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SOLDADOS DA POLÍTICA: EMBATES PARTIDÁRIOS E RELAÇÕES INSTITUCIONAIS NO CONTEXTO DA QUESTÃO MILITAR (DÉCADA DE 1880)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. O texto é fruto do terceiro capítulo de minha tese de doutorado, Da monarquia parlamentar ao regime da ordem: tensões partidárias, conflitos políticos e a ascensão do militarismo na passagem do Império para a República (1880-1891), defendida em 2021 no Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Monica Duarte Dantas. Agradeço à Coordenação de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão da bolsa que viabilizou a pesquisa e elaboração da tese (processo nº 88882.333229/2019-01).

POLITICS’ SOLDIERS: PARTY STRIFE AND INSTITUTIONAL RELATIONS IN THE MILITARY QUESTION CONTEXT (BRAZIL, THE 1880S)

Resumo

Este artigo tem como tema as relações entre civis e militares na década final do Império do Brasil, especificamente a chamada “questão militar”, geralmente compreendida como um ponto de inflexão que teria esgarçado decisivamente tais relações. A questão é abordada, na historiografia, ou bem como fundamentalmente corporativa, ou como um ominoso sinal da incompatibilidade entre os of iciais imbuídos de aspirações modernizadoras e a elite política da monarquia arcaica e escravista, antagonismo que começara a se aprofundar durante a Guerra do Paraguai. Contudo, explorando as fontes primárias – em especial, a documentação institucional, imprensa e correspondência –, pretende-se argumentar que a questão militar só pode ser compreendida tendo em vista o complexo edifício institucional e a dinâmica da disputa par tidária no Império, que esteve em seu âmago.

Palavras-chave
Império do Brasil; questão militar; relações entre civis e militares; partidos políticos; organização institucional do Estado

Abstract

This article addresses the civil-military relations during the last decade of the Brazilian Empire, precisely the so-called “military question”. In the historiography, the topic is understood as a turning point that eroded such relations, and approached as fundamentally corporative, or as an ominous sign of the growing incompatibility, since the Paraguayan War, between the officers, who inculcated modernizing expectations, and the monarchy’s political elite, represented as the bulwark of an archaic social order grounded in slavery. However, exploring the primary sources – particularly official documents, newspapers, and correspondence –, I intend to argue that the military question can only be understood bearing in mind the Empire’s complex institutional framework and the party dispute dynamics.

Keywords
Brazilian Empire; military question; civil-military relations; political parties; institutional organization of the State

Introdução

O orador agradece, porém insiste e repete que lhe é honroso, mas deve sacrificá-lo ao plano. [...] Se fora soldado, se pertencesse à classe militar, estava no seu dever; mas é soldado da política. Pensa que os representantes da nação, quer da câmara temporária, quer da vitalícia, têm absoluta necessidade, imperioso dever, de inspirar-se nas classes sociais, quando para elas legislam.3 3 Revista do Exercito Brasileiro. Ano quarto, 1885. A grafia das citações foi atualizada segundo o acordo ortográfico vigente.

Entre fevereiro e junho de 1885, Henrique d´Ávila, senador liberal pelo Rio Grande do Sul, ministrou uma série de palestras a membros da “classe militar”, na Biblioteca do Exército, no Rio de Janeiro. Ávila recebeu autorização do ministro da Guerra, Cândido de Oliveira, seu correligionário, para tratar das queixas da “classe” de forma, segundo ele, franca. Essa franqueza foi reconhecida pela audiência. No excerto acima, Ávila expressava satisfação pela boa recepção da primeira palestra, encerrada por uma salva de palmas, em seguida pedindo que a audiência evitasse tais manifestações no futuro, tendo em vista que sua intenção era manter um “tom familiar” nas conversas sobre “assuntos militares”.

O assunto crucial das conversas, segundo Ávila, era a organização defeituosa do Exército, cerne dos desafos encarados pelos militares: o reprovável sistema de recrutamento, a influência insuficiente na elaboração de políticas destinadas à “classe” e o ritmo vagaroso das promoções. Centrando no recrutamento, Ávila propunha a revogação da lei de 26 de setembro de 1874 (lei do sorteio) que, objetivando extinguir o recrutamento forçado, adotara um (conforme o senador) arcabouço falho de listas localmente organizadas de cidadãos recrutáveis, criando brechas para que os membros das “classes superiores” ludibriassem o recrutamento, que recaía sobre o “voluntariado” das “classes inferiores”, em troca de recompensas monetárias, transformando o Exército em uma milícia de “mercenários”.4 4 Lei nº 2.556, 26 set. 1874. Alternativamente, o senador propunha o sistema de conscrição universal, capaz de combater privilégios, disseminar as qualidades moralizadoras do “espírito militar” e incentivar os membros das “classes diretoras” (cujos flhos estariam entre os recrutas) a darem mais atenção às Forças Armadas.

Ávila argumentou que, resolvido o problema do recrutamento, as outras questões teriam mais fácil solução. Tropas instr uídas e bem treinadas eram essenciais não só ante a complexidade da “guerra moderna” – na qual a obediência cega dava espaço ao julgamento crítico e à expertise técnica –, mas também à defesa de uma esfera pública em expansão. Um Exército de “autômatos” era inadequado como braço armado do Estado moderno, que precisava conciliar as demandas difusas das “classes”. Esse Estado requeria “soldados cidadãos”, imbuídos da missão de sustentar a ordem constitucional, recebendo, em troca, o direito de defender interesses corporativos.

Os membros da audiência concordaram com alguns dos diagnósticos, mas havia dissonâncias. O orador por vezes se viu caminhando em corda bamba, em meio a reclamações de oficiais quanto às restrições ao direito de manifestação. Ávila – que ressaltou ser veterano da Guerra do Paraguai – não negava as insuficiências dos políticos na lida com os assuntos militares, mas pediu que os ouvintes reconhecessem sua fração de culpa. Contando com a aquiescência de alguns deles, lembrou que, como consequência da organização e instrução deficientes, do carreirismo e das querelas políticas, os oficiais se mostravam incapazes de tomar posição como um corpo unificado. Medindo palavras, o orador reiterou sua afinidade com as formas modernas de representação das “classes”, ressaltando a capacidade das instituições de se adaptar aos novos tempos. Observou, contudo, ser incorreto “dizer que só o soldado sofra um regime especial”, pois todas as profissões impunham limitações. No caso dos militares, elas eram a disciplina e hierarquia internas e a submissão aos poderes constituídos.

Ávila precisava, também, parecer apartidário, enquanto atribuía o grosso da responsabilidade pelo estado dos negócios militares à lei conservadora de 1874. Ao defender a reorganização do Exército pelo sistema de conscrição, ele se baseava em predileções de membros do Partido Liberal – especialmente ligados à sua província natal, a mais militarizada do país –, além de enfatizar a “boa vontade” do Ministério da Guerra que, no decorrer das palestras, foi assumido por um comprovinciano, o deputado Antônio Eleutério de Camargo (JAVARI, 1979, p. 218JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais: regime parlamentar no Império. 3ª ed. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1979.). Nesses termos, ele revelou à audiência que seu correligionário no Senado, o tenente-general visconde de Pelotas, atuando como “eco” da “classe”, seria instrumental para avançar a reorganização.5 5 A patente de tenente-general era a segunda mais elevada na hierarquia do Exército, estando imediatamente acima do marechal de campo e abaixo do marechal do Exército.

É provável que a percepção de inquietação nos quartéis gerasse ansiedade entre os liberais. Importa lembrar que o país enfrentava dificuldades financeiras quando eles assumiram o poder, em 1878, e restrições orçamentárias atingiram as Forças Armadas nos anos seguintes. Quando comparado à primeira metade da década, dominada pelos conservadores, o retrospecto liberal nos assuntos militares podia aparecer sob uma luz negativa, já que – nesse período de perspectivas econômicas auspiciosas – o Exército conquistara importantes vitórias institucionais (se bem que só parcialmente implementadas), dentre as quais a mencionada lei do recrutamento e o aumento dos soldos (DUDLEY, 1975, p. 57DUDLEY, William S. Institutional Sources of Officer Discontent in the Brazilian Army, 1870-1889. The Hispanic American Historical Review, v. 55, n. 1, fev. 1975, p. 44-65. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2512736>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.2307/2512736.
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; HOLANDA, 1977, p. 50-75HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. T. 2: O Brasil Monárquico. V. 5: Do Império à República. 2ªed. São Paulo: DIFEL, 1977.; SCHULZ, 1994, p. 81-82SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.).

Assim, Ávila tinha razão ao se classificar como “soldado da política”. Seu principal objetivo era construir pontes em uma audiência majoritariamente conservadora. Entre seus ouvintes, estava, inclusive, o marechal de campo Manuel Deodoro da Fonseca, que amistosamente justificou a salva de palmas dirigidas ao senador, no encerramento da primeira palestra, como uma expressão do “reconhecimento de cada um de nós pelo interesse que V. Ex. toma pela classe”. Nos meses seguintes às palestras, contudo, Ávila e Deodoro – junto de Cândido de Oliveira, Camargo e Pelotas – estariam entre os principais antagonistas de uma série de episódios – coletivamente conhecidos como “questão militar” – que impactariam a rivalidade partidária e as relações institucionais no Império. Seu desenrolar é o tema deste artigo.

Antes de adentrá-lo, cabem algumas palavras sobre o estado da questão na literatura especializada. Ao abordar o período final do regime monárquico, historiadores têm desconsiderado a influência da política partidária na trajetória das relações entre civis e militares. Atribuindo o fenômeno de um Exército “politizado” à profissionalização (especialmente desde a Guerra do Paraguai) de uma “classe” imbuída de aspirações modernizadoras, em contraste com a monarquia, supostamente sustentada pela lavoura escravista e seus representantes, tais abordagens tendem a subscrever a ideia de que sua queda foi um evento previsível e a tratar suas décadas finais sob a luz retrospectiva da “proclamação” da República. Assim, a questão militar dos anos 1886-1887 teria sido um prelúdio da sublevação que finalmente deu cabo do Império pouco depois, cingindo os laços entre o oficialato mais jovem (e “técnico”), acentuadamente republicano, e os “tarimbeiros”, membros do topo da hierarquia menos dispostos a aventuras (SCHULZ, 1994SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.; COSTA, 1996COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Editora Hucitec/Editora da Unicamp, 1996.; SOARES, 2020SOARES, Rodrigo Goyena. Os militares e os usos políticos do abolicionismo. Anos 90, Porto Alegre, v. 27, 2020. ISSN 1983-201X. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/85495>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.22456/1983-201X.85495.
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). Ademais, se a ideia de uma ligação direta entre a questão militar e o golpe de Estado já foi relativizada, é comum a abordagem da primeira como “fundamentalmente corporativa” (CASTRO, 1995, p. 162CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Seguindo caminho distinto, argumentarei que, em seu âmago, estavam as disputas entre os dois partidos imperiais, inseridas, contudo, em um período de polarização que gerava expectativas dissonantes, em crescentes setores da sociedade, no tocante às relações de representação e ao escopo da cidadania. Em outras palavras, se, como sugerido pelas palestras de Henrique d’Ávila, a fronteira entre os quartéis e a esfera civil era permeável, as relações entre civis e militares no Império – e, por extensão, as razões que levaram a seu relativo azedamento na década de 1880 – devem ser compreendidas tendo em vista o complexo edifício político e institucional do regime, bem como a sensível expansão da esfera pública que ocorria em seu decênio final, enfatizados por um número crescente de autores (DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005.; GRAHAM, 2011GRAHAM, Sandra Lauderdale. O Motim do Vintém e a cultura política do Rio de Janeiro, 1880. In: DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011, p. 485-510.; DANTAS, 2011DANTAS, Monica Duarte. Epílogo. Homens livres pobres e libertos e o aprendizado da política no Império. In: DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011.; FERRAZ, 2012FERRAZ, Sérgio Eduardo. O Império revisitado. Instabilidade ministerial, Câmara dos Deputados e Poder Moderador (1840-1889). Tese de doutorado, Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-20122012-122802/pt-br.php>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: 10.11606/T.8.2012.tde-20122012-122802.
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; RIBEIRO, 2015RIBEIRO, Filipe Nicoleti. Império das incertezas: política e partidos nas décadas finais da monarquia brasileira. Dissertação de mestrado, História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2015. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11122015-142218/pt-br.php>. Acesso em: 17 jul. 2022. Doi: 10.11606/D.8.2015.tde-11122015-142218.
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; LYNCH, 2018LYNCH, Christian Edward Cyril. Necessidade, contingência e contrafactualidade. A queda do Império reconsiderada. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, mai.-ago. 2018, p. 190-216. ISSN 2237-101X. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/qGr6x8G-DhLCd8KM7vLmfinGs/?lang=pt>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.1590/2237-101X01903808.
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).

Na guerra como na guerra

Escrevendo na virada do século XX, Ernesto Augusto da Cunha Matos notou que, em contraste com a conturbada primeira década republicana, a monarquia sustentara as “prerrogativas e direitos” do oficialato (OURO PRETO, 1986, p. 165OURO PRETO, Visconde de et al. Década Republicana. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, 2 v.). Veterano da Guerra do Paraguai e coronel de engenheiros do Exército, Cunha Matos se enquadrava na “elite técnica”, apontada pela historiografia como crucial ao despertar da “classe militar” após o conflito platino e ao aprofundamento de seu antagonismo em relação à elite política imperial e ao Império (SCHULZ, 1994, p. 106SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.; COSTA, 1996, p. 287-288COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Editora Hucitec/Editora da Unicamp, 1996.). Ademais, dado seu protagonismo na questão militar, tratada como o momento de conversão dessa tensão latente em conflito aberto, as palavras de Matos podem causar um duplo estranhamento.

Cunha Matos tinha, contudo, suas razões. Ele se encontrava no ápice da carreira às vésperas do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889, ocupando a presidência do Mato Grosso. Quando a notícia da derrubada do Império alcançou a remota capital da província (FRANCO, 2014, p. 69-71FRANCO, Gilmara Yoshihara. A ordem republicana em Mato Grosso: disputas de poder e rotinização das práticas políticas, 1889-1917. Tese de doutorado, História, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista, 2014. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/126317?show=full>. Acesso em: 17 fev. 2022.
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), foi deposto e incluído entre os oficiais “ditatorialmente” reformados pelo “General Deodoro”, por não aceitarem se “desonrar, traindo o Imperador”. Nesse sentido, não obstante qualquer solidariedade de classe ensaiada, em meados da década, entre o “tarimbeiro” Deodoro da Fonseca e o “técnico” Matos, eles não esposavam um projeto político comum.

Um grande impulso à carreira de Cunha Matos ocorrera na passagem entre as décadas de 1870 e 1880, quando da ascensão do Partido Liberal. O então tenente-coronel, provavelmente em função dos laços com o visconde de Pelotas (ministro da Guerra no biênio 1880-1881), foi nomeado chefe da comissão de engenharia responsável pela instalação de linhas telegráficas no Rio Grande do Sul, no período em que Henrique d’Ávila ocupava a presidência da província.6 6 Tribuna Militar. 28 jul. 1881. Matos escalou os degraus da burocracia e, em 1885, ocupava a direção da Fábrica de Pólvora da Estrela.7 7 Annaes do Parlamento Brasileiro. Camara dos Srs. deputados (doravante ACD). 12 mai. 1886. Ao fim desse ano, contudo, a ascensão do Partido Conservador, sob a liderança do barão de Cotegipe, impôs um golpe às suas ambições. Ele foi removido do cargo e, no início de 1886, enviado ao Piauí para inspecionar uma companhia de infantaria.

Encontrando evidências de irregularidades, dentre as quais negociações ilícitas envolvendo soldos e roubo de fardamento, Cunha Matos escreveu um relatório ao Ministério da Guerra que se provaria danoso ao comandante da companhia, capitão Pedro Lima, subsequentemente submetido a conselho de investigação e conselho de guerra. Reagindo aos acontecimentos, o deputado Simplício Coelho de Resende, representante conservador do Piauí, subiu à tribuna da Câmara, em julho, para protestar contra os prejuízos à reputação do “brioso” capitão causados pela “mão traiçoeira” de Matos.

Não obstante seus laços conservadores, segundo Coelho de Resende, o capitão Lima desempenhara a função de ajudante de ordens do presidente liberal do Piauí no ano anterior, tendo sido encarregado de investigar denúncias contra um promotor em uma comarca dominada por liberais. Reconhecendo a veracidade das denúncias, o capitão se indispusera com a liderança liberal da província, que desde então procurara “tirar desforra”. Os planos foram frustrados, contudo, pela ascensão conservadora, em agosto de 1885, que levou Lima ao comando da mencionada companhia. A chegada de Cunha Matos, em fevereiro seguinte, oferecera, assim, a oportunidade aos liberais de afastar o capitão, imputando a ele a culpa pelas irregularidades. Resende concluiu requerendo, ao ministro da Guerra, seu correligionário fuminense Alfredo Chaves, cópias dos documentos que substanciavam as acusações contra Pedro Lima.8 8 ACD. 15 jul. 1886.

Matos buscou a imprensa para se defender, ressaltando que, antes mesmo de concluída a investigação, o capitão Lima recorrera a um jornal de Teresina para acusá-lo de absolver os “ladrões de fardamento” quando, na verdade, Lima tentava proteger subordinados. De qualquer forma, o artigo forçara Cunha Matos a apresentar queixa contra o capitão por atacar um superior, levando o imbróglio ao conhecimento do ajudante-general do exército. Respondendo diretamente ao parlamentar, Matos não mediu palavras, chegando inclusive a ameaçá-lo: “O desasado requerimento do Sr. Coelho de Resende só me levará a dar-lhe prova da minha coragem e força muscular, se S. S. agredir-me pessoalmente fora do parlamento”.9 9 Jornal do Commercio. 23 jul. 1886. Grifos no original. O ajudante-general era a primeira autoridade militar do Exército, subordinado ao ministro da Guerra, cabendo a ele tarefas como a “administração do pessoal até o planejamento e execução de operações” (MCCANN, 2009, p. 39-40).

Na Câmara, Coelho de Resende justificou o procedimento de Pedro Lima. Sabendo ser “da índole do partido liberal, salvo honrosas exceções, governar de chicote e esporas”, o capitão precisara defender sua honra contra imputações influndadas, mesmo que de um superior. Cunha Matos, por sua vez, cometera um delito grave ao ameaçar um representante da nação e precisava ser punido. Não contente, Resende insinuou que Matos cometera alta traição durante a Guerra do Paraguai.10 10 ACD. 22 e 26 jul. 1886.

Possivelmente, a troca de farpas entre o deputado e o coronel continuaria sem consequências drásticas se Cunha Matos não tivesse, em uma réplica, se referido diretamente ao ministro da Guerra, insinuando que ele falhara em defender sua honra. Repreendido em ordem do dia pelos desacatos ao deputado, Matos acabou também detido por dois dias no quartel-general após a referência ao ministro. Pouco depois, da tribuna do Senado, o visconde de Pelotas deu o passo para transformar o caso em um “assunto de importância nacional” (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 207-211MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.; SCHULZ, 1994, p. 106SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.).

Pelotas relatou ter recebido com “desagradável surpresa” a notícia da punição a Cunha Matos, o qual justificadamente defendera sua “honra militar”. Censurando o procedimento de Alfredo Chaves, Pelotas afirmou que sua atuação fora não só marcada por “prepotência” e “arbítrio”, mas também injustificável ante as “leis militares”, que “só proíbem que os oficiais publiquem pela imprensa artigos que contenham insinuações a seus superiores, ofensas aos seus camaradas e discussão sobre assuntos de serviço militar”. O único fundamento a subsidiar a primeira advertência a Cunha Matos (a detenção se dera em um segundo momento, quando o ministro foi diretamente envolvido) era a falsa ideia da superioridade do deputado em relação ao oficial. Assim, sentenciou Pelotas, a punição era uma “ofensa” a toda a corporação.

Dois senadores liberais concordaram que a superioridade pressuposta na punição inicial a Matos era “absurda”, mas, no decorrer da discussão com governistas, tiveram que reconhecer que o episódio não era inédito. A aquiescência dos liberais deu azo a que os conservadores contra-atacassem, colocando em dúvida as intenções de Pelotas ao tomar interesse no caso. “O espírito de classe leva-nos às vezes a ir além do que devemos”, comentou o ministro da Justiça, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, e o senador rio-grandense parecia dominado por tal sentimento, “ou então talvez por outro”.11 11 Annaes do Parlamento Brasileiro. Senado (doravante AS). 2 ago. 1886.

A insinuação de Ribeiro da Luz permite abordar um elemento que parece ter contribuído para colocar em movimento a questão militar: a cizânia causada pela queda do Partido Liberal e a consequente perda do controle da máquina pública. Cunha Matos não era o único a sofrer com a mudança da situação política. Dois meses antes de seu entrevero com Coelho de Resende, o ex-ministro Cândido de Oliveira atacava, na Câmara, os primeiros momentos da gestão de Alfredo Chaves na pasta da Guerra, em que os “hábitos de moderação” e o “espírito de tolerância” davam espaço a um sentimento “altamente político e partidário”. Entre a ascensão do ministério Cotegipe, em agosto de 1885, e a eleição geral de janeiro do ano seguinte, o Exército passara por uma “revolução”, ocorrendo mudanças profundas no comando das tropas. Para além das “162 transferências de oficiais” de diferentes armas e patentes, a “vertiginosa” atividade do governo se estendera aos “estabelecimentos técnicos e da administração da guerra”, como a Fábrica de Pólvora da Estrela, dirigida por Cunha Matos, cuja demissão decorrera de “ressentimentos partidários”. Previsivelmente, boa parte dessas mudanças ocorria na província mais meridional do país, onde se concentrava parcela significativa das forças de terra. Os “comandantes das fronteiras de Bajé, Rio Grande, Santana do Livramento e todos os outros da linha do sul”, denunciou Oliveira, foram despedidos, “sendo as suas comissões confiadas a outros, cuja parcialidade política é muito característica”.12 12 ACD. 12 mai. 1886.

As palavras do deputado liberal devem ser encaradas com ceticismo, mas há indícios de que as “derrubadas” excediam precedentes. Alheio à luta partidária, o jornal The Rio News, publicado por iniciativa de um expatriado norte-americano, notava que, justificadamente, os brasileiros se vangloriavam da superioridade de seu sistema político em relação aos Estados Unidos, ao menos no tocante à estabilidade da administração e carreiras dos empregados públicos, dado que, naquele país, as mudanças de governo eram sempre traumáticas. Contudo, a transição realizada em 1885 destoava consideravelmente. Era compreensível, observou o articulista, que os cargos de confiança – como presidentes de província, chefes de polícia e promotores – fossem trocados, mas que empregados inferiores – como policiais, coletores de impostos e inspetores escolares – fossem massivamente dispensados por “razões partidárias” surpreendera a todos. Entre as estimativas apresentadas pelo jornal estava a demissão, por autoridades provinciais e gerais, de cerca de dois mil agentes policiais em todo o país, apenas nas primeiras semanas de administração conservadora.13 13 The Rio News. 5 e 15 out. 1885.

Os números são corroborados pelas informações constantes no principal jornal republicano do Rio Grande do Sul. Dias depois da ascensão de Cotegipe, A Federação passou a publicar uma seção intitulada “A derrubada”, dedicada a listar as mudanças na burocracia provincial. Entre agosto e outubro de 1885, foi possível contabilizar ao menos 370 “derrubadas”, concentradas especialmente na polícia rio-grandense, com a observação de que algumas das demissões eram citadas genericamente ou nem mencionadas, podendo os números ser maiores.14 14 A Federação. 29 ago. a 24 out. 1885.

Não surpreende que, um mês após deixarem o poder, os liberais rio-grandenses adotassem uma postura belicosa. No final de setembro de 1885, reuniram-se, em Porto Alegre, sob a presidência do visconde de Pelotas, 142 membros do partido para denunciar o “arbitrário e inepto” vice-presidente (conservador) em exercício, tendo o tenente-general relatado uma troca de telegramas com o barão de Cotegipe, em que apontara a “tremenda reação que nos levará a represálias violentas”, ao que o presidente do Conselho redarguiu ignorar atos reprováveis praticados pela administração provincial. A leitura dos telegramas serviu para infamar a audiência que, em nome do “eleitorado liberal”, resolveu:

  1. Lavrar solene protesto contra a reação, e sustentá-lo em todo e qualquer terreno.

  2. Organizar comissões diretoras para o trabalho da qualificação e da próxima eleição, na qual o partido liberal empregará todo o seu esforço.

  3. Prestar todo o auxílio à imprensa liberal para manter ativa a propaganda contra os abusos da situação.

  4. Aderir unanimemente à ideia da federação das províncias, erguida como nova bandeira do partido liberal.15 15 A Federação. 23 set. 1885.

A ideia da criação de um “diretório” encarregado da agitação federalista foi adiada para ser reapresentada quando o senador Gaspar Silveira Martins, principal chefe liberal da província, retornasse da Corte, onde as manifestações imediatamente repercutiram. Com efeito, no momento em que ocorria a reunião liberal, Silveira Martins subia à tribuna do Senado para apresentar um requerimento solicitando ao governo que informasse os motivos da demissão do “oficial-maior da secretaria da província do Rio Grande do Sul”. O requerimento serviu de pretexto para que o senador lavrasse seu protesto contra a administração conservadora que, a despeito do predomínio da “ideia liberal” – majoritária na assembleia provincial, nas câmaras municipais e no funcionalismo –, ignorava a “opinião” rio-grandense e subordinava os “interesses públicos” às “conveniências particulares”. A denúncia não era, contudo, uma “queixa”, ressaltou Martins, que disparou estar disposto a “tratar como o tratam”, seguindo “a esse respeito o mote do nobre presidente do conselho – na guerra como na guerra”.16 16 AS. 22 set. 1885.

Que o ditame já se ensaiasse como resposta liberal à infrene atividade político-eleitoral do governo ficava patente na própria coordenação entre as manifestações do visconde de Pelotas e as emboscadas que a representação rio-grandense tentava impor ao ministério. Enquanto Silveira Martins orava no Senado, um de seus comprovincianos telegrafiava a Porto Alegre declarando que ele e seus colegas aplaudiam a atitude de Pelotas e que Martins protestava contra os “atos de violência” do vice-presidente. O órgão de imprensa republicano ironizou: “não puderam fazer as reformas, apelam para a revolução...”.17 17 A Federação. 22 set. 1885. Mas A Federação, que não devotava simpatia aos liberais “gasparistas”, admitiu que os “novos conquistadores” excediam “todas as reações passadas” e que, em minoria no Rio Grande do Sul, “os conservadores estão fazendo uma tal ostentação de força e de poderio, que não se pode prever o termo final dos seus desatinos”.18 18 A Federação. 14 out. 1885.

Ao desembarcar em Porto Alegre, em outubro, Silveira Martins sinalizou que seguiria o belicoso “mote” à risca, declarando, em discurso, que o “povo nesse país é o único soberano” e que “quando a minoria governa não em nome da soberania nacional, mas em nome de um poder irresponsável, o governo é que se constitui o revolucionário, o rebelde”. Os liberais, contudo, se manteriam dentro da legalidade, reagindo contra as “violências” nas urnas.19 19 A Federação. 12 out. 1885. Martins tinha em vista não somente a eleição geral de janeiro, mas a eleição à assembleia provincial, que também ocorreria em 1886. Como já indicara ao orar no Senado, o controle liberal do órgão era essencial para a preservação de sua “soberania” diante dos agentes do governo conservador, já que uma maioria encastelada na assembleia dispunha de poder para formular a política provincial e vetar proposições do Executivo, particularmente no tocante ao orçamento. Não por acaso, Silveira Martins elegeu o presidente da província, barão de Lucena (que pouco antes assumira o cargo), como seu antagonista.

Sagrando-se, contudo, deputado geral, após o triunfo conservador na eleição de janeiro, Lucena se dirigiu à Corte para tomar assento na Câmara, deixando em seu posto o comandante das armas do Rio Grande do Sul, Deodoro da Fonseca, que chegara a Porto Alegre um dia depois da recepção a Martins (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 195-197MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.).20 20 A Federação. 12 out. 1885. Acumulando as posições de primeira autoridade militar e civil, Deodoro recebeu de Cotegipe a ingrata missão de governar uma província em que a oposição dispunha de imensa influência, tanto nas instituições civis como no oficialato do Exército.

Nesses termos, o senador Ribeiro da Luz tinha razão ao insinuar não ser unicamente o “espírito de classe” que levava o visconde de Pelotas – justamente no período em que começava a campanha eleitoral ao legislativo rio-grandense –21 21 A Federação. 7 ago. 1886. a trabalhar para politizar a repreensão a Cunha Matos, lembrando que interdições ao direito de manifestação dos oficiais ocorreram em governos liberais sem o protesto do visconde. Em meio a essa discussão, foi lembrado um episódio de 1884, em que o então comandante da Escola de Tiro da Corte, tenente-coronel Antônio de Sena Madureira, fora repreendido e demitido por menções desairosas a superiores na imprensa, ao que Pelotas ficara indiferente.22 22 AS. 2 ago. 1886.

O senador liberal Felipe Franco de Sá, que à época ocupava a pasta da Guerra, protestou afirmando que não houvera “abuso” no caso de Madureira, pois ele desacatara o ajudante-general. Os ecos das palavras de Franco de Sá logo alcançaram o Rio Grande do Sul, onde estava estacionado o tenente-coronel, que recorreu à imprensa para responder ao ex-ministro. A entrada de Sena Madureira no imbróglio permitirá compreender que – para além dos cargos e cálculos eleitorais imediatos – a origem da questão militar também pode ser localizada em perspectivas distintas quanto à extensão da cidadania e dos direitos políticos no Império, ao passo que indicará que essas duas dimensões da política eram inseparáveis.

Sobre um vulcão

Assim como Cunha Matos, Sena Madureira compunha a “elite técnica” do oficialato (SCHULZ, 1994, p. 106SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.). Veterano da Guerra do Paraguai, era um “protegido” do general Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa, a quem acompanhara em uma comitiva enviada à Europa, em 1873, para estudar os avanços na técnica militar (DUDLEY, 1976, p. 111-113DUDLEY, William S. Professionalization and Politicization as Motivational Factors in the Brazilian Army Coup of 15 November 1889. Journal of Latin American Studies, [S. l.], v. 8, n. I, mai. 1976, p. 101-125. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/156206>. Acesso em: 17 fev. 2022.
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). Uma década depois da expedição, Madureira publicou um projeto de reorganização do Exército, nos números iniciais da Revista do Exército Brasileiro, lançados em 1882BRASIL. Annaes do Parlamento Brasileiro. Senado, 1882-1887. Disponível em: https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio_digitalizados.asp
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e 1883,23 23 Revista do Exercito Brasileiro. Ano segundo, 1883. mesmo período em que o general Tibúrcio compunha uma comissão – indicada pelo governo liberal e chefada pelo conde d’Eu, comandante-geral de artilharia – destinada a formular um plano de reorganização.24 24 Revista do ExercitoBrasileiro. Ano terceiro, 1884.

Nesse ínterim, Sena Madureira colhera os frutos da ascensão do Partido Liberal, tendo sido nomeado ao comando da Escola de Tiro da Corte durante a passagem do visconde de Pelotas pela pasta da Guerra.25 25 AS. 19 mai. 1884. Nessa posição, o tenente-coronel tentou dar azo a suas ambições políticas, lançando-se, em 1881, candidato a deputado pelo terceiro distrito do Município Neutro, no qual ficava localizada a escola. Na campanha, Madureira descreveu-se como um “liberal adiantado”, sem a proteção de “chefes” e, portanto, “intérprete dos sentimentos e das aspirações de um eleitorado livre e independente”. Apesar de defender o serviço militar universal, seu programa deixava em segundo plano o assunto, dando protagonismo a tópicos que compunham as aspirações do Partido Liberal desde sua refundação, em 1869, como a promoção da imigração, a plena liberdade religiosa, a descentralização administrativa e a proteção à lavoura, abrindo o caminho para, “com o auxílio das leis vigentes e do crescente movimento abolicionista”, solucionar o espinhoso “problema da substituição do braço escravo pelo trabalho livre”.26 26 Gazeta de Noticias. 31 out. 1881.

A iniciativa política de Sena Madureira era indicativa das mudanças nas relações de representação que ocorriam no raiar dos anos 1880. É necessário, primeiramente, entender a decisão de Madureira de lançar candidatura independente, que se dera em um contexto posterior à aprovação da Lei Saraiva.27 27 Decreto nº 3.029, 9 jan. 1881. Suas disposições – em particular o voto direto e distrital, dirimindo o poder dos chefes partidários e permitindo uma relação mais imediata entre candidatos e eleitores – impeliram oficiais das Forças Armadas a criar diretórios em diferentes capitais, com vistas a eleger representantes da “classe” ao parlamento.28 28 O Soldado. 15 mar. 1881. Madureira acabou preterido, na reunião que definiu essas candidaturas na Corte, por um oficial do Exército ligado ao Partido Conservador.29 29 Gazeta de Noticias. 27 mai. 1881. Como o Partido Liberal já contava com ao menos dois candidatos civis no terceiro distrito, restou ao tenente-coronel a (malsucedida) campanha independente.

O Soldado, um órgão de imprensa que se autodefinia como porta-voz da “classe militar” e começara a circular pouco depois da aprovação da reforma eleitoral, lamentou que as divisões no oficialato, especialmente entre as duas forças (a Marinha preferiu um oficial liberal para representá-la no primeiro círculo da Corte, também derrotado), frustrassem as expectativas de levar um representante ao parlamento.30 30 O Soldado. 3 jun. 1881. A frustração, contudo, gerou respostas do sistema político. Ainda em 1882, chegou ao Senado (onde já estava Pelotas) o almirante Joaquim Raimundo de Lamare, além de outros “soldados da política” com histórico militar, dentre os quais Henrique d’Ávila e João Ernesto Viriato de Medeiros, um oficial reformado do corpo de engenheiros do Exército (JAVARI, 1979, p. 414-416JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais: regime parlamentar no Império. 3ª ed. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1979.).

Que todos fossem liberais constitui um segundo problema. O retorno da agremiação ao poder parece ter alargado as expectativas políticas do oficialato, após uma década de governos conservadores (dentre os quais o chefado pelo duque de Caxias, entre 1875 e 1878), que executaram o restritivo regulamento disciplinar de 1875, que impunha interdições ao direito de manifestação dos militares.31 31 Decreto nº 5.884, 8 mar. 1875. Se não havia um consenso no Partido Liberal sobre a extensão de tal direito, o surgimento de jornais militares – dedicados a assuntos políticos, sociais e corporativos –, a criação de diretórios eleitorais e a publicação de programas e manifestos na imprensa por membros da “classe” são indicativos de uma significativa liberalização.

A menção ao movimento abolicionista, no manifesto de Sena Madureira, também é digna de nota. A ascensão liberal levou ao parlamento uma nova geração de políticos determinados a romper o silêncio institucional sobre a “questão servil”. Essa movimentação ocorreu consoante à organização e nacionalização do abolicionismo na primeira metade da década de 1880 (ALONSO, 2015ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015.). Foi exatamente no contexto da “aliança” entre o movimento e setores crescentes do Partido Liberal que se deu libertação do Ceará, no início de 1884, afetando inadvertidamente a carreira de Sena Madureira, então no comando da Escola de Tiro da Corte.

Festejada pelo movimento abolicionista, a emancipação da província logo ganhou seu panteão de “heróis”, como Francisco José do Nascimento, conhecido como “Dragão do Mar”, líder de uma greve de jangadeiros contra o transporte de escravos destinados ao tráfico interprovincial (CONRAD, 1978, p. 216-219CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.). Nascimento e dois companheiros realizaram, em abril, uma viagem à Corte, onde foram recebidos, segundo um jornal, com “simpático acolhimento” pelo comandante, oficiais e alunos da Escola de Tiro, quando lá excursionaram para assistir a “um exercício de tiro ao alvo”, sendo em seguida homenageados em almoço na casa de um tenente.32 32 Gazeta de Noticias. 19 abr. 1884.

Dias depois, Sena Madureira recebeu do ajudante de ordens (um capitão) do ajudante-general do Exército, visconde da Gávea, um ofício “exigindo em termos peremptórios que com toda urgência informasse” o ocorrido durante a visita dos jangadeiros.33 33 Jornal do Commercio. 8 mai. 1884. Grifos no original. Considerando inaceitáveis os termos do ofício, “firmado por um subordinado se dirigindo a seu superior na hierarquia militar”, Madureira respondeu categoricamente que, ante o disposto no regulamento da escola – que determinava que seu comandante só estava subordinado ao comando de artilharia –, não reconhecia “competência na repartição do ajudante-general” para questionar o ocorrido e que o conde d’Eu seria informado da “singular invasão de suas atribuições”.

Ao tomar ciência da “insubordinação calculada”, o ajudante-general – que considerava gozar de “autoridade própria” para se entender com “quaisquer autoridades militares” – recorreu ao ministro da Guerra, Franco de Sá, pedindo que Madureira fosse punido e afastado. O ministro acedeu às considerações de Gávea de que a recepção, com “honras e obséquios”, a um “indivíduo que a propaganda abolicionista tem querido elevar à altura de um herói” constituía uma manifestação política inaceitável em um “estabelecimento militar que tem o caráter de uma praça de guerra”.34 34 AS. 12 mai. 1884.

A situação de Madureira piorou quando artigos anônimos – cuja autoria foi-lhe atribuída – desairosos ao ajudante-general e ao ministro saíram na imprensa. Desligado da Escola de Tiro, ele foi repreendido em ordem do dia. Após esses fatos, o tenente-coronel voltou à carga, declarando-se perseguido por Gávea desde que assumira o posto. Madureira, contudo, pareceu indiretamente reconhecer que as considerações de Franco de Sá sobre a impropriedade do uso político do estabelecimento militar eram justificadas, asseverando que a visita dos jangadeiros fora “particular”, o que era comum, dado que na escola se praticava o tiro esportivo.35 35 Jornal do Commercio. 8 mai. 1884.

Que Sena Madureira se sentisse injustiçado era compreensível, segundo o senador conservador João José de Oliveira Junqueira, para quem “[e]sse e outros oficiais foram induzidos em erro pelo procedimento do próprio governo”.36 36 AS. 12 mai. 1884. Junqueira – em cuja passagem pela pasta da Guerra, durante o ministério Rio Branco, o visconde da Gávea fora nomeado ajudante-general – se referia às contradições dos gabinetes liberais quanto ao abolicionismo e ao direito de manifestação do oficialato, ressaltadas no episódio. Ora transigindo (ou encorajando), como no caso da emancipação do Ceará, ora tentando conter os excessos, as vacilações liberais estariam no cerne da atmosfera permissiva.

Junqueira tinha alguma razão. O próprio procedimento de Silveira Martins era eivado dessas contradições. Em 1882, ele esbravejava, no Senado, contra a mencionada formação de diretórios por oficiais, afirmando que o “Brasil vive hoje sobre um vulcão, porque não tem soldados”, mas “pretorianos e janízaros” que “só serviam para fazer e desfazer governos”, complementando que a criação de um “partido militar”, desprezando as “provas de consideração” dadas pelos partidos constitucionais, “trazendo militares de mar e terra ao senado, à câmara dos deputados e ao governo”, constituía uma “ameaça às liberdades públicas”.37 37 AS. 6 mar. 1882. Não obstante a retórica, foi sob a influência de Martins que o tenente-coronel Madureira, de conhecidas ambições políticas, encontrou compensação pelo baque da demissão, tendo sido nomeado, em meados de 1885, comandante da recém-criada Escola de Tiro do Rio Grande do Sul, pelo então ministro da Guerra, o “gasparista” Camargo.38 38 A Federação. 31 jul. 1885. Nesse mesmo período, o também rio-grandense Henrique d’Ávila ministrava suas palestras na Biblioteca do Exército, objetivando estreitar os laços entre o oficialato e a representação liberal.

Mesmo a contragosto, Silveira Martins – chefe partidário de uma província com grande presença militar – precisava encontrar meios de canalizar as aspirações políticas dos quartéis, impondo, contudo, sua ascendência, tarefa que era facilitada pela presença de seu aliado Pelotas no Senado. Por outro lado, Martins era também peça-chave na conversão do Partido Liberal ao abolicionismo, bandeira que o senador hasteara publicamente no início da década de 1880, se vangloriando de que, sob sua direção, o Rio Grande do Sul já emancipara a maioria de seus escravos.39 39 Gazeta de Noticias. 6 fev. 1882. O deputado Joaquim Pedro Salgado, aliado de Martins, era, inclusive, presidente do Centro Abolicionista de Porto Alegre, fundado em 1883 (ROSSATO, 2014, p. 142-143).

Assim, o barão de Cotegipe estava ciente de que a província meridional constituía um desafo intrincado. Em primeiro lugar, seu ministério era uma coligação dos interesses das regiões escravistas do país, tendo nas pastas mais importantes representantes da cafeicultura do Centro-Sul e do Recôncavo baiano (JAVARI, 1979, p. 219-221JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais: regime parlamentar no Império. 3ª ed. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1979.). Em segundo lugar, o gabinete possuía a missão, conforme o próprio barão, de restaurar a disciplina na “força pública”.40 40 AS. 23 set. 1885. A imposição de um rígido regime disciplinar sob Cotegipe era previsível, dado seu histórico como efetivo chefe de gabinete durante o último governo do enfermo duque de Caxias (HOLANDA, 1977, p. 173HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. T. 2: O Brasil Monárquico. V. 5: Do Império à República. 2ªed. São Paulo: DIFEL, 1977.). Mas o crescimento dos anseios políticos do oficialato e a penetração do abolicionismo nos meios militares tornavam a situação movediça. Que o descontentamento difuso gerado por essas expectativas divergentes se tenha associado à incandescente “questão ser vil”, tornando -se potencialmente explosivo, decorreu, contudo, de um esforço político que talvez só pudesse frutificar a partir do Rio Grande do Sul, onde o predomínio liberal e a presença militar eram singulares e onde o escravismo já não tinha lastro.

Esses elementos são discerníveis nos entreveros entre Cotegipe e Silveira Martins desde o início da situação conservadora. Adotando um tom cauteloso, o barão pediu moderação a Martins e alegou que, a despeito da distorção de suas intenções pelos liberais, não trabalharia para suprimir o direito de manifestação, desde que preservada a legalidade. Mas ele também deixou claro que não toleraria a “desordem” e que a disciplina do Exército deixava a desejar, sendo de “primeira necessidade” evitar “que os oficiais se envolvam na política, embora tenham opiniões políticas, o que ninguém lhes pode proibir, porquanto a lei os admite a votar e a pronunciar a sua opinião”.41 41 AS. 23 set. 1885. Nesses termos, censurou os telegramas e manifestos dirigidos pelo visconde de Pelotas, que irresponsavelmente separava “sua condição de senador da de militar”, proferindo ameaças.42 42 AS. 25 set. 1885. Silveira Martins afirmou que os liberais não sairiam da legalidade, mas indicou que a eles caberia escolher o terreno da luta política:

Em todo caso, porém, a situação é precária: de um lado se incendem as paixões políticas, e do outro os que vivem na escravidão e aspiram à liberdade são impelidos por um direito natural, que reage contra tudo o que é opressão.

Nestas conjunturas cumpre que o governo seja prudente e, inspirando-se nas mais altas sugestões do patriotismo, estabeleça uma política de fraternidade e de concórdia. (Apoiados.)43 43 AS. 24 set. 1885.

Nos meses seguintes, os liberais não deixaram de aproveitar as discussões sobre os orçamentos dos ministérios militares e sobre a fixação das forças para apontar as deficiências da administração conservadora. Mas o caso Cunha Matos deu-lhes a oportunidade de atacar o governo também pelo regime disciplinar imposto às Forças Armadas, baseando-se, segundo eles, em interpretações errôneas de avisos expedidos pelo Poder Executivo nos anos anteriores. Reinterpretando-os de forma a defender o oficialato dos desmandos, enquanto ressaltavam o caráter “reacionário” e “despótico” do governo na lida com os direitos civis da população, contribuiriam para disseminar a ideia do soldado cidadão lesado em suas justas reivindicações pelos “casacas”. A cizânia, por sua vez, obrigaria o governo a forçar a mão na contenção da crescente insubordinação.

Assim, ao politizar o caso Cunha Matos, convertendo-o em uma espécie de catalisador dessas tensões, a oposição deixou o ministro da Guerra em uma posição delicada: ou Alfredo Chaves aplicava a mesma severidade a todas as manifestações de oficiais, ou ficaria explícito o viés partidário da punição ao coronel. Esse jogo se tornou mais perigoso quando, em agosto de 1886, a questão militar aportou no Rio Grande do Sul, no momento em que Sena Madureira recorreu à imprensa republicana da província para responder a Franco de Sá que, no Senado, justificava sua demissão do comando da Escola de Tiro da Corte (recordada por um conservador durante a discussão do caso Cunha Matos), afirmando que Madureira, sim, merecera as punições, pois desrespeitara superiores.44 44 AS. 2 ago. 1886.

Em sua réplica, o tenente-coronel se referiu a Sá como o “inconsciente e novel ministro da guerra”, afirmando que os soldados nem sempre levavam a sério “os generais improvisados que perpassam rápida e obscuramente pelas altas regiões do poder”.45 45 A Federação. 19 ago. 1886. Ao se inteirar do artigo, o ajudante-general (Gávea) recomendou ao comandante das armas da província, Deodoro da Fonseca, a punição ao subordinado. Colocado no fogo cruzado entre seus camaradas e o governo do qual era delegado de confiança, a hesitação de Deodoro deu aos liberais munição para, simultaneamente, encurralar o governo provincial e impor humilhações ao ministério. Agindo assim, contudo, contribuíram para transformar a questão militar em uma questão institucional.

O poder é o poder

Nada indicava, em seus meses iniciais como primeira autoridade militar do Rio Grande do Sul, que Deodoro da Fonseca discordasse de um restritivo regime disciplinar às manifestações pela imprensa. Com efeito, no final de 1885, o marechal, reagindo à publicação de artigos sobre o montepio militar, determinou, em ordem do dia, que os comandantes lembrassem aos subordinados que o “preceito disciplinar” lhes proibia “alimentar discussão pela imprensa”. Deodoro estava mesmo disposto a anular decisões do comando da província, se consideradas lenientes. O caso de um tenente submetido a conselho de guerra pela publicação de artigo em que mencionava superiores é emblemático. Alegando ter sido seu irmão o autor dos artigos, o tenente foi inicialmente absolvido, mas considerando-o responsável pela falta, Fonseca o sentenciou à prisão.

Recordando esses casos no ano seguinte, um artigo publicado na Corte interrogou o que mudara para que o marechal, no intervalo de alguns meses, aderisse a protestos contra o “governo, de quem era delegado”. A resposta era dupla: Deodoro se deixara levar pelo “espírito de classe”, ao passo que demonstrava falta de “instinto político”.46 46 Jornal do Commercio. 20 out. 1886. Os diagnósticos dão espaço a algumas observações, tanto sobre as atitudes do marechal como sobre as dissonâncias interpretativas relativas ao regime disciplinar imposto ao oficialato.

Estudiosos já identificaram a origem da punição a Cunha Matos ou bem em um aviso expedido pelo Ministério da Guerra, em 1859, ou no regulamento disciplinar de 1875 (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 210MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.; SCHULZ, 1994, p. 106SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.). Contudo, ao traçarem uma linha direta entre as diretivas do Executivo e o estado da questão em meados da década de 1880, os autores atenuam a complexidade do problema. O aviso de 1859 decorreu de uma sucessão de expedientes burocráticos nos quais é identificável o esforço do Estado imperial em fixar os limites do direito de manifestação dos oficiais. Ele surgira da queixa de um oficial a seu comandante após se sentir ofendido por um inferior em artigo na imprensa. O comandante levou a reclamação ao ajudante-general que, por sua vez, a transmitiu ao ministro da Guerra. Tendo todos concordado que não pertencia ao foro militar, configurando potencial abuso de liberdade de imprensa (sob a alçada da lei civil), o caso foi levado à Seção de Marinha e Guerra do Conselho de Estado, composta por um civil e dois oficiais.

Não obstante aderirem à interpretação dos oficiais e do ministro, os conselheiros observaram que tal “inteligência” era “ofensiva à disciplina militar”, recuperando o disposto no regulamento disciplinar do Exército de 1763, que previa penas severas a “todo aquele que falar mal do seu superior nos corpos de guarda ou nas companhias”. No parecer, destacaram que a “maledicência” contra os superiores não podia ser processada como mero delito de liberdade de imprensa, solicitando ao Poder Legislativo uma “declaração especial ou interpretativa” para que tais casos fossem “processados no foro militar”. Até que o parlamento agisse, os conselheiros firmaram ser “digno da mais severa censura [...] que praças do exército, de todas as categorias, recorram à imprensa para provocar conflitos e desacreditar seus superiores”.47 47 AS. 17 mai. 1887. Grifos no original. O parecer deu azo ao mencionado aviso, vetando manifestações de militares pela imprensa que envolvessem superiores. Posteriormente, diferentes diretivas foram publicadas aplicando tais vetos a ofensas contra qualquer militar e a discussões sobre o serviço.

Assim, o regulamento de 1875 também surgiu da necessidade de condensar essa multiplicidade de diretivas, destinando seu amplo art. 5º às “transgressões da disciplina militar”, dentre as quais constavam: autorizar, promover ou assinar petições coletivas; dirigir petição sobre “objeto de serviço” e queixa contra um superior, a não ser pelos “trâmites legais”; publicar representação contra um superior, sem “permissão da autoridade a que a mesma representação for dirigida”; abusar do “direito de representação” ou censurar um superior em “escritos ou impressos”; e provocar rixas com camaradas pela imprensa.48 48 A rigidez conservadora da década de 1870 era, provavelmente, a contrapartida de suas concessões aos interesses corporativos, em especial ao Exército, tendo em vista que, ao final da Guerra do Paraguai, havia uma considerável inquietação nas fileiras militares (DUDLEY, 1975; SOARES, 2018). Tais restrições eram, contudo, suficientemente rígidas e abrangentes para ocasionar interpretações discordantes e transgressões, forçando o Poder Executivo a emitir avisos lembrando ao oficialato de suas obrigações, cujo teor, contudo, podia mudar segundo o governo da vez.

Nesse sentido, ao censurar o ministro da Guerra pela punição inicial a Cunha Matos, o visconde de Pelotas não se fou no regulamento, mas em um aviso de 1858 que, originando-se das manifestações de um oficial contra o presidente da Bahia, firmara que pertenciam à alçada civil, como possível abuso de liberdade de imprensa. Segundo Pelotas, o precedente firmava que, não sendo o deputado Coelho de Resende superior hierárquico de Matos, não cabia a Alfredo Chaves impor-lhe penas militares. Chaves, por sua vez, declarou basear-se tanto no av iso de 1859, quanto em outro, baixado em 1884 – durante a passagem do liberal Cândido de Oliveira pela Guerra –, que proibia, ao oficial do exército, “alimentar discussão pela imprensa, ainda mesmo que seja para justificar-se de alguma acusação menos justa, sem prévia licença”.

Os conservadores ressaltaram que Pelotas ficara calado quando da publicação desse aviso, ao que os liberais responderam que sua redação fora equivocada e que ele jamais fora aplicado, tendo sido reinterpretado pelo sucessor de Oliveira, o rio-grandense Camargo, em termos que indicavam que não haveria censura prévia, limitando-se as interdições aos casos de críticas a superiores, ofensas a camaradas ou discussão de “assuntos do serviço”. Além de rejeitarem a revogação do aviso de 1884, os conservadores apontaram que Cunha Matos discutira questões do serviço em seus textos, sendo justa a punição.49 49 AS. 2 ago. 1886.

A censura a Sena Madureira, no segundo semestre de 1886, se baseara parcialmente no aviso de 1884. Interpretando como transgressão a menção ao ex-ministro da Guerra (Franco de Sá), o visconde da Gávea questionou se Deodoro a autorizara. O marechal respondeu negativamente, mas, adotando uma interpretação idêntica à de Pelotas no caso Cunha Matos, declarou que, não sendo Franco de Sá superior de Madureira, a publicação do artigo não ferira as disposições existentes, que só vetavam assuntos envolvendo “superiores, camaradas e inferiores”, não se aplicando aos “membros da assembleia geral”, a não ser os titulares das pastas militares e os parlamentares que também fossem oficiais.50 50 FONSECA, Deodoro da. Ofício ao visconde da Gávea, 3 set. 1886.

A infexão de Deodoro causou perplexidade no governo e levou à repreensão unilateral de Madureira. Diante disso, o tenente-coronel pediu exoneração do comando da Escola de Tiro e solicitou que fosse submetido a conselho de guerra, ao passo que, encorajados pelo v isconde de Pelotas, que se encontrava no R io Grande do Sul, oficiais estacionados na capital da província realizaram atos em sua solidariedade, com adesão de parte das guarnições de fronteira (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 217-218MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.). Em correspondência com o consternado Cotegipe, Deodoro afirmou ser justo o “sentimento do exército muito ofendido” e as demonstrações, de “inquestionável direito”.51 51 FONSECA, Deodoro da. Telegrama (reservado) ao barão de Cotegipe. 3 out. 1886.

O presidente do Conselho ressaltou que o marechal desconsiderara a confiança nele depositada ao “autorizar reunião e deliberações coletivas que podem trazer consequências imprevistas”, baseadas em “errônea interpretação de atos já existentes, que em nada ofendem os brios e direitos do exército” e resultantes de “exploração política”.52 52 COTEGIPE, Barão de. Telegrama a Deodoro da Fonseca. 3 out. 1886. Recomendando que Fonseca empregasse sua “autoridade e influência” para conter a “agitação”, Cotegipe foi novamente contraditado pelo subordinado, que negou exploração política, ressaltando que as punições por “discussões com pessoas alheias à classe” e não “revestidas de caráter superior” eram humilhantes.53 53 FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe. 4 out. 1886.

Tudo indica que Cotegipe concordava com o diagnóstico de que sobrava “espírito de classe”, mas faltava “instinto político” a Deodoro. Sua frustração deve ter sido redobrada ante as expectativas que nutria ao colocar um alto oficial do Exército – que, nos anos anteriores, ocupara o posto de quartel-mestre-general – na dupla posição de primeira autoridade militar e civil da província meridional. É possível que Cotegipe visse em Deodoro um candidato a ocupar a posição que no passado tivera Caxias (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 195-198, 221MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.), último senador conservador pelo Rio Grande do Sul, cuja morte, em 1880, abrira espaço para o domínio liberal na representação rio-grandense.

A vitória conservadora na eleição geral de janeiro de 1886 fora, sem dúvida, um baque aos liberais, mas eles a encaravam como uma primeira batalha. Os governistas não escondiam que enxergavam a disputa da mesma forma, ressaltando que o “partido liberal supunha-se uma grande influência e as grandes influências não se destroem sem grande abalo”54 54 Gazeta da Tarde. 1 jun. 1886. e que, tendo formulado o lema de que “o poder é o poder”,55 55 ACD. 22 jul. 1886. Silveira Martins não se conformava com o procedimento “enérgico” do “general Deodoro”, que começara pela reorganização da força militar. Martins, por sua vez, cumpriu a promessa, feita no final de 1885, de se opor, em todas as frentes, aos “desmandos” da administração provincial. Ainda antes de assumir a presidência da província, Deodoro se queixava a Cotegipe da “ignorância e maledicência” do senador, que no parlamento atacava sua atuação.56 56 FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe. 19 mai. 1886. A principal trincheira se daria, contudo, no âmbito provincial. Comandada pelo ex-ministro da Guerra Camargo, a maioria liberal da assembleia chegou a levar Fonseca (já presidente) ao Supremo Tribunal de Justiça, acusando-o de prevaricação em um caso envolvendo a nomeação de um empregado público (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 213MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.).

Não surpreende que, imediatamente após o imbróglio envolvendo Madureira, os liberais tenham passado a explorar o impasse entre o governo e o marechal. Na Câmara, Cândido de Oliveira denunciou a existência de um “premeditado acordo da parte da oficialidade de vários corpos, no sentido de desacatar e desrespeitar a autoridade do Ministro da Guerra”, rejeitando sua competência para regular os direitos dos militares de alimentarem “discussões e polêmicas na imprensa diária”. Deodoro – que preferia a “popularidade” no Exército à confiança do governo e que não possuía as “qualidades necessárias” para administrar uma província sobressaltada pela “luta eleitoral” – era “cúmplice” desses movimentos, cabendo exonerá-lo e submetê-lo a conselho de guerra.57 57 ACD. 5 out. 1886. No Senado, Silveira Martins denunciava o facciosismo do marechal e as perseg uições contra adversários políticos a que, em nome da confiança, o governo fechara os olhos, só para ter como recompensa o desafo à sua autoridade:

[...] deem aos fatos os nomes que quiserem, a verdade é que o governo se acha em antagonismo com a força armada, e que nessa luta pode sucumbir a autoridade e ser sacrificada a disciplina. Ora, neste caso ninguém poderá prever qual há de ser o governo do dia seguinte. Nulificada a disciplina, a força armada fará os ministros. Por isso todos os dias recorre o orador aos jornais para ver se trazem a notícia da demissão do vice-presidente e comandante das armas do Rio Grande do Sul; e não o vendo demitido, inquire se porventura já é o organizador do novo gabinete.58 58 AS. 6 out. 1886

Assim, as ações de Deodoro também decorreram do fato de que o marechal se encontrava sitiado pela oposição quando espocou a questão militar. Restando-lhe as opções de ser desautorado, como militar, pela irrequieta oficialidade da fronteira meridional, ao defender um governo impopular e associado ao escravismo, ou manter seu prestígio na “classe”, ele optou pela última. A consequência imediata seria sua exoneração dos postos e, para além dos prejuízos à sua carreira militar, a incompatibilização com as lideranças do Partido Conservador obstaria quaisquer ambições políticas que pudesse nutrir sob o Império.

Janízaros, pretorianos e cidadãos

No intervalo entre o caso Cunha Matos e as reuniões militares, o governo ainda se considerava capaz de conter a tormenta. Em setembro, o ministro da Marinha emitiu avisos estendendo à Armada o veto a praças e oficiais promoverem, “singular ou coletivamente, manifestações de qualquer natureza e por qualquer modo em nome da armada nacional e imperial, sem prévia autorização do governo”.59 59 Jornal do Commercio. 14 set. 1886. Semanas depois, quando as notícias da demissão de Sena Madureira e das manifestações repercutiram na Corte, oficiais da Escola Militar foram detidos devido à organização de uma reunião em solidariedade aos camaradas (CASTRO, 1995, p. 88CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.). Os braços do governo, contudo, se provaram curtos.

Alfredo Chaves negava que o quadro fosse tão grave como pintava a oposição, ressaltando o caráter ordeiro das reuniões e dirimindo temores de seu espraiamento.60 60 ACD. 5 out. 1886. Entretanto, notou um jornal abolicionista, tentar encobrir a real gravidade da questão só mostrava a fraqueza de um ministério que pouco antes “ameaçava céus e terra” e que “hoje nem responde à resistência”, tendo em v ista que a prisão de Cunha Matos se dera por “muito menos que um protesto” e, mesmo assim, Madureira continuava livre.61 61 Gazeta da Tarde. 2 out. 1886.

No parlamento, os liberais exploravam a incapacidade do governo de preservar a ordem e a autoridade civil, apontando para o vulcão que ameaçava engolir o poder público, enquanto denunciavam o gabinete por excessivamente disciplinador. Reagindo aos avisos da Marinha, Henrique d’Ávila exprobou a “rotina burocrática” que absorvia os titulares das pastas militares, apartando-os dos “princípios modernos da ciência militar”, o que os levava a tratar cidadãos fardados como “autômatos”, impondo subordinação absoluta e “censura prévia”, interdições impensáveis em relação às outras “classes” da sociedade.62 62 AS. 14 set. 1886.

Cotegipe redarguiu que o debate estava fincado em fundamentos falsos. Em nenhum momento, asseverou, o governo questionara a prerrogativa de militares discutirem questões militares – estavam aí a Revista do Exército Brasileiro e a Revista Marítima Brasileira que, desde a primeira metade da década, eram livremente publicadas –, mas o direito de confrontar superiores, censurar ministros e parlamentares e reclamar coletivamente. Sem restrições, nada impedia que grupos isolados de oficiais publicassem pronunciamentos em nome das forças, causando permanente instabilidade institucional. Ademais, seguiu o barão, a prerrogativa de portar armas gerava uma limitação natural à intervenção na política, salvo “como cidadãos isolados e não incorporados”. Ávila ironizou: “O representante da nação é superior ao militar! Está muito bonito! Hão de ter exército assim”; mas Cotegipe não recuou: “Assim é que havemos de ter exército”.

O acirramento da questão levou o barão a buscar uma solução de compromisso que preser vasse a autoridade ministerial. Essa solução instit ucional se deu pelo apelo ao Conselho Supremo Militar – órgão com jurisdição militar responsável por julgar em grau de recurso assuntos relativos ao serviço e à disciplina – para se pronunciar sobre a validade dos avisos e, portanto, sobre a abrangência do direito de manifestação. Tendo em vista que a consulta envolvia as relações entre poder civil e Forças Armadas, o escopo das prerrogativas do governo e, até mesmo, matéria constitucional, ela era controversa, podendo ser considerada uma usurpação das prerrogativas do parlamento, Executivo e Conselho de Estado. Não obstante, o parecer resultante, ao firmar que o disposto no § 4º do art. 179 da Constituição se estendia plenamente aos militares (abolindo a “censura prévia”), separar os assuntos que pertenciam ao “foro comum” dos de “jurisdição militar” (ofensivos à disciplina) e aconselhar a interdição às discussões pela imprensa sobre “objeto de serviço”, adotou a interpretação dos oficiais descontentes, também esposada por Pelotas e outros liberais.63 63 Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887. O parecer data de 18 de outubro de 1886. A mencionada disposição constitucional é a seguinte: “Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometeram no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar”.

Ao ser comunicado da decisão, Deodoro declarou-se satisfeito. Cotegipe, contudo, exprobou o marechal por abrir o fanco do governo ao ataque dos “partidos extremos” e comunicou sua demissão (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 229-233MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.). Outros oficiais que haviam participado do movimento foram também exonerados e, nos meses seguintes, o governo procedeu a uma silenciosa reorganização das forças, objetivando neutralizar focos de agitação (CASTRO, 1995, p. 95-96CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Assim, no final de 1886, a questão era por muitos dada como encerrada, apesar dos esforços de folhas republicanas e abolicionistas em instigá-la. Contudo, alguns de seus aspectos seguiam mal resolvidos, mantendo expostos os fancos do ministério. Um deles era a manutenção das notas de repreensão nas fés de ofício de Cunha Matos e Sena Madureira, que não foram anuladas pela decisão do Conselho Supremo Militar, sem caráter retroativo. O outro, essencialmente político, advinha da própria consulta ao órgão.

Ao chegarem à Corte, no início de 1887, Deodoro e Madureira foram recepcionados por alunos da Escola Militar, sob as vistas grossas de seu comandante, irmão do marechal. Em fevereiro, eles se uniram aos coronéis Cunha Matos e José Simeão de Oliveira (um liberal recém-demitido do comando da Escola Militar do Rio Grande do Sul) e ao major Benjamin Constant Botelho de Magalhães para organizar uma reunião destinada a reivindicar a suspensão dos efeitos dos “avisos inconstitucionais” condenados pela “imperial resolução” do Conselho Supremo Militar, devendo o gabinete fazer cessar “qualquer medida tendente a perseguir os oficiais pelo fato de terem aderido à questão militar”, particularmente as reprimendas constantes nas fés de ofício. Nesses termos, Deodoro foi incumbido de apresentar as reivindicações ao “governo de Sua Majestade o Imperador”.64 64 Gazeta de Noticias. 3 fev. 1887.

Um artigo publicado na Corte vituperou contra a “meia dúzia de oficiais irrequietos” que deliberavam “fazer isto e aquilo por conta e risco do exército”, apontando que a reunião fora atendida por uma parcela insignificante do oficialato.65 65 Gazeta de Noticias. 6 fev. 1887. Com efeito, a historiografia já apontou que o comparecimento foi pequeno e que a “classe” então mobilizada constituía “uma parte minoritária” das forças, além de não contar com a adesão das altas patentes. Ademais, desconsiderando preceitos legais, a impropriedade do apelo direto ao imperador – levado a cabo, sem sucesso, por Deodoro – era notória. A atitude do marechal ocasionou sua demissão do posto de quartel-mestre-general, o que, para o ministro da Guerra, que insistiu por sua reforma, era insuficiente. Ante o veto do imperador ao recurso extremo, Alfredo Chaves se demitiu (CASTRO, 1995, p. 92-94CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Seu substituto, Ribeiro da Luz, tentou contemporizar, compensando Deodoro com um assento na comissão de promoções do Exército.66 66 Gazeta de Noticias. 18 abr. 1887. Mas, provocado pela oposição, teve que declarar que o governo não pretendia “trancar” unilateralmente as notas de censura a Cunha Matos e Madureira.67 67 AS. 9 mai. 1887. O nó da questão era que, caso os oficiais solicitassem o trancamento, em vista do parecer do Conselho Supremo Militar, reconheceriam indiretamente a validade dos avisos, até sua revogação, e, portanto, sua própria culpabilidade. Ao governo, a anulação unilateral e retroativa dos avisos implicaria reconhecer que o Conselho declarara ilegais atos do governo civil, contrariando a narrativa de Cotegipe de que o ministério solicitara sua opinião sobre um expediente administrativo, preservando a autoridade para adotar ou não as recomendações.

As declarações do ministro ajudaram a infamar os ânimos. Dias depois, foi publicado na imprensa da Corte um “manifesto”, assinado por Pelotas e Deodoro (reconciliados desde o final do ano anterior), que exprobava a recusa do governo em cumprir integralmente a “sentença” do Conselho Supremo Militar e suprimir as notas de repreensão. Se a consulta a um “tribunal que emana em sua maioria de nossas fileiras” e a demissão de Alfredo Chaves haviam sido sinais promissores de que o ministério não era solidário à “reação contra o Exército”, a nomeação de um “reator ainda mais inflexível” para a pasta era frustrante. Não contando com o governo, os generais desejavam “invocar diretamente o chefe do Estado” que, mesmo não tendo “nenhuma responsabilidade constitucional” na “monarquia parlamentar”, possuía “autoridade moral”. Mas o imperador, encontrando-se enfermo, não podia receber a súplica, restando aos oficiais “endereçar ao parlamento este derradeiro apelo”. Calar seria uma indignidade diante de sua condição de “cidadãos armados, para não nos deixar mais que a subserviência de janízaros”.68 68 O Paiz. 14 mai. 1887.

A redação do manifesto e a ocasião de sua publicação merecem considerações. Além de ser o início do ano parlamentar, aquele também era um momento sensível ao gabinete, que se reorganizava após o espocar de dissidências nas bancadas de algumas províncias, em que sua política escravista perdia adeptos (CONRAD, 1978, p. 303-304CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.). Com efeito, as referências aos “janízaros”, soldados escravos do Império Otomano, em contraposição aos “cidadãos armados”, e o apelo ao parlamento traduziam uma censura pouco velada à política ministerial. Era, em outras palavras, um “pronunciamento” dirigido não às instituições, mas ao governo conservador, como ressaltou Cotegipe, alertando, contudo, que a linha era tênue.69 69 AS. 18 mai. 1887.

O barão tinha consciência da natureza partidária do manifesto e imputou o grosso da responsabilidade a Pelotas, que elevava a cizânia a “uma altura perigosíssima”.70 70 Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887. O diagnóstico de Cotegipe estava parcialmente correto, mas o caráter partidário dessa nova etapa da questão militar, representada pelo manifesto dos generais, era mais profundo do que talvez imaginasse. Seu idealizador fora, na realidade, o principal antagonista do presidente do Conselho na política baiana e líder máximo da ala abolicionista do Partido Liberal, o senador Manuel Pinto de Sousa Dantas, que encarregara seu aflhado, Rui Barbosa, de redigir o texto, como anos depois Barbosa recordaria:

Desse manifesto dos dois generais, Pelotas-Deodoro, me coubera a honra de ser o autor, por incumbência do senador Dantas. [...] recebi daquele chefe liberal, meu chefe a esse tempo, o encargo de redigir aquele ato cominatório contra a política do gabinete conservador. O caso era de urgência. O trabalho devia estar concluído em algumas horas, para sair, como saiu, no outro dia, no País. Foi nessa eleição [...] que se batizaram, ao nascer, as minhas relações com o Exército (MAGALHÃES JÚNIOR, 1957, p. 254MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Deodoro: a espada contra o Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, 2. v.).

Dois dias depois da publicação do manifesto, Dantas, furtivamente, lamentava que a questão que “até este momento não tomou nenhuma feição partidária” alcançasse tamanha gravidade. O senador, previsivelmente, avalizou o conteúdo do texto, afirmando que o governo, ao ouvir o Conselho Supremo Militar e conformar-se com o seu parecer, estava na “obrigação de completar o seu ato”, cancelando a “nódoa” nas fés de ofício, meio mais adequado para o encaminhamento da questão no “terreno legal e constitucional”, cuja preservação não prescindia da “obediência militar”, mas consistia em reconhecer que essa obediência não era passiva, o que “nem do escravo” devia ser esperado.71 71 AS. 16 mai. 1887.

Cotegipe redarguiu que o Conselho não emitira “sentença” ou mediara “arbitramento”, mas o governo concordara, “por sua livre vontade, por considerações de ordem pública”, com o parecer. Isto não significava que os atos pretéritos do poder público estivessem anulados e nem obrigava a submissão às demandas de oficiais. Aos adversários, cientes do impasse que levara o governo a tomar a decisão, cabia sua parcela de responsabilidade:

Como qualificam esta exigência? Como direito comum ao exército? E o exército que, em corpo, pode exigir que o governo ou qualquer outra autoridade superior revogue seus atos? Qual é o meio a empregar, senhores? Queiram dizer-mo.

[...] se há gravidade nos fatos, se há perigos futuros, como afirmou o nobre senador pela Bahia [...], a responsabilidade não será do governo, será daqueles que os promovem e que os aprovam.72 72 Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887.

Se não comoveram a oposição, as observações de Cotegipe lembraram que o manifesto dos generais levava o impasse a beirar a crise institucional. Respondendo a apelos ao compromisso, Silveira Martins apresentou, pouco depois, uma indicação requerendo que a câmara vitalícia, ante a “resolução de 3 de Novembro de 1886, tomada sobre consulta do Conselho Supremo Militar de 18 de Outubro do mesmo ano”, convidasse “o governo a fazer cessar os efeitos das penas disciplinares, anteriormente à resolução impostas a militares por uso indevido da imprensa, fora do caso especificado na consulta do Conselho Supremo como contrário à disciplina do exército”. Sem alternativas, Cotegipe aceitou, a contragosto, a humilhação. A indicação foi aprovada pelo Senado e as censuras trancadas das fés de ofício de Cunha Matos e Madureira.73 73 AS. 20 mai. 1887.

De encontro ao que desejava o governo, a solução de Silveira Martins colocava o parlamento no centro da questão, reiterando a competência do Legislativo na mediação de relações institucionais entre as esferas civil e militar, no contexto de uma tendência geral de fortalecimento desse poder, que acompanhava a tendência paralela de expansão da esfera pública, consignada, no tocante às Forças Armadas, na decisão do Conselho Supremo Militar de interpretar de forma liberalizante o direito de manifestação dos oficiais. Se o caso era em geral dado por encerrado, pouco depois Deodoro e alguns oficiais fundaram, na Corte, o Clube Militar (CASTRO, 1995, p. 126-128CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.). De grupo de pressão em defesa de interesses corporativos, ele logo se converteria em catalisador de descontentamentos latentes de militares que, divorciados dos partidos constitucionais, não encontravam mais espaço para suas ambições políticas no Império.

Considerações finais

A sucessão de episódios conhecida como questão militar é um objeto de estudo privilegiado não apenas no tocante à conturbada história da relação entre militares e política no Brasil, mas também à compreensão da organização institucional do Império em um período de ingentes transformações políticas e sociais. Tal potencial vem sendo ampliado pela contribuição de uma historiografia renovada, que recolocou a política no centro das abordagens.

As interpretações clássicas tendem ou bem a encarar o Estado imperial pela ótica do falseamento do sistema representativo, atribuindo seu funcionamento institucional ao exercício do “poder pessoal” do monarca (HOLANDA, 1977HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. T. 2: O Brasil Monárquico. V. 5: Do Império à República. 2ªed. São Paulo: DIFEL, 1977.), ou como uma espécie de relíquia colonial, uma superestrutura cujo pilar seria a grande lavoura escravista (COSTA, 1985COSTA, Emília Vioti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.). Em ambos os casos, a derrocada do regime é explicada por suas deficiências: de um lado, o desvelar da “ficção” representativa, à medida que o gradual declínio físico e mental do imperador deixava o país “acéfalo”; de outro, o solapamento de suas bases materiais, decorrente fundamentalmente do processo de abolição.

Se o vazio institucional e o imobilismo estrutural tornavam o Império essencialmente incapaz de se adaptar a novos tempos, marcados, entre as décadas de 1860 e 1870, por veloz crescimento demográfico e econômico e as decorrentes aspirações modernizadoras de “classes” emergentes, a perspectiva de sua superação se ressentia da frag ilidade das alternativas à “ordem” imperial. Geralmente carentes de organização e atravessados por contradições, os republicanos não reuniam condições de promover essa superação. Assim, tal papel histórico caberia aos militares (LEMOS, 2009LEMOS, Renato. A alternativa republicana e o fim da monarquia. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial, volume III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 401-441.).

Com efeito, as interpretações focadas nas Forças Armadas tendem a adotar os marcos clássicos. Não por acaso, a Guerra do Paraguai é encarada como crucial à “crise” do regime. Desvelando as vicissitudes da vida institucional e da base social escravista do Império, o conflito também teria acelerado a penetração de aspirações modernizadoras em um Exército profissionalizado e cioso de seus interesses (SCHULZ, 1994SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar. São Paulo: Edusp, 1994.). O advento da “classe militar” teria ocorrido, assim, em contraposição à arcaica ordem imperial. Sua própria composição, advinda em parte importante de camadas médias que viam embaraçadas suas perspectivas de ascensão social (CARVALHO, 2006CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.), teria favorecido a emergência de uma autoconsciência calcada no desprezo em relação a uma elite política representada como irremediavelmente conservadora e comprometida com a escravidão (COSTA, 1996COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Editora Hucitec/Editora da Unicamp, 1996.). Mesmo interpretações que nuançam a ideia de uma classe militar coesa e a peculiaridade de suas aspirações modernizadoras não rejeitam, em termos gerais, a existência de um antagonismo essencial entre o regime e seu braço armado (DUDLEY, 1975DUDLEY, William S. Institutional Sources of Officer Discontent in the Brazilian Army, 1870-1889. The Hispanic American Historical Review, v. 55, n. 1, fev. 1975, p. 44-65. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2512736>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.2307/2512736.
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; CASTRO 1995CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Como procurei demonstrar, o estudo da questão militar – geralmente encarada como momento de recrudescimento desse antagonismo –, quando calcado em recentes contribuições historiográficas – que têm chamado a atenção para a importância da diversidade regional e social do Império na conformação de seu arranjo institucional e para a complexidade de sua vida política –, permite rever essas proposições (DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005.; DANTAS, 2011DANTAS, Monica Duarte. Epílogo. Homens livres pobres e libertos e o aprendizado da política no Império. In: DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011.; FERRAZ, 2012FERRAZ, Sérgio Eduardo. O Império revisitado. Instabilidade ministerial, Câmara dos Deputados e Poder Moderador (1840-1889). Tese de doutorado, Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-20122012-122802/pt-br.php>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: 10.11606/T.8.2012.tde-20122012-122802.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
; RIBEIRO, 2015RIBEIRO, Filipe Nicoleti. Império das incertezas: política e partidos nas décadas finais da monarquia brasileira. Dissertação de mestrado, História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2015. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11122015-142218/pt-br.php>. Acesso em: 17 jul. 2022. Doi: 10.11606/D.8.2015.tde-11122015-142218.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
).

Corporativa na forma, mas político-partidária em seu cerne, a questão militar foi tributária, ao mesmo tempo, da liberalização institucional acelerada pela chegada do Partido Liberal ao poder, em 1878, do crescente predomínio deste partido na província mais militarizada do país, o Rio Grande do Sul, no decorrer dos anos 1880, e do aprofundamento da polarização política, em meados desta década, quando o reformismo liberal, cada vez mais acentuado e suscetível a influxos abolicionistas, entrou em choque com um Partido Conservador entrincheirado na defesa do escravismo. Ela ilustra, ainda, os significativos freios e contrapesos que marcavam a relação entre o Executivo e o Legislativo e entre os poderes provinciais e o governo central, imprimindo uma dinâmica de constante negociação, bem como a interpenetração entre os quartéis e a esfera civil, demonstrando a complexidade dos fltros institucionais que garantiam que a participação política dos militares não se desdobrasse em intervencionismo.

Assim, o desenrolar da questão militar indica que, não obstante seu caráter frequentemente implacável, a política imperial se fundava em consensos e compromissos que garantiam estabilidade ao regime, dentre os quais a supremacia do poder civil. Contudo, em seus anos finais, em meio a uma atmosfera de extrema politização, desacordos menores se transformavam em potenciais arenas para o embate entre os partidos. Se o desfecho da questão demonstrou a plasticidade das instituições imperiais e sua capacidade de absorver choques significativos, também evidenciou que cada um deles elevava os custos para a manutenção dos consensos e compromissos que viabilizavam o sistema político. A supremacia do poder civil foi, então, preservada, mas – fato inaudito que expõe o esgarçamento institucional – um grupo minoritário de oficiais se organizou paralelamente às instituições e, pouco depois, contra elas.

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    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. O texto é fruto do terceiro capítulo de minha tese de doutorado, Da monarquia parlamentar ao regime da ordem: tensões partidárias, conflitos políticos e a ascensão do militarismo na passagem do Império para a República (1880-1891), defendida em 2021 no Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Monica Duarte Dantas. Agradeço à Coordenação de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão da bolsa que viabilizou a pesquisa e elaboração da tese (processo nº 88882.333229/2019-01).
  • 3
    Revista do Exercito Brasileiro. Ano quarto, 1885. A grafia das citações foi atualizada segundo o acordo ortográfico vigente.
  • 4
    Lei nº 2.556, 26 set. 1874.
  • 5
    A patente de tenente-general era a segunda mais elevada na hierarquia do Exército, estando imediatamente acima do marechal de campo e abaixo do marechal do Exército.
  • 6
    Tribuna Militar. 28 jul. 1881.
  • 7
    Annaes do Parlamento Brasileiro. Camara dos Srs. deputados (doravante ACD). 12 mai. 1886.
  • 8
    ACD. 15 jul. 1886.
  • 9
    Jornal do Commercio. 23 jul. 1886. Grifos no original. O ajudante-general era a primeira autoridade militar do Exército, subordinado ao ministro da Guerra, cabendo a ele tarefas como a “administração do pessoal até o planejamento e execução de operações” (MCCANN, 2009, p. 39-40McCANN, Frank D. Soldados da pátria: história do Exército Brasileiro, 1889-1937. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.).
  • 10
    ACD. 22 e 26 jul. 1886.
  • 11
    Annaes do Parlamento Brasileiro. Senado (doravante AS). 2 ago. 1886.
  • 12
    ACD. 12 mai. 1886.
  • 13
    The Rio News. 5 e 15 out. 1885.
  • 14
    A Federação. 29 ago. a 24 out. 1885.
  • 15
    A Federação. 23 set. 1885.
  • 16
    AS. 22 set. 1885.
  • 17
    A Federação. 22 set. 1885.
  • 18
    A Federação. 14 out. 1885.
  • 19
    A Federação. 12 out. 1885.
  • 20
    A Federação. 12 out. 1885.
  • 21
    A Federação. 7 ago. 1886.
  • 22
    AS. 2 ago. 1886.
  • 23
    Revista do Exercito Brasileiro. Ano segundo, 1883.
  • 24
    Revista do ExercitoBrasileiro. Ano terceiro, 1884BRASIL. Annaes do Parlamento Brasileiro. Camara dos Srs. Deputados, 1884-1887. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/2
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    .
  • 25
    AS. 19 mai. 1884.
  • 26
    Gazeta de Noticias. 31 out. 1881.
  • 27
    Decreto nº 3.029, 9 jan. 1881.
  • 28
    O Soldado. 15 mar. 1881.
  • 29
    Gazeta de Noticias. 27 mai. 1881.
  • 30
    O Soldado. 3 jun. 1881.
  • 31
    Decreto nº 5.884, 8 mar. 1875.
  • 32
    Gazeta de Noticias. 19 abr. 1884.
  • 33
    Jornal do Commercio. 8 mai. 1884. Grifos no original.
  • 34
    AS. 12 mai. 1884.
  • 35
    Jornal do Commercio. 8 mai. 1884.
  • 36
    AS. 12 mai. 1884.
  • 37
    AS. 6 mar. 1882.
  • 38
    A Federação. 31 jul. 1885.
  • 39
    Gazeta de Noticias. 6 fev. 1882. O deputado Joaquim Pedro Salgado, aliado de Martins, era, inclusive, presidente do Centro Abolicionista de Porto Alegre, fundado em 1883 (ROSSATO, 2014, p. 142-143ROSSATO, Monica. Relações de poder na região fronteiriça platina: família, trajetória e atuação política de Gaspar Silveira Martins. Dissertação de mestrado, História, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/handle/1/9651>. Acesso em: 17 fev. 2022.
    https://repositorio.ufsm.br/handle/1/965...
    ).
  • 40
    AS. 23 set. 1885.
  • 41
    AS. 23 set. 1885.
  • 42
    AS. 25 set. 1885.
  • 43
    AS. 24 set. 1885.
  • 44
    AS. 2 ago. 1886.
  • 45
    A Federação. 19 ago. 1886.
  • 46
    Jornal do Commercio. 20 out. 1886.
  • 47
    AS. 17 mai. 1887. Grifos no original.
  • 48
    A rigidez conservadora da década de 1870 era, provavelmente, a contrapartida de suas concessões aos interesses corporativos, em especial ao Exército, tendo em vista que, ao final da Guerra do Paraguai, havia uma considerável inquietação nas fileiras militares (DUDLEY, 1975DUDLEY, William S. Institutional Sources of Officer Discontent in the Brazilian Army, 1870-1889. The Hispanic American Historical Review, v. 55, n. 1, fev. 1975, p. 44-65. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2512736>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.2307/2512736.
    https://www.jstor.org/stable/2512736...
    ; SOARES, 2018SOARES, Rodrigo Goyena. A politização do regresso ao Império dos veteranos da Guerra do Paraguai. Saeculum – Revista de História [38]; João Pessoa, jan./jun. 2018, p. 147-171. ISSN 2317-6725. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/view/33866>. Acesso em: 17 fev. 2022. Doi: https://doi.org/10.22478/ufpb.2317-6725.2018v38n38.33866.
    https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh...
    ).
  • 49
    AS. 2 ago. 1886.
  • 50
    FONSECA, Deodoro da. Ofício ao visconde da Gávea, 3 set. 1886FONSECA, Deodoro da. Ofício ao visconde da Gávea, 3 de setembro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.62..
  • 51
    FONSECA, Deodoro da. Telegrama (reservado) ao barão de Cotegipe. 3 out. 1886FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 4 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63..
  • 52
    COTEGIPE, Barão de. Telegrama a Deodoro da Fonseca. 3 out. 1886FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 19 de maio de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.60..
  • 53
    FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe. 4 out. 1886FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 4 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63..
  • 54
    Gazeta da Tarde. 1 jun. 1886.
  • 55
    ACD. 22 jul. 1886.
  • 56
    FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe. 19 mai. 1886FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 4 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63..
  • 57
    ACD. 5 out. 1886.
  • 58
    AS. 6 out. 1886
  • 59
    Jornal do Commercio. 14 set. 1886.
  • 60
    ACD. 5 out. 1886.
  • 61
    Gazeta da Tarde. 2 out. 1886.
  • 62
    AS. 14 set. 1886.
  • 63
    Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887. O parecer data de 18 de outubro de 1886. A mencionada disposição constitucional é a seguinte: “Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometeram no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar”.
  • 64
    Gazeta de Noticias. 3 fev. 1887.
  • 65
    Gazeta de Noticias. 6 fev. 1887.
  • 66
    Gazeta de Noticias. 18 abr. 1887.
  • 67
    AS. 9 mai. 1887.
  • 68
    O Paiz. 14 mai. 1887.
  • 69
    AS. 18 mai. 1887.
  • 70
    Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887.
  • 71
    AS. 16 mai. 1887.
  • 72
    Gazeta de Noticias. 19 mai. 1887.
  • 73
    AS. 20 mai. 1887.

Fontes

Fontes
Documentação manuscrita
  • FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 19 de maio de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.60.
  • FONSECA, Deodoro da. Ofício ao visconde da Gávea, 3 de setembro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.62.
  • FONSECA, Deodoro da. Telegrama (reservado) ao barão de Cotegipe, 3 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63.
  • COTEGIPE, Barão de. Telegrama a Deodoro da Fonseca, 3 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63.
  • FONSECA, Deodoro da. Telegrama ao barão de Cotegipe, 4 de outubro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.63.
  • FONSECA, Deodoro da. Carta ao barão de Cotegipe, novembro de 1886. Col. Cotegipe, DL 893.67.
Imprensa
  • A Federação
  • Gazeta da Tarde
  • Gazeta de Noticias
  • Jornal do Commercio
  • O Paiz
  • O Soldado
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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikof e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2022
  • Aceito
    25 Ago 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História Av. Prof. Lineu Prestes, 338, 01305-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3091-3701 - São Paulo - SP - Brazil
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