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“ANJOS ANÔNIMOS, FEITOS DE TERNURA”* : MULHERES POLICIAIS EM SÃO PAULO DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1985)

“ANONYMOUS ANGELS MADE OF TENDERNESS”: POLICE WOMEN IN SÃO PAULO DURING THE MILITARY DICTATORSHIP (1964-1985)

Resumo

O presente artigo tem como objetivo desenvolver uma análise histórica das alterações observadas no papel feminino na Polícia Militar de São Paulo durante os governos militares pós-golpe de 1964. Centrado, principalmente, na análise documental de registros jornalísticos, artigos, imagens e relatórios de serviço da atuação do efetivo feminino, o texto busca compreender os preceitos que marcaram o trabalho policial no período frente a importantes alterações no campo político e dos costumes. Pioneiro no emprego feminino nas ações de policiamento no país, o estado de São Paulo revela como na Polícia Militar as mulheres serviram como um importante instrumento para atuar no campo da assistência social, regulando o atendimento a imigrantes e no enfrentamento do problema do “menor”, assim como em outros campos destinados ao “combate” sutil ao avanço dos grupos políticos opositores. Assim, o trabalho das policiais femininas mostrou-se fundamental na construção do discurso de modernização da segurança pública no período.

Palavras-chaves:
Ditadura militar; Polícia Militar; estado de São Paulo; polícia feminina; trabalho

Abstract

This paper aims to develop a historical analysis of the changes in the role of females in the military police of Sao Paulo during the military governments in office after the 1964 coup. Drawing upon the analysis of newspapers, articles, images and reports of the work of police women, this paper aims to understand the precepts that marked the work of the police in face of the changes in politics and manners that marked the period. As the first state in the country to employ females in policing, the case of Sao Paulo reveals how the Military Police used women in the area of social assistance. The Military Police employed women in activities such as the regulation of services to immigrants, coping with “minor” offenders, as well as in other areas of the “battle” against groups that represented politic opposition. Therefore, the work of police women was fundamental in constructing a discourse of public security modernization in this period.

Keywords:
Military dictatorship; military police; São Paulo (State); Female Police Force; work

De repente, ele vai surgir. Sem muita propaganda, todos vão se acostumar com o soldadinho de formas arredondadas, olhar e lábios sorridentes, trazendo no seu lado direito um cassetete e no esquerdo uma flor. A mão direita bate continência. A outra mostra a flor. É o novo símbolo da Polícia Militar, que será usado em todo País, graças à uniformização das Polícias Militares nacionais.

(…) a flor representaria o trato diário com os populares, sua assistência e confiança. O cassetete, como não poderia deixar de ser, representaria a força que a Polícia Militar tem de usar em certas ocasiões.

PM muda símbolo, O Estado de S. Paulo, 1 out. 1970

Introdução

O período que compreendeu o final dos anos 1960 e o início da década de 1970 representou, no Brasil, uma fase de aprofundamento do regime autoritário, inaugurado em março de 1964, e de crescimento expressivo da economia. Conhecido pelo “Milagre Brasileiro”, o período ficou também marcado pelo aumento da repressão política, cassações e desaparecimento de opositores, censura dos meios de comunicação, sessões de tortura nos órgãos de segurança, assim como por importantes mudanças sociais associadas ao contexto da Guerra Fria.

As ações desenvolvidas ao longo dessa fase resultaram em mudanças profundas nas feições do país, mergulhado na perseguição a adversários políticos do regime militar, além de investimentos em obras públicas e no setor industrial. Fatores como o aumento da urbanização e das desigualdades materiais e simbólicas marcaram a inversão da relação campo/cidade (SILVA, 2003) e o processo de inserção do Brasil na chamada era da globalização (PORTO, 2010PORTO, Maria Stela Grossi. Sociologia da violência: do conceito às representações sociais. Brasília, DF: Francis, 2010.), contribuindo, a partir do endividamento do país e da crise econômica mundial, para a aceleração do processo de abertura política e esgotamento da ditadura militar, cujo modelo seguia até então dominante no continente sulamericano.

Nesse período, fenômenos como o aumento da delinquência juvenil e da intensa migração para os grandes centros urbanos brasileiros - reflexos do aumento da desigualdade econômica e social - destacam-se como desafios para os governos federal e estaduais, que passam a implementar mudanças no campo da assistência social e da Segurança Pública, a partir, especialmente, da militarização dessa área e da ampliação da presença feminina.

Orientado pelos princípios da Doutrina de Segurança Nacional e frente a emergência de novas sociabilidades que passam a reclamar maior atenção aos direitos das crianças e das mulheres, por exemplo, esse campo experimenta iniciativas importantes relacionadas à atuação e estruturação dos efetivos policiais. De maneira ampla, as ações no período, que marca a emergência do grupo da linha-dura das Forças Armadas e do projeto desenvolvimentista, visam, de forma crescente, conciliar o controle dos grupos opositores ao discurso de modernização das polícias.

Influenciadas por experiências internacionais, as instituições policiais passam a enxergar na inserção feminina no campo policial e em ações baseadas na construção de uma suposta maior proximidade com o público civil, a possibilidade de efetivação do projeto de construção de uma “ordem” nacional. A inserção e posterior crescimento da presença feminina nesses espaços expressava, desse modo, a possibilidade de não apenas responder às crescentes demandas por segurança e maior presença das mulheres no mercado de trabalho, mas também de regular os espaços de homens e mulheres, num contexto de amplas transformações sociais e políticas relacionadas a um modelo de desenvolvimento econômico desigual e a debates e ações em torno dos direitos femininos e de gênero.

Neste artigo, pretende-se, de modo particular, refletir sobre algumas das importantes alterações observadas no papel feminino na área policial durante os governos militares pós-golpe de 1964, a partir da análise histórica da experiência da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP). O trabalho, centrado principalmente na análise documental de registros jornalísticos, imagens, artigos e relatórios de serviço da atuação do efetivo feminino, busca compreender os preceitos que marcaram o trabalho policial no período frente a importantes alterações no campo político e dos costumes.

Pioneiro no país no emprego de mulheres em ações de policiamento, o estado de São Paulo revela como na Polícia Militar elas serviram como um importante instrumento para atuar no campo da assistência social, regulando o atendimento a imigrantes, e no enfrentamento do problema do “menor”, assim como em outros campos destinados ao “combate” sutil ao avanço de grupos políticos opositores, a exemplo das ações de investigação em fábricas e casas de espetáculo. Além de fundamentais no discurso de modernização da segurança pública frente aos desafios gerados tanto no campo político quanto social, as mulheres aparecem representadas como os “anjos anônimos, feitos de ternura” que ao lado da figura de apelo infantil e “formas arredondadas” carregando a “flor” e o “cassetete”, prometiam conciliar as dimensões assistencial e violenta do Estado. Desse modo, alvo de receios mais claros nos primeiros anos de existência, a Polícia Feminina de São Paulo passa nas décadas seguintes a nortear o projeto de inserção feminina nas Forças Armadas e em outras corporações policiais no país diante das transformações no campo do trabalho e dos direitos das mulheres, com vistas a inserir o Brasil entre as nações consideradas desenvolvidas.

O “doce sorriso” dos anos de chumbo: mulheres e a missão assistencial como “assunto de polícia”

Com o aprofundamento do regime militar, impôs-se a reformulação do campo da segurança pública nos estados através da intensificação do controle das Forças Armadas. No final dos anos 1960, as polícias militares, forças auxiliares do Exército, tornam-se responsáveis diretas pelo policiamento preventivo e ostensivo, antes de responsabilidade das polícias civis uniformizadas (ZAVERUCHA, 2005ZAVERUCHA, Jorge. FHC, forças armadas e polícia: entre o autoritarismo e a democracia (1999-2002). Rio de Janeiro: Record , 2005.).

A criação da PMESP, no ano de 1970, a partir da fusão dos efetivos da Guarda Civil e da Força Pública, demonstra, neste sentido, as orientações do governo federal, interessado em imprimir os preceitos militares na área de segurança e ampliar o controle sobre a criminalidade e, de modo particular, sobre grupos opositores. Preocupado com a reação dos setores de esquerda que se organizavam, entre outras frentes, por meio da luta armada, a Polícia Militar passou a atuar conjuntamente com esses órgãos, integrando-se ao aparato de repressão e promoção política do regime, ao tempo que visava implementar mudanças iniciadas décadas antes, com o propósito de ajustar a instituição aos preceitos modernos no campo policial.

Estratégias como a criação de unidades especializadas, como as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), no ano de 1970, durante o governo de Roberto de Abreu Sodré, e o desenvolvimento de operações conjuntas com apoio da classe empresarial, como a Operação Bandeirantes, para sufocar movimentos políticos de esquerda empenhados na luta armada e responsáveis por sequestros e assassinatos (SILVA, 2003), somaram-se a iniciativas observadas décadas antes em outros países no enfrentamento de grupos criminosos, a partir da inclusão feminina em ações de policiamento e de investigação, constituindo-se uma marca dessa fase.

Assim, a intensificação das ações de repressão foi acompanhada pelo crescimento da participação feminina nos órgãos de segurança. Inicialmente ligadas à Guarda Civil de São Paulo, as mulheres adentraram formalmente no campo policial em 12 de maio de 1955, a partir do Decreto Estadual nº 24.548, responsável pela criação do Corpo de Policiamento Especial Feminino. Assinado pelo então governador de São Paulo, Jânio Quadros, o ato de criação da Polícia Feminina visava, assim, marcar o ajustamento da realidade paulista à de contextos considerados modernos, respondendo, por sua vez, às demandas apresentadas pelo movimento das sufragistas, de intelectuais e outros setores sociais décadas antes (MOREIRA, 2017OCANHA, Rafael Freitas. “Amor, feijão, abaixo o camburão”: imprensa, violência e trottoir em são Paulo (1979-1983). Dissertação de Mestrado em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.).

A presença das mulheres no campo policial, conforme evidencia a Canção da Polícia Feminina, de 1956, era fundamentada numa ética religiosa com forte compromisso com os ideais da pátria e consistia na condução e amparo de mulheres e crianças, que despontam na letra como razão da “esperança” e alvo de uma missão “sublime e divina”. A partir da criação da PMESP, em 1970, passa a marcar o objetivo de garantir a “liberação” do público masculino do atendimento de ocorrências consideradas “assistenciais” relacionadas ao atendimento de mulheres, crianças e idosos para as ações de patrulhamento motorizado e investigações voltadas ao combate a grupos armados, roubos e homicídios.

Nós juramos ser guias do bem,

E nas leis ter o nosso Brasão!

Este sonho que é vida, contém

A semente do amor, da oração!

As raízes da nossa cruzada

Abraçaram as terras paulistas!

Somos seiva da guarda avançada

Do estandarte que tem treze listas!

(…)

Conduzir e amparar

As mulheres e crianças,

Suas vidas orientar

Com as nossas esperanças!

Missão sublime e divina!

Marchando nesse sentir.

A Polícia Feminina

A pátria vai bem servir!1 1 Trechos da Canção da Polícia Feminina de São Paulo. De autoria de Marina Trincânico e música de Paul Kleming Max, o hino foi criado em 1956, um ano após a fundação da Polícia Feminina paulista, sendo ainda atualmente entoado nas solenidades voltadas à comemoração do aniversário do ingresso das mulheres no campo policial e por ocasião de homenagens ao público feminino na corporação policial paulista. (TRINCÂNICO e KLEMING, 1956)

Em tempo de cerceamento das liberdades, a presença da mulher na Polícia, vista como símbolo de modernidade e de ampliação dos direitos femininos, mostrou-se um instrumento hábil para manutenção da “ordem” nos espaços públicos, com controle direto sobre a ação indesejável de “menores” e “pedintes”, apontados como resultado direto do problema da migração,2 2 Sobre a migração, a revista Promoção Social - São Paulo publicava texto com o título “A culpa que São Paulo não tem”, no qual esclarecia que cerca de 300 mil pessoas migravam todos os anos para São Paulo atraídos pela “fama errada” de emprego e dinheiro fácil e que, embora não fosse “culpado” pelo problema, o governo fornecia passes de retorno para cidades de origem, alimentação e outras formas de auxílio à população necessitada (A CULPA..., 1977, p. 29). que se destacava não apenas como consequência de um processo de desenvolvimento desigual, mas, nas análises de diferentes veículos de imprensa do período, sobretudo como importante fator de degradação da paisagem urbana e para o aumento da violência e do crime.

A partir do lema: “um mendigo a menos, um trabalhador a mais”, a população de rua seria permanentemente recolhida sob a orientação do Serviço Social do Palácio do Governo com o propósito de transformar esse público em “pessoas úteis” (SORRISO..., 1972), sendo a Polícia Feminina um instrumento importante no “amparo aos infelizes” vindos de diversas regiões do país, ao tempo que o discurso estatal procurava difundir a ideia de um forte compromisso ético das policiais com a “proteção das famílias” e promoção do “progresso” do país por meio do trabalho. Tal perspectiva sinaliza o quanto, embora procurassem se espelhar na experiência de outros países onde a presença feminina já era uma realidade, como Reino Unido, Irlanda do Norte e Estados Unidos, entre outros, a missão assistencial constituiu a tônica do trabalho feminino na polícia em São Paulo durante as primeiras décadas. Um processo distinto, por exemplo, ao observado por Louise A. Jackson (2006)JACKSON, Louise A. Women police: gender, welfare and surveillance in the twentieth century. Manchester: University of Manchester Press, 2006., que assinalou o fato de demonstrações de adesão a “valores viris” terem sido demandados às policiais pioneiras entre as décadas de 1930 e 1950.

Figura 1

A presença da mulher, cujo “sorriso” constituía sua principal “arma”, mostrou-se ainda uma importante ferramenta para desenvolver projetos de combate à subversão, seja participando de investigações em espaços públicos e privados, seja difundindo a ideologia dos governos militares,3 3 Matéria publicada pelo jornal City News, em 27 de agosto de 1972, informa que não raramente as policiais são solicitadas para participar de investigações “de caráter sigiloso, que exigem argúcia e discrição” (SORRISO..., 1972, s/p.). ao apresentar-se como a face materna do Estado, como salientaram as pesquisadoras Rosemeri Moreira e Cristina Wolff (2009).

Neste sentido, o “problema do menor”, tema recorrente no Brasil desde as primeiras décadas do século XX, aparece nos discursos oficiais e da imprensa como questão crucial associada à área de segurança nos anos 1970. Um problema que reclamaria o emprego de métodos e instrumentos científicos “modernos” no tratamento de uma juventude “degenerada” pelo crescimento urbano e pela influência da cultura de massa, responsáveis pela “subversão” dos “valores morais” e pela “desestruturação das famílias”, promovendo, como retratavam diversos setores da imprensa no período, um clima de grande “insegurança” para a “cidade” (CRISCUOLO,…, 1975GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. São Paulo: Paz e Terra, 1993.).4 4 Destacava no período o jornal Diário da Noite: “‘Trombadinhas’ estão desgraçando a cidade” (CRISCUOLO, 1975), em 10 de novembro de 1975. .

A maior visibilidade do “problema do menor” provocou alterações expressivas nas estratégias governamentais. Ocorreu nesse período a substituição do Recolhimento Provisório de Menores (RPM), criado em 1954, pela Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), como parte do programa estabelecido pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) em escala nacional para promover a ordem e tranquilidade social, inserindo os “menores” num projeto de nação que em tese substituía o enfoque “correcional-repressivo” pela abordagem assistencial centrada na educação e profissionalização desse público. Esse novo projeto visava garantir a esses jovens, alvos do abandono e da delinquência, aperfeiçoamento “moral, cívico, cultural e profissional”, assim como sua inserção no projeto de “desenvolvimento” do país (FRONTANA, 1999FRONTANA, Isabel C. R. da Cunha. Crianças e adolescentes nas ruas de São Paulo. São Paulo: Loyola, 1999.).

Essas orientações se associavam a projetos já desenvolvidos no âmbito policial, como a “polícia mirim”, que no início dos anos 1960 estava presente em vários municípios de São Paulo e em outros estados do país. O programa visava incutir nas crianças a noção de “cumprimento do dever” a partir de instruções policiais focadas na legislação de trânsito e em aspectos militares5 5 “Policiais mirins de ambos os sexos apresentam-se ao público” (CRIANÇAS..., 1960, p. 4). , vinculando-se a outras iniciativas que, no final da década, pretendiam atuar como resposta para o problema dos “menores”, especialmente nas ocorrências que envolviam roubos, furtos e arrombamentos na capital.

Em 1968, a Revista SSP, periódico mensal da Polícia de São Paulo, noticiava a inauguração do Centro de Recreação e Triagem do Juizado de Menores, no bairro do Tatuapé (CENTRO..., 1968CENTRO de Recreação e Triagem do Juizado de Menores. SSP - Revista Mensal da Polícia de S.Paulo, São Paulo, ano 1, n.7, p.8, mai. 1968., p. 8). O espaço, inaugurado pelo governador Abreu Sodré, tinha capacidade para recolher 2 mil menores mensalmente e era apresentado como um instrumento para racionalizar o atendimento de crianças e jovens abandonados e proporcionar-lhes melhores condições de recuperação. Junto a essa iniciativa, eram desenvolvidas, conforme matéria publicada em novembro de 1970, sob o título “Os filhos adotivos da Polícia Militar”, outras ações em São Paulo, como a do 14º Batalhão, que coordenava ações no Instituto Modelo voltadas para formação profissional e cívica de menores abandonados, a partir das orientações da Funabem (OS FILHOS..., 1970). De acordo com a reportagem: “O coronel José Leite Barbosa é o comandante do 14º Batalhão da Polícia Militar (BPM). Seus soldados cuidam das crianças abandonadas, mantidas pela Secretaria da Promoção Social” (OS FILHOS..., 1970, p. 21).6 6 As ações compreendiam aulas de música, ordem unida, formação profissional e ginástica: “todo dia, bem cedo, educação física: o professor, um homem do 14º Batalhão, sabe como transformar a obrigação da ginástica em um alegre divertimento” (OS FILHOS..., 1970, p. 21).

Matéria semelhante foi publicada pelo jornal Folha da Tarde, em 1975, sob o título “Polícia Militar assiste menores favelados” (POLÍCIA…, 1975, s/p.). O projeto era desenvolvido pelo 16º BPM e consistia em fornecer alimentação e instrução militar para crianças moradoras das favelas Nossa Senhora da Paz e do Jaguaré, nas quais, segundo o texto, não havia “mínimas condições decentes de vida”. O programa de assistência, que tomava as comunidades carentes e seus moradores como objetos de ocupação e controle, valorizava o emprego de disciplina militar como instrumento eficiente na formação dos assistidos, que recebiam instruções de marcha em ordem unida e eram submetidos a punições caso desobedecessem às regras de convivência estabelecidas (POLÍCIA…, 1975)7 7 [7] . Na revista Promoção Social - São Paulo (Ano III - outubro de 1977 - nº 12), há ampla divulgação de evento realizado pela Polícia Militar do estado para comemorar o Dia das Crianças. O evento consistiu na realização de desfile de 2.100 “menores” assistidos pelos diversos programas sociais da instituição pelas ruas do centro da capital. Segundo o artigo, “em 21 Corporações Mirins da Capital e em 88 do Interior, a Polícia Militar do Estado vem contribuindo para a educação, integração e promoção social de 16.000 menores, os guardas mirins”. São interessantes as frases de algumas das diversas faixas carregadas pelos “menores” ao longo do desfile: “ As Secretarias da Segurança e da Promoção Equacionam Juntas o Problema Social”; “Polícia Militar Educa 16 Mil Menores”; “PLIMEC: É Melhor Prevenir a Marginalização que Remediá-la”; “A FEBEM: Está Cumprindo sua Parte em Relação a Nós: E Você?; “Metas Básicas da FEBEM: Saúde - Educação - Profissionalização - Esporte - Lazer”; “Cuidem de Mim Hoje e Eu Cuidarei do Brasil Amanhã”; “Menor: Um Investimento Útil e Promissor” e “Somos Gente Como Você. Precisamos do seu apoio e da sua compreensão” (BERNARDES JÚNIOR, 1977, p. 5). .

As integrantes da Polícia Feminina atuavam de forma destacada no recolhimento e triagem dos menores para essas instituições e programas, conforme indica a notícia publicada na Revista SSP, de fevereiro de 1969, segundo a qual a corporação havia atendido no ano anterior 61.505 ocorrências:

As policiais femininas encaminharam, durante o ano de 1968, um total de 1.287 pessoas no Juizado de Menores; 1.216 ao Serviço de Proteção e Previdência e 849 ao Departamento de Imigração e Colonização. Além disso, 200 outras pessoas foram encaminhadas ao Pronto Socorro; 126 a diversos Hospitais; 112 à Assistência Social e 409 a lugares diversos. (POLICIAIS..., 1969 p. 12)

Considerado nos anos 1960 um programa exitoso na formação de crianças e jovens carentes, na década seguinte, no entanto, a Guarda-Mirim recebe duras críticas do então diretor administrativo da Fundação “Casa do Pequeno Trabalhador”, João Nogueira. Em visita realizada pela tenente Vera Favaro à instituição, o diretor teria afirmado que as Guardas-Mirins apenas ainda existiam em razão da falta de oficinas-escolas e dos problemas financeiros enfrentados pela instituição, visto que “os patrulheiros-mirins, nos estacionamentos, quase sempre entram em contato com vadios, marginais, doentes e até mesmo, com prostitutas, além de não aprenderem profissão e atender apenas, uma pequena faixa etária” (FAVARO, 1974FAVARO, 2º Ten Fem PM OF P/5 Vera Maria. Parte S/Nº endereçada à Comandante do Batalhão. 24 jun. 1974., s/p.). Razão pela qual teria se mostrado interessado em firmar parceria com a Polícia Feminina, com vistas ao desenvolvimento de projetos para os menores, apresentando, além de relatórios, um convite para que a comandante do Batalhão fosse conhecer pessoalmente a Fundação, num período em que a política para o menor manifestava não apenas uma forte ênfase na formação para trabalho, mas parecia orientar-se por uma perspectiva de gênero, na medida em que, segundo anotou a oficial: “constatei ainda, que não existe quase interesse em se amparar a menor, que acaba se prostituindo ainda menina (aos 12 e 13 anos)”.8 8 Parte S/Nº. 24 jun. 1974. 33º Batalhão de Polícia Militar, Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: Acervo do Museu da Polícia Militar de São Paulo.

Diante do crescimento dos problemas na área de segurança pública na década de 1970, com o aumento da criminalidade e da violência, ampliou-se de forma significativa o número de destacamentos do Batalhão Feminino em cidades do interior e do litoral de São Paulo9 9 Se, em 1969, o efetivo da Polícia Feminina não totalizava uma centena de policiais, concentradas a partir de 1970 no 33º Batalhão de Polícia Militar, em 1984, o Batalhão contava com 728 mulheres, com perspectiva de ampliação desse número para o mesmo ano. Matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em novembro de 1984, informava que no concurso anterior para seleção de policiais femininas, realizado em 1983, houve registro de grande procura, quando 6.930 mulheres se inscreveram para concorrer a 170 vagas abertas pela Polícia Feminina (POLÍCIA…, 1984, p. 21). . Um crescimento que seguiria pela década seguinte, atraindo um número cada vez maior de candidatas, que, uma vez guiadas pela experiência acumulada das pioneiras, mostravam-se menos receosas frente ao ingresso na corporação.

Nesse mesmo período, foram intensificadas as abordagens em terminais de passageiros, estações de trem, rodoviária e aeroporto, com o objetivo de evitar atentados e sequestros por grupos “subversivos”. As policiais revistavam bagagens e documentos de passageiros, a fim de identificar possíveis procurados e evitar o sequestro de aeronaves e crianças, o que terminava, não raramente, por causas atritos com passageiros e companhias aéreas, que questionavam as revistas e a exigência de documentos realizadas pelas policiais. Em relação ao sequestro de crianças, o relatório de serviço do dia 5 de março de 1970 no Aeroporto de Congonhas evidencia a preocupação das policiais femininas com menores que viajavam em companhia de adultos sem a necessária identificação. Ao procurarem o responsável da Aeronáutica com o objetivo de solucionar um dos vários casos, as policiais dizem ter sido informadas que a portaria expedida pelo Ministério da Aeronáutica determinava apenas a identificação de maiores, sendo a apresentação de documentos de crianças e adolescentes assunto da alçada do Juizado de Menores. O oficial da Aeronáutica informou na ocasião que no dia seguinte tentaria conversar com o responsável pela expedição da circular para tratar do tema, salientando que nada prometeria, pois, ao expedir a determinação, a Aeronáutica estava preocupada “apenas com o sequestro de aviões por subversivos” (RELATÓRIO..., 1970, p. 01-02). A preocupação com atentados e outras ações é um elemento que aparece como justificativa dada pelas policiais de plantão no dia 18 de fevereiro do mesmo ano para o fato de não terem realizado revistas nos portões do aeroporto entre as 16 e 17h20, uma vez que estavam empenhadas na “revista minuciosa nos objetos e corpos” das passageiras do voo da Cruzeiro do Sul com destino à Buenos Aires. Segundo o relatório, a determinação teria partido do Ministério da Aeronáutica e do chefe de divisão Odair Silva Costa, a partir do recebimento de denúncia sobre a ameaça de “problema de ordem subversiva” no referido voo. Após terem revistado 20 senhoras, elas afirmam nada terem encontrado, o que indica o compromisso da Polícia Feminina de não restringir o seu trabalho às ações assistenciais, sendo parte importante dos instrumentos de vigilância e repressão.

A presença feminina, portanto, pode ser vista como peça fundamental para o funcionamento dos projetos governamentais focados no “combate à marginalidade e à subversão” (SOUZA, 2014), suavizando os traços autoritários na área de segurança ao buscarem difundir a imagem assistencial da Polícia Militar. Afirmava no período a revista Promoção Social - São Paulo sobre o trabalho da entidade: “vista com simpatia e até com ternura pela população a Polícia Feminina é respeitada não só pelo trabalho que executa mas, principalmente, pelo modo como o faz: com delicadeza e sensibilidade” (POLÍCIA..., 1976, p. 47). Neste sentido, destaca a matéria publicada no jornal City News, em 27 de agosto de 1972, a respeito do trabalho desenvolvido pela Polícia Feminina:

Nos aeroportos de São Paulo e Viracopos, as policiais realizam serviço de prevenção e (sic) sequestro de aviões, revistando pessoas do sexo feminino. O trabalho é difícil, mas ‘com um jeitinho todo especial’ elas conseguem executá-lo sem melindrar ninguém. Esse mesmo tipo de revista é realizado nos presídios, em parentes dos detidos. (SORRISO..., 1972SORRISO, a grande arma da policial. City News. s/p, 27 ago. 1972.).

Além do trabalho ostensivo nos locais de embarque e desembarque, em muitas situações, policiais eram empregadas para orientar passageiros, prestar auxílio a crianças e mulheres, dispersar prostitutas, golpistas e menores, bem como atuar na investigação de grupos criminosos e trabalhadores em fábricas. Essas atividades são sugeridas em uma das entrevistas de policiais femininas localizada no acervo do Museu da Polícia Militar de São Paulo, que havia sido revisada por uma de suas idealizadoras e então comandante, a advogada Hilda Macedo. Na resposta dada pela policial, a parte em que esta diz que havia participado de uma investigação numa fábrica nos anos 1960 é riscada pela comandante, como uma indicação de que deveria ser excluída da entrevista. Nesse caso específico de investigação, as policiais se passaram por operárias durante alguns dias para identificar o responsável por roubos que estavam ocorrendo na empresa. É provável que outras investigações tenham sido desenvolvidas com caráter mais político ou mesmo que essa, supostamente destinada à identificação da autoria de roubos na fábrica, buscasse na verdade levantar informações sobre a atuação de líderes sindicais na empresa ou a respeito da possível ligação desses funcionários com outras ações políticas no período. Aspecto que expressa a continuidade do clima de tensão e concorrência de atribuições que marcaram as instituições policiais paulistas no período de 1946 a 1964, conforme destacou Thaís Battibugli (2009)BATTIBUGLI, Thaís. Polícia e política em São Paulo (1946-1964). História Social, Campinas, n. 16, p. 121-143, 2009. ISSN 2178-1141. Disponível em: <https://bit.ly/2lziiMR> Acesso em: 2 jun. 2019.
https://bit.ly/2lziiMR...
, com a Polícia Militar e a Polícia Civil desempenhando ora ações de policiamento ostensivo, ora de natureza investigativa como forma de ampliação de sua influência e poder, negando, assim, as tentativas de reforma governamentais que consideravam restritivas a seus interesses.

Além disso, policiais militares checavam se cinemas e casas de espetáculos cumpriam as orientações determinadas pelos órgãos de censura. Um caso curioso, por exemplo, envolveu a peça de Cidinha Campos, intitulada Homem não entra, e a famosa travesti Rogéria, nos anos 1970. Segundo a coluna Giba Um, do jornal Última Hora, de 25 de março de 1975, a vedete teria tentado entrar para assistir ao espetáculo, proibido para “homens”, quando foi reconhecida e impedida por uma funcionária, que era sua fã. Não autorizada a entrar no teatro, Rogéria, segundo o colunista, teria na ocasião “aprontado um verdadeiro comício”, afirmando, inclusive, “ser mulher”, o que teria motivado a ação de uma policial feminina que estava de plantão no local. Em tom jocoso, o jornalista diz que, ao realizar a devida revista em Rogéria, a policial concluiria prontamente “que se tratava mesmo de um homem ‘com todas as letras’” (DI PIERO, 1975GROSSI, Miriam Pillar. Rimando amor e dor: reflexões sobre violência no vínculo afetivo-conjugal. In: GROSSI, Miriam Pilar; PEDRO, J. Masculino e feminino, plural. Florianópolis: Mulheres, 1998., s/p.).10 10 O jornalista paulista Gilberto Luiz Di Piero, conhecido como Giba Um, é considerado um dos criadores do colunismo social no Brasil. Atuou em importantes jornais no país como Folha da Tarde (São Paulo), Diário da Noite (São Paulo), Última Hora (São Paulo) e Editora Abril. Possui um site com seu nome e apresenta programa homônimo nas TVs paulistas Alphaville e TVA (GIBA…, 2012).

O episódio, que marca o discurso de ajustamento entre corpo e gênero da expectadora, evidencia a presença policial como parte das engrenagens e dispositivos morais, presentes no regime, para controlar a produção e atuação artísticas, deixando entrever, ainda que de forma tímida, não apenas o sistema de vigilância existente em torno de teatros, boates e casas de espetáculo, mas sobre a homossexualidade, alvo de prisões e do discurso normatizador que buscava “resguardar” as “famílias” por meio da “higienização” das cidades. Diferente de Rogéria, protegida por uma imagem pública e que teria encontrado na policial uma oponente orientada a buscar “apenas”, supostamente, as marcas de uma identidade compulsória, as ações policiais (PASSAMANI, 2010PASSAMANI, Guilherme Rodrigues. Homossexualidades e ditaduras militares: os casos de Brasil e Argentina. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO: DIÁSPORAS, DIVERSIDADES, DESLOCAMENTOS, 9, 2010, Florianópolis. Anais. Florianópolis: UFSC, 2010, p. 1-9. Disponível em: <https://bit.ly/2lufYqy>. Acesso em: 22 jan. 2019.
https://bit.ly/2lufYqy...
) durante a ditadura militar voltaram-se sistematicamente, por meio de prisões, espancamentos e torturas contra o público homossexual (GREEN, 20003GREEN, James N. A luta pela igualdade: desejos, homossexualidade e a esquerda na América Latina. Cadernos AEL, Campinas, v. 10, n. 18/19, p. 13-43, 2003. ISSN 1413-6597. Disponível em: <https://bit.ly/2LHlGjR>. Acesso em: 22 jan. 2019.
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) especialmente nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.11 11 No final dos anos 1970 e início da década de 1980, foram realizadas diversas operações pelas polícias Civil e Militar em São Paulo, os chamados rondões, com o objetivo de, orientadas por uma perspectiva higienizadora de áreas centrais da cidade, reprimir a prostituição de rua, inicialmente a feminina e depois as travestis e redutos homossexuais, como esclarece Rafael Freitas Ocanha em sua pesquisa de mestrado (2014), que cita ainda o emprego de policiamento feminino em São Paulo para combater desde casos de tráfico de drogas à prostituição. Mais recentemente, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014) evidenciou como a repressão policial durante a ditadura atuou de forma violenta sobre esse grupo por meio de prisões arbitrárias, espancamentos e torturas.

É nessa fase, final dos anos 1970, que tem início um processo de ampliação significativa do efetivo feminino nas polícias militares e de demandas em torno da inserção das mulheres nos espaços públicos no país. Com base, principalmente, na experiência exitosa de São Paulo, alguns estados, como o Paraná (SCHACTAE, 2004SCHACTAE, A. M. Representações: a Polícia Militar Feminina no Paraná (1979-1984). Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 9, n. 2, p. 111-126, 2004. ISSN 1414-0055. Disponível em: <https://bit.ly/2ke8vvL>. Acesso em: 14 jan. 2014.
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), passam a incorporar as primeiras mulheres ou a realizar estudos com o objetivo de formar as primeiras companhias de policiamento feminino nessas corporações.

Ainda que sob o argumento inicial de liberar o efetivo masculino das atividades-meio, como os serviços internos na área administrativa e o atendimento de ocorrências de cunho assistencial, empregando-o mais diretamente na atividade-fim, a diversificação crescente das tarefas realizadas pelo grupo feminino, como orientação e fiscalização no trânsito, por exemplo, provocariam tensões no interior das polícias, como bem expressa a charge de Novaes publicada no jornal Folha da Tarde de 15 de maio de 1976, na qual um policial masculino visivelmente zangado se manifesta contra as tentativas de alteração de patrimônios considerados essenciais na identidade policial militar: a farda e o espaço do quartel.12 12 A resistência à presença das mulheres na PMESP no período mantém relação também como o fato, segundo alguns policiais que entrevistamos ao longo da pesquisa, de elas terem ingressado na instituição já como sargentos e não na graduação de soldados, percurso comum a maior parte dos policiais. A posição de superioridade na hierarquia, uma forma de ajustar os maiores salários recebidos por parte do efetivo feminino ainda na Guarda Civil, foi possivelmente uma forma encontrada de ajustar posições e remuneração durante o processo de fusão entre as corporações no ano de 1970. O que, somado ao machismo existente no meio policial militar, contribuiu para ampliar as tensões de gênero na caserna nos primeiros anos. Os sinais da diferença da feminilidade, representados pelo contorno do corpo e estatura menor, aparecem também marcados pela flor no capacete da policial, nos bobes que enrolam o cabelo e na bolsa. São vistos, antes de tudo, como elementos a representar uma inclinação à futilidade e sinônimo de descaracterização da imagem profissional do policial, a comprometer a sustentação da própria autoridade da instituição. Assim, o policial masculino repreende e questiona, em tom ameaçador, visível na expressão cerrada e no dedo em riste, o que nos leva a crer ser uma recruta, tendo em vista a ausência de elementos designadores de posto ou patente na farda: “Em primeiro lugar, ninguém deu ordem para pintar flor no capacete! Em segundo lugar, não pode andar com o cabelo enrolado, e por último, quem disse que o almoxarifado é boutique?” (NOVAES, Folha da Tarde, 1976 sem página, grifo meu). Marca-se aquele que deve ser um compromisso a ser assimilado compulsoriamente pelas mulheres na corporação, ou seja, o de manterem “inalteradas” as configurações do espaço militar, seus símbolos e rotina.

Figura 2

Consideradas “recrutas” e ao mesmo tempo “desprovidas”, por sua vez, de características essenciais ao desempenho da “verdadeira” missão policial, como “força”, “tirocínio” e “bravura”, as ações voltadas ao reconhecimento da igualdade entre os gêneros eram concebidas como razão de frequentes tensões entre homens e mulheres na corporação, não raramente sendo apontadas como uma influência nociva do feminismo em expansão em outros países. Pautado na ideia de um forte compromisso com a unicidade da tropa, a partir do respeito à hierarquia e à disciplina, o menor tempo da presença das mulheres na corporação destacava-se, assim, nos discursos como um tipo de justificativa comum para encerrar o público feminino ao cumprimento de funções específicas e complementares às dos homens, que seguiam sendo considerados não apenas “senhores” do espaço público, mas também os verdadeiros “guardiões” da tradição e da autoridade policial.

Em 1977, foram então criados os destacamentos de Campinas e Santo André na PMESP com a missão de atender às constantes solicitações apresentadas ao Batalhão Feminino, instalado na capital. Em outubro de 1980 e janeiro do ano seguinte, foram criados, respectivamente, os destacamentos de São José dos Campos e Santos, onde o trabalho desempenhado por 28 praças e um oficial feminino recebeu, pouco tempo após a instalação da unidade, segundo histórico da PMESP, diversas manifestações de “simpatia e reconhecimento”, entre elas, outorga da Medalha de Honra ao Mérito e entrega das bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e da capital paulista durante sessão solene da Câmara Municipal em virtude dos “relevantes serviços prestados à comunidade”.

A partir da instalação na cidade de Campinas, o poeta José Bittencourt Cabral, utilizando referências cristãs, apresentou a seguinte poesia às integrantes da nova companhia, representadas como anjos abnegados, por vezes incompreendidos:

Policiais Femininas

Anjos anônimos, feitos de ternura

Dando tudo de si para bem servir,

Tendes sempre um sorriso doçura

Embora a alma, às vezes, a sentir.

Na incompreensão de muitos, a amargura

Da cruel insensatez a se espargir.

Revesti-vos, sublimes, da candura

Que só eleitas de Deus podem auferir.

Devíeis ser por todos veneradas

Pois, em vossa missão, predestinadas,

Apesar de criaturas, sois divinas.

Nos vossos corações, a docilidade

Irmana a Fé, a Esperança e a Caridade:

− DEUS VOS PAGUE, POLICIAIS FEMININAS! (CABRAL, 1977CABRAL, José Bittencourt. Policiais Femininas. 1º BPFEM - Histórico, Polícia Militar do Estado de São Paulo, Batalhão Feminino, Assuntos Civis, p. 11, s/d., p. 11)

Nesse período, ocorre ampliação significativa das experiências de inserção de mulheres em organizações policiais e militares no Brasil, na qual a PMESP tem uma participação decisiva. Com histórico exitoso de mais de duas décadas de existência, a Polícia Feminina passa a servir como principal modelo para inclusão de mulheres nas polícias militares em outros estados, de diferentes regiões do país, assim como para a Marinha do Brasil, que inicia a experiência de inclusão de mulheres em 1980 a partir da criação do Corpo Auxiliar Feminino Reserva da Marinha (CAFRM) (LOMBARDI, 2009LOMBARDI, Maria Rosa. As mulheres nas Forças Armadas Brasileiras: a Marinha do Brasil. São Paulo: FCC, 2009.).

Conforme levantamento realizado pela PMESP (1º BPFEM, p. 14), dos 25 estados brasileiros existentes até o ano de 1982, além do Distrito Federal, sete haviam incorporado mulheres em atividades policiais, sendo cinco através das polícias militares (Amazonas, Minas Gerais, Pará, Paraná e São Paulo) e duas no efetivo de polícias civis (Amapá e Ceará). No mesmo levantamento, aponta-se que 14 estados cogitavam ou estavam em processo de estudo para criação de polícia feminina, a exemplo do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, enquanto o estado do Rio de Janeiro formava nesse ano a primeira turma de policiais militares femininas.

A iniciativa de ampliar a presença feminina em organizações policiais militares, num contexto de crescente visibilidade política em torno das lutas dos direitos femininos no mundo, recebeu significativo apoio no interior das Forças Armadas. Estas, passaram, sobretudo no processo de abertura política, a vislumbrar no emprego de mulheres em ações de segurança uma oportunidade valiosa de reformular a imagem das organizações militares frente à opinião pública e ao mesmo tempo desenvolver uma inserção particular, concorrendo diretamente com o movimento feminista. Supostamente menos tolerantes com abusos e casos de corrupção, as mulheres eram apresentadas a partir de uma dimensão saneadora ao reformular velhas práticas e imprimir nas ações policiais um caráter materno centrado no cuidado dos excluídos e, portanto, distante das ações comuns do efetivo masculino, cuja imagem bastante desgastada se associava comumente a diferentes formas de violência e repressão aos movimentos sociais. Ao marcar o ingresso das mulheres como ampliação dos direitos femininos, buscava-se, ao mesmo tempo, controlar a forma de acesso e as responsabilidades das policiais, assinalando diferenças entre homens e mulheres, em contraposição ao almejado pelo discurso feminista, definido por setores dentro e fora das polícias como “esbravejar contra os homens, reclamando em altos brados com os punhos na mesa e o microfone” (FEMINILIDADE...,1975, s/p.). Em contraposição, a feminilidade, característica esperada das policiais, era, de acordo com também a senhora Carmem Prudente, Presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, durante conferência no I Seminário da Mulher da Baixada Santista, em março de 1975:

a qualidade inerente à mulher. É ser forte sendo frágil; intuitiva, perspicaz, enérgica sem deixar de ser meiga; é a mulher que cuida sua aparência, que domina os homens com os olhos, e agradece com um sorriso; é vestir uniforme sem esquecer de passar um batom nos lábios e governar um Ministério mas ter sempre um espelho estratégico.13 13 Trecho da palestra da Sra. Carmem Prudente, Presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, publicado no jornal Cidade de Santos, em 6 de abril de 1975. Fonte: Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo. (FEMINILIDADE..., 1975, s/p. )

Não por acaso, as matérias e demais publicações sobre a Polícia Feminina, ao salientarem o rigor do processo seletivo, fundado supostamente na observação de uma irrepreensível conduta moral exigida e da dificuldade de um trabalho até pouco tempo exclusivamente masculino, buscavam, sobretudo, afastar quaisquer dúvidas sobre a sexualidade dessas agentes, inscritas no padrão heteronormativo e representadas como “moças honradas” e “mães de família”. Distante dos comentários e questionamentos sociais, apresentados como comuns na época, o discurso institucional reproduzido por diferentes meios fazia questão de assinalar que as policiais não eram “brutas” nem “desajeitadas”, sendo o trabalho feminino na corporação uma escolha guiada pelo desejo de realização pessoal, que não deveria comprometer a feminilidade e admiração dos homens, como evidencia o quadrinho de Maurício de Souza publicado na Folha de S.Paulo na década de 1970. Como é possível perceber, ainda que a policial feminina reaja assustada ao pedido de casamento do namorado, expressando uma demanda vista como comum a uma mulher “moderna”, a exemplo do desejo de investir não apenas no matrimônio, mas em sua própria carreira profissional, seu pretendente, que aparece representado como um homem, igualmente branco, vestido com os signos de classe média como gravata e sapato social, desponta na charge como o “anjo protetor” da policial, marcando assim ao mesmo tempo um ideal hetenormativo e de hierarquia dos gêneros:

Figura 3

Em 1977, por exemplo, a 5ª seção do Estado Maior da PM publicou o livro Histórias que nós vivemos: contos de fatos reais, com relatos de ocorrências atendidas por policiais paulistas, de modo a ilustrar situações concretas enfrentadas no quotidiano e que engrandeceriam a instituição e os seus agentes. As diversas situações apresentadas, ainda que inovassem com respostas baseadas não no exercício direto da violência e da imposição da autoridade, mas no empenho dos policiais em ações comunitárias, como os contos “Conquistando uma cidade” e “Compadre”, outros, a exemplo de “A parturiente intocável”, “E a arma estava descarregada” e “O caçador caçado” destacam ações de coragem e, por vezes, de compromisso inconsequente com o cumprimento das missões. As histórias dos policiais masculinos, ainda que denotem ações de cuidado - como a resolução de uma briga, que termina tempo depois, selando o compadrio do policial com um dos envolvidos, e uma operação para livrar uma cidade de uma praga -, são mediadas pelo confronto com criminosos, o exercício de um tirocínio policial que faz subverter regulamentos e apelar para a ameaça de uso da violência. É o caso do conto “A parturiente intocável”, no qual um dos policiais “alerta” o médico para as “consequências físicas” de sua negligência, para assegurar o atendimento à gestante em difícil processo de parto.

Em linha diversa, três das histórias de autoria de mulheres policiais têm as marcas de um trabalho voltado aos mais necessitados, como era comum à ação da Polícia Feminina no período, ou seja, da assistência social e de uma entrega muitas vezes passional ao cuidado dos mais carentes, como expressam os títulos “Solidariedade e amor”, “Ação de despejo” e “Retorno e gratidão”. Uma inclinação para o cuidado que não raramente se estende do trabalho à intimidade familiar das policiais.

Na primeira história, a 2º tenente Setsuko Yoshida (SÃO PAULO, 1977) conta uma ocorrência atendida por ela 15 anos antes, quando foi chamada à estação rodoviária para servir de intérprete a uma senhora japonesa “extraviada”, que apresentava sinais de debilidade e que carregava no colo, igualmente maltrapilha e suja, uma criança de aproximadamente um ano e meio. Segundo a tenente, na época ainda muito nova no serviço, a situação daquela mulher e da criança a entristeceu muito. Com as poucas informações que conseguiu obter, ela conta que se dirigiu para o local do trabalho do esposo da senhora e de lá para o endereço da família, passando antes para buscar atendimento médico, pois a criança havia passado mal no percurso. Em seguida, a tenente seguiu com a mãe e a criança já medicada até o endereço. A história que se desenrola a partir daí destaca detalhes comoventes, como a exposição da extrema pobreza daquela família, com mais duas crianças num casebre úmido de apenas um cômodo; o passado do marido, que havia sido piloto de avião do “Pelotão Suicida” durante a Segunda Guerra Mundial; e sua decisão de acolher na própria casa aquela família de imigrantes. A tenente Yoshida relata a decisão de levar aquela família para morar em sua casa, diante do quadro de miséria que presenciou:

Naquela hora esqueci o meu orgulho e ambições da vida e convidei-o para morar em minha casa, sem ao menos consultar os meus genitores. Na época, morávamos numa casa mais ou menos grande e meus pais tinham uma tinturaria. Pensei em deixá-lo trabalhar conosco. Foi o que aconteceu. Os meus pais concordaram e o Sr Ishii trabalhava durante o dia na tinturaria e à noite ia para o seu emprego na Cooperativa. Sua família ficava bem acomodada em minha casa, pois logo nós nos mudamos para um apartamento na cidade. As crianças passaram a estudar e, todos os anos, tínhamos a grata satisfação de saber que eram os primeiros colocados nos exames finais. (SÃO PAULO, 1977SÃO PAULO. Histórias que nós vivemos: contos de fatos reais. São Paulo: Polícia Militar, 1977., p. 3)

Há, como no filme de Ozualdo Candeias sobre a Polícia Feminina, de 1961, o interesse institucional em associar o trabalho das mulheres na corporação a uma missão específica de cuidado dos mais necessitados. Um trabalho que não raramente “invade” a vida pessoal dessas agentes, vindas, ao que faz crer essas representações, de estratos sociais mais elevados - a tenente, por exemplo, é filha de um empresário e mora em uma casa ampla. Sensibilizadas pelos efeitos da pobreza que maltrata mais duramente crianças e mulheres, elas são apontadas como as mais capacitadas para essa “nobre missão” de amparar os desvalidos. Partindo desses aspectos, o general José Ramos de Alencar, Inspetor Geral das Polícias Militares do Brasil, mostra-se, em 1981, ano marcado nacionalmente pelo atentado terrorista do Riocentro e que viria a fragilizar politicamente o governo militar, um dos maiores entusiastas da expansão do policiamento feminino. O oficial teria declarado, na cidade de Recife, ao tomar conhecimento de que a Polícia Militar do Estado de Pernambuco se preparava para autorizar a inclusão feminina em suas fileiras, sua disposição em atuar para a concretização de iniciativas nesse campo em diferentes estados brasileiros, tendo ressaltado a importante experiência da Polícia Feminina paulista. Segundo o general, “nos dias atuais, não apenas o policial fardado ou civil deve prestar sua colaboração para a tranquilidade da população, mas também a mulher” (GENERAL, 1981GENERAL elogia as polícias femininas. Diário Popular, São Paulo, s/p, 21 set. 1981., s/p.).

Nesse processo de expansão do policiamento feminino no país, a PMESP, mais especificamente o Batalhão Feminino, teve participação crucial ao fornecer apoio através do repasse de subsídios, orientações, bem como envio de policiais para auxiliar na formação dos quadros femininos em vários estados. Uma experiência que já havia ocorrido anteriormente, quando, ainda sob a presidência de Jânio Quadros, a comandante Hilda Macedo foi designada para auxiliar na criação da Polícia Feminina do Distrito Federal e da Polícia Feminina da Bahia. Além de atuar, de forma direta ou indireta, no processo de formação de grupamentos congêneres em outros estados, a Polícia Feminina de São Paulo desenvolveu importante trabalho de divulgação de suas atividades, tanto no Brasil quanto no exterior, como ocorreu, respectivamente, com a atuação de policiais femininas paulistas no evento “Universíade”, realizado no ano de 1963 em Porto Alegre, RS, e na viagem realizada pela comandante Hilda Macedo para Buenos Aires, em 1961.

Na década de 1980, além da Marinha, foram enviadas policiais militares para auxiliar na formação do primeiro pelotão feminino da PM do Pará, que atuaria nos anos seguintes na formação de outras policiais das regiões Norte e Nordeste. O trabalho de formação do pelotão feminino nesse estado consistiu na atuação de oficiais da PM paulista no curso de formação de 44 praças, formadas na cidade de Belém, bem como no envio de oficiais paraenses para a capital paulista, onde realizaram estágio no Batalhão de Polícia Feminina e tiveram acesso a conhecimentos teóricos e práticos.

A inserção mais acentuada de mulheres em organizações policiais/militares era resultado de uma fase de transformações importantes na sociedade brasileira e particularmente no desenvolvimento dessas instituições, desejosas por se ajustarem, ainda que superficialmente, ao fluxo de mudanças operadas em escala internacional. Nesse período, emergiam com crescente vigor as demandas em torno da ampliação do protagonismo feminino em diferentes áreas, assim como aquelas que reclamavam, a partir das manifestações de estudantes, trabalhadores e intelectuais, o fim dos regimes autoritários em países como o Brasil (SILVA, 2003).

Nesse sentido, o processo de abertura política expõe novos atores, que se organizam através dos movimentos sociais para reivindicar direitos e exigir mudanças nos destinos do país. Ganha relevância a pauta do movimento feminista, que passa a discutir com maior ênfase temas como ampliação da participação feminina no mercado de trabalho e nos partidos políticos, direito sobre o próprio corpo e planejamento familiar, bem como a denunciar a permanência de desigualdades e conhecidas formas de violência contra a mulher14 14 O conjunto de pesquisas sobre as delegacias da mulher, hoje delegacias especializadas no atendimento à mulher (Deam), é bastante amplo, destacando-se os trabalhos de Grossi (1998, 1991), Carrara (2002), Gregori (1993), Izumino (1998), Pasinato (2006), Piscitelli (2002), Soares (1996), entre outros. Pode-se citar também os importantes estudos: “En-gendering the Police: Women’s Police Stations and Feminism in São Paulo”, de Cecília MacDowell Santos (2004), e Violence in the city of women: police and batterers in Bahia, Brazil, de Sarah J. Hautzinger (2007). É bastante provável que a iniciativa da criação da delegacia de defesa da mulher em São Paulo seja tributária da experiência feminina na Guarda Civil e posteriormente na Polícia Militar, onde os postos de atendimento em rodoviárias, estações de trem e aeroportos ajudaram a reforçar a concepção sobre a necessidade de compor um público feminino como a solução mais adequada para o atendimento de mulheres. Em suma, as mulheres saberiam melhor lidar com os dramas de outras mulheres. . Nesse contexto, nasce em 1986, em São Paulo, como resultado das reivindicações dos movimentos sociais, a experiência pioneira das delegacias de defesa da mulher (DDMs), em seguida tomada com modelo por outros países.

Diante do lugar alcançado pelo público feminino no âmbito das relações de trabalho no mundo pós-guerra, onde sua presença se tornava cada vez maior e mais diversificada, diferentes segmentos da sociedade vão discutir as implicações sociais do trabalho das mulheres, visto, no contexto da acumulação flexível, tanto como sinônimo de progresso e algo sem retorno quanto como alvo de preocupações dos setores mais conservadores (HARVEY, 1993HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola , 1993.). Estes, não raramente, continuavam a associar a participação feminina no mercado de trabalho ao aumento dos casos de divórcio e da delinquência juvenil, que despontava como grave problema social e que, segundo alguns setores da imprensa, era resultado de lares “desestruturados”, sobretudo pela ausência materna, razão pela qual esses mesmos setores esperavam que as policiais cumprissem uma função doméstica e maternal dentro e fora da corporação.

A participação de mulheres em instituições policiais cumpria objetivos aparentemente divergentes: atender às mudanças sociais relacionadas à participação feminina no mercado de trabalho, inscrevendo o Brasil entre as modernas sociedades ocidentais; e, ao mesmo tempo, contribuir para minimizar os problemas decorrentes da participação feminina no mercado de trabalho, ao direcionar esforços especializados na proteção e assistência a mulheres e crianças, consideradas vítimas potenciais do progresso e da consequente alteração dos costumes, ampliada pelas influências consideradas negativas do mundo da moda, do cinema e da televisão. Nesse esforço, os discursos, por sua vez, silenciavam sobre os efeitos do trabalho policial e da rotina da caserna sobre as famílias dessas agentes. O trabalho feminino na polícia estava orientado por um ideal de classe média segundo o qual não imprimia marcas negativas sobre sua própria imagem e não produzia efeitos adversos em sua realidade familiar (SOUZA, 2014).

Com o emprego de mulheres nos órgãos policiais, pretendia-se também de uma só vez liberar o efetivo masculino de tarefas administrativas e ocorrências mais “simples”, como conflitos familiares, orientação do trânsito, repasse de informações a transeuntes e rondas em áreas de menor incidência criminal, para direcioná-lo ao enfrentamento de ocorrências consideradas propriamente “policiais”. Estava em jogo permitir o ingresso, ainda que limitado, de mulheres no campo policial para atender às novas exigências surgidas no processo de redemocratização do país, sem, contudo, abrir mão de áreas e tarefas consideradas exclusivas do efetivo masculino, fundamentadas em velhas estratégias de “guerra”, responsáveis pela morte de milhares de pessoas em São Paulo a partir das conhecidas ações da Rota nos anos 1980, conforme revelou o jornalista Caco Barcellos (2006)BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. 8ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2006.. A brutalidade das ações policiais, ampliada durante a ditadura militar como expressão do aprofundamento das desigualdades sociais e de práticas autoritárias voltadas ao controle dos segmentos mais pobres, colaborou de forma decisiva para ampliar o descrédito da sociedade nas polícias (PINHEIRO, 1997PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias. Tempo Social, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 43-52, maio 1997. ISSN 1809-4554. Disponível em: <https://bit.ly/2jVazbD>. Acesso em: 25 mar. 2013. doi: https://doi.org/10.1590/ts.v9i1.86438.
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).

Após o silenciamento forçado durante os anos de chumbo, a exposição de graves contradições sociais geradas, que repercutiram na explosão dos casos de violência e criminalidade no país, passa a ser um grande desafio para os órgãos de segurança pública no país, sobretudo para a imagem dessas instituições que se encontrava bastante desgastada depois de décadas de abusos cometidos. Utilizando uma estratégia que se mostraria comum a outras organizações policiais no país, como evidenciaram Bárbara Soares e Leonarda Musumeci (2005)SOARES, Barbara Musumeci & MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2005. sobre o Rio de Janeiro, a PMESP passou a empregar mulheres em diferentes atividades na corporação, fugindo à exclusiva missão assistencial reservada ao público feminino. Em monografia de especialização, o então capitão da PMESP Luiz Antonio Santos destaca o que seriam as vantagens de inserir policiais femininas no serviço de trânsito, não sem antes apresentar algumas ressalvas:

Não se pode compará-la fisicamente ao homem e nem quer ela competir com ele, jamais poderia ser assim, apenas ajudá-lo naquilo que lhe compete, ter o seu espaço para poder desempenhar seu trabalho junto à comunidade.

A utilidade da policial feminino no trânsito é inegável, já tendo demonstrado nestes poucos meses empregados em São Paulo, mas o seu emprego deve ser adaptado às peculiaridades do sexo feminino, físicos, fisiológicos e psicológicos, conclue-se [sic] neste trabalho.

(…) (SANTOS, 1986SANTOS, Luiz Antonio. Policial Feminina no Trânsito. Monografia em Aperfeiçoamento de Oficiais, Polícia Militar do Estado de São Paulo, São Paulo, 1986., p.4)

As policiais femininos tem condições de bem representar o seu papel nas campanhas de educação no trânsito, com palestras ministradas nas escolas sem esquecermos que são elas as mais indicadas para prosseguirem no já sucesso que é o projeto Vida, iniciativa da Polícia Militar por serem dotadas de qualidades essenciais na transmissão de educação a estudantes de tenra idade (1º grau).

A policial feminina já faz parte do contexto social não encontra problemas de aceitação e adaptação. A figura da mulher fardada no trânsito é vista com naturalidade, principalmente pelo pedestre que vê na sua farda a sua segurança e a Polícia Militar precisa explorar bem esse lado positivo de um dos seus segmentos. (SANTOS, 1986, p. 68, grifos meus)15 15 O oficial reforça nas considerações do trabalho o que seriam as características essenciais do público feminino: “meiguice”, “delicadeza”, “carinho”, “paciência”. Por esses atributos, ele afirma que as mulheres nem precisariam utilizar armas no trabalho com a comunidade. A fim de garantir o melhor emprego de um efetivo feminino na atividade de trânsito, Santos afirma que seria preciso exigir treinamento mais rigoroso daquele exigido das mulheres em outras atividades. Ponderados os aspectos negativos (gravidez, menstruação, fardamento não adequado, ausência de creches) e positivos (caráter incorruptível, maior confiança da sociedade, paciência na orientação do trânsito, maior senso de responsabilidade e firmeza nas ações), o oficial considera válido o emprego feminino na atividade sem, contudo, desprezar as especificidades da natureza feminina, que devem ser corrigidas pelos treinamentos e adequação da jornada de trabalho. Destaca o autor: “a mulher não pode e nem deve ser comparada ao homem, pois possui menor energia muscular, é mais frágil fisicamente, ritmo biológico específico e alguns fatores psicológicos próximos do temperamento feminino como a timidez, o temor, o altruísmo, a resignação, a afetuosidade e a maior sensibilidade no trato social, entre outros” (SANTOS, 1986, p. xx).

A maior presença das mulheres nesse campo visava, assim, entre outros objetivos, suavizar os contornos autoritários dos órgãos de segurança ao fazer uso de estratégias focadas no uso social da imagem da mulher em campanhas midiáticas e na presença obrigatória em solenidades públicas, nas quais se reforçavam dimensões consideradas inerentes à natureza feminina, como “cuidado”, “delicadeza”, “sensibilidade”, “bondade”, entre outras características. Com o esgotamento da ditadura militar, as ações reservadas às mulheres serão cuidadosamente ampliadas, ao passo que a imagem das policiais busca preservar a face humana e sensível das corporações, como destaca em 1980 o suplemento especial Evolução da União Brasileira de Policiais Civis, em homenagem aos 25 anos do 1º Batalhão de Polícia Feminina de São Paulo: “O amor é a sua arma; o carinho, sua munição!” (O AMOR, 1980, s/p.).16 16 Ano IX, Número CXVI, São Paulo, Dezembro de 1980. Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

O fim do regime militar e ampliação das atribuições femininas na Polícia Militar: entre mudanças e continuidades

Centradas inicialmente em ações preventivas destinadas ao cuidado e proteção de menores e mulheres, as atribuições reservadas às mulheres na polícia foram ampliadas de forma significativa, ainda que com frequência continuassem sendo empregadas nos setores internos da instituição e em atividades que demandavam a manutenção da ordem a partir de uma expressão de “bondade” e “cuidado”.

A Polícia Feminina, destinada ao desenvolvimento de um trabalho eminentemente assistencial na primeira década de existência, incorporou novas funções como resultado de mudanças sociais mais amplas na sociedade, a partir da construção e difusão de novas sociabilidades pelos meios de comunicação de massa, onde o movimento de mulheres encontra espaço de expressão e reivindicação de direitos, contribuindo assim decisivamente para pensar os lugares do feminino na sociedade e apontar novos arranjos sociais.

Se a problemática do menor, dos imigrantes, dos idosos e mulheres constituiu o fundamento do trabalho da Polícia Feminina nos primeiros anos de fundação, essa especialização passou a ceder lugar paulatinamente ao caráter mais difuso do trabalho policial, sobretudo a partir da sua incorporação à Força Pública, nos anos 1970, para criação da PMESP. A fusão dessas instituições impôs importantes desafios à segurança pública do estado e, particularmente, à cultura policial militar, que se viu forçada pelo peso simbólico da experiência da Polícia Feminina a pensar estratégias de assimilação do efetivo feminino em suas estruturas internas e rotina organizacional, de modo a acompanhar as transformações operadas na sociedade e que reclamavam mais oportunidades para as mulheres para além dos trabalhos considerados eminentemente femininos.

Desse modo, a presença feminina na PMESP se deu de forma indireta, visto que, no momento da integração dos efetivos da Guarda Civil e da Força Pública, a Polícia Feminina já era uma experiência conhecida e consolidada socialmente. Apesar das resistências em alguns setores dessas corporações, a dissolução da experiência se mostrava uma decisão pouco provável na medida em que a presença tinha sido assimilada e os serviços prestados gozavam de destacado reconhecimento da sociedade paulista, assim como ocorreu em outros estados. A inserção feminina na polícia mostrava-se, portanto, praticamente “um caminho sem volta”.

A permanência do público feminino no desempenho de funções assistenciais e de prevenção foi por muito tempo dado como uma garantia de que as mulheres não concorreriam com os homens na seara policial. No entanto, as transformações operadas na sociedade e que levaram à ampliação da presença feminina no mercado de trabalho, além da emergência de novas modalidades de crimes e dos bons resultados do trabalho das mulheres policiais, sobretudo para a imagem das instituições, acabaram por pressionar os gestores a apostar na ampliação da presença das mulheres, empregando-as em setores e atividades antes exclusivas dos policiais masculinos. Ainda assim, informalmente se apostou na reserva de espaços exclusivos para os homens no campo policial, com o aumento do número de mulheres.

Embora reclamada publicamente por veículos de imprensa como uma forma de melhorar a relação entre a polícia e a sociedade desde os anos 1970, como expressa o texto publicado no dia 5 de maio de 1976, na coluna Caráter Geral, do periódico Notícias Populares, a ampliação da presença feminina nas ações de policiamento no centro da cidade, vista ao mesmo tempo como saneadora da imagem institucional e complementar ao trabalho masculino, seguiu sendo limitada. Se, por um lado, o trabalho das “moças do Batalhão Feminino” era apresentado como a face “simpática” da corporação, capaz de alterar positivamente a relação entre a sociedade e a polícia, na medida em que ofertava a sensação de segurança por meio de uma presença vista como discreta e cortês por outro, reforçava-se que, diante da possibilidade da presença das policiais não surtir o efeito desejado no controle das ocorrências, este seria imediatamente compensado através do uso de “transmissores-receptores”, apresentados como recursos essenciais para reclamar a presença de policiais do “sexo forte”, prontos a garantir a preservação da autoridade compreendida pelo senso comum como permanentemente sob ameaça:

Infelizmente, parece que não foi avante o esquema de policiamento que colocava no centro da cidade as moças do Batalhão Feminino, cuja falta, talvez realçada pelos efetivos restritos, tem se feito sentir nas ruas. Por suas próprias condições, as comandadas da Cel. Jeanette Fiuza representam quem sabe, se não a mais urbana, pelo menos, a mais simpática faceta da Polícia. Embora possamos estar errados, diríamos que aumentar seus efetivos nas ruas, fazendo-as substituir aos poucos as rondas ostensivas, na pior das hipóteses significaria sensível melhora nas relações público-polícia. Argumentar que essas jovens tem poucas condições para enfrentar a violência urbana é bem pouco concludente, já que, seu serviço pode perfeitamente limitar-se ao patrulhamento. Em caso de imprevistos e situações que requeiram a presença de patrulha convencionais, o simples expediente do uso de transmissores-receptores poderia acionar seus companheiros do sexo forte, das Polícias Civil e Militar que, estrategicamente colocados, atenderiam com tanta presteza como o fazem hoje, acionados pelas centrais de comunicação das duas polícias. (MULHERES..., 1976, s/p)17 17 Fonte: Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1º Batalhão de Polícia Feminino, Relações Públicas. Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

A diversificação das atividades reservadas às mulheres na polícia pode ser considerada resultado tanto das pressões externas sobre a instituição, que reclamavam mais espaço para as mulheres nos diferentes setores de trabalho, como das iniciativas formuladas por alguns setores da PM de explorar a imagem positiva da Polícia Feminina e assim melhorar os níveis de confiança da população na polícia. A ampliação da presença feminina na PM vai provocar alterações importantes do trabalho das mulheres na corporação, como pode ser visualizado nos relatórios dos livros de ocorrência dos postos policiais femininas. Se antes é apresentada uma descrição minuciosa das ocorrências, no início dos anos 1980, além dos dados pessoais como nome, idade, cor, estado civil, endereço, o relatório se mostra mais sucinto, limitando-se muitas vezes a classificar o tipo de ocorrência e a informar se era caso de conflito conjugal, domiciliar, entre vizinhos, ou se dizia respeito à comunicação de desaparecimento18 18 No caso de desaparecimento, costumava-se anotar as características físicas do desaparecido, como altura, cor, sinais evidentes, roupas que usava no dia do sumiço, além de outras informações consideradas relevantes, como o local do suposto desaparecimento e se a pessoa sofria de algum transtorno psíquico ou outra doença. Em algumas situações, anexava-se fotografia da pessoa desaparecida acompanhada de número de telefone para contato em caso de informações que pudessem ajudar na localização. de ente familiar ou busca de informações para conseguir dos órgãos de assistência do Estado trabalho, pensão ou transporte, por exemplo.

As descrições mostram-se cada vez mais objetivas e no caso dos postos que não mantinham relação direta com os órgãos de assistencial social, os encaminhamentos aparecem mais vinculados às expectativas do trabalho policial focado na dissuasão de comportamentos indesejáveis que de amparo, como visualizado nas primeiras décadas. Um exemplo interessante está no relato das frequentes rondas realizadas por uma dupla de policiais femininas na Catedral da Sé. Numa delas, o relatório salienta as recorrentes advertências dadas pelas policiais para que onze moradores de rua, sendo nove homens e duas mulheres, se retirassem do interior da igreja, onde o grupo supostamente insistia em dormir nos bancos, provavelmente na tentativa de fugir do frio comum no mês de julho, visto que no relatório a policial faz referência ao uso do uniforme oitavo com capote e bota. O relato leva a entender que, diante da determinação, os moradores de rua saem da igreja para ocupar locais próximos, destoando assim do padrão de registro verificado nos primeiros anos da Polícia Feminina.

Ao observar ocorrências semelhantes, vê-se que em nenhuma delas se faz referência ao encaminhamento dos moradores a órgãos de assistência ou abrigo, mas a intensificação das revistas pessoais em mulheres suspeitas ou que ameaçavam a tranquilidade do local em razão do comportamento ou vestimentas considerados “inadequados”. Não há, também, a identificação da procedência, registro das características pessoais desse público, tampouco o relato de admoestações apresentadas, como se mostrava comum anteriormente. Em 29 de dezembro de 1985, os sargentos Lázara e Amália advertem cinco homens e duas mulheres que estavam dormindo nos bancos da Catedral da Sé e solicitam na mesma ocasião que uma mulher saia da igreja por encontrar-se, segundo o registro, em “trajes sumários”.

A maior aproximação de ocorrências classificadas como “policiais” e, portanto, vistas como mais próximas do universo masculino não significa que as policiais deixaram de realizar antigas funções, como dar informações e aconselhar jovens e mulheres na resolução de problemas pessoais, incluindo os que, vindos de alguma região do país ou fora dele, precisavam de algum tipo de assistência médica, social ou mesmo de indicação de um local para ficar. Superado o receio registrado nos primeiros anos, tornou-se comum recorrer às policiais em busca de informações, sendo as mulheres na polícia consideradas a face humana e por isso mais acessível da instituição.

Em registro de ocorrência no dia 4 de setembro de 1985, a cabo feminino PM Elza informa que às 8 horas da manhã, ao realizar ronda com sua colega de trabalho, cabo Tânia Regina, foram procuradas por Rosemary Tavares de Jesus, 20 anos de idade, natural e procedente de Itabaiana, SE. Ela conta que Rosemary é professora, informação constatada em sua carteira de trabalho, na qual havia o registro de alguns meses numa escola de 1º grau, e que esta, aluna do primeiro semestre de Pedagogia, havia acabado de chegar do estado de Sergipe e necessitava de um pensionato para se instalar. Após várias tentativas, conseguiram, através de contato telefônico e indicação do Padre Hélio, encontrar uma vaga para a professora no pensionato para moças “Casa Madre Thereza Michel”. O relato mais detalhado dessa ocorrência indica as diferenças na forma de atendimento prestado, que tendiam a variar conforme os diferentes tipos sociais em questão, sendo comum marcar no registro de situações que demandavam informações, orientações ou encaminhamento assistencial um tipo de resposta na qual ficava marcada uma ação “com rigor e bondade” enquanto em outras situações, que envolviam certa presunção de culpa com pouca disposição para alteração dos comportamentos, apenas rigor e aparente indiferença. Há apenas nesses casos uma rápida referência, manifestada pelo simples encaminhamento aos “órgãos responsáveis” ou indicação de “cooperação” na manutenção da ordem com a realização de rondas e/ou revistas pessoais.

Nas situações que envolviam crianças ou adultos sem histórico policial, é comum encontrar no registro das ocorrências conselhos para que não reincidissem em comportamentos “indesejados” ou passassem a levar uma vida diferente: seja o jovem em conflito com os pais que resolve fugir de casa ou, levado por comportamento lascivo, tenta abusar de alguém, seja a “jovem imatura” que se deixa seduzir por “falsas promessas” de trabalho ou amor. Em 8 de maio de 1985, no posto policial do Centro de Triagem, Recolhimento e Encaminhamento (Cetren), o jovem de nome Daniel foi flagrado ao subir em latas de limpeza para observar mulheres do alojamento das solteiras desse órgão tomando banho, sendo em seguida advertido juntamente com sua mãe pelas policiais para que o “fato não torne a se repetir”.

O caráter moralizador da Polícia Feminina preservou-se, com a diversificação de seu emprego em outras atividades para além da orientação e encaminhamento de mulheres e menores. Com o retorno ao regime democrático, a Polícia Militar se defrontou com o desafio de reformular a imagem da instituição, bastante debilitada por décadas de abusos, sobretudo durante os anos de regime autoritário. A ampliação dos direitos civis e políticos dos brasileiros, juntamente com a maior atuação da imprensa, expuseram de forma mais contundente a face violenta da polícia, como a “Operação Camunducaia”, ocorrida em 1974, e nas ações violentas da Rota e de grupos de extermínio formados por policiais na década de 1980.

A presença das mulheres na corporação foi explorada como um instrumento importante para a reformulação da imagem da Polícia Militar. Para isso, ampliou-se de forma significativa o efetivo feminino, empregando-o em setores e atividades até então exclusivamente masculinos, como ocorreu com a área de trânsito, que passou a contar com mulheres a partir de 1986 por meio da criação de Companhia de Trânsito Feminino, encarregada de “humanizar” o trânsito e atuar na aplicação mais segura das penalidades e na melhor orientação do tráfego.

O ingresso feminino na Polícia Militar, que desde 1970 acontecia a partir do posto de Terceiro Sargento, passa, em 1989, a ocorrer também através da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, onde os treinamentos e instruções da formação de oficiais passaram a ser desenvolvidos integrados ao efetivo masculino. Em 1990, foram criados mais dois batalhões de polícia femininos, compondo o Comando de Policiamento Feminino que iniciaria atividade de radiopatrulha. Foi a partir desse ano que as mulheres puderam andar armadas, havendo alterações no fardamento, com a substituição no trabalho ostensivo da saia e sapato de salto por calças e coturnos, sinalizando assim uma atuação inegavelmente mais diversificada, mas que, ao procurar responder às demandas sociais por maior igualdade entre homens e mulheres na corporação, procurou preservar limites e critérios à atuação feminina nas ruas baseados em características relacionadas a um modelo tradicional de masculinidade sustentado na ideia de exposição ao risco e que continuou a ver no exercício da violência, sobretudo em relação aos segmentos marginalizados, um recurso visto como importante para a manutenção da autoridade policial.

Considerações finais

A análise da trajetória histórica das mulheres na PMESP durante o período dos governos militares pós-golpe de 1964 revela aspectos importantes não apenas sobre o processo de ampliação significativa do seu efetivo, alteração das formas de ingresso e da natureza do trabalho feminino na instituição, mas, sobretudo, a respeito das transformações e diretrizes que marcaram o campo da segurança pública no país no período.

Antes restritas ao desempenho de tarefas assistenciais, as mulheres passaram, ao longo dessa fase, a desempenhar atividades até então exclusivas dos policiais masculinos, como o policiamento ostensivo, abordagens a moradores de rua, controle do público em casas de espetáculos e orientação do trânsito, incorporando-se mais diretamente nos meandros do campo policial, o que significou serem submetidas a um processo semelhante ao destacado por Geneviève Pruvost (2008)PRUVOST, Geneviève. De la « sergote » à la femme flic: une autre histoire de l’institution policière (1935-2005). Paris: La Découverte, 2008. de negociação quotidiana de sua presença, percebida como ameaçadora na corporação. De modo geral, as policiais viram-se guiadas pelo duplo objetivo de “modernizar” a imagem da polícia militar, ajustando-a a experiências de outras polícias no mundo, sem, contudo, alterar uma cultura fundada em valores masculinos tradicionais menos ligados ao sentido de proteção aos cidadãos e claramente mais orientados às demonstrações de virilidade e ao emprego da violência.

A partir das demandas sociais divulgadas pela imprensa em torno dos direitos femininos, a exemplo do divórcio, do acesso a creches, à liberdade sexual, bem como à maior representação no mundo político e do trabalho, instituições como a PMESP viram-se forçadas à crescente incorporação das mulheres em suas estruturas, tendo as policiais buscado desde o primeiro momento conciliar o desejo de maior igualdade na polícia frente ao desafio de vencer desconfianças, tanto internas quanto do público externo, dando garantias de uma competência fundada num modelo hetenormativo comprometido com a ética militar.

Especialmente num contexto no qual o feminismo avançava no mundo e o retorno à democracia passava a expor com maior frequência a face autoritária e violenta do regime, a presença feminina no campo policial despontou, assim, como uma oportunidade de responder às demandas em torno da “modernização” das instituições policiais numa fase de crescimento dos centros urbanos e de ampliação das desigualdades no país, representada pela emergência do tema da imigração, dos menores e da necessidade de “humanização” do trânsito. A disposição para atuar na assistência aos “desvalidos”, que aportavam na cidade em busca de oportunidade de sobrevivência e atendimento aos menores, somou-se ao trabalho de regulação moral dos espaços e de investigação, norteado por diferentes propósitos, mas numa perspectiva considerada complementar ao trabalho masculino.

A ampliação dos espaços possíveis ao público feminino, representada pelas alterações no fardamento, a exemplo do uso do coturno, da calça e do porte ostensivo de revólver, não representou, assim, o fim das restrições reservadas às mulheres na PM, e algumas unidades, como a Rota, conhecida desde sua fundação pelo caráter repressivo e violento, persistiram informalmente vedadas à sua participação, mesmo após a redemocratização, sob o argumento de “preservação” da tradição, da autoridade e do “respeito” às especificidades dos gêneros masculino e feminino. De certo modo, a ampliação da presença feminina na polícia ao longo da ditadura e após o retorno ao regime democrático - um processo guiado tanto por atores internos quanto externos às diferentes militares e policiais - pode ser compreendido como um tipo de “contraofensiva” das diferentes organizações frente à atuação dos movimentos ligados à defesa dos direitos das mulheres e orientados à transformação do mundo do trabalho e das instituições de segurança, num contexto de crise dos regimes autoritários no mundo.

Atuando, desse modo, como “reservatórios de sentido” (BERGER; LUCKMANN, 2004BERGER Peter L. e LUCKMANN, Thomas . Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.), manancial das representações sociais que estruturam a identidade dos grupos mais tradicionais na polícia, esses espaços continuaram a encarar o ingresso das mulheres como fonte potencial de ameaça à identidade histórica dessas corporações, constituindo-se o público feminino um “outro indesejado” e ao mesmo tempo um elemento necessário para que ela pudesse evidenciar sua face mais “moderna”. É, em especial, frente à demanda de populares, comerciantes e jornalistas em torno de “soluções” para a problemática de delinquência juvenil, da mendicância e da imigração, vistos como fatores a comprometer a tranquilidade dos centros urbanos, que as polícias passam a ampliar a presença feminina em suas estruturas, a fim de transformar sua imagem social sem alterar a ordem interna.

Dessa forma, ao ser apontada principalmente como razão potencial de desequilíbrio, particularmente nos setores tradicionais da polícia, a presença feminina e os ideais associados aos segmentos de classe média foram manejados conforme os interesses que compõem a ética militar, seja no atendimento de mulheres, migrantes e crianças pobres, seja nas ações de investigação e regulação contra os “inimigos” do regime, figurando, imaginariamente, em tempos de silenciamento forçado, como a “flor” que antecede o uso do “cassetete”.

  • *
    Expressão extraída da poesia de José Bittencourt Cabral dedicada às policiais femininas de São Paulo, por ocasião da instalação do Batalhão de Polícia Feminina em Campinas, em 1977. O presente artigo é uma versão ampliada de um dos tópicos do primeiro capítulo da tese de doutorado intitulada “Sou policial, mas sou mulher”: gênero e representações sociais na Polícia Militar de São Paulo, defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), Campinas, em junho de 2014, sob a orientação da Professora Mariza Corrêa. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo, não publicado em plataforma de preprint.
  • 1
    Trechos da Canção da Polícia Feminina de São Paulo. De autoria de Marina Trincânico e música de Paul Kleming Max, o hino foi criado em 1956, um ano após a fundação da Polícia Feminina paulista, sendo ainda atualmente entoado nas solenidades voltadas à comemoração do aniversário do ingresso das mulheres no campo policial e por ocasião de homenagens ao público feminino na corporação policial paulista.
  • 2
    Sobre a migração, a revista Promoção Social - São Paulo publicava texto com o título “A culpa que São Paulo não tem”, no qual esclarecia que cerca de 300 mil pessoas migravam todos os anos para São Paulo atraídos pela “fama errada” de emprego e dinheiro fácil e que, embora não fosse “culpado” pelo problema, o governo fornecia passes de retorno para cidades de origem, alimentação e outras formas de auxílio à população necessitada (A CULPA..., 1977A CULPA que São Paulo não tem. Promoção Social: São Paulo, São Paulo, ano 3, n. 12, p. 29-33, out.1977., p. 29).
  • 3
    Matéria publicada pelo jornal City News, em 27 de agosto de 1972, informa que não raramente as policiais são solicitadas para participar de investigações “de caráter sigiloso, que exigem argúcia e discrição” (SORRISO..., 1972SORRISO, a grande arma da policial. City News. s/p, 27 ago. 1972., s/p.).
  • 4
    Destacava no período o jornal Diário da Noite: “‘Trombadinhas’ estão desgraçando a cidade” (CRISCUOLO, 1975CRISCUOLO, Orlando. Trombadinhas estão desgraçando a cidade. Diário da Noite, São Paulo, s/p, 10 nov. 1975.), em 10 de novembro de 1975.
  • 5
    “Policiais mirins de ambos os sexos apresentam-se ao público” (CRIANÇAS..., 1960CRIANÇAS no Batalhão de Guardas - Policiais mirins de ambos os sexos apresentam-se ao público. Militia, São Paulo, ano 13, n. 87, p. 4, ago. 1960., p. 4).
  • 6
    As ações compreendiam aulas de música, ordem unida, formação profissional e ginástica: “todo dia, bem cedo, educação física: o professor, um homem do 14º Batalhão, sabe como transformar a obrigação da ginástica em um alegre divertimento” (OS FILHOS..., 1970OS FILHOS adotivos da Polícia Militar. (Especial). Militia: Nova Fase, São Paulo, ano 22, n. 8, p. 19-23, nov. 1970., p. 21).
  • 7
    [7] . Na revista Promoção Social - São Paulo (Ano III - outubro de 1977 - nº 12), há ampla divulgação de evento realizado pela Polícia Militar do estado para comemorar o Dia das Crianças. O evento consistiu na realização de desfile de 2.100 “menores” assistidos pelos diversos programas sociais da instituição pelas ruas do centro da capital. Segundo o artigo, “em 21 Corporações Mirins da Capital e em 88 do Interior, a Polícia Militar do Estado vem contribuindo para a educação, integração e promoção social de 16.000 menores, os guardas mirins”. São interessantes as frases de algumas das diversas faixas carregadas pelos “menores” ao longo do desfile: “ As Secretarias da Segurança e da Promoção Equacionam Juntas o Problema Social”; “Polícia Militar Educa 16 Mil Menores”; “PLIMEC: É Melhor Prevenir a Marginalização que Remediá-la”; “A FEBEM: Está Cumprindo sua Parte em Relação a Nós: E Você?; “Metas Básicas da FEBEM: Saúde - Educação - Profissionalização - Esporte - Lazer”; “Cuidem de Mim Hoje e Eu Cuidarei do Brasil Amanhã”; “Menor: Um Investimento Útil e Promissor” e “Somos Gente Como Você. Precisamos do seu apoio e da sua compreensão” (BERNARDES JÚNIOR, 1977BERNARDES JÚNIOR, Artur. São Paulo sabe onde está o menor. Promoção Social: São Paulo, São Paulo, ano 3, n. 12, p. 2-9, out. 1977., p. 5).
  • 8
    Parte S/Nº. 24 jun. 1974. 33º Batalhão de Polícia Militar, Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: Acervo do Museu da Polícia Militar de São Paulo.
  • 9
    Se, em 1969, o efetivo da Polícia Feminina não totalizava uma centena de policiais, concentradas a partir de 1970 no 33º Batalhão de Polícia Militar, em 1984, o Batalhão contava com 728 mulheres, com perspectiva de ampliação desse número para o mesmo ano. Matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em novembro de 1984, informava que no concurso anterior para seleção de policiais femininas, realizado em 1983, houve registro de grande procura, quando 6.930 mulheres se inscreveram para concorrer a 170 vagas abertas pela Polícia Feminina (POLÍCIA…, 1984POLÍCIA Militar assiste menores favelados. Folha da Tarde, São Paulo, s/p, 14 nov. 1975., p. 21).
  • 10
    O jornalista paulista Gilberto Luiz Di Piero, conhecido como Giba Um, é considerado um dos criadores do colunismo social no Brasil. Atuou em importantes jornais no país como Folha da Tarde (São Paulo), Diário da Noite (São Paulo), Última Hora (São Paulo) e Editora Abril. Possui um site com seu nome e apresenta programa homônimo nas TVs paulistas Alphaville e TVA (GIBA…, 2012GIBA Um. Portal dos Jornalistas, São Paulo, nov. 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2k0c0FW>. Acesso em: 9 fev. 2014.
    https://bit.ly/2k0c0FW...
    ).
  • 11
    No final dos anos 1970 e início da década de 1980, foram realizadas diversas operações pelas polícias Civil e Militar em São Paulo, os chamados rondões, com o objetivo de, orientadas por uma perspectiva higienizadora de áreas centrais da cidade, reprimir a prostituição de rua, inicialmente a feminina e depois as travestis e redutos homossexuais, como esclarece Rafael Freitas Ocanha em sua pesquisa de mestrado (2014), que cita ainda o emprego de policiamento feminino em São Paulo para combater desde casos de tráfico de drogas à prostituição. Mais recentemente, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Brasília, DF: CNV, 2014.) evidenciou como a repressão policial durante a ditadura atuou de forma violenta sobre esse grupo por meio de prisões arbitrárias, espancamentos e torturas.
  • 12
    A resistência à presença das mulheres na PMESP no período mantém relação também como o fato, segundo alguns policiais que entrevistamos ao longo da pesquisa, de elas terem ingressado na instituição já como sargentos e não na graduação de soldados, percurso comum a maior parte dos policiais. A posição de superioridade na hierarquia, uma forma de ajustar os maiores salários recebidos por parte do efetivo feminino ainda na Guarda Civil, foi possivelmente uma forma encontrada de ajustar posições e remuneração durante o processo de fusão entre as corporações no ano de 1970. O que, somado ao machismo existente no meio policial militar, contribuiu para ampliar as tensões de gênero na caserna nos primeiros anos.
  • 13
    Trecho da palestra da Sra. Carmem Prudente, Presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, publicado no jornal Cidade de Santos, em 6 de abril de 1975. Fonte: Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
  • 14
    O conjunto de pesquisas sobre as delegacias da mulher, hoje delegacias especializadas no atendimento à mulher (Deam), é bastante amplo, destacando-se os trabalhos de Grossi (1998GROSSI, Miriam Pillar. Rimando amor e dor: reflexões sobre violência no vínculo afetivo-conjugal. In: GROSSI, Miriam Pilar; PEDRO, J. Masculino e feminino, plural. Florianópolis: Mulheres, 1998., 1991)GROSSI, Miriam Pillar. Vítimas ou cúmplices? Dos diferentes caminhos da produção acadêmica sobre violência contra mulher no Brasil. XV Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, 1991 (mimeo)., Carrara (2002)CARRARA, Sérgio, VIANNA, Adriana R. Barreto e ENNE, Ana Lúcia. Crimes de bagatela: a violência contra a mulher na justiça do Rio de Janeiro. Gênero e cidadania. Campinas: Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero, Unicamp, 71-106, 2002., Gregori (1993)GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. São Paulo: Paz e Terra, 1993., Izumino (1998)IZUMINO, Wânia Pasinato. Gênero, Violência e Direitos Humanos: as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher. Otawa: Human Rights Research and Education Centre (HRREC). University of Ottawa, 1998., Pasinato (2006)PASINATO, Wânia. Atendimento a mulheres em situação de violência em Belo Horizonte. In: LEOCÁDIO, Elcylene e LIBARDONI, Marlene (Org.). O desafio de construir redes de atenção às mulheres em situação de violência. Brasília: AGENDE, p. 131-167., Piscitelli (2002)PISCITELLI, Adriana. Delegacias Especiais de Polícia em contexto: reflexões a partir do caso de Salvador-BA. In: DEBERT, Guita Grin, GREGORI, Maria Filomena e PISCITELLI, Adriana (org.). Gênero e distribuição da justiça: As Delegacias de Defesa da Mulher e a construção das diferenças. Campinas: Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero - Unicamp. 2002, p. 89-144., Soares (1996)SOARES, Luís Eduardo; SOARES, Bárbara Musumeci e CARNEIRO, Leandro Piquet. Violência contra a mulher: as DEAMS e os pactos domésticos. In: SOARES, Luís Eduardo et al. Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iser/Relume Dumará, 1996., entre outros. Pode-se citar também os importantes estudos: “En-gendering the Police: Women’s Police Stations and Feminism in São Paulo”, de Cecília MacDowell Santos (2004)SANTOS, Cecília MacDowell. En-gendering the police: women’s police stations and feminism in São Paulo. Latin American Research Review, Austin, v. 39, n. 3, p. 29-55, 2004., e Violence in the city of women: police and batterers in Bahia, Brazil, de Sarah J. Hautzinger (2007)HAUTZINGER, Sarah J. Violence in the city of women: police and batterers in Bahia, Brazil. University of California Press, 2007.. É bastante provável que a iniciativa da criação da delegacia de defesa da mulher em São Paulo seja tributária da experiência feminina na Guarda Civil e posteriormente na Polícia Militar, onde os postos de atendimento em rodoviárias, estações de trem e aeroportos ajudaram a reforçar a concepção sobre a necessidade de compor um público feminino como a solução mais adequada para o atendimento de mulheres. Em suma, as mulheres saberiam melhor lidar com os dramas de outras mulheres.
  • 15
    O oficial reforça nas considerações do trabalho o que seriam as características essenciais do público feminino: “meiguice”, “delicadeza”, “carinho”, “paciência”. Por esses atributos, ele afirma que as mulheres nem precisariam utilizar armas no trabalho com a comunidade. A fim de garantir o melhor emprego de um efetivo feminino na atividade de trânsito, Santos afirma que seria preciso exigir treinamento mais rigoroso daquele exigido das mulheres em outras atividades. Ponderados os aspectos negativos (gravidez, menstruação, fardamento não adequado, ausência de creches) e positivos (caráter incorruptível, maior confiança da sociedade, paciência na orientação do trânsito, maior senso de responsabilidade e firmeza nas ações), o oficial considera válido o emprego feminino na atividade sem, contudo, desprezar as especificidades da natureza feminina, que devem ser corrigidas pelos treinamentos e adequação da jornada de trabalho. Destaca o autor: “a mulher não pode e nem deve ser comparada ao homem, pois possui menor energia muscular, é mais frágil fisicamente, ritmo biológico específico e alguns fatores psicológicos próximos do temperamento feminino como a timidez, o temor, o altruísmo, a resignação, a afetuosidade e a maior sensibilidade no trato social, entre outros” (SANTOS, 1986SANTOS, Luiz Antonio. Policial Feminina no Trânsito. Monografia em Aperfeiçoamento de Oficiais, Polícia Militar do Estado de São Paulo, São Paulo, 1986., p. xx).
  • 16
    Ano IX, Número CXVI, São Paulo, Dezembro de 1980. Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
  • 17
    Fonte: Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1º Batalhão de Polícia Feminino, Relações Públicas. Acervo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
  • 18
    No caso de desaparecimento, costumava-se anotar as características físicas do desaparecido, como altura, cor, sinais evidentes, roupas que usava no dia do sumiço, além de outras informações consideradas relevantes, como o local do suposto desaparecimento e se a pessoa sofria de algum transtorno psíquico ou outra doença. Em algumas situações, anexava-se fotografia da pessoa desaparecida acompanhada de número de telefone para contato em caso de informações que pudessem ajudar na localização.

Fontes

Fontes
  • A CULPA que São Paulo não tem. Promoção Social: São Paulo, São Paulo, ano 3, n. 12, p. 29-33, out.1977.
  • BERNARDES JÚNIOR, Artur. São Paulo sabe onde está o menor. Promoção Social: São Paulo, São Paulo, ano 3, n. 12, p. 2-9, out. 1977.
  • BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade Brasília, DF: CNV, 2014.
  • CABRAL, José Bittencourt. Policiais Femininas. 1º BPFEM - Histórico, Polícia Militar do Estado de São Paulo, Batalhão Feminino, Assuntos Civis, p. 11, s/d.
  • CENTRO de Recreação e Triagem do Juizado de Menores. SSP - Revista Mensal da Polícia de S.Paulo, São Paulo, ano 1, n.7, p.8, mai. 1968.
  • CRIANÇAS no Batalhão de Guardas - Policiais mirins de ambos os sexos apresentam-se ao público. Militia, São Paulo, ano 13, n. 87, p. 4, ago. 1960.
  • CRISCUOLO, Orlando. Trombadinhas estão desgraçando a cidade. Diário da Noite, São Paulo, s/p, 10 nov. 1975.
  • DI PIERO, Gilberto Luiz. GIBA UM. Homem ‘com todas as letras’. Última Hora, São Paulo, s/p, 25 mar. 1975.
  • GIBA Um. Portal dos Jornalistas, São Paulo, nov. 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2k0c0FW>. Acesso em: 9 fev. 2014.
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  • FAVARO, 2º Ten Fem PM OF P/5 Vera Maria. Parte S/Nº endereçada à Comandante do Batalhão 24 jun. 1974.
  • FEMINISMO e feminilidade: palestra. Cidade de Santos, Santos, 6 abr. 1975.
  • GENERAL elogia as polícias femininas. Diário Popular, São Paulo, s/p, 21 set. 1981.
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    Editado por

    Editores Responsáveis: Iris Kantor e Rafael de Bivar Marquese

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2020
    • Data do Fascículo
      2020

    Histórico

    • Recebido
      21 Fev 2019
    • Aceito
      18 Jun 2019
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