparava a colonização foi assentido até por Motolinia. Mas essa diretriz conviv ia com um prog rama bem diferente em várias frentes missionárias, e isto mesmo num momento de maior desdita. O Tractado del servicio personal y repartimiento de los indios en Nueva España, de 1584, escrito pelo combativo líder seráfico Gaspar de Recarte (1975) reclamava que só deviam entrar no Novo Mundo os evangelizadores lamentando o grande fluxo de espanhóis: “augmentándose ellos se augmentan los trabajos de los indios y se van disminuyendo los indios” (p. 385).31 31 Lembrou de um texto “apologético” do bispo de Chiapas, mas não citou nominalmente Las Casas da ordem rival dominicana (RECARTE, 1975, p. 363). O breve tratado de Recarte baseou os pronunciamentos dos missionários no concílio.

Ped ro de P rav ia, representante dos p adres dom in icanos no concí lio, quem há tempo ocupava a cátedra prima de teologia na universidade real, foi contundente ao prever que aquela terra sucumbiria se os naturais perecessem por completo. Não ia mais ter as minas, nem os quintos do tributo, e nem as próprias Índias. Compara a situação ao jugo faraônico sobre os “israelitas con ser v icios personales”, à diferença que tais oprimidos eram estrangeiros e não o povo do lugar (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 325-326MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.).

A história sagrada servia para a censura dos vícios do repartimiento, voltado para várias operações de suposto interesse público. O trabalho compulsório, ainda que premiando alguma moeda, assemelhava-se ao instituto da escravidão. Restava definir a dimensão material e espiritual do desvio à regra da liberdade civil dos neófitos, bem como as faltas religiosas dos opressores laicos.

O intransigente Gaspar de Recarte foi escolhido o redator do parecer coletivo dos franciscanos no concílio. Explorou o mecanismo do repartimiento como “perfectíssimo traslado y retrato” do evento do Êxodo (p. 357) dando continuidade ao velho tema da praga da cobiça espanhola.

Foi a pedido de Recarte e de Juan Ramírez da ordem dominicana, e também por advertência dos agostinhos, da “república” de México e de “otras muchas personas” que se elaborou a consulta sobre o repartimiento (p. 310-312). O interrogatório no primeiro item afirma a baixa remuneração aferida pelos índios, e logo sublinha que “el dicho travajo” é “muy grande respecto de la flaqueza del subjeto” (p. 312). Quase todos os consultores resgatam a prévia arguição de condenar alguns trâmites ou até pedem a abolição do regime servil, postura assumida pela regra de São Francisco. Na introdução à série de “dudas” sobre a licitude do recrutamento às jazidas minerais, vinha a deixa de que todos – os espanhóis e negros, os mestiços e mulatos, os pobres e vagabundos – teriam “más fuerças” para a extração dos metais. Também indica o péssimo ambiente das gretas. O excesso de umidade e frio junto ao demasiado trabalho é o que vinha causando tantas enfermidades e óbitos.

No roteiro se observa ainda a questão alimentar. Os índios comiam pouco e mal ou nem isso: “un tamal que de su casa traen podrido lo quitan” (p. 313). Ao lado do espectro do péssimo tratamento está o índice da comida enfermiça e a denúncia de uma condição famélica. Contudo, Pedro de Pravia condescendeu com o recrutamento dos índios se fosse para os monastérios, porque ali “les dan alguna comida y los tratan bien” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 324MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.). Portanto, os empregadores laicos seriam aqueles que molestavam os esfomeados.

Mas pode haver uma distância entre o discurso clerical e o que realmente acontecia. Para John Super (1988)SUPER, John C. Food, conquest, and colonization in Sixteenth-Century Spanish America. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1988. existiu relativa fartura alimentar particularmente no entorno das minas, onde os oficiais do repartimiento prescreviam rações consideráveis de carne vermelha, que a dietética tinha por excelente sustento sem rival. A norma servia justamente para aproveitar a força laboral dos indígenas.

Ao lado do motivo da carência alimentar foi importante a visão da mudança de ares. Transferidos de “tierras calientes a frías”, os índios esmoreciam. Não só o trabalho, também a “frialdad” mata (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 313MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.). A etiologia da intemperança climática estava no cerne do pensamento hipocrático mexicano (VI-VEROS MALDONADO, 2007).32 32 A propósito, a sazonalidade de doenças como a gripe é atualmente objeto de hipóteses pouco consensuais na comunidade científica.

Ilustrativo dessa ciência foi o informe do vice-rei Martín Enriquez sobre o surto de cocoliztli de 1576. Houve estiagem e muito calor resultando “ser el año muy doliente, y entre los indios a dado tan rezio la pestilençia, que an muerto en gran cantidad” e seguem as baixas. Apesar do inverno estar chegando, o calor continuava intenso. Em 1544, houve a mesma pestilência e “dizen” os velhos índios que “estas mortandades de tantos a tantos años, siempre las huvo entrellos”.33 33 O governante criou uma junta de médicos para entender a “calidad del mal” e foram enviadas “memorias” para os pueblos orientando a prevenção e tratamento por intermédio dos “frayles y clerigos y legos”, que “generalmente an de ser los medicos, y los barveros [sangradores] mas que todos, porque el prinçipal remedio que se halla es sangrallos luego” (ENRÍQUEZ, 2008 [1576], p. 331). Segundo o cirurgião Alonso López de Hinojosos (1977 [1578], p. 207-210), enquanto ele trabalhava no hospital real de índios, teria recebido o conceituado doutor Francisco Hernández. Juntos teriam feito “anatomias” para avaliar a causa do cocoliztli, concebido como um veneno que fazia inchar o fígado. Não viram relação com fenômenos astrais ou ambientais, como supuseram outros profissionais, inclusive astrólogos mobilizados pelo vice-rei. Assim, os dois médicos atribuíram a causa do mal a um mistério divino.

O vice-rei não atribuiu o desastre à vingança de Deus pelos pecados de antes ou depois da conquista. Também não aparece a compleição débil ou o corpo enfraquecido dos pobres vassalos, o que no terceiro concílio foi várias vezes denunciado.

Nos trabalhos do concílio, o ocupante da principal cátedra de filosofia da universidade, o qual avisou ser “provisor” dos índios, vai ponderar que os “miserables maceguales” não deviam jejuar a não ser no dia da Paixão. Hernando Ortiz de Hinojosa apontou que “son poco regalados y sus comidas débiles y flacas”, e, como “gente servil y trabajadora”, acabam descumprindo a regra eclesiástica (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 389MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.).

De estirpe criolla, o clérigo havia sido aluno de frei Pravia na academia. As interações nessa casa talvez expliquem por que os dois consultores dos bispos se destacaram na linguagem médica, Ortiz em particular. No evento da Igreja se disputou se era preciso proibir o pulque devido aos males morais e físicos da embriaguez. O professor se estendeu na explicação fisiológica de um efeito venenoso do vinho espanhol. Mas defendeu o uso moderado da bebida que era da terra, e por causa disso, apropriada à natureza do índio.34 34 Um trecho das considerações de Ortiz: “siendo el vino de Castilla más caliente que el de la tierra, y menos o igualmente húmido, es forçoso que se evapore más la humidad, así por el calor del vino como por el natural del estómago, con que se aumenta y humedezce el celebro y liguen los sentidos, y vemos por experiencia que caen los dichos indios como muertos, y les dura la embriaguez dos y tres días con este vino, y con el suyo, y por mucho que bevan no, ni con muchas ventajas, y basta serles natural el uno, y el otro no” (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 398). A advertência do clérigo foi pela moderação na ingestão do pulque ou vinho da terra. A ideia do índio empestado pela embriaguez, inclusive do pulque, vai tornar-se central em importantes nomes da Igreja como o extirpador de idolatrias Jacinto de la Serna no século XVII.

Numa vez Ortiz se expressa assim: “Testigos los trabajos, sufrimientos, ansiedades, enfermedades, hambres, sedes, y pestes que perpetuamente los afligen y oprimen”. Utilizou adjetivos como “débiles”, “ quebrantados”, e que Deus “anima a los pusilánimes, conforta a los débiles” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 397-398MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.). E vai acusar o repartimiento de “perpetua y molesta peste”. Embora apostasse que a instituição iria “paulatinamente” desaparecer, tal como planejava o rei (p. 407-408).

De fato, tanto o governo civil quanto os grupos clericais viam no salariado uma meta para contornar os problemas econômicos e outros que viam no repartimiento (GIBSON, 1967GIBSON, Charles. Los aztecas bajo el dominio español, 1519-1810. México: Siglo Veintiuno, 1967.). Ortiz foi incisivo em condenar o emprego compulsório de “artífices” como os ferreiros e pintores e inclui os produtores de alimentos. Todos deviam ter contratos justos e escolher o melhor patrão da praça, para deixarem de ser “siervos de los siervos” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 417-418MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.).

O formador de sacerdotes operou o mesmo ataque feito pelos mendicantes à furtiva alegação de que os índios percebiam menos dinheiro que outros pela qualidade de “flacos, endebles, y de pocas fuerzas”. Replica que não dava nem para comprar comida, e ainda exigiam dos “pobrecillos” mais do que suas forças permitiam. Cobra que o recrutamento forçado fosse para “los mestizos, semihispanos, negros libres” sem ofícios e criminosos (p. 421).

Assim como mostrou desenvoltura na descrição de efeitos fisiológicos nocivos da bebida estrangeira, apontou aspectos de insalubridade nas minas e na coleta de ouro aluvial. Sublinhou o risco da umidade em “profundísimas galerías” e do sal e mercúrio na peneiração, enquanto que o “humo que echa el fuego les hace tanto mal que los deja paralíticos, y les produce muchas enfermedades” (p. 409).35 35 Pode-se sugerir um paralelo a essa forma de saber. A ciência hoje entende que há efeitos de intoxicação neurológica por mercúrio com sintomas como enfraquecimento e paralisia.

O dominicano Pravia foi definitivo em condenar os símiles do cativeiro egípcio: “mayormente los indios que es gente delicatíssima, no es otra cosa ymbiallos a minas, sino ymbiallos a morir”. Até os negros escravos – o oposto dos “hombres libres y inocentes” – são poupados desse trabalho para que “no se les engrassen” (p. 344). A graxa reporta à sujeira que impregna o corpo na extração e beneficiamento dos metais. É a mesma linha de pensamento de Ortiz que ligava a pestilência às minas, o que parece responder à evidente insalubridade desses lugares em qualquer tempo.

Frei Pravia argumentou que os romanos só empurravam aos túneis os maldosos e condenados à pena capital. Qual o motivo dos “españoles christianos” botarem “hombres christianos, libres, flacos y frágiles, que por su pobreza y miseria pierden allí la vida, donde pasan tan excessivos trabajos, y tan desproportionados a sus flaquíssimas fuerças?”. Se o missionário denuncia uma precária condição social, sublinha atávica inferioridade física dos índios de velho bordão: “a todo el mundo consta ser gente de pocas fuerças y flacos, que no son para trabajo” (p. 324).

Todavia, o partido dos exploradores laicos podia arguir o exato oposto. Na virada de século, Alonso de Oñate (1600, f. 4)OÑATE, Alonso de. Parecer. 17/01/1600. Parecer de un hombre docto en la Facultad de Teologia y Canones… cerca del serviçio personal de los indios de Peru y Nueva España…, 11 fs. Exp. VE/28/32, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri. como procurador geral dos mineiros imprime um folheto na linha da servidão natural há muito postulada por Sepúlveda. Arvorando-se teólogo e canonista, cita jurisconsultos e menciona a Política do Filósofo para deduzir que

(…) la naturaleza hizo proporcionados los cuerpos de los indios, con fuerças bastantes para el trabajo del servicio personal; y los de los españoles por el contrario, delicados, y derechos, y habiles, para tratar la pulicia y urbanidad.

Sem dúvida, um contra-ataque ao discurso dos missionários, que chegou a ser sustentado por argumentos de uma filosofia natural gerada no México. O teólogo Pravia especulou as causas para o corpo fraco dos índios: “ora sea por el clima y región donde viven, que no cría hombres más robustos, ora sea porque como su comida es tan liviana, también tras ella se siguen pocas fuerças” (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 324MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.).

A dedução de que a debilidade dos índios se ligava ao ambiente e hábitos locais era própria do universo intelectual do catedrático. Desde o início da década de 1570, os argumentos se afinam numa filosofia de letrados que viveram o ambiente da corte e da universidade, homens que também interagiam nos hospitais de índios e viajavam pela região do vale mexicano e outras partes da Nova Espanha.

Se os escritos hipocráticos foram inspiradores para o questionário do Consejo de Indias e para as respostas das comarcas dos vice-reinos nas Relaciones Geográficas, também foram títulos obrigatórios na faculdade de medicina de México. Em particular, houve a discussão sobre as febres epidêmicas relacionadas à umidade do planalto central. Sobre os ares, águas e lugares e Dos alimentos foram alguns dos manuais de teóricos e práticos no reconhecimento de causas climáticas e alimentares das enfermidades. Serviram, ademais, para estipular o temperamento dos indígenas.

Mas antes da inauguração da faculdade de medicina, precisamente na fundação da universidade mexicana, houve uma expressão do campo da filosofia moral nesse tema dos temperamentos. Francisco Cervantes de Salazar chegou no México em 1550 e antes tivera contato com Juan Luis Vives, humanista observador da psique para auxiliar na instrução principesca. Por volta de 1560, Cervantes escrevia sua Crónica de la Nueva España. Descreveu a natureza da região, mas não relacionou o ambiente com o corpo do índio, apenas seguiu a tradição de historiar o caráter das nações. O índio do renomado clérigo é designado feumático, mas chegou a ser indicado como melancólico. De uma forma ou de outra, os indígenas são “pusilánimes”, “medrosos”, “ ociosos”, se bem que teriam bom tino para aprender os ofícios trazidos pelos espanhóis (CERVANTES DE SALAZAR, 2008 [c.1560], p. 53 e 350CERVANTES DE SALAZAR, Francisco. Crónica de la Nueva España I [c.1560]. Barcelona: Linkgua, 2008.).

Cervantes estudou na universidade e depois obteve uma cátedra de retórica. Chegou à função de reitor da instituição duas vezes, e no interregno, foi publicada a Opera medicinalia, escrita por um médico reputado recém-chegado da Espanha, que reencontrou Cervantes no México. Na principal seção do tratado, Francisco Bravo especulou a respeito do “tabardete”, que a história da medicina identifica com a doença do tifo (VIVEROS MALDONADO, 2007, p.74-75VIVEROS MALDONADO, Germán. Hipocratismo en México: siglos XVI al XVII. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2007.). Bravo descreveu uma condição malsã da cidade do México em ambiente lacustre, explorou a questão dos ares pútridos e o perigo de comer os peixes dali, entre outros elementos que favoreceriam a pestilência da febre mortal (BRAVO, 1994 [1570], f. 32-39BRAVO, Francisco. Opera medicinalia. Mexici apud Petrum Ocharte, 1570. Ed. Facsimilar. México: Instituto Nacional de Antropología e Historia; Benémerita Universidad Autónoma de Puebla, 1994.).

Outro médico, pouco depois, associou claramente o problema ambiental à condição temperamental dos homens naturais da região. Destacado pelo rei para investigar as medicinas do Novo Mundo, o protomédico Francisco Hernández concebeu uma terra mexicana de abundância, mas que era ruim para os índios, relacionando a umidade com a debilidade dos alimentos e a pestilência.36 36 Cañizares Esguerra (2006, p. 74) acentuou uma visão negativa de Hernández a respeito do poder astral na região. Mas no capítulo das Antiguidades de la Nueva España sobre o clima da cidade do México, Hernández vai afirmar que “El cielo es salubre en gran parte, pero debido a la humedad lacustre (...) a veces predomina la podredumbre”. O que reflete nas enfermidades mortais, o que redunda em “alimentos (...) más húmedos y copiosos que agradables al gusto”, ainda que gerados em “suelo ubérrimo y fertilísimo” (HERNÁNDEZ, 1986, p. 106-107). No texto original em latim, logo passa para o assunto dos prós e contras da natureza dos indígenas:

(...) son en su mayor parte débiles, tímidos, mendaces, viven día a día, son perezosos, dados al vino y a la ebriedad (...) Pero son de naturaleza femática y de paciencia insigne, lo que hace que aprendan artes aún sumamente difíciles y no intentadas por los nuestros (HERNÁNDEZ, 1986, p. 107).

No terceiro concílio, os acusadores do trabalho forçado não se debruçaram sobre o caráter do índio. Embora tenha aparecido, sim, a noção da moleza e do hábito da embriaguez. De outra feita, foi consensual a visão de fraqueza do corpo, e houve pedidos de livrar os enaltecidos artífices nativos do jugo do repartimiento, como no parecer de Ortiz de Hinojosa.

Mas ele pensou em solução distinta para os “chichimecas” – os povos do norte árido concebidos como homens selvagens. Segundo Ortiz, vagavam “pelos cerros, como bestias cerreras, desnudos en carnes bivas, comiendo yervas y tunas y carne humana, expuestos a todas las injurias del cielo, muertos de hambre y de sed”. Deviam ter melhor sorte. Que fossem reduzidos à “servitud perpetua”. Ou seja, seria justo escravizá-los. Nessa condição teriam bons alimentos, mimos e abrigos (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 292MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.).37 37 A posição é concorde ao informe do oidor Robles, de 1555, o qual foi lido no terceiro concílio décadas depois. Robles destacou as fugas nos aldeamentos e o perigo das sublevações propondo a política de ferro e fogo contra os bandos indomáveis chamados de “universal pestilencia” (p. 259). O documento baseava uma demanda belicosa do cabildo mexicano dos criollos. Fizeram má aposta em buscar o apoio episcopal para uma guerra justa na corrida da prata. Os dominicanos e franciscanos alegaram que as possíveis violações dos chichimecas seriam por revanche às atrocidades cometidas pelas expedições militares. O concílio vai negar o pedido do cabildo recuperando o argumento das ordens mendicantes (p. 309).

Quanto ao repartimiento característico do centro do México, os representantes da universidade, das ordens conventuais, e canonistas, vão execrar o regime em declaração conjunta. Recalcam em outro parecer que o trabalho mineiro era fatal para os naturais e que por isso tinha de acabar (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 364-370MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.). Apesar disso, o colegiado dos prelados e o arcebispo Pedro Moya de Contreras, interinamente vice-rei, não deixaram passar o manifesto como resolução do concílio. Claro que um juízo extremado podia prejudicar vários interesses privados, institucionais e fazendários.

Moya arremeteu contra os índios. Deviam sempre ser compelidos ao trabalho “por ser naturalmente ynclinados a ociosidad, que les da lugar a todo genero de vicios” (p. 434). Utilizou, portanto, argumento espezinhado por vários consultores religiosos, embora houvesse entre os aguerridos defensores da república de indios um lugar para tal juízo.38 38 Frei Pravia recuperou o paradigma de forma hesitante indicando que o recrutamento forçado servia para “sacar (como algunos dizen) de su pereza a los indios, que naturalmente son holgazanes, y exercitallos en el trabaxo alegando el dicho de Motecuzuma, que dizen averlo aconsejado assí al Marqués del Valle don Hernando Cortés” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 341). O franciscano Bernardino de Sahagún (1988, p. 627), que terminou sua extensa Historia durante o surto de cocoliztli, havia avaliado que os índios, assim como os espanhóis na nova terra, eram inclinados à ociosidade, por causa do clima ou das constelações, elogiando por isso “el rigor y austeridade y ocupaciones continuas en cosas provechosas a la república” do regime pré-hispânico, movido por genuína “filosofia moral”, o que infelizmente tivera de ser desbaratado devido à mescla de idolatria.

Os mendicantes, de certo, depositaram toda sua energia contra a servidão no repartimiento. Recarte chamou-o de “lima sorda” que “va consumiendo a los indios, si no se remedia” (p. 344). Pode-se transportar esse entendimento para a perspectiva agora em voga de uma exploração social endêmica mais impactante que os momentos de rápido morticínio por causa da força de algumas doenças.

Recarte, pouco antes do encerramento do concílio, embarcou à Espanha no objetivo de convencer o rei pela interdição dos recrutamentos. O arcebispo logo depois chegaria à corte tendo de lidar com a forte campanha dos conventuais em proibir, no mínimo, o serviço nas minas. Porém, Moya de Contreras, ao apreciar um recado da Junta de Contaduría, preocupada com a solvência de um reino dependente dos metais, considerou a proposta de continuidade do trabalho forçado, com algum verniz de reforma (CONSULTA, 1587CONSULTA. Madri, 22 fev. 1587. La junta de contaduria mayor sobre los servicios personales de los yndios, 4fs. Legajo Indiferente 746, n. 38-a, Archivo General de Indias, Sevilha.).

A instância do Consejo de Indias considerou os males da servidão. Até seria correto o “vivir en libertad y pulicia no fuesen holgazanes ni estubiesen oçiosos a lo qual todos universalmente son ynclinados”, e, porque não podia cessar “el benefiçio de las minas y otra grangerias que tan necesario es para la conservaçion de todo”, não tinha como se proibir o repartimiento. Mas a junta sugeriu que os “esclavos negros”, a medida do possível, fossem escolhidos para as “minas de oro cuyos calurosos asientos son muy dañosos a la salud de los indios y a proposito para negros” (f. 1-2).

Em resposta, Moya de Contreras e o confessor do rei, frei Diego de Chaves (CONSULTA, 1588CONSULTA. Madri, 30 jan. 1588. El señor arçobispo y el maestro fray Diego de Chaves... sobre lo del serviçio personal de los indios, 4fs. Legajo Indiferente, 746, n. 38-b, Archivo General de Indias, Sevilha.), com o visto do presidente do Consejo de Indias, Hernando de Vega, reforçariam a importância de os índios serem “conpelidos” ao repartimiento para seu crescimento espiritual. Assim, não teriam “mucho tiempo oçioso”. No mais, são apresentadas as usuais orientações paliativas junto à ficção de livre contrato assalariado num regime servil de fato.

Os clérigos aprimoram o parecer da Junta de Contadur ía lembrando da fragilidade corpórea do índio: “como no son de robusta complexion con la mudança del çielo y inclemencia del ayre mueren muchos” (f. 1). Parece que Moya e Chaves davam importância à premissa do corpo fraco, que afinal se relacionava à histórica disputa antiescravista e em prol de uma condição plebeia levando em conta a qualidade de artesão do índio. Porque recomendam uma divisão de tarefas nas minas, de acordo às distintas naturezas dos trabalhadores índios e negros: “visto que el mayor daño de acavarse los indios es en desaguar las minas y sacar los metales arriba, pareçio que se fuesen llevando (...) negros que se pudiese para desaguarlas y suvir los metales y que los indios los labren y benefiçien” (f. 1).39 39 Mas em seguida o parecer é reticente de trazer mais africanos por “engendrarse dellos mulatos que es gente muy libre belicossa y de mala ynclinaçion” (f. 2).

As diretrizes não teriam inibido as práticas comuns nas jazidas e outras empresas como nos obrajes de panos – fábricas de roupas igualmente mal afamadas por tirarem muitas vidas em gritante prisão ilegal.

Em 1594, aparece outro importante manifesto franciscano que insistia pela impugnação dos repartimientos ainda vigentes (PARECER, 1938PARECER de los frailes franciscanos sobre repartimientos de indios, 1594. Boletín del Archivo General de la Nación. México: D.A.P.P., Tomo IX, n.2, 1938, p. 173-180). O papel assinado pelo provincial e outros teólogos da ordem só aquiesceu pelo emprego sazonal de agricultores no intuito do abastecimento de trigo. Repetiram várias provocações que frei Recarte havia feito dez anos antes, como apontar que os recrutamentos levavam à “destrucción de las doctrinas”, pois, “vejados y afligidos”, os neóftos não acudiam à missa. Os juízes ficavam à espreita para tomá-los à força (p. 178). Mencionam a comum pecha contra o gentílico, mas invertendo a mensagem: “vagamundo y ocioso (si los indios lo fueren)”, até por isso, “no puede ser compelido a que trabaje para otro, sino para si propio” (p. 177).

Os frades observaram o desvio de obter braços para as empresas de particulares. Defenderam a parceria que tinham com o poder indígena, ao arguir pela isenção do recrutamento de funcionários dos pueblos e de mestres de ofícios. Também promoveram a visão do livre contrato de trabalho para os índios pobres (p. 177-179). Enfim, queriam que os naturais tivessem a mesma condição dos plebeus na Espanha.40 40 Segundo Pravia, em parecer no terceiro concílio, os serviçais das cidades da Andaluzia nunca se sujeitariam ao regime que tinha sido imposto aos índios (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 322-323).

O parecer de 1594 contemplava índios vitimados por fome e mudança de tempo, trazendo a cifra de trezentos mil tributários a menos, segundo os “libros de los oficios” e outras contas dos encomenderos. Alegam, ainda, que a queda se deu em derradeiros sete anos que sequer viram uma só pestilência (p. 176-178).

Nas razões de mortandade podia ocorrer a completa dissociação entre os motivos da enfermidade epidêmica e da condição laboral, porém, houve o desenvolvimento de um saber clerical que vinculava a peste à servidão.

É no contexto do parecer dos teólogos franciscanos contra o recrutamento forçado que Gerónimo de Mendieta escrevia a Historia eclesiástica indiana, a qual imitava a apologia de Motolinia à primeira geração dos conquistadores de almas. Mas a situação no fim do século XVI era outra. Mendieta queria manter a influência dos missionários nos diminutos vilarejos em resistência às investidas da Igreja episcopal (RUBIAL GARCÍA, 2010, p. 220-222RUBIAL GARCÍA, Antonio. Las órdenes mendicants evangelizadoras en Nueva España y sus cambios estructurales durante los siglos virreinales. In: MARTÍNEZ LÓPEZ-CANO, María del Pilar (coord.). La Iglesia en Nueva España: problemas y perspectivas de investigación. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2010, p. 215-236.). Em três capítulos consecutivos, ele tece a trama que combina e confunde os dois grandes temas da destruição dos índios: a pestilência e o repartimiento (MENDIETA, 1997 [1596], p. 196-213MENDIETA, Gerónimo de. Historia eclesiástica indiana [1596]. Tomo I. Editado por Joaquín García Icazbalceta [1973]. México: Cien de México, 1997.).

Em sua versão das pragas da Nova Espanha, a causa espiritual das epidemias é mais elaborada. Na disputa da verdadeira fé com a idolatria, o demônio reage à debandada de seus adoradores com a fome das estiagens e, talvez, alguma peste. Mas é Deus quem as envia “por sus secretos juicios”. Os índios, inclinados à religião, em “increible paciencia” – pois caracterizados pelo temperamento de feumáticos – e orientados na confissão, compreendem que estariam recebendo o “azote y visita del Señor” por castigo de seus pecados (p. 196).

Logo o cronista passa para as causas mundanas e inverte o juízo moral da razão espiritual das mortandades. A chaga primordial não tinha sido a varíola e o sarampo, mas a própria obra dos espanhóis com as guerras, o envio de escravos negros, o trabalho nas minas, a construção dos edifícios. Seguindo Motolinia, acentua o esforço dos frades, “siempre” os “médicos, así corporales como espirituales”. Explora o errado costume dos banhos, e lembra da fome como inseparável companheira da peste.

Recorda de crises que a antiga crônica não pôde situar: o cocoliztli em 1545, 1564 e 1576, caracterizado por “calenturas” com muito “pujamiento de sangre”. Enquanto escrevia, houve ao mesmo tempo “sarampión, paperas y tabardillo” (p. 198).41 41 Sarampo, cachumba e tifo. Mas desta vez tinha falecido menos gente pelos acertos dos religiosos “médicos” liderados em Texcoco por frei Juan Baptista (p. 199-200).

Não obstante, a verdadeira pestilência para o movimento clerical embandeirado por Mendieta foi o repartimiento dos índios comparado à escravidão dos negros. Na pessoa do índio, o narrador se queixa que os negros adquiridos pelos mineiros seriam homens “regalados”. Da crescente onda de “mestizos, y mulatos, y negros horros, y españoles pobres y baldíos, a ninguno de éstos se haga f uerza para que sir van”. Não há quem se contente ou se compadeça por “nosotros en tanta disminución”. Segue o lamento: “me da la enfermedad y le digo [ao espanhol] que estoy malo, que no puedo trabajar”, e ele responde que “miento como perro indio”, e, “convaleciendo de mi enfermedad”, mas tendo de ir ao repartimiento, pelo caminho me acabo “flaco y desventurado” (p. 204-205).

Depois do pronunciamento como índio, o narrador adverte: “Yo para mí tengo que todas las pestilencias” que grassam “proceden del negro repartimiento”. Tudo indica que o adjetivo relativo à sujeira enfermiça também alude à pertinência do labor para os corpos africanos.

Os naturais são “maltratados de labradores y de otros que les cargan excesivos trabajos con que se muelen y quebrantan los cuerpos”. Pior ainda a situação nas minas: “los que vuelven a sus casas vienen tan alacranados, que pegan la pestilencia que traen a otros, y así va cundiendo de mano en mano” (p. 207). A observação lembra os diagnósticos dos professores Pravia e de Ortiz no concílio, sobre o surgimento da enfermidade no trabalho mineiro. Mendieta também havia participado do concílio. Na crônica que escrevia após dez anos do evento máximo da Igreja, avança o raciocínio dos dois catedráticos, com uma visão de contágio que era aspecto marginal nas razões da medicina erudita europeia, até meados do século XVI (HAYS, 2009, p. 37-61HAYS, Jo Nelson. The burdens of disease: epidemics and human response in Western history, revised edition. New Brunswick: Rutgers University Press, 2009.).42 42 No guarda-chuva do galenismo, havia a ideia de sementes de enfermidade e que o mal pegava com o bafo e pelo contato com a roupa dos falecidos, ou até pelo olhar fixo dos empestados, entre outros sentidos de contaminação interpessoal.

O talentoso escritor ainda dá voz a um patrão que visita o monastério de Tlatelolco durante um ataque de sarampo: “A lo menos a mis gañanes no les dejaré yo trabajar en estas dos o tres semanas”. 43 43 Gañón foi um termo que indicava o indígena pago por jornada de trabalho. E arremata: “por otra parte en la fuerza de la pestilencia, no dejaban de clamar al virrey que les diese los indios del repartimiento” (MENDIETA, 1997 [1596], p. 211MENDIETA, Gerónimo de. Historia eclesiástica indiana [1596]. Tomo I. Editado por Joaquín García Icazbalceta [1973]. México: Cien de México, 1997.).

O franciscano fez o seu caminho na cultura médico-filosófica mexicana. Caracterizou as “condiciones naturales” do índio, isto é, de compleição feumática em oposição a “nosotros” espanhóis coléricos, e basicamente destacando a virtude da paciência da outra nação. Mas o cronista não explorou razões ambientais e aventou motivos culturais da época da “infdelidad”: “podría ser que esta mansedumbre fuese acquisitiva, procurada, y enseñada entre sí mismos, como a la verdade la enseñaban los padres a sus hijos” (p. 106-107). Parece evitar um princípio de rigidez ambiental na ideia dos temperamentos, em projeto de conversão cristã que se espelhava no regime social e cultura pré-hispânicos.

Contemporâneo de Mendieta, o médico Juan de Cárdenas foi adepto da divulgada tese de Galeno que estava sob a vigilância da Inquisição naqueles idos da reforma católica. Ele havia proposto que a natureza do corpo definia a expressão psíquica. No limite, uma posição herética ao inibir o livre-arbítrio da alma. Por isso, Cárdenas e outros filósofos tiveram de relativizar a perspectiva da autoridade antiga, ao tratar das condições mentais e morais do espanhol na nova terra, porém, nem tanto assim, ao caracterizar a natureza do índio (VARELLA, 2017VARELLA, Alexandre C. Homens viciosos de vivo entendimento: os espanhóis da América como sujeitos de reforma pela dieta no tratado de Juan de Cárdenas (México, 1591). In: Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, Rio Grande, FURG, v. 9, n. 17, p. 91-117, agosto 2017. ISSN: 2174-3423. Disponível em: htps://periodicos.furg.br/rbhcs/article/ view/10730. Acesso: 20 ago. 2017. doi: htps://doi.org/10.14295/rbhcs.v9i17.422.
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). Já Mendieta não descartou a ideia da compleição fraca do índio, além da denúncia de um corpo debilitado e as implicações psíquicas da condição de miserável.

Em conclusão: se havia descrições positivas da natureza moral do débil, persistiu a visão de um tipo inconstante, particularmente fraco de espírito, pusilânime, ao menos no discurso das autoridades da Igreja secular e entre juristas e governantes sob a ordenação filipina. Assim, junto ao sinal de fraqueza corporal, vinha o da preguiça temperamental. Se pouco afeito ao trabalho, razão para moderar a carga, o índio molenga precisava de ocupação para civilizar-se.

Houve, portanto, uma acomodação a prováveis situações de extrema exploração do trabalho indígena. Se os mendicantes posavam como arautos da liberdade dos naturais, os bispos viram a dificuldade em extinguir a servidão. A Igreja tinha de lidar com os interesses dos colonos, da burocracia civil e religiosa, e com as metas fiscais do Estado. Mas, de toda forma, nos escritos que subsidiaram a disputa contra o repartimiento no terceiro concílio, houve um rescaldo da refutação ao ditame dos servos por natureza.

Staford Poole (2011, p. 229)POOLE, Staford. Pedro Moya de Contreras: Catholic Reform and royal power in New Spain, 1571-1591. 2ª ed. Norman: University of Oklahoma Press, 2011. salientou que até os bispos mostraram consistente atitude anti-espanhola alienando-se dos interesses dos paisanos, “o que normalmente é associado a reformadores mais extremos, como Las Casas”. Teria havido alguma atitude de “abnegação” das máximas autoridades clericais na condução desse protesto. O autor parece seguir a perspectiva do pioneiro Lewis Hanke (1958)HANKE, Lewis. El prejuicio racial en el Nuevo Mundo. Aristóteles y los indios de Hispanoamérica. Santiago: Editorial Universitaria, 1958., que enfatizou em Las Casas e nos missionários, a ideia de paladinos da justiça perante os exageros do regime social. Porém, havia uma plataforma ideológica de defesa da autoridade e do poder dos clérigos, o que inclui o interesse dos missionários e sacerdotes de ter o seu sustento nas paróquias de índios.

Destaco a posição do professor Ortiz no concílio para detectar brechas do consenso clerical. Ele se esmerou na contestação escolástica da servidão dos índios, o que fazia coro à demanda dos missionários. Entretanto, não eximiu o clero regular da responsabilidade pelo jugo ilegítimo: “Ya veces también los mismos monjes mandan que los indios destinados a los edificios públicos eclesiásticos, vayan a las canteras o bancos de piedra a cortar losas (...) para su uso privado” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 410-411MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.). O universitário advogou pela cúpula da Igreja ao minar a aura de virtude dos mendicantes e incentivar a qualificação de curas para oficiar os sacramentos nos pueblos.

Aquela tensão política sobre o repartimiento no concílio mobilizou o Consejo de Indias, que estabeleceu normas e orientações para acabar com os “servicios personales”. Mas a minuta de 1596 – que orientou uma cédula real promulgada em 1601 (KONETZKE, 1958, p. 43-47) – contornou o grande reclamo missionário, sem a dubiedade orquestrada pelo arcebispo no concílio. O repartimiento seguiu autorizado como dispositivo para obrigar gente supostamente preguiçosa ao “alquiler” de seu trabalho. E a resposta oficial aos homens graves como o dominicano Juan Ramírez, que é citado e havia participado dos trabalhos do concílio, será voltada contra os interesses dos mendicantes. A minuta declara que os índios “no sean engañados como lo suelen ser por su façilidad y se ordene que çesen los superfluos edifiçios en los monesterios” (p. 44). A real instrucción de 1601 (KONETZKE, 1958, p. 71-85) estabeleceu que o grande dano não era o recrutamento para os empreendimentos, era “el repartimiento que se hace de los dichos indios para los servicios personales” (p. 71). Grifo meu para alertar o retorce perante a posição dos missionários.44 44 A normativa foi enviada aos dois vice-reinos em política de preservação dos recrutamentos mais importantes ao fisco, como o trabalho nas minas e nas plantações. Se o rei demanda impedir que o índio trabalhasse nos obrajes praticamente prisões, reservando-as ao escravo negro, e se proíbe o antigo costume de usar carregadores chamados tamemes, ou se repreende a servidão por dívida nas fazendas, igualmente se opõe a que os índios fossem os criados de todos – um recado também aos abusos dos clérigos.

A cédula real prometeu para o índio um mercado de oferta de recrutadores para cumprir o trabalho forçado (sic). E à luz dos pareceres médicos capitaneados pelos religiosos, a normativa frisou: “sin que el trabajo (...) sea excesivo ni mayor de lo que permite su complexión y sujeto” , “ complexión y fuerzas” (p. 71-72, 83). A pragmática governamental se apropriou dos argumentos missionários em torno à representação do índio fraco.

A robusta natureza (política) do outro

Termino o texto com rápida consideração sobre a participação dos indígenas em torno do problema de sua fraqueza fatal. Destaco, primeiro, um achado nos papéis do processo do episcopado e cabildo eclesiástico de México contra os naturais do entorno da capital, em tempos do arcebispo Alonso de Montúfar (PLEITO, 1558PLEITO. 1558. El arzobispo y cabildo eclesiástico de México, contra los indios de esa ciudad, sobre que estos pagasen diezmos del ganado vacuno y de otras cosas, fs. 353-802. Legajo Justicia, 158, n. 3, Archivo General de Indias, Madri.). A incipiente Igreja secular, carente de recursos, solicitava que os índios pagassem dízimo pela criação de gado, plantação de trigo e confecção de seda, inclusive pela alegação de que nem eram tão pobres assim. Os oficiais índios ficaram escandalizados com a solicitação, de fato não atendida pela Audiência. Para evitar a cobrança, os gobernadores e outras autoridades comunais reforçaram em interrogatório que sempre serviram aos clérigos, como na construção de igrejas e monastérios (f. 404). Era muita carga encima de poucos, “por se aver muerto en grandes pestilençias”. Além disso, avisam que são “gente flaca” (f. 619).

Como interpretar a posição das autoridades indígenas? Simples reação ao ditado clerical de que seriam todos delicados? Um argumento para compor a sua defesa no tribunal? Acredito que isso sim. Mas não havia sentidos ancestrais e crenças emprestadas para que refletissem sobre uma condição corpórea fraca ou enfermiça?

Dois estudos sobre as entrevistas com oficiais das comunidades na relevante produção das Relaciones Geográficas parecem captar bons sentidos do discurso de indígenas quanto às causas de mortandade depois da segunda grande epidemia de cocoliztli (ISAAC, 2015ISAAC, Barry L. Witnesses to demographic catastrophe: Indigenous testimony in the Relaciones Geográficas of 1577-86 for Central Mexico. In: Ethnohistory, Durhan, Duke University Press, v. 62, n. 2, p. 309-331, abril 2015. ISSN 1527-5477. Disponível em: htps://read.dukeupress.edu/ethnohistory/article-abstract/62/2/309/9244/Witnesses-to-Demographic-Catastrophe-Indigenous?redirectedFrom=fulltext. Acesso em: 12 ago. 2018. doi: htps://doi.org/10.1215/00141801-2854343.
htps://read.dukeupress.edu/ethnohistory/...
; PARDO-TOMÁS, 2014PARDO-TOMÁS, José. ‘Antiguamente vivían más sanos que ahora’: explanations of Native mortality in the Relaciones Geográficas de Indias. In: SLATER, John; LÓPEZ-TERRADA, Maríaluz; PARDO-TOMÁS, José (eds.) Medical cultures of the Early Modern Spanish Empire. Burlington: Ashgate, 2014, p. 41-65.).45 45 Também me favoreço de fichamentos e resultados de pesquisa centrados principalmente na questão dos costumes, gostos e saúde alimentar dos indígenas nesses informes e na Historia de Bernardino de Sahagún (VARELLA, 2019). Aproveito para mencionar a gentileza de José Pardo-Tomás de me passar sua base de dados de detalhada investigação dos informes das comarcas novo-hispânicas. Contudo, é difícil obter respostas certeiras e abrangentes, a partir de uma fonte histórica tão heterogênea com diversos agentes envolvidos na produção das dezenas de informes, mesmo só considerando a área do planalto ao redor de México. Fora o problema dos filtros entre os depoimentos indígenas e uma escrita sempre executada pelos outros.

No entanto, há indícios para crer que houve tanto um movimento de difusão e apropriação dos parâmetros médicos de clérigos e laicos, como a manifestação de perspectivas locais de saúde corpórea e razões de mortandade – advertindo ser pouco útil retravar a oposição entre aculturação e cultura autóctone, tal como houve na disputa entre George Foster e Alfredo López-Austin em torno de princípios e critérios da medicina índia e mestiça.46 46 Um bom resumo dessa polêmica se encontra em capítulo suplementar do livro de Ken Albala (2002).

Nas Relaciones Geográficas a palavra flaqueza pouco aparece. É usada por um e outro conhecedor da medicina escolada – como o nobre mestiço Juan Bautista de Pomar, que produziu o informe do destacado distrito de Texcoco. Ele conectou a fome, o cansaço e a angústia de uma servidão ilegítima para pensar o estado enfermiço de seu povo (RELACIÓN, 1986a, p. 100RELACIÓN de la ciudad y provincia de Tezcoco. Relaciones geográficas del siglo XVI: México. Vol. 8. Edición de René de Acuña. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1986a, p. 45-113.).47 47 Sobrevive uma cópia de 1615 feita por Alva Ixtlilxóchitl, igualmente da nobreza índia texcocana de sangue mestiço.

Em assuntos do repartimiento, como as longas caminhadas rumo ao trabalho, pode ser que haja visões diferentes que compartilhem a mesma impressão ruim. De um lado, o desequilíbrio humoral na exposição às intempéries, de outro lado, o contato com forças sinistras dos ermos, as quais tinham materialidade percebida pelos povos nauas.

É relevante a inversão praticamente categórica da cultura hipocrática, como na queixa dos oficiais da cidade índia de Tepoztlán, em relação à baixa expectativa de vida de toda a gente. Eles teriam afirmado que antigamente morriam poucos e na velhice, porque

(…) andaban desnudos y dormían en el suelo y se bañaban cada día dos veces y vivían sanos; y que ahora andan vestidos y con camisas y duermen en camas y con ropa y que, en dándoles el aire, caen malos y se mueren.

Menciona-se antes disso a pestilência, e os índios parecem lidar com ares maléficos.48 48 Mas de que natureza são esses ares? Em outra passagem, especificam que enfermam pelo frio, o que lembra uma noção indígena de qualidade das coisas. Ao que parece, só havia uma relação entre infecção e contágio, em mazelas surgidas do arbítrio do deus Tláloc (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 404). Contra isso apontam a solução: antigamente não enterravam os seus mortos, que eram queimados e as cinzas aventadas ao ar. Dizem também que não tinham ideia do que era sangria, e que curavam as febres só com as ervas medicinais (RELACIÓN, 1985, p. 188-191RELACIÓN de las cuatro villas. Relaciones geográficas del siglo XVI: México. Vol. 6. Edición de René de Acuña. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1985, p. 183-223.).

Dá para vislumbrar algum paralelo à ideia clerical da compleição débil, antes da invasão espanhola, quando havia grandes distinções no corpo social naua. Como observou López-Austin (1996, p. 447-467), essas distinções se refletiam na representação de físicos mais fortes dos governantes pipiltin, chegando aos bem fracos do tipo conhecido por tlacotli, o qual tomaria depois o sentido de escravo. As diferenças se relacionavam a rituais de assimilação energética, inclusive em regras de dieta.

São aspectos importantes para situar os nativos entrevistados para a produção das Relaciones Geográficas, governantes que tinham o direito de escapar do repartimie nt o. Muitos deles reclamaram que sua gente era bem folgada.49 49 Embora haja depoimentos de que os comuns viviam sobrecarregados de serviços. Declaravam que no passado o povo se exercitava bastante, inclusive devido às artes marciais, e assim viviam bem, sem morrer tão facilmente. Há relatos de uma situação, agora, de incontroláveis exageros alimentares e da bebida embriagante, ou pior, uma época que trouxe a interdição da poligamia, um costume das elites antes da chegada dos missionários.

Na série de prováveis discursos dos rigores e vigores corporais de hábitos da era anterior, sobressaem críticas de quebra de hierarquia e perda de privilégios. Por outro lado, há discursos de oposição à nova ordem social, o que inclui a crítica aos assentamentos fomentados pelos religiosos e os trânsitos do regime de trabalho forçado, situações que, deveras, causavam epidemia.

  • 3
    Este artigo apresenta resultados do pós-doutorado no Departament d’Humanitats de la Universitat Pompeu Fabra (UPF-Barcelona) com o projeto “El temperamento de los idólatras en la monarquía católica. Fisiología del indio y evangelización española entre los siglos XVI y XVII”, sob a supervisão de Alexandre Coello de la Rosa, entre março de 2020 e fevereiro de 2021, e também é produto de colaboração no projeto PAPIIT (IG400619) “Religiosidad nativa, idolatrías e instituciones eclesiásticas en los mundos ibéricos, época moderna”, coordenado por Gerardo Lara Cisneros e Roberto Martínez no Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM-Cidade do México).
  • 4
    As traduções da bibliografia de apoio em língua estrangeira são minhas, já as citações de fontes históricas repetem as edições utilizadas. Fiz as transcrições de impressos e manuscritos de época em versão literal, com ligeiras modificações para facilitar a leitura.
  • 5
    Utilizo o resumo de Margareth Pelling (2001, p. 18)PELLING, Margaret. The meaning of contagion: reproduction, medicine and metaphor. In: BASHFORD, Alison; HOOKER , Claire (eds.). Contagion: historical and cultural studies. Nova York: Routledge, 2001, p. 15-38. trazendo complementações.
  • 6
    O destacado doutor da corte espanhola talvez não soubesse do efeito aterrador das doenças mediterrâneas entre os ameríndios de todas as idades.
  • 7
    No decorrer da análise, procuro cotejar as noções e saberes dos médicos das almas – impingidos de curar ou aliviar os corpos dos neóftos – com uma seleção de tratados da peste produzidos na península ibérica. As razões de mortandade cruzavam o Atlântico junto com os vetores e agentes das enfermidades. Mas esses princípios se redimensionam no chão da América.
  • 8
    Joan-Pau Rubiès (2017)RUBIÈS, Joan-Pau. Were Early Modern Europeans racist? In: MORRIS-REICH, Amos; RUPNOW, Dirk (eds.). Ideas of ‘race’ in the history of the humanities. Cham, Switzerland: Palgrave Critical Studies of Antisemitism and Racism, 2017, p. 33-87. avalia a noção de temperamento no início da modernidade como passível de correspondências com as perspectivas atuais de raça e racismo. Uma versão aumentada desse texto se encontra em outra coletânea, dedicada à hereditariedade e natureza humana no mundo ibérico, onde também há um artigo de Cañizares Esguerra voltado para questões do corpo criollo no século XVIII (GARCÍA-ARENAL; PEREDA, 2021GARCÍA-ARENAL, Mercedes; PEREDA, Felipe (eds.). De sangre y leche. Raza y religión en el mundo ibérico moderno. Madrid: Marcial Pons, 2021.). Destaco duas obras dedicadas à Nova Espanha, uma de María Helena Martínez (2008)MARTÍNEZ, María Elena. Genealogical fictions; limpieza de sangre, religion, and gender in Colonial Mexico. Stanford, California: Stanford University Press, 2008. a respeito de religião e limpieza de sangre com conexões sobre os temperamentos, a outra de Rebecca Earle (2012)EARLE, Rebecca. The body of the Conquistador: food, race and the Colonial experience in Spanish America, 1492-1700. New York: Cambridge University Press, 2012., que enfatizou a maleabilidade dos temperamentos pelas alterações de hábito alimentar.
  • 9
    Acredito que Cárdenas não expressa exatamente o início do crioulismo novo-hispânico ao colocar-se em atitude cortesã, professoral, morigeradora da elite criolla (VARELLA, 2017VARELLA, Alexandre C. Homens viciosos de vivo entendimento: os espanhóis da América como sujeitos de reforma pela dieta no tratado de Juan de Cárdenas (México, 1591). In: Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, Rio Grande, FURG, v. 9, n. 17, p. 91-117, agosto 2017. ISSN: 2174-3423. Disponível em: htps://periodicos.furg.br/rbhcs/article/ view/10730. Acesso: 20 ago. 2017. doi: htps://doi.org/10.14295/rbhcs.v9i17.422.
    htps://periodicos.furg.br/rbhcs/article/...
    ).
  • 10
    A influência desse preceito pode ser aventada para o índio feumático um tanto saudável que se apresenta nos Problemas y secretos de las Indias de Juan de Cárdenas.
  • 11
    Utilizo a edição barcelonesa (BACCI, 2006BACCI, Massimo Livi. Los estragos de la conquista: quebranto y declive de los indios de América. Barcelona: Crítica, 2006.).
  • 12
    Mas essa afirmação deve ser ponderada. Uma Renascença mexicana – em palavras de Serge Gruzinski e o que James Lockhart também destacou como produto das atividades dos índios igrejeiros junto aos frades mendicantes – se dissipou no colapso populacional do século XVI. Pode-se arguir que as morbidades mais letais na Ibéria, como a peste e o tifo, tiveram à ocidente maior efeito de destruição, devido à situação social que teria impedido a regeneração normal das sociedades aborígenes (ALCHON, 2003ALCHON, Suzanne. A pest in the land: New World epidemics in a global perspective. Albuquerque, N.M.: University of New Mexico Press, 2003.).
  • 13
    Alusão ao terreno fértil para diversos males devido à carência de anticorpos, por inexperiência das populações locais com os patógenos de zonas temperadas e tropicais do Velho Mundo. A maior violação teria sido a da varíola. Não obstante, os agentes letais se transformam na história, não se sabe as variantes e mutações das cepas desse vírus no circuito atlântico. Inclusive, há reticências sobre a relevância factual da varíola no cerco liderado por espanhóis e tlaxcaltecas à capital mexica (BROOKS, 1993BROOKS, Francis J. Revising the Conquest of Mexico: smallpox, sources, and populations. The Jornal of Interdisciplinary History. Boston, Massachussets Institute of Technology Press, v. 24, n. 1, p. 1-29, 1993. Disponível em: htps://www.jstor.org/stable/205099. Acesso em: 10 fev. 2021. doi: htps://doi.org/10.2307/205099.
    htps://www.jstor.org/stable/205099...
    ).
  • 14
    Numa crítica interna da história ambiental, que comporta nomes como Jared Diamond e William McNeill, a autora é reticente de uma narrativa leviana ou dogmática sobre assuntos que passam por constante reavaliação na epidemiologia. Nash recupera ideias como a suposta forte resistência dos africanos à malária.
  • 15
    Na conclusão do artigo observo alguns aspectos do problema.
  • 16
    A palavra epidemia advinda dos tratados hipocráticos indicava a incidência de uma infecção fatal por cima de muitos indivíduos numa mesma região.
  • 17
    Para tratar das comparações do Êxodo e do Apocalipse com a história da queda dos índios, utilizo a mais recente edição de Edmundo O’Gorman, com base no manuscrito Memoriales (MOTOLINIA, 1989, p. 42-53MOTOLINIA, Toribio. El libro perdido. Ensayo de reconstrucción de la obra histórica extraviada de Fray Toribio. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1989.).
  • 18
    O termo zahuatl consta como “roña o sarna” e “viruelas” no vocabulário do frade Alonso de Molina (2016, p. 475)MOLINA, Alonso de. Diccionario náhuatl-español. Edición de Marc Thouvenot. México: Universidad Nacional Autónoma de México; Fideicomiso Felipe Teixidor y Monserrat Alfau de Teixedor, 2016.. A analogia com a lepra estabelecida pela crônica traz a carga semântica do Levítico. A enfermidade sagrada era marca de pecados como a luxúria (HAYS, 2009, p. 15HAYS, Jo Nelson. The burdens of disease: epidemics and human response in Western history, revised edition. New Brunswick: Rutgers University Press, 2009.).
  • 19
    Entre as causas da peste na filosofia natural (CIRUELO, 1519, p. 43CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri.) estariam os “baños de agua dulce que abren las carnes y reciben demasiada humidad aparejada a corrupcion” . Se o exagero no asseio podia ainda afetar o calor interno e desequilibrar os humores, o receio médico se atrelava ao controle clerical dos comportamentos sexuais (VIGARELLO, 1991VIGARELLO, Georges. Lo limpio y lo sucio: la higiene del cuerpo desde la Edad Media. Madrid: Alianza, 1991.).
  • 20
    Velasco de Taranta, médico português da escola de Montpellier, destacou a influência dos astros para a ocorrência das tempestades e proliferação de insetos e ratos. Se Saturno está em sua casa, haverá mudança nos ares e com isso vinha a peste. Porém, “consta” que se pode engendrar só por “rayz [causa] inferior o por los muertos no sepultados” (TRATADOS, 1993, p. 24-25TRATADOS de la peste. Edición de María Nieves Sánchez. Madrid: Arco, 1993.). Ciruelo (1519, p. 42)CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri. indica o perigo das águas “suzias hediondas” onde há “cosas podridas”, pois, “malos vapores” se levantam pelo calor do sol.
  • 21
    Francis Brooks (1993, p. 26-27)BROOKS, Francis J. Revising the Conquest of Mexico: smallpox, sources, and populations. The Jornal of Interdisciplinary History. Boston, Massachussets Institute of Technology Press, v. 24, n. 1, p. 1-29, 1993. Disponível em: htps://www.jstor.org/stable/205099. Acesso em: 10 fev. 2021. doi: htps://doi.org/10.2307/205099.
    htps://www.jstor.org/stable/205099...
    , no intuito de diminuir a perspectiva analítica da invasão biológica, ignorou o raciocínio causal que havia na época ao analisar a retórica de Motolinia.
  • 22
    Da lista de Ciruelo (1519, p. 42)CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri. de causas naturais obtém-se que “la tierra tiene dentro de si grandes cavernas y cuevas vazias en las quales se engendran vapores de las minas (...) fetidos y corruptos” que “inficionan el aire” atingindo homens e animais.
  • 23
    O adjetivo flaco não tinha só o significado de magro ou emaciado, podendo aparecer como sinônimo de débil.
  • 24
    Os índios de Las Casas seriam moderadamente sanguíneos, ou seja, saudáveis e pletóricos. A sentença é ilógica, considerando que comiam coisas “delicadas” tornando o corpo também delicado (LAS CASAS, 1992 [1553], p. 433LAS CASAS, Bartolomé de. Apologética historia sumaria... [c.1553]. Tomo primero. Edición de Vidal Abril Castelló et al. Madri: Alianza Editorial, 1992.).
  • 25
    O nobre e valente sujeito vai “degenerar en vileza de vida” e, assim, os índios vão “olvidarse de lo que sabían, no curar de lo que podrían saber, convertirse en covardes y pusilánimes” (p. 406).
  • 26
    Esse tratado é a base do estudo pioneiro de Paulino Castañeda Delgado (1971)CASTAÑEDA DELGADO, Paulino. La condición miserable del indio y sus privilegios. Anuario de Estudios Americanos. Sevilha: Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, v. 28, 1971, p. 245-335. sobre o tema do índio miserável. Mas tal como José Llaguno, o autor não deu qualquer atenção ao motivo da compleição fraca do índio.
  • 27
    Há várias hipóteses sobre o agente mórbido, como um brote de febre tifoide ou de salmonela, e também, a ideia de conjunção de doenças e suas relações com más condições sanitárias.
  • 28
    O contexto dos trabalhos e descrição dos participantes se encontra na seção introdutória da edição de Alberto Carrillo Cáceres (2006)CARRILLO CÁCERES, Alberto. Estudio introductorio. In: MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. v. I. Zamora. Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006, p. XI-LXXXIII. do maço documental guardado na Bancroft Library que comporta boa parte dos pareceres. Menciono uma relevante resolução do concílio: o Directorio de confesores y penitentes, que adverte o pecado de consciência devido à opressão ao índio (CARRILLO CÁCERES, 2011CARRILLO CÁCERES, Alberto. La procuración de justicia a la población indígena en el Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). In: ZABALLA BEASCOECHEA, Ana de. Los indios, el derecho canónico y la justicia eclesiástica en la América virreinal. Madrid: Iberoamericana-Vervuert, 2011, p. 69-79.). Várias diretrizes permaneceram formais, tiveram alcance limitado, ou demoraram a tornar-se políticas efetivas. Aliás, a publicação das resoluções se deu somente em 1622.
  • 29
    Expoente da evangelização dominicana em Oaxaca ao produzir vocabulários do zapoteco, depois estudou teologia em Salamanca regressando à Nova Espanha em 1575 como bispo de Chiapas.
  • 30
    Desastre bíblico comparável à peste, guerra e fome, como destacou Ciruelo (1519, p. 9)CIRUELO, Pedro de. Hexameron theologal sobre el regimiento medicinal contra la pestilencia. Alcala de Henares: por Arnao Guillem de Brocar, 1519. Biblioteca Digital Hispánica, Ref. R/31426, Sala Cervantes Sede de Recoletos, Biblioteca Nacional de España, Madri..
  • 31
    Lembrou de um texto “apologético” do bispo de Chiapas, mas não citou nominalmente Las Casas da ordem rival dominicana (RECARTE, 1975, p. 363). O breve tratado de Recarte baseou os pronunciamentos dos missionários no concílio.
  • 32
    A propósito, a sazonalidade de doenças como a gripe é atualmente objeto de hipóteses pouco consensuais na comunidade científica.
  • 33
    O governante criou uma junta de médicos para entender a “calidad del mal” e foram enviadas “memorias” para os pueblos orientando a prevenção e tratamento por intermédio dos “frayles y clerigos y legos”, que “generalmente an de ser los medicos, y los barveros [sangradores] mas que todos, porque el prinçipal remedio que se halla es sangrallos luego” (ENRÍQUEZ, 2008 [1576], p. 331ENRÍQUEZ, Martin. Carta del virey de la Nueva España… al Rey Don Felipe II... México, 31 de octubre de 1576. In: MINISTERIO DE FOMENTO. Cartas de Indias. México: Miguel Ángel Porrúa, 2008, p. 323-334). Segundo o cirurgião Alonso López de Hinojosos (1977 [1578], p. 207-210)LÓPEZ de HINOJOSOS, Alonso. Suma y recopilación de cirugia con un arte para sangrar muy útil y provechosa [1578]. México: Academia Nacional de Medicina, 1977., enquanto ele trabalhava no hospital real de índios, teria recebido o conceituado doutor Francisco Hernández. Juntos teriam feito “anatomias” para avaliar a causa do cocoliztli, concebido como um veneno que fazia inchar o fígado. Não viram relação com fenômenos astrais ou ambientais, como supuseram outros profissionais, inclusive astrólogos mobilizados pelo vice-rei. Assim, os dois médicos atribuíram a causa do mal a um mistério divino.
  • 34
    Um trecho das considerações de Ortiz: “siendo el vino de Castilla más caliente que el de la tierra, y menos o igualmente húmido, es forçoso que se evapore más la humidad, así por el calor del vino como por el natural del estómago, con que se aumenta y humedezce el celebro y liguen los sentidos, y vemos por experiencia que caen los dichos indios como muertos, y les dura la embriaguez dos y tres días con este vino, y con el suyo, y por mucho que bevan no, ni con muchas ventajas, y basta serles natural el uno, y el otro no” (MANUSCRITOS, 2006 [1585], p. 398MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 1º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2006.). A advertência do clérigo foi pela moderação na ingestão do pulque ou vinho da terra. A ideia do índio empestado pela embriaguez, inclusive do pulque, vai tornar-se central em importantes nomes da Igreja como o extirpador de idolatrias Jacinto de la Serna no século XVII.
  • 35
    Pode-se sugerir um paralelo a essa forma de saber. A ciência hoje entende que há efeitos de intoxicação neurológica por mercúrio com sintomas como enfraquecimento e paralisia.
  • 36
    Cañizares Esguerra (2006, p. 74)CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. New world, new stars: patriotic astrology and the invention of Amerindian and Creole bodies in Colonial Spanish America, 1600-1650. In: CAÑIZARES ESGUERRA, Jorge. Nature, empire, and nation: Explorations of the history of science in the Iberian World. Stanford: Stanford University Press, 2006. acentuou uma visão negativa de Hernández a respeito do poder astral na região. Mas no capítulo das Antiguidades de la Nueva España sobre o clima da cidade do México, Hernández vai afirmar que “El cielo es salubre en gran parte, pero debido a la humedad lacustre (...) a veces predomina la podredumbre”. O que reflete nas enfermidades mortais, o que redunda em “alimentos (...) más húmedos y copiosos que agradables al gusto”, ainda que gerados em “suelo ubérrimo y fertilísimo” (HERNÁNDEZ, 1986, p. 106-107).
  • 37
    A posição é concorde ao informe do oidor Robles, de 1555, o qual foi lido no terceiro concílio décadas depois. Robles destacou as fugas nos aldeamentos e o perigo das sublevações propondo a política de ferro e fogo contra os bandos indomáveis chamados de “universal pestilencia” (p. 259). O documento baseava uma demanda belicosa do cabildo mexicano dos criollos. Fizeram má aposta em buscar o apoio episcopal para uma guerra justa na corrida da prata. Os dominicanos e franciscanos alegaram que as possíveis violações dos chichimecas seriam por revanche às atrocidades cometidas pelas expedições militares. O concílio vai negar o pedido do cabildo recuperando o argumento das ordens mendicantes (p. 309).
  • 38
    Frei Pravia recuperou o paradigma de forma hesitante indicando que o recrutamento forçado servia para “sacar (como algunos dizen) de su pereza a los indios, que naturalmente son holgazanes, y exercitallos en el trabaxo alegando el dicho de Motecuzuma, que dizen averlo aconsejado assí al Marqués del Valle don Hernando Cortés” (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 341MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.). O franciscano Bernardino de Sahagún (1988, p. 627)SAHAGÚN, Bernardino de. Historia general de las cosas de Nueva España. Edición de Alfredo López Austin e Josefina García Quintana. Madri: Alianza Editorial, 1988., que terminou sua extensa Historia durante o surto de cocoliztli, havia avaliado que os índios, assim como os espanhóis na nova terra, eram inclinados à ociosidade, por causa do clima ou das constelações, elogiando por isso “el rigor y austeridade y ocupaciones continuas en cosas provechosas a la república” do regime pré-hispânico, movido por genuína “filosofia moral”, o que infelizmente tivera de ser desbaratado devido à mescla de idolatria.
  • 39
    Mas em seguida o parecer é reticente de trazer mais africanos por “engendrarse dellos mulatos que es gente muy libre belicossa y de mala ynclinaçion” (f. 2).
  • 40
    Segundo Pravia, em parecer no terceiro concílio, os serviçais das cidades da Andaluzia nunca se sujeitariam ao regime que tinha sido imposto aos índios (MANUSCRITOS, 2007 [1585], p. 322-323MANUSCRITOS del Concilio Tercero Provincial Mexicano (1585). Mexican Manuscripts 268, The Bancroft Library. Edição de Alberto Carrillo Cázares. 2º tomo. Vol. I. Zamora, Mich.: El Colegio de Michoacán; Universidad Pontificia de México, 2007.).
  • 41
    Sarampo, cachumba e tifo.
  • 42
    No guarda-chuva do galenismo, havia a ideia de sementes de enfermidade e que o mal pegava com o bafo e pelo contato com a roupa dos falecidos, ou até pelo olhar fixo dos empestados, entre outros sentidos de contaminação interpessoal.
  • 43
    Gañón foi um termo que indicava o indígena pago por jornada de trabalho.
  • 44
    A normativa foi enviada aos dois vice-reinos em política de preservação dos recrutamentos mais importantes ao fisco, como o trabalho nas minas e nas plantações. Se o rei demanda impedir que o índio trabalhasse nos obrajes praticamente prisões, reservando-as ao escravo negro, e se proíbe o antigo costume de usar carregadores chamados tamemes, ou se repreende a servidão por dívida nas fazendas, igualmente se opõe a que os índios fossem os criados de todos – um recado também aos abusos dos clérigos.
  • 45
    Também me favoreço de fichamentos e resultados de pesquisa centrados principalmente na questão dos costumes, gostos e saúde alimentar dos indígenas nesses informes e na Historia de Bernardino de Sahagún (VARELLA, 2019VARELLA, Alexandre C. Informantes indígenas do regime. Costume e saúde alimentar nas Relaciones Geográficas e na Historia de Sahagún. In: Revista Eletrônica da ANPHLAC, São Paulo, USP, n. 26, p. 36-73, 2019. ISSN: 1679-1061. Disponível em: htps://revista.anphlac. org.br/anphlac/article/view/3347. Acesso em: 13 jul. 2019. doi: htps://doi.org/10.46752/ anphlac.26.2019.3347.
    htps://revista.anphlac. org.br/anphlac/a...
    ). Aproveito para mencionar a gentileza de José Pardo-Tomás de me passar sua base de dados de detalhada investigação dos informes das comarcas novo-hispânicas.
  • 46
    Um bom resumo dessa polêmica se encontra em capítulo suplementar do livro de Ken Albala (2002)ALBALA, Ken. Eating right in the Renaissance. Berkeley: University of California Press, 2002..
  • 47
    Sobrevive uma cópia de 1615 feita por Alva Ixtlilxóchitl, igualmente da nobreza índia texcocana de sangue mestiço.
  • 48
    Mas de que natureza são esses ares? Em outra passagem, especificam que enfermam pelo frio, o que lembra uma noção indígena de qualidade das coisas. Ao que parece, só havia uma relação entre infecção e contágio, em mazelas surgidas do arbítrio do deus Tláloc (LÓPEZ-AUSTIN, 1996, p. 404).
  • 49
    Embora haja depoimentos de que os comuns viviam sobrecarregados de serviços.
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

Fontes impressas e manuscritas

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2021
  • Aceito
    12 Set 2022
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