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AS ORIGENS DO MOVIMENTO NEGRO EM PORTUGAL (1911-1933): UMA GERAÇÃO PAN-AFRICANISTA E ANTIRRACISTA1 1 Este artigo resulta da pesquisa realizada por Pedro Varela a partir de fundos nacionais, por meio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/129171/2017; e, ainda, no âmbito do projeto COMBAT, com apoio financeiro da FCT, por intermédio de fundos nacionais e cofinanciamento do FEDER, integrado no Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020, no âmbito do projeto PTDC/IVC-SOC/1209/2014-POCI-01-0145-FEDER-016806. Resulta igualmente da pesquisa realizada por José Augusto Pereira, a partir de fundos nacionais, por meio da FCT, no âmbito da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/148855/2019. Todas as fontes e bibliografia empregadas são referidas no artigo. Os dois autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo, que não foi publicado em plataforma de preprint.

THE ORIGINS OF THE BLACK MOVEMENT IN PORTUGAL (1911-1933): A PAN-AFRICANIST AND ANTI-RACIST GENERATION

Resumo

Entre 1911 e 1933 surgiu um movimento negro em Portugal que estava integrado no pan-africanismo internacional da época, lutou contra o racismo e iniciou um processo embrionário e ambivalente de questionamento do colonialismo. Durante a Primeira República Portuguesa (1910) e a ditadura do Estado Novo (1933), esta geração fundou vários jornais e diversas organizações em Lisboa. No entanto, até hoje existe um enorme silêncio historiográfico acerca deste movimento. Neste artigo, buscar-se-á, de forma inédita, demonstrar a emergência de um movimento negro politicamente organizado em Portugal no início do século XX, fundamentalmente por meio da análise da sua imprensa.

Palavras-chave:
Movimento negro - Pan-africanismo - Antirracismo - Imprensa negra - Primeira República Portuguesa

Abstract

Between 1911 and 1933 a black movement emerged in Portugal, it was part of the international pan-Africanist movement from its time, struggled against racism and also started an early and ambivalent process of questioning colonialism. During the First Portuguese Republic (1910) and the dictatorship of Estado Novo (1933), this generation established several newspapers and many organizations in Lisbon. However, to this day, there is an enormous historiographical silence about this movement. In this article, we seek in an unprecedented way to demonstrate the emergence of a politically organized black movement in Portugal at the beginning of the 20th century, fundamentally through the analysis of its press.

Keywords:
Black movement - Pan-africanism - Anti-racism - Black press - First Portuguese Republic

Introdução

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise e discutir a respeito do movimento negro em Portugal de 1911-1933. Pretende-se identificar os seus principais atores, as suas organizações, definir os seus eixos de intervenção e inseri-los no contexto político e social da época. Procura-se demonstrar em que medida estes homens e mulheres combateram o racismo em Portugal, rompendo assim com o silêncio na historiografia portuguesa acerca da luta organizada dos afrodescendentes por direitos iguais no país4 2 Antropólogo, doutorando e investigador júnior do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra. .

Apesar de silenciada, a presença de negras e negros em Portugal tem sido contínua ao longo de séculos e considerada de grande relevância na idade moderna europeia (BLAKELY, 2009BLAKELY, Alisson. The Emergence of Afro-Europe. In: HINE, Darlene; KEATON, Trica; SMALL, Stephen (org.). Black Europe and The African Diaspora.Urbana and Chicago: Illionis Press, 2009, p.13-18., p.13-18). Atualmente, a população afrodescendente enfrenta a invisibilidade na sociedade portuguesa, nomeadamente na academia, e o movimento negro tem evidenciado as desigualdades no acesso ao ensino, saúde, justiça e nacionalidade, denunciando também a violência policial e a falta de recolha de dados étnico-raciais (RODRIGUES et al., 2017RODRIGUES, Anabela; et al. A urgência de um combate real às desigualdades étnico-raciais e ao racismo. Le Monde Diplomatique - versão portuguesa , fev./2017, p.6-7., p.6-7). Em Portugal, o movimento negro antirracista vive um acentuado dinamismo que se expressa mediante uma diversidade de coletivos associativos e artísticos negros (HENRIQUES, 2018HENRIQUES, Joana Gorjão. Racismo no País dos Brandos Costumes. Lisboa: Tinta da China , 2018., p.18). Deste modo, faz-se necessário, nos dias atuais, recuperar do passado a importância da população negra na transformação política, social e cultural da sociedade portuguesa.

O centro deste artigo será a análise do contributo de uma geração de ativistas sediada em Lisboa para as origens do movimento negro organizado em Portugal, seu papel para o movimento pan-africanista internacional e ação pioneira na contestação antirracista no país. Terá como baliza cronológica o período que mediou entre o lançamento do primeiro jornal desta geração (O Negro, 1911) e o último ligado ao movimento (Africa, 1933), cujo espaço temporal se enquadra entre a proclamação da Primeira República Portuguesa (1910), a Ditadura Militar (1926-1933) e a implantação do Estado Novo (1933).

Entre 1911 e 1933, surgiram em Portugal - na denominada “metrópole”, segundo a perspectiva colonialista5 3 Historiador, doutorando na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. - várias organizações dirigidas por negros que deram origem a onze títulos de imprensa. Estas organizações, estabelecidas em Lisboa, objetivavam defender os direitos dos negros procurando organizá-los em seu torno, quer se encontrassem na “metrópole”, quer se situassem em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique ou São Tomé e Príncipe, à época, colônias portuguesas.

Esta geração desponta em Portugal ao mesmo tempo que, nos territórios sob ocupação portuguesa em África, emergiam ou já estavam estabelecidas organizações que colocavam na ordem do dia a exigência de igualdade de direitos e de maior autonomia política para os africanos. Este movimento nas colônias, que era composto por elites econômicas locais e por elementos de categorias profissionais que tiveram acesso à instrução, tem merecido, por parte da historiografia, um olhar atento, classificando-se na bibliografia dedicada ao tema como movimento nativista. É relevante também referir que, desde finais do século XIX, existiam, nos territórios africanos, importantes processos de resistência contra a ocupação militar e administrativa portuguesa que ganhara fôlego no rescaldo da Conferência de Berlim. No entanto, pretende-se que o foco deste artigo incida sobre os ativistas afrodescendentes em Lisboa e as organizações por si ali construídas, embora saibamos que estas tinham pontos de contato com o dito movimento nativista (NEVES, 1990NEVES, Olga Maria Lopes Serrão Iglésias. Em defesa da causa africana. Intervenção do grêmio Africa no na sociedade de Lourenço Marques. 1908-1938. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 1990.; ANDRADE, 1997ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do Nacionalismo Africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa 1911-1961. Lisboa: Dom Quixote, 1997.; BRITO-SEMEDO, 2003BRITO-SEMEDO, Manuel. Cabo Verde: A construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, v. 2, 2003.; GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, José Marques. A difusão do nativismo em África, Cabo Verde e Angola séculos XIX e XX. Lisboa: África Debate, 2006.). Aliás, a ideia de uma dinâmica coletiva surgida simultaneamente na “metrópole” e nas colônias africanas já havia sido assinalada por Mário Pinto de Andrade (ANDRADE, Ibidem, p.77).

No plano internacional, a referida geração estabelecida em Portugal esteve integrada no movimento pan-africanista internacional, do qual faziam parte e eram influenciados, fundamentalmente, pela realidade dos Estados Unidos da América, onde viviam os seus líderes mais prestigiados como Marcus Garvey ou W.E.B. Du Bois.

A primeira obra a referir-se a esta realidade em Portugal foi Pan-africanismo: de ontem e de hoje, de autoria de Eduardo Manuel Cardoso dos Santos (SANTOS, 1969SANTOS, Eduardo Manuel Cardoso dos. Pan-africanismo: de ontem e de hoje. Lisboa: Edição do autor, 1969.). O livro dedica um capítulo a esta geração, de pendor descritivo, intitulado os primeiros anos do Pan-africanismo em Portugal. Mais tarde, em 1997, surge o livro póstumo de Mário Pinto de Andrade6 4 Este estudo teve um primeiro desenvolvimento com dois artigos jornalísticos dos mesmos autores: As origens do movimento negro e da luta antirracista em Portugal: a geração de 1911-1933. Buala. 8/1/2019; e A história silenciada do movimento negro em Portugal (1911-1933). Le Monde Diplomatique - versão portuguesa, Out./ 2019. , Origens do Nacionalismo Africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa 1911-1961, em que se realiza a mais abrangente e aprofundada análise deste movimento. O valioso trabalho deste intelectual centra-se fundamentalmente na ligação desta geração de ativistas com as origens da luta anticolonial e dos movimentos pela independência dos territórios ocupados por Portugal em África. Infelizmente, a obra do autor ficou inacabada, visto que estava previsto um segundo volume que não chegou a ver a luz do dia (KAGIBANGA, 1998KAGIBANGA, Victor. A questão da ruptura e da continuidade (proto)nacionalista na obra de Mário Pinto de Andrade: uma contribuição ao estudo sociológico do programa de pesquisa do 2.º volume da obra Origens do Nacionalismo Africa no. África: Revista Centro de Estudos Africa nos. São Paulo: USP, n.º 20-21, p. 285-303, 1998. , p.286.). No presente artigo, as perspectivas avançadas por Mário Pinto de Andrade serão frequentemente articuladas com as análises propostas.

As principais fontes utilizadas para este estudo são os jornais e revistas da imprensa negra surgida na época em Lisboa, quase sempre ligadas às suas organizações políticas. O termo imprensa negra foi utilizado na acepção dada por Petrônio Domingues (DOMINGUES, 2004DOMINGUES, Petrônio. Paladinos da Liberdade: A Experiência do Clube Negro de Cultura Social em São Paulo (1932-1938). Revista de História. São Paulo: 1.º/2004, n.º 150, p. 57-79, 2004. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br>.DOI disponível em:<https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i150p57-79>.
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, p.60), ou seja, imprensa publicada por negros e dedicada à comunidade negra. Esta imprensa foi identificada por meio das referências de Eduardo Manuel Cardoso dos Santos e Mário Pinto de Andrade às quais acrescentou-se também a revista Africa Magazine. Em seguida, todos os números arquivados na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) foram analisados, principalmente os temas que orientaram a elaboração deste trabalho. Para além dos títulos de imprensa à guarda da BNP, cujas coleções estão quase completas, estão ainda por explorar outras fontes que possibilitem um mapeamento do movimento negro.

Neste artigo, busca-se debater o silêncio em torno da presença negra em Portugal; entender as origens do movimento negro; compreender a sua integração no movimento pan-africanista internacional; realizar uma caracterização do movimento e das suas lideranças; discutir a sua posição perante o colonialismo; e, por último, demonstrar o seu papel pioneiro para o antirracismo em Portugal.

A história silenciada dos negros em Portugal

Remontam ao século XV os primeiros registros documentais que atestam a presença de negros em Portugal. No entanto, apesar das referências históricas, a influência negra na sociedade portuguesa é quase sempre ignorada na cultura hegemônica. Na academia, porém, têm sido realizadas relevantes pesquisas sobre o tema, nomeadamente por meio de estudos com relação ao esclavagismo (HENRIQUES, 2009HENRIQUES, Isabel Castro. A herança africana em Portugal. Lisboa: Clube do colecionador dos correios, 2009.; FONSECA, 2014FONSECA, Jorge. A historiografia sobre os escravos em Portugal. Cultura [online], v. 33, 2014. Disponível em: <http://cultura.revues.org/2422>.
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; CALDEIRA, 2017CALDEIRA, Arlindo Manuel. Escravos em Portugal: Das origens ao século XIX. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2017.); irmandades negras religiosas (REGINALDO, 2009REGINALDO, Luciene. África em Portugal: devoções, irmandades e escravidão no Reino de Portugal, século XVIII. História [online]. São Paulo, n.º 28 (1), 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br>.DOI disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742009000100011>.
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; LAHON, 2012LAHON, Didier. Da redução da alteridade à consagração da diferença: as irmandades negras em Portugal (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Projeto História, n.º 44, jun./2012, p. 5-83.); ou acerca da longa e silenciada presença de negros em Portugal (TINHORÃO, 1988TINHORÃO, José Ramos. Os Negros em Portugal: Uma Presença Silenciosa. Lisboa: Caminho, 1988.; LAHON, 1999LAHON, Didier. O Negro no Coração do Império. Uma memória a resgatar - Séculos XV a XIX. Lisboa: Ministério da Educação, 1999.).

O silêncio a respeito da presença de negros em Portugal deve-se fundamentalmente à construção de um imaginário de homogeneidade racial, em que não brancos são percebidos como exteriores à história, sociedade e identidade portuguesas (ARAÚJO e MAESO, 2016ARAÚJO, Marta; MAESO, Silvia Rodríguez. Os Contornos do Eurocentrismo: Raça, História e Textos Políticos. Coimbra: Almedina, 2016.). De fato, vários Estados-nação europeus construíram-se com base na ideia imaginada de uma homogeneidade racial branca nacional (GOLDBERG, 2002GOLDBERG, David Theo.The Racial State. Malden, Oxford e Victoria: Blackwell Publishers, 2002.). Em Portugal, esta circunstância tem levado à ideia de que negros, roma (ciganos), muçulmanos ou judeus são historicamente exteriores à identidade e nação portuguesa.

A presença de negros escravizados e livres em Portugal será constante durante séculos, especialmente no sul do país: Lisboa, Vale do Sado, Ribatejo, Alentejo e Algarve. Na capital, negras e negros podem ter representado 15% da população entre o final do século XVII e meados do século XVIII (LAHON, 2004LAHON, Didier. O escravo africano na vida económica e social portuguesa do antigo regime. Africa na Studia.[S. l]: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.º7, 2004, p.76-100., p.73). E, ao longo dos séculos, a influência foi sentida em várias dimensões da sociedade como o vocabulário, religião, festividades, teatro, literatura, música, dança ou agricultura (TINHORÃO, Ibidem).

Com a abolição da escravatura na “metrópole” em 1761 - nas colônias a escravatura manteve-se até 1878 -, a decadência do império português que levou à diminuição da entrada de população negra, e ainda a diluição da população afrodescendente, a presença de pessoas percecionadas como negras em Portugal pode ter diminuído no século XIX, mas não desaparecido. Ainda em 1894, o arqueólogo, filólogo e etnógrafo José Leite de Vasconcelos descreve a presença de comunidades afrodescendentes em algumas povoações junto ao rio Sado (VASCONCELOS, 1920VASCONCELOS, José Leite de. Espécime português de raça negra. Boletim de etnografia, Museu Etnológico Português. Lisboa: Imprensa Nacional, 1920.).

Poucos anos depois dos trabalhos de Leite de Vasconcelos, no dia 9 de março de 1911, nascia o primeiro jornal do movimento negro em Portugal, O Negro, que afirmava ser o órgão dos estudantes negros em Portugal. A edição deste primeiro número significou o despontar de uma geração com um percurso marcante.

As origens do movimento negro em Portugal: sua imprensa e organizações

Entre 1911 e 1933 surgiram em Lisboa onze títulos de imprensa negra: O Negro (1911); A Voz D'Africa (1912-1913 e 1927-1930); Tribuna D'Africa (1913 e 1931-1932); O Eco D'Africa (1914-1915); Portugal Novo (1915); A Nova Pátria (1916-1918); O Protesto Indigena (1921); Correio De Africa (1921-1923 e 1924); A Mocidade Africana (1930-1932); Africa Magazine (1932); e Africa (1931 e 1932-1933)7 5 Na linguagem colonial, “metrópole” referia-se a Portugal Continental, Açores e Madeira. Os territórios ocupados em África e na Ásia eram considerados colônias e, a partir de 1951, passaram a ser denominados províncias ultramarinas mantendo um estatuto de subalternidade. (ver Figura 1).

Figura 1
O Negro; A Voz D'Africa; Correio de Africa.

Parte desta imprensa era porta-voz das várias organizações associativas, políticas ou culturais, que emergiram neste período: Associação dos Estudantes Negros (1911); Junta de Defesa dos Direitos de África (1912); Liga Africana (1920); Partido Nacional Africano (1921); Cooperativa da Liga Africana (1921); Liga das Mulheres Africanas (1929); Grémio “Ké-Aflikana” dos Africanos (1929); Movimento Nacionalista Africano (1931).

Ao longo dos tempos, os negros em Portugal organizaram-se em irmandades religiosas; quando escravizados, planearam fugas coletivas e influenciaram diversas práticas artísticas e culturais. No entanto, podemos afirmar que o primeiro movimento negro politicamente organizado no território português surgiu durante a Primeira República. Nesse sentido, considera-se a perspectiva de Petrônio Domingues (DOMINGUES, 2007DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo[online]. v.12, n.º 23, p.100-122, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br>.DOI disponívelem: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-77042007000200007>.
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, p.101) cuja proposta é que o movimento negro seja definido como a luta coletiva dos negros de forma a resolver os seus problemas na sociedade, fundamentalmente na luta contra o racismo e onde o fator racial é um elemento central de mobilização. O mesmo autor defende que é problemático, de um ponto de vista historiográfico, percecionar como movimento negro todas as formas de organização e práticas de afrodescendentes, como é o caso das irmandades religiosas ou expressões artísticas. Assim, quando faz-se referência, neste artigo, à categoria movimento negro pretende-se destacar a sua dimensão política, ao mesmo tempo que postula-se que foi esta a primeira geração de afrodescendentes no país a fazer uso das ferramentas políticas do seu tempo para intervir no espaço público tais como partidos, jornais ou associações. É nesta perspectiva que a geração aqui estudada representa o primeiro movimento negro politicamente organizado na história de Portugal.

Os protagonistas do referido movimento iniciaram o seu ativismo sob a égide da Primeira República, um regime que afirmou, com afinco, o seu apego a valores nacionalistas e colonialistas (PROENÇA, 2009PROENÇA, Maria Cândida. A questão Colonial. In: ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda (coord.). História da Primeira República Portuguesa . Lisboa: Tinta da China , 2009, p. 205-228., p.206). Por outro lado, foi intensa a agitação social, a disputa política e a luta por direitos (ROSAS e ROLLO, 2009ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda. Introdução. In: ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda (orgs). História da Primeira República Portuguesa . Lisboa: Tinta da China , 2009., p.11). Em decorrência desta situação, surgiram numerosos periódicos e organizações de cariz político-partidário, sindical ou associativo num ambiente que se tornou mais propício ao exercício da liberdade de expressão por parte de vários setores da sociedade, como as classes médias urbanas, operários, mulheres e ativistas negros. Após o Golpe de Estado de 28 de maio de 1926, que culminou na derrubada da Primeira República, instalou-se a Ditadura Militar, antecessora da Ditadura do Estado Novo (1933-1974) na qual se destacou Salazar. Após 1926, aumentou a repressão sobre o movimento político contestatário e cresceu a censura sobre a imprensa. Num período de sete anos, a imprensa negra manteve-se sob este novo cenário político e refletiu também esta época de repressão, e, conforme indicam vários dos periódicos estudados, os jornais foram alvos da Comissão de Censura. Depois da instauração do Estado Novo, em 1933, o movimento deixou de dirigir o seu último jornal, o Africa. Em janeiro de 1934, data da qual registra-se o último número do Africa, este já não era ligado ao Movimento Nacionalista Africano. Apesar de ainda ser dirigido por João de Castro, o jornal pertencia a instituições ligadas à ditadura não lideradas por negros. Assim, 1933 é o último ano de registro de jornais dirigidos pelo movimento negro.

Quadro
jornais consultados* * Os títulos de imprensa indicados encontram-se disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional de Portugal.

A eclosão do pan-africanismo à escala mundial

O movimento negro em Portugal de 1911 a 1933 participou e foi influenciado pelo pensamento pan-africanista internacional da sua época. Assim, compreender essa dinâmica internacional é fundamental para entender o movimento do qual este artigo se empenha.

A corrente de pensamento habitualmente denominada por pan-africanismo surgiu no século XIX e está ancorada na percepção da partilha de uma herança comum negra e africana, moldada por séculos de violência esclavagista e colonial, levando à afirmação de um destino coletivo que envolve o conjunto da população negra no mundo (THOMPSON, 1973THOMPSON, Vincent Bakpetu. Africa and unity: the evolution of Pan- Africanism. London: Longman, 1973., p.36; ANDRADE, Ibidem, p.162; ALVARADO, 2018ALVARADO, Guillermo António Navarro. África deve-se unir? A formação da teorética da Unidade e a Imaginação da África nos marcos epistêmicos Pan-negristas e Pan-africanos (Séculos XVIII-XX). Tese (Doutorado) ˗ Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH)/Universidade Federal da Bahia,[S. l.], 2018., p.27-28). Desta leitura decorre, igualmente, o desejo de forjar uma identidade comum que servisse de alicerce a um forte sentimento de solidariedade e de pertença política extensível aos africanos e afrodescendentes de todas as latitudes (LEGUM, 1965LEGUM, Colin. Pan-Africanism: a short political guide. New York: Frederick A. Praeger, 1965., p.16). Os pan-africanistas erguiam as bandeiras da igualdade dos negros e proclamavam a necessidade imperiosa da sua emancipação. No entanto, tais aspirações assumem distintas propostas de intervenção cívica e política. São exemplos desta proposta os percursos de duas figuras icônicas do pan-africanismo: W.E.B. Du Bois e Marcus Garvey. Enquanto este último pugnou pelo retorno à África, o primeiro via em África a referência em torno da qual seria congregado o pensar dos negros espalhados pelo mundo (ANDRADE, Ibidem, p.161). Com o propósito de tornar concreto este ideal, Garvey criou, em 1914, a UNIA (Universal Negro Improvement Association) e, em 1920, patrocinou uma Convenção Internacional por si apelidada de primeiro parlamento negro. Um ano antes, impulsionou o surgimento da companhia de navegação Black Star Line com a qual pretendia proporcionar o regresso à África da diáspora africana. A prioridade à raça negra, associada ao princípio do não envolvimento dos brancos nos assuntos da população negra, foi afirmada por Garvey como ferramentas necessárias a sua emancipação. Declarou-se frontalmente contrário à miscigenação e, numa época de ascensão do fascismo e do nazismo no continente europeu e do triunfo das teorias eugenistas, apregoou a pureza da raça negra. Afirmou-se como o primeiro dos fascistas (LEGUM, Ibidem, p.26; ANDRADE, Ibidem, p.166), uma proclamação reveladora dos sentimentos ambíguos que alimentou perante esta ideologia. A influência de Marcus Garvey extravasou largamente as fronteiras dos Estados Unidos da América (E.U.A.) e da Jamaica, sua terra natal. Apesar de não existirem números precisos, estima-se que o total de aderentes da UNIA em todo o mundo possa ter chegado a dois milhões (ADI, 2018ADI, Hakim. Pan-Africanism: a History. London: Bloomsbury Academic, 2018., p.30). Nos E.U.A., o ideário garveyista era particularmente aceite entre os trabalhadores negros (THOMPSON, Ibidem, p.35-44; ANDRADE, Ibidem, p.162-167; LEGUM, Ibidem, p.26). Mário Pinto de Andrade encontrou em Garvey as sementes do nacionalismo africano (ANDRADE, Ibidem, p.164).

Já as posições de W.E.B. Du Bois relativas à construção dos Estados Unidos de África desenhada por Marcus Garvey surgem, durante quase toda a primeira metade do século XX, mais difusas. Neste período, Du Bois mostra-se sobretudo empenhado em garantir a igualdade de direitos para os negros no contexto das sociedades em que se inserem e no quadro das instituições que as regem. Du Bois pugnava, até ao final da década de 30, pela participação dos negros na governação dos territórios sob tutela das potências colonizadoras, sublinhando que sua participação seria necessária em função de uma alegada falta de preparação desses povos para se governarem a si mesmos (THOMPSON, Ibidem, p.42). A dignificação da pessoa negra, para Du Bois, deveria ser assegurada por via da regeneração dos negros da diáspora mediante melhoria do seu contexto social, econômico e cultural (ANDRADE, Ibidem, p.164; THOMPSON, Ibidem, p.42). No entanto, é preciso ter em conta que mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial, Du Bois foi um importante defensor da autodeterminação dos povos africanos.

Com vistas a promoção da igualdade das pessoas negras da época, Du Bois contava com a colaboração de brancos que se identificassem com a luta contra a discriminação. No período anterior a 1945, o diálogo com as autoridades coloniais foi sistematicamente procurado enquanto instrumento para alcançar as suas reivindicações (THOMPSON, Ibidem, p.44). Tal perspectiva de intervenção política ganhou forma a partir da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), surgida em 1908 que juntava ativistas brancos e negros.

O quadro de referências ideológicas e as estratégias de atuação na arena política delineados pelos líderes estabelecidos nos E.U.A. vigoraram, sobretudo, durante os congressos pan-africanos realizados desde 1900 e durante as primeiras três décadas do século XX. Os encontros realizados em Londres, em 1900; Paris, em 1919; Londres, Bruxelas e Paris, em 1921; Londres, em 1923; e Nova Iorque, em 1927 marcaram o primeiro ciclo de congressos pan-africanos. Du Bois foi uma das figuras emblemáticas destes congressos e algumas das sessões contaram com a presença de delegações de ativistas negros de Portugal. A segunda fase destas reuniões, ainda com Du Bois como peça central, iniciou-se em Manchester, em 1945, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, e teve como palavra de ordem a exigência de independência para as colônias.

Adiante, será possível verificar o quão a diversidade do movimento pan-africanista influcenciou a dinâmica do movimento negro em Portugal da época em questão.

W.E.B. Du Bois e o pan-africanismo em Portugal

A transnacionalidade da resistência negra tem um longo passado no “Atlântico Negro” (GILROY, 1999GILROY, Paul. The Black Atlantic: modernity and double consciousness. London: Verso, 1999.), destacando-se no início do século XX com a circulação internacional da imprensa negra (PEREIRA, 2010PEREIRA, Amílcar Araújo. “O Mundo Negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil(1970-1995). Tese (Doutorado). Universidade Federal Fluminense. [S.l.], 2010., p.106-11). A imprensa negra editada em Lisboa proporcionava aos seus leitores um amplo acompanhamento das incidências do movimento negro no mundo, dando particular destaque à realidade dos afro-americanos. Escreve-se, por exemplo, acerca dos avanços sociais da comunidade negra norte-americana; denunciam-se os linchamentos e injustiças raciais; fala-se da autonomia econômica dos afro-americanos; e celebra-se os seus líderes: Booker T. Washington, W.E.B. Du Bois ou Marcus Garvey.

Mas também, outras latitudes são identificadas nesta imprensa como é o caso do Brasil. Na capa do número um de O Negro, em 1911, evidencia-se barbaridades e crimes que a República brasileira cometeu contra uma revolta de marinheiros da esquadra brasileira8 6 Mário Pinto Andrade (1928-1990) foi um intelectual e militante anticolonialista angolano. Marxista e defensor da cultura negra, foi fundador do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e seu primeiro presidente. Viveu em Portugal entre 1948 e 1954 onde fez parte da geração nacionalista africana ligada à Casa dos Estudantes do Império. No exílio em Paris foi redator da revista Presence Africaine. Em 1974, foi afastado do MPLA por divergências políticas. Depois, exilado na Guiné-Bissau, foi Ministro da Informação e Cultura. No contexto do anticolonialismo contra o imperialismo português foi considerado um dos mais importantes ativistas e intelectuais (MATA e PADILHA, 2000). , referindo-se, certamente, a que hoje é conhecida como Revolta da Chibata, que poucos meses antes tinha sido liderada pelo negro João Cândido. Em 1922, o Correio de Africa dedica um artigo ilustrado com um retrato do ativista negro abolicionista José do Patrocínio9 7 Ao longo do artigo mantivemos o título dos periódicos com a grafia original e o nome das organizações com a grafia atual. . E, em 1932, na primeira página do jornal Mocidade Africana, celebra-se a fundação, em São Paulo, da Frente Negra Brasileira10 8 O Negro.1911, n.º 1, p.1. . Estas manifestações de solidariedade negra internacional testemunham o vigor de um movimento pan-africanista que se afirmava a nível mundial.

O pan-africanismo constituiu-se como uma ideologia do movimento negro e, no início do século XX, foi um motor na busca da unidade em torno da luta pela igualdade e contra a discriminação dos negros. W.E.B. Du Bois e Marcus Garvey, os líderes emblemáticos desta corrente, marcaram profundamente o movimento em Portugal, a ponto de Du Bois ter visitado este país e Garvey ser mencionado frequentemente nos jornais locais.

Por outro lado, importantes dirigentes da Liga Africana participaram dos principais eventos internacionais pan-africanistas, como se verificou com José de Magalhães e Nicolau dos Santos Pinto, representando esta organização no II Congresso Pan-africano em 192111 9 Correio de Africa. 1922, n.º 23, p.1. . Dois anos mais tarde, em 1923, W.E.B. Du Bois encontrou-se na capital portuguesa com um setor desta geração, relatado pelo líder afro-americano como a sessão de Lisboa do III Congresso Pan-africano (DU BOIS, 1924, p.169-170). No entanto, José de Magalhães, no órgão de imprensa da Liga Africana, o Correio de Africa, afirma não ter sido possível realizar essa sessão e que teria apenas acontecido uma conferência com Du Bois, devido à impossibilidade de realizar viagens a partir das colônias de outros membros12 10 A Mocidade Africana.1932, n.º 27, p.1. . Está por esclarecer o caráter e o formato desta reunião de Lisboa, coexistindo sobre este tópico versões desencontradas. Mário Pinto de Andrade afirmou que esta sessão, por largo tempo apresentada como a segunda sessão do III congresso Pan-africano, foi um equívoco (ANDRADE, Ibidem, p.173). Ainda assim, a viagem de Du Bois a Lisboa em 1923, a sua participação numa reunião com a Liga Africana e os esforços para que esse encontro se enquadrasse enquanto sessão do Congresso Pan-africano são, neste momento, dados seguros (ver Figura 2).

Figura 2
W.E.B Du Bois em Lisboa com a Liga Africana, 1923

Diversidade e divergências no movimento negro em Portugal

O movimento negro em Portugal de 1911 a 1933 era diverso e heterogêneo. Portanto, o apelo à emancipação dos negros e africanos e à sua organização será comum a todas as sensibilidades. Escrevia-se em 1911, na capa do primeiro número do jornal O Negro:

A nossa escravidão é secular e em virtude dela temos sofrido todos os vexames e tiranias (...) não queremos continuar a ser enganados, porque estamos fartos de pagar, estamos fartos de tutores, de Salvadores e Senhores e tudo o que aspiramos é aprender a orientar as nossas ideias e a libertarmo-nos de todas as formas de tirania e exploração com que nos têm escravizado, esmagado em nós todas as energias de inteligência e todas as manifestações de vida social. (O Negro. 1911, n.º 1, p.1.)13 11 Correio de Africa.1921, n.º5, p.1.

O mesmo jornal invocava que essa organização ganhasse a forma de um partido. Uma década depois, em 1921, O Protesto Indigena assinalou: “Esta ideia que já tinha sido tornada pública por nós, nas colunas do vibrante jornal O Negro há 10 anos tornou-se agora numa realidade com a fundação do Partido Nacional Africano.”14 12 Correio de Africa.1924, n.º 1, p.1. . Mas este apelo não era unânime. Um ano depois, Ayres Meneses, fundador de O Negro, a viver por essa altura em São Tomé, estando agora ligado à Liga Africana, contesta a criação de um partido, por ser contra a interferência dos negros na vida da “metrópole” quando dizia estar tudo por fazer nas colônias15 13 Ao longo do artigo as citações serão transcritas com a grafia do português atual. . O debate acerca do como, de que forma, e para que fim se deveriam organizar marcou a existência deste movimento.

Entre as principais organizações que surgiram em Lisboa, na época, destacam-se a Junta de Defesa dos Direitos de África (JDDA) (1912), a Liga Africana (1920), o Partido Nacional Africano (PNA) (1921) e o Movimento Nacionalista Africano (MNA) (1931).

A JDDA foi fundada em 1912, teve inicialmente como presidente José de Magalhães e como secretário-geral João de Castro16 14 O Protesto Indígena.1921, n.º 1, p.2. . Estes dois ativistas se tornaram mais tarde pólos de importantes divergências. A JDDA pretendia, como defendiam os seus estatutos, federar as províncias da África portuguesa por meio de um regime de autonomia, revogar todas as leis de exceção que aí existiam, congregar agremiações ou sociedades fundadas por indígenas da África portuguesa e zelar pelos estudantes africanos em Portugal, protegendo-os contra abusos e perigos (Estatutos da Junta de Defesa dos Direitos de África, 1912Estatutos da Junta de Defesa dos Direitos de África. Lisboa: Centro Typographia Colonial, 1912.).

Um ano depois despontaram clivagens na organização refletidas na disputa pelo controle do jornal oficial, A Voz D'Africa. João de Castro, que tinha sido diretor do jornal até ao número onze, é destituído e decide fundar um outro título, A Tribuna D'Africa, que declara ser o “(…) órgão da JDDA e, portanto pelo seu corpo redatorial e administrativo, pelas suas ideias e aspirações, o verdadeiro continuador de A Voz17 15 Correio de Africa.1922, n.º 29, p.1. . Do outro lado, a redação de A Voz D'Africa, dizia-se atacada traiçoeiramente pelo Tribuna D'Africa18 16 A Voz D'Africa. 1912, n.º 1, p.2. . A desavença se estenderia durante anos, evidenciando-se depois por meio da criação de duas organizações distintas: a Liga Africana, liderada por José de Magalhães e o Partido Nacional Africano, presidido por João de Castro.

Em seu estatutos, a Liga Africana defendia, pretender federar as agremiações africanas, promover o progresso da raça africana e revogar as leis de exceção na África Portuguesa. Afirmava procurar uma cooperação franca com os “eurafricanos” e europeus.19 17 A Tribuna D'Africa. 1913, n.º 1, p.1. A Liga esteve presente no II Congresso Pan-africano de 1921 e foi organizadora, em 1923, da ida de Du Bois a Portugal. Enquanto membros da Liga Africana, José de Magalhães e Augusto Gambôa foram eleitos, em 1921, respetivamente, deputado e senador, para o parlamento português pelo círculo eleitoral de São Tomé e Príncipe20 18 A Voz D'Africa. 1913, n.º 14, p.1. .

Por seu turno, o PNA afirmava ter como estratégia: organizar os indígenas das cinco províncias em suas instituições de caráter civil, econômico e social, revogar todas as leis de exceção e colaborar com os organismos de negros de todo o mundo21 19 Correio de Africa. 1921, n.º 3, p.1. . Ao contrário da Liga Africana, que aceitava a filiação de membros brancos numa lógica de colaborar com estes, o Partido Nacional Africano assumiu uma postura mais radical de autodeterminação racial:

(…) [o Partido Nacional Africano] é absolutamente estranho aos partidos da metrópole adverso a todos os organismos, que, dizendo-se embora africanos ou indígenas, pela sua conduta ou pela sua composição heterogénea não se integram no espírito da dolorosa tragédia histórica da raça negra. É porque o P.N.A., intérprete fiel da Raça Africana de Portugal, entende que a grande obra de emancipação material e moral dos africanos, tem de ser, só pode ser, há-de ser, na verdade, a sua própria obra. (...) Por isso não consente o P.N.A que no seio das organizações indígenas suas componentes, se intrometam elementos estranhos à raça autóctone de África (...) (O Protesto Indígena.1921, n.º1, p.1.)

De forma geral, o PNA assumiu posturas mais intransigentes, independentes e radicais e a Liga Africana assumiu conduta mais legalista, institucional e conciliadora. Como refere Mário Pinto de Andrade, o PNA demonstra ser influenciado fortemente pela ideologia de Marcus Garvey (ANDRADE, Ibidem, p.175).

As polêmicas envolvendo as duas organizações continuaram ao longo de anos. A título de exemplo, O Protesto Indígena, próximo de João de Castro, critica José de Magalhães e Nicolau dos Santos Pinto acusando-os de serem falsos amigos do povo africano e defende que a Liga Africana é um instrumento das “garras aduncas das castas interessadas na exploração e escravização das raças indígenas”22 20 Correio de Africa. 1921, n.º 6, p.1. . Denuncia os delegados da Liga Africana ao II Congresso Pan-africano de 1921 por terem negado, durante o congresso, a falta de direitos dos negros nas colônias23 21 O Protesto Indígena. 1921, n.º 1, p.1. . Por outro lado, o Correio de Africa, próximo da Liga Africana, relata um caso de violência contra José de Magalhães, o qual afirma que ele foi atacado traiçoeiramente por João de Castro e seus irmãos no Rossio (praça no centro de Lisboa). A respeito de João de Castro, escreve o mesmo jornal: “Dizendo-se revolucionário, e pretendendo, chefiar uma tendência extremista no movimento africano, a sua política tem sido dissolvente e bolchevista. É um Marcus Garvey de contrabando”.24 22 O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1.

Em 1931, durante a Ditadura Militar, surgiu o Movimento Nacionalista Africano, a favor da união dos africanos de Lisboa, de toda a África, de todos os portugueses e pela democracia25 23 Ibidem. , conforme encontra-se em relatos no seu jornal oficial Africa, dirigido por João de Castro. Escreveu-se então, que José de Magalhães e João de Castro já não eram irreconciliáveis26 24 Correio de Africa.1921, n.º 13, p.1. , sendo anunciado por João de Castro que José de Magalhães seria presidente honorário do Conselho Nacional do Movimento Nacionalista Africano27 25 Africa. 1931, ano XXI, série VIII, n.º 882-1, p.2. . Neste período, o movimento passou a assumir posturas menos críticas em face das políticas coloniais e enveredou por posições cada vez mais próximas de um nacionalismo português. Já com Salazar na chefia do Governo, o jornal oficial do MNA dizia o que se lê a seguir:

(...) todos deviam saber que nos encontramos hoje, onde estávamos, antes da presente organização governativa e mesmo muito antes da Ditadura. África! Portugal! República! (...) Negros e brancos de África, irmãos em Pátria, em trabalho, em sacrifício (...) É tempo de ressarcir, sob a égide sagrada da bandeira de Portugal (...) é tempo de exaltar nossa coragem no próprio seio dos perigos que, de todos os lados, ameaçam a integridade da terra portuguesa de África! (Africa. 1932, n.º 10, p.1.)

Mário Pinto de Andrade assinala que esta geração desapareceu submersa nas contradições inerentes ao Movimento Nacionalista Africano (ANDRADE, Ibidem, p.77). Mas diversas dúvidas surgem a partir desse desaparecimento. Não se sabe, por exemplo, até que ponto o movimento foi atingido pela repressão. Também é uma incógnita o motivo que conduziu à reconciliação das suas lideranças, se a causa foi a fragilidade a que o movimento estava exposto ou a atração por uma possível integração no projeto nacionalista e colonialista da ditadura. Não sabemos igualmente se o movimento foi totalmente cooptado para o projeto colonialista da ditadura ou se estava a reproduzir o discurso nacionalista e colonialista propagandeado pelo novo regime, de forma a sobreviver à repressão e à censura política. Sabe-se, todavia, que o movimento negro organizado entre 1911 e 1933 não sobreviveria à fase inicial do regime ditatorial e colonial do Estado Novo.

Foi necessário esperar pela Segunda Guerra Mundial para que uma nova geração negra e profundamente anticolonialista se organizasse politicamente na “metrópole”. Mário Pinto de Andrade, que viveu em Lisboa entre 1948 e 1954, fez parte desta geração nacionalista africana28 26 Ibidem. .

Composição e importantes figuras do movimento

Em 1921, a Liga Africana reivindica ter cerca de cento e cinquenta sócios29 27 Africa. 1932, n.º 1, p.7. e, em 1932, o Tribuna D'Africa proclama que “Em Lisboa, existem, distribuídos pelos diferentes bairros, para cima de cinco mil africanos, na sua grande maioria filiados no Partido Nacional Africano (...)”30 28 Para além de Mário Pinto de Andrade, muitos outros líderes do movimento nacionalista africano viveram em Portugal na época em questão, como: Amílcar Cabral, Pedro Pires, Agostinho Neto, Alda Lara, Joaquim Pinto de Andrade, Luandino Vieira, Lúcio Lara, Pepetela, Alda Espírito Santo, Francisco Tenreiro, Miguel Trovoada, Eduardo Mondlane, Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos ou Noémia de Sousa. . Para além dos números lançados pela imprensa negra da época, é difícil aferir, recorrendo exclusivamente aos dados inventariados para a realização deste trabalho, a real dimensão deste movimento.

Pode-se afirmar que entre as lideranças existiam estudantes, médicos, advogados, engenheiros, comerciantes, jornalistas, professores e músicos, mas é desconhecida a composição da sua base militante. É necessário igualmente ter em conta que diferentes organizações podiam ter diferentes composições. W.E.B. Du Bois, num artigo publicado no The Crisis, descreve que os presentes na reunião com a Liga Africana em Lisboa são estudantes, médicos, advogados, engenheiros e comerciantes (DU BOIS, Ibidem).

Figuras cimeiras deste movimento vieram das colônias para a “metrópole” enquanto crianças ou durante a juventude. Por exemplo, nomes centrais do movimento como José de Magalhães, João de Castro, Georgina Ribas e Mário Domingues partilharam estes percursos (ver Figura 3).

Figura 3
José de Magalhães; João de Castro; Georgina Ribas; Mário Domingues

José de Magalhães (1867-1959) foi um dos mais emblemáticos dirigentes do movimento. Nasceu em Moçâmedes (Angola) e morreu em Lisboa. Estudou num colégio de Lisboa e ingressou na Escola Médico-Cirúrgica. Como médico da marinha passou por Cabinda, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Índia. Continuou os estudos em Paris, tornou-se professor e diretor do Instituto de Medicina Tropical em Lisboa (AZEVEDO, 1959AZEVEDO, João Fraga de. Prof. Dr. José António de Magalhães. Separata de: Anais do Instituto de Medicina Tropical. Lisboa: Instituto de Medicina Tropical, v.16, n.º 1-4, 1959.). Foi presidente da Liga Africana31 29 Correio de Africa.1921, n.º 1, p.3. , membro da direção do Correio De Africa, presidente honorário do conselho do Movimento Nacionalista Africano32 30 Tribuna D'Africa.1932, n.ºˢ 10, 11, 12, 13, p.4. e deputado do parlamento português eleito por São Tomé e Príncipe durante a década de 1920. Para além de colaborar com a imprensa negra, escreveu para outras publicações importantes como a Seara Nova, Luta, Jornal do Comércio, Diário de Notícias e O Século. Foi nomeado delegado ao II Congresso Pan-africano em 1921 de Londres33 31 Correio de Africa.1921, n.º 1, p.3. e, dois anos mais tarde, foi o principal organizador da vinda de Du Bois a Lisboa.

João de Castro (1887-1955) foi outro destacado dirigente do movimento. Nasceu em São Tomé, era filho de pai proprietário de roças e funcionário bancário, e de mãe igualmente proprietária. Concluiu os estudos secundários em Lisboa e ingressou no curso de direito em Coimbra (ANDRADE, Ibidem, p.192). Foi diretor dos jornais Voz D'Africa, Tribuna D'Africa e Africa; fundador da JDDA e presidente do Partido Nacional Africano; foi também eleito deputado em 1918 pelo Partido Socialista Português. Mais tarde assumiu a presidência geral da convenção do Movimento Nacionalista Africano.

Georgina Ribas (1882-1951) nasceu em Angola, era filha de pai comerciante brasileiro e de mãe angolana, descendente do barão de Cabinda; chegou a Portugal com três anos de idade. Foi uma pianista diplomada pelo Conservatório Nacional de Lisboa e professora de música (ANDRADE, Ibidem, p.206). Tornou-se vice-presidente do Grémio “Ké-Aflikana” dos Africanos34 32 Africa.1932, n.º 1, p.7. e secretária do Conselho da Liga das Mulheres Africanas35 33 Correio de Africa.1921, n.º 5, p.1. . Foi também ligada às organizações feministas da sua época. Seu filho, Tomaz Ribas, foi um reconhecido musicólogo, escritor, crítico de dança e de teatro.

Apesar do movimento ser dirigido maioritariamente por homens - como se verifica pela quase total hegemonia masculina nas direções dos jornais e das organizações políticas -, as mulheres desempenharam papéis relevantes nomeadamente no Partido Nacional Africano. Para além de Georgina Ribas, destacam-se os nomes de Maria Dias d'Alva Teixeira, Maria Nazaré Ascenso ou Angelina Praia (ROLDÃO, 2019ROLDÃO, Cristina. Feminismo negro em Portugal: falta contar-nos. Jornal Público. 18/1/2019. Disponível em: <https://www.publico.pt/2019/01/18/culturaipsilon/noticia/feminismo-negro-portugal-falta-contarnos-1857501>.
https://www.publico.pt/2019/01/18/cultur...
). A luta feminista vai também, em alguns momentos, ser abordada com destaque na imprensa negra. Nas páginas do Tribuna D'Africa, critica-se, em 1913, a decisão do Congresso da República de não conceder o direito de voto às mulheres36 34 A Voz D'Africa. 01/07/1930, p.1. e, nessa mesma edição, publica-se uma notícia sobre a trágica morte da sufragista inglesa Emily Davison, referindo-se a esta como uma verdadeira mártir do feminismo revolucionário37 35 A Voz D'Africa. 08/07/1929, p.2. .

Mário Domingues (1899-1977) foi um reconhecido jornalista e escritor, nasceu na ilha do Príncipe, filho de mãe angolana trabalhadora contratada e de pai português, foi para Portugal aos dezoito meses (GARCIA, 2018GARCIA, José Luís. The First Stirrings of Anti-Colonial Discourse in the Portuguese Press. In:; KAUL, C.; SUBTIL, F.; SANTOS, A. (ed).Media and the Portuguese Empire Editors. [S. l.]: Palgrave Macmillan, 2018., p.126; VAZ, 2012VAZ, Rodrigues. Mário Domingues: Santomense filho de angolana foi escritor mais fecundo da Língua Portuguesa. Cultura : Jornal Angolano de Artes e Letras. Luanda, 12/6/2012. Disponível em:<http://jornalcultura.sapo.ao/dialogo-intercultural/mario-domingues-santomense-filho-de-angolana-foi-o-escritor-mais-fecundo-da-lingua-portuguesa/fotos>.
http://jornalcultura.sapo.ao/dialogo-int...
). Trabalhou como guarda-livros enquanto jovem e mais tarde jornalista do jornal anarquista A Batalha. Quanto à imprensa negra, escreveu para o jornal Mocidade Africana, chefiou a redação de A Voz D'Africa e do Tribuna D'Africa, e dirigiu a Africa Magazine. Foi representante dos trabalhadores no Partido Nacional Africano. Publicou várias obras literárias nessa época, das quais se destaca O Preto do Charleston (1930) e Má Raça (1932), que abordam o tema do racismo. Durante a Primeira República teve posições inequívocas contra o colonialismo e pela independência dos territórios ocupados no continente africano (GARCIA, Ibidem). Seu filho, António Domingues, foi pintor e membro pioneiro do movimento surrealista português, militante do Partido Comunista Português e próximo ao movimento anticolonial.

Estas quatro destacadas figuras do movimento demonstram a variedade de origens geográficas, sociais e de percursos de vida desta geração.

A ambivalência do movimento em relação à questão colonial

Mário Pinto de Andrade escreveu que esta geração de ativistas negros mantinha uma relação de ambivalência perante a questão colonial, uma das bandeiras do regime republicano (ANDRADE, Ibidem, p.135-137). Na nossa opinião, essa ambiguidade existiu, tendo evoluído para um apoio declarado ao projeto colonial do Estado Português nos momentos em que, no plano externo, este mais esteve em causa. No entanto, é também verdade que a imprensa negra deste período forneceu várias manifestações de distanciamento e de repúdio perante certas práticas do colonialismo português. E surgiram, inclusive, sinais de demarcação em face ao modelo colonial resultante da Conferência de Berlim, sem que tal demarcação se traduzisse numa defesa explícita do direito à autodeterminação em África.

Em 1911, o jornal O Negro publicou: “Queremos a África propriedade social dos africanos e não retalhada em proveito das nações que a conquistaram roubando e escravizando os seus indígenas”38 36 Tribuna D'Africa. 1913, n.º 7 (18), p.1. . Por outro lado, os processos de autodeterminação envolvendo a Índia, o Egito e a Irlanda mereceram destaque. Em 1932, por exemplo, lia-se no jornal Africa, nas palavras de Artur de Castro (irmão de João de Castro), que “A Inglaterra quer a paz e traz a Índia, a Irlanda, o Egito, a África do Sul a debaterem-se rancorosamente entre as suas garras?”39 37 Ibidem, p.3. . Dois anos antes, no Voz D'Africa, escrevia-se de forma mais ousada: “Os africanos que estão acompanhando de perto e com mais vivo interesse os acontecimentos da Índia, manifestam abertamente o seu apreço pelos inimigos do domínio britânico sobre a terra do Vedas, por cujo triunfo se afirmam ansiosos.”40 38 O Negro.1911, n.º 1, p.1.

Para o caso dos territórios colonizados em África por Portugal, o movimento chegou a exigir uma federação em que as colônias como nações autênticas fossem detentoras de entidades jurídicas autônomas com parlamentos próprios (ANDRADE, Ibidem, p.130), batalhou pelo fim das leis de exceção nos territórios colonizados41 39 Africa.1932, n.º 11, p.1. e contestou a perseguição a militantes africanos e suas organizações42 40 Voz D'Africa.1930, p.5. . Contudo, tais exigências e contestações não se traduziram nunca na defesa oficial da autodeterminação.

Por exemplo, influentes setores do movimento negro colocaram-se ao lado da Primeira República em defesa da continuidade da presença colonial portuguesa em África em momentos-chave deste regime. No contexto da Primeira Guerra Mundial, a JDDA apoiou, em 1915, o desembarque de forças expedicionárias em Angola e Moçambique em “defesa da pátria comum”43 41 Ibidem; Correio de Africa.1921, n.º 3, p.1; O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1. . Esta declaração assumiu a forma de uma moção assinada por membros das estruturas da JDDA e foi tornada pública por seu órgão oficial à data, o jornal Portugal Novo.

O reforço do contingente militar acontece no momento em que posições portuguesas na província de Huila, Sul de Angola, e nas margens do Rio Rovuma, no Norte de Moçambique, são atacadas pelo exército alemão. Ao mesmo tempo, a JDDA enuncia a possibilidade do envio de forças africanas oriundas das colônias para as trincheiras europeias, onde combateriam junto do contingente “metropolitano” e ao lado dos exércitos aliados. Esta tomada de posição tinha como pano de fundo a necessidade, sentida pela maioria do espectro político português, de definir e levar à prática uma linha de atuação no plano externo que, na ótica das instituições da Primeira República, protegesse a presença portuguesa em Angola e Moçambique da cobiça de britânicos e alemães.

Foi intenso o debate em torno do formato e das ferramentas que deveriam dar corpo a essa linha de atuação política. Estava em questão a possibilidade de uma intervenção de tropas portuguesas em solo europeu ao lado da Grã-Bretanha, algo que se concretizaria em 1916.

O Partido Democrático de Afonso Costa era o mais entusiástico defensor da beligerância, seguido de perto, mas de forma menos enfática, pelo Partido Evolucionista de António José de Almeida. Já o Partido Unionista de Brito Camacho, ao qual se juntaram os monárquicos e setores ligados à Igreja Católica, manifestavam-se pela não-beligerância (AFONSO, 2009AFONSO, Aniceto. Portugal e a guerra nas colônias. In:ROSAS, Fernando;ROLLO, Maria Fernanda (coord.). História da Primeira República Portuguesa. Lisboa: Tinta da China, 2009, p. 287-299., p.287-299; MENESES, 2009MENESES, Filipe Ribeiro de. Intervencionistas e anti-intervencionistas. In: ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda (coord.). História da Primeira República Portuguesa . Lisboa: Tinta da China , 2009, p. 267-276., p.267-276; PIMENTA, 2010PIMENTA, Fernando Tavares. Portugal e o século XX Estado-Império e descolonização (1890-1975). Porto: Edições Afrontamento, 2010., p.38; SERRA, 2009SERRA, João B. A evolução política (1910-1917). In: ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda (org). História da Primeira República Portuguesa . Lisboa: Tinta da China , 2009., p.93-128). A JDDA revelava-se, neste campo, perfeitamente alinhada com o Partido Democrático e, em última instância, com o entendimento desta organização política quanto aos fundamentos da sobrevivência do regime republicano (PIMENTA, Ibidem, p. 38; SERRA, Ibidem). A questão colonial pode não ter sido decisiva quando se equacionou a entrada do exército português no palco europeu da Grande Guerra mas foi considerada importante no contexto do debate mantido pelas lideranças republicanas sobre o tema (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Pedro Aires. Portugal's Empire in the Wake of WWI. e-journal of Portuguese History. vol. 15, n.º 1, jun./2017, p. 129-152., p.132).

A mesma consonância com as instituições do regime perante a questão colonial veio à tona nos momentos em que Portugal foi colocado na mira de organismos internacionais por força das denúncias de práticas similares à escravatura em São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.

A Primeira República será marcada pela persistência de práticas esclavagistas nas colônias de África e das repercussões dos debates sobre este tema na arena internacional, visíveis, por exemplo, no boicote promovido pela firma inglesa Cadbury Brothers ao cacau produzido em São Tomé e Príncipe. Em 1921, Nicolau dos Santos Pinto, destacada figura da Liga Africana, refutou as denúncias de práticas de escravatura relativas a São Tomé e Príncipe. Esse pronunciamento ocorreu em plena sessão de Paris do II Congresso Pan-africano (ANDRADE, Ibidem, p.172), um ano após a Anti-Slavery and Aborigenes Protection Society ter endereçado à Sociedade das Nações dois relatórios relativos a práticas laborais iníquas indiciadoras de escravatura no arquipélago de São Tomé e Príncipe. Este episódio é objeto de forte crítica desferida a José de Magalhães e a Nicolau dos Santos Pinto, por meio das páginas de O Protesto Indígena, jornal próximo ao PNA44 42 A Voz D'Africa.1913, n.º 9, p.6; A Nova Pátria.1916, n.º 2, p.1. .

Quatro anos mais tarde, em 1925, o tom adotado pelo PNA revelou-se distinto tendo evoluído para uma postura de negação das práticas de escravatura nos territórios ocupados em África, o que significa uma defesa sem reservas do Governo de Lisboa numa questão que o colocava em xeque no plano externo. Com efeito, os seus dirigentes negaram as acusações da Sociedade das Nações de recurso abusivo ao trabalho compelido para a realização de obras públicas, cobrança indevida de impostos e retenção de salários aos trabalhadores “indígenas”, em Angola e Moçambique. Esses fatos estavam registrados no Report on Employment of Native Labor in Portuguese Africa, do sociólogo norte-americano Edward Ross, alvo de discussão na Comissão de Escravatura da Sociedade das Nações (ANDRADE, Ibidem, p.131; JERÓNIMO, 2010JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Livros Brancos, Almas Negras. Lisboa: ICS, Imprensa de Ciências Sociais, 2010., p.222-223).

Em Portugal, e ainda que a realidade social e política nas colônias africanas e as injustiças de que eram alvo as suas populações fossem temas constantes na imprensa negra, os seus ativistas davam mostras de acreditar num modelo de colonização em que colonizadores e colonizados cooperassem em prol do desenvolvimento comum. A fala de José de Magalhães, transcrita numa reportagem, no decurso do II Congresso Pan-africano realizado em 1921 afirmava: “É preciso (…) que a colonização feita até aqui só em proveito dos brancos, seja também feita em proveito dos negros”45 43 Portugal Novo. 1915, n.º 1, p.1. . José de Magalhães, eleito deputado ao Parlamento de Lisboa, reforçou, em declarações vindas a público em 1922, a defesa de um ideal colonial, mas que considerasse a não inferioridade dos negros: “Por conseguinte, se Portugal quiser fazer das colônias em África um prolongamento da mãe-pátria, tem de abandonar as velhas opiniões dos livros de há trinta anos, sobre a incapacidade da raça negra, que a ciência moderna não justifica (…)”46 44 O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1. .

Torna-se, aliás, forçoso sublinhar que a autodeterminação e independência dos territórios ocupados por potências europeias em África não se encontrava inscrita de forma evidente entre as reivindicações do movimento pan-africanista internacional da época.

Ao referir-se a este conjunto de ativistas negros, Mário Pinto de Andrade classificava-os como protonacionalistas, uma categoria criada por este autor. Essa categoria pretendia comparar a geração de 1911-1933 à que despontaria depois de 1945, cujo ideal era a independência para as colônias e da qual Mário Pinto de Andrade fez parte. No ensaio As ordens do discurso do “Clamor Africano”: continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário, define-se o protonacionalismo enquanto soma de dois componentes, “o orgulho de pertencer ao mundo negro e a reclamação do estatuto jurídico, social e político de africanos portugueses” (ANDRADE, 1990ANDRADE, Mário Pinto de. As ordens do discurso do «Clamor Africano»: continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário. Estudos Moçambicanos.[S.l.], n.º 7, 1990, p. 7-28., p.10). O mesmo autor sublinha o caráter “ambivalente [do protonacionalismo quanto ao] seu posicionamento face ao sistema colonial” (Idem, p. 77). Mário Pinto de Andrade identifica, de forma lapidar, as linhas de tensão entre esta geração e o poder político “metropolitano” de seu tempo. Aqueles a quem o autor classificava de protonacionalistas balançavam entre a denúncia da desigualdade e das injustiças por ela engendradas e a crença de que os valores republicanos seriam estendidos à totalidade dos negros residentes na “metrópole” e dos africanos residentes nas colônias, transformando-os em cidadãos na plenitude de direitos sociais, econômicos, cívicos e políticos em igualdade de circunstâncias com os cidadãos brancos.

Considera-se, contudo, que ao empregar o conceito de protonacionalismo, o autor desvia o foco da tensão, por si identificada, em nome de uma sobrevalorização do ideário nacionalista africano que só se revelaria em pleno período pós-Segunda Guerra Mundial. Mário Pinto de Andrade imprime, nas opiniões de António Correia e Silva e de Zelinda Cohen, uma retroprojeção dos “valores nacionalistas das décadas de 50 e 60 sobre uma cultura política configurada de forma diversa” (PEREIRA, 2003PEREIRA, Aristides. O meu testemunho - uma luta, um partido, dois países. Lisboa: Editorial Notícias, 2003., p.39). Em decorrência dos fatos, em vez da expressão protonacionalistas, optou-se por denominar este grupo de ativistas como pan-africanistas e entendê-los como a primeira geração do movimento negro e antirracista em Portugal. Considera-se que, interpretá-los como pan-africanistas é mais útil para situar este movimento negro no contexto sociopolítico português e internacional de seu tempo.

Os pan-africanistas: precursores do antirracismo em Portugal

O antirracismo é um fenômeno global e heterogêneo, com diferentes manifestações ao longo da história. Integra formas de pensamento, práticas e movimentos que impulsionam o surgimento de organizações que buscam desafiar e confrontar a discriminação racial. O antirracismo não é apenas o oposto de racismo e não deve ser apartado da construção ideológica e política de raça e do surgimento do racismo moderno (LENTIN, 2004LENTIN, Alana. Racism and Anti-racism in Europe. London: Pluto Press, 2004., p.10).

Segundo David Theo Goldberg, desde a solidificação dos movimentos antirracistas como movimentos sociais, houve três importantes períodos de ampla mobilização antirracista internacional: o abolicionismo ao longo do século XIX iniciado pelas revoltas de escravizados como a do Haiti, ainda no século XVIII; o anticolonialismo em ligação com os movimentos de direitos civis, desde a década de 1920 até a década de 1960; e o movimento contra o apartheid sul-africano a par dos movimentos multiculturais dos anos 1970 a 1990 na Europa (GOLDBERG, 2009GOLDBERG, David Theo. The Threat of Race: Reflections on Racial Neoliberalism. Massachusetts-Oxford: Blackwell Publishers, 2009., p.10-11). A luta pelos direitos civis e a luta anticolonial estão, segundo o autor, profundamente interconectadas e, refere Goldberg, já havia antecedentes deste movimento antirracista antes dos anos 1920. A saber, antes da década de 1920 aconteceram dois congressos pan-africanos (1900 e 1919); em 1911 ocorreu o Congresso Universal das Raças; nos anos 1910 solidificou-se no movimento socialista a ideia do direito de autodeterminação dos povos; em 1909 Du Bois e outros líderes fundaram a NAACP; e, em 1914, Marcus Garvey lançou a UNIA. Em Portugal, antes dos anos 1920, já tinham surgido os jornais O Negro, A Voz D'Africa e a Tribuna D'Africa, assim como a JDDA. Considerando-se a perspectiva de Goldberg a respeito de vários momentos de mobilização internacional antirracista, a geração analisada neste artigo está inserida no período que antecede e nos primórdios da segunda grande mobilização antirracista, a dos direitos civis em conjugação com a anticolonial.

Em Portugal não houve verdadeiramente um movimento abolicionista e a figura cimeira das legislações contra o esclavagismo, Sá da Bandeira, fê-lo numa lógica de defesa do projeto colonial e não contestava o racismo (MARQUES, 2008MARQUES, João Pedro. Sá da Bandeira e o Fim da Escravidão: Vitória da moral, desforra do interesse. Lisboa: ICS, 2008.; PIMENTEL, 2013PIMENTEL, Maria do Rosário. Sá da Bandeira e o estatuto do liberto; dos ideais ao pragmatismo político. In: MONTEIRO, Maria do Rosário; PIMENTEL, Maria do Rosário; LOURENÇO, Vítor Marçal. Marquês de Sá da Bandeira e o seu tempo.Academia Militar - Centro de História da Cultura , 2013, p.51-68. ; MARQUES, 2019MARQUES, João Pedro. Sá da Bandeira e as cortes: o intricado caminho para a abolição da escravidão. In: JERÓNIMO, Miguel Bandeira; MONTEIRO, José Pedro (coord.). O Direito Sobre Si Mesmo: 150 anos da abolição da escravatura no império português. Assembleia da República, 2019.). Pode-se, assim, afirmar que o primeiro movimento antirracista surgiu com a geração negra de 1911-1933. É apenas com os pan-africanistas em Portugal que é colocada em pauta a exigência de igualdade de direitos para negros, alinhando-se esta reivindicação com a segunda vaga antirracista internacional.

Em 1911, o jornal O Negro narrou a ocorrência de atos discriminatórios contra estudantes negros em Portugal: “Consta-nos que em certos estabelecimentos de ensino os estudantes negros são tratados com menos correção, havendo mesmo por parte de determinados professores injustiças que nos enojam. (…)”.47 45 Correio de Africa. 22/09/1921, p.2.

O jornal Voz D'Africa escreveu, em 1912, um destemido texto que denunciava o racismo que persistia dois anos depois da implantação da República:

Vigoram ainda as leis estupendas da monarquia! A Constituição é ainda privilégio duma minoria! O regime das castas prevalece! O Infame ódio de raças que, nós réprobos, os oprimidos de sempre, num generoso esquecimento, desejaríamos ver banidos para nunca mais da terra portuguesa, esta aí, estúpido e feroz, ditando leis, regulando o procedimento dos altos funcionários da República! Violados continuam os nossos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade. (...) O povo africano atingiu a plena maioridade. A sua carta de alforria arrancou-a ele a viva força da mão dos seus algozes, na trágica sucessão de angústias sem nome e de crueldades inarráveis. (...) Diziam que ele não tinha inteligência e as escolas, os liceus, as universidades aí estão a desmentir a imbecil asserção. Diziam que ele não tinha energias e as admiráveis organizações sociais que tem fundado aí estão para provar a falsidade da estúpida asserção. Médicos, advogados, engenheiros, industriais, comerciantes, publicistas, todo um estado-maior de trabalhadores incansáveis vem atestando ao mundo que nada falta a essa admirável raça: nem a pujança da força, nem a agudeza da inteligência, nem o calor do coração. (Voz d'Africa. 1912, n.º 7, p.1.)

Em 1913, o Voz D'Africa, mediante um texto intitulado Ódio de Raça! lançou um ataque às represálias, arbitrariedades e injustiças praticadas pelas autoridades contra negros e dizia que “(…) o ódio de raça, de uma raça dominadora à outra dominada, deve acabar (…)”48 46 Correio de Africa.1921, n.º 7, p.1. . Em 1932, o Tribuna D'Africa exigiu severa punição a João da Costa, morador da vila de Amadora, pois maltratava barbaramente a “cavalo-marinho” um “moleque” de catorze anos de idade, que trouxera consigo de um território africano.49 47 O Negro. 1911, n.º 1, p.2.

O Tribuna D'Africa, em 1913, exigiu o respeito pela constituição portuguesa e que “(…) a todos os portugueses, a todos, sem distinção de raça ou de cor sejam exigidos os mesmos deveres e garantidos os mesmos direitos.”50 48 Tribuna D'Africa. 1913, n.º 10 (21), p.3. . Em 1932, o jornal Africa, afirmou que pretendia colocar “(…) no mesmo pé de igualdade os portugueses de todas as raças”.51 49 Tribuna D'Africa. 1931, n.º 6, p.4.

Um ano antes da entrada em vigor da Constituição do Estado Novo, a Africa Magazine, dirigida por Mário Domingues, publicou que nos E.U.A. é “a organização fascista da Ku Klux Klan que se encontra à cabeça de todas as perseguições contra os ‘homens de cor'.52 50 Tribuna D'Africa. 1913, n.º 1 (12), p.1.

Estes ativistas negros procuraram combater as teorias racistas em ascensão à época que proclamavam a supremacia branca, fazendo um apelo à fraternidade entre seres humanos independentemente das suas cores: “É urgente que as barreiras que separam as raças desapareçam por uma vez, para que seja um fato o verdadeiro progresso humano, porque nada há mais belo do que a fraternidade entre os homens, qualquer que seja a sua cor.”53 51 Africa. 1932, n.º 11, p.1. . Além disso, o Correio de Africa publicou, em números sucessivos, uma coluna intitulada Brancos e Negros, com o propósito de contrariar aqueles que defendem uma hierarquia entre raças.

Em 1930, o Mocidade Africana noticiou que não há distinção entre pretos e brancos, são todos iguais e só o caráter e inteligência podem separar54 52 Africa Magazine. 1932, n.º 1, p.52. . Em 1931, o referido jornal publicou: “Está mais que assente, sem admissão de controvérsias, que a raça negra não é inferior a qualquer das outras raças. E que até não há raça inferior. Isto está mais que averiguado.”55 53 Correio de Africa. 1921, n.º 14, p.1.

A geração negra de 1911-1933 também testemunhou outros combates ideológicos e políticos que se viveram na Europa durante o período mencionado. Em 1911, O Negro saudou a França operária, humanitária e livre, celebrando as lutas de trabalhadores que ali ocorriam56 54 A Mocidade Africana.1930, n.º 2, p.2. e em 1913, o Voz D'Africa, evocou a história da Comuna de Paris57 55 Mocidade Africana.1931, n.º 24, p.4. . Apesar deste jornal não ser fascista, em 1930, a capa de A Mocidade Africana vangloriou o líder italiano Mussolini58 56 O Negro.1911, n.º 1, p.2-3. . Em contrapartida, em 1932, o jornal Africa redigia contra o racismo de Hitler referindo que “O mentor do racismo alemão [Hitler], terá um dia a recompensa de todos os aventureiros, esquecimento (…)”.59 57 A Voz D'Africa.1913, n.º 9, p.6.

Por meio de sua imprensa, seja mais radical e (ou) mais moderada, a geração pan-africanista e antirracista, ao longo de duas décadas, combateu o racismo denunciando-o ou desmistificando a sua ideologia. E, apesar da heterogeneidade do movimento, esta geração fez do combate à discriminação racial o denominador comum dos discursos por si produzidos. É esta a matriz que confere um caráter inédito e pioneiro deste movimento na luta antirracista em Portugal.

Considerações finais

Neste artigo, foi proposto destacar a geração do movimento negro do início do século XX em Portugal, ignorada pela historiografia e ocultada pelas correntes hegemônicas da cultura portuguesa. Os vestígios da atividade política, cívica e artística deste movimento surgiram numa imprensa que sobreviveu ao tempo, à degradação física e à ditadura do Estado Novo, permitindo aos pesquisadores esboçarem o seu perfil e traçarem o seu percurso. Reconhece-se a Mário Pinto de Andrade a possibilidade de tornar este movimento mais visível enquanto geração de africanos e afrodescendentes com intervenção na arena política “metropolitana”.

Consideramos que este foi o primeiro movimento negro politicamente organizado em Portugal que se distingue de outras formas de organização de negros em séculos anteriores que estavam restritas, fundamentalmente, ao culto religioso ou às manifestações artísticas. Destacou-se a centralidade da intervenção política com o recurso à criação de partidos, jornais e associações enquanto elemento distintivo, e até inovador, deste movimento. Contudo, as suas organizações tinham também por vezes um cariz cultural, artístico e recreativo, o que indica uma diversidade nos métodos escolhidos para essa atuação. Defendemos também que estamos perante o primeiro movimento antirracista no país, que se demonstra no relevante papel que a luta contra o racismo assumiu na sua imprensa e suas organizações.

Este movimento foi diverso na sua composição social, tendo as mulheres, por vezes, assumido um papel de relevo. A diversidade de posicionamentos políticos é também um elemento que se destaca quando se folheiam os títulos de imprensa desta geração. Porém, a luta pela igualdade perante instituições do regime republicano e pela emancipação dos negros em face do conjunto da sociedade “metropolitana” uniu as lideranças, apesar das divergências que despontaram. O movimento ensaiou, em alguns momentos, um questionamento do colonialismo. Contudo, alguns dos seus dirigentes colocaram-se ao lado da Primeira República na defesa do seu projeto colonial em momentos-chave deste regime como quando da eclosão da Primeira Guerra Mundial. E, oficialmente, o movimento nunca exigiu, de forma explícita, a independência dos territórios colonizados, solicitando apenas uma federalização ou o fim das leis de exceção nas colônias. Mário Pinto de Andrade apelida esta geração de protonacionalista querendo afirmar, através da utilização deste conceito, que esta foi a precursora do movimento nacionalista surgido no período pós-Segunda Guerra Mundial. Defendemos, no entanto, ser mais adequada e profícua a utilização do termo pan-africanista ao se referir a esta geração de ativistas, devido a sua localização histórica e internacional. A mencionada geração ocupou uma posição de relevo no movimento pan-africanista internacional de sua época, o que levou W.E.B. Du Bois, um dos mais destacados intelectuais e militantes da história do movimento negro mundial, a viajar a Lisboa em 1923.

As reflexões propostas assumem caráter inédito ao se considerar a produção historiográfica portuguesa dedicada a esta temática. Compreende-se, todavia, que este tópico apresenta um alargado leque de perspectivas e abordagens que poderão, no futuro, ser aprofundadas. Este trabalho pretende despoletar um debate na academia e no conjunto da sociedade acerca da importância deste movimento negro para sua época e para a atualidade.

Para finalizar citamos as poderosas palavras publicadas no único número do jornal Protesto Indígena em 1921, órgão ligado ao Partido Nacional Africano, que demonstram a relevância histórica e para o presente deste movimento negro pan-africanista:

O Protesto Indígena é a dor e o sofrimento amassados em sangue e em lágrimas! É o Inferno dantesco de todos os tormentos e de todas as angústias! É a agonia e o vilipêndio de cinco séculos de martírio irresgatáveis! Pela sua boca, espumante de raiva e de desespero, fala a voz homérica e secular de milhões de vítimas, de milhões de mártires, mortos, prostituídos e violados! Retalhados de vergastadas, esvurmando sangue e pus de mil feridas, os corpos têm ainda vigor e alento para lançar à face hedionda dos seus algozes “O Protesto” do seu desprezo, explosão violenta e angustiosa do seu infortúnio sem par! É que mortos mandam, os mortos falam, os mortos vingam! Espoliados de bens que eram seus; esbulhados de liberdades que eram suas; mortos, traiçoeiramente, e lançados, à vala, por entre gargalhadas e motejos; os mortos levantam-se, triunfantes, dos túmulos, as almas vibram, cantantes de vitória e ensombrando de pesadelos, de angústias e de medos, a vida crapulosa dos seus carrascos! A pretexto de lhes darem uma civilização, que é uma mentira, saquearam, violaram, assassinaram - com fúria, com maldade, com cupidez sem igual! Do século XV ao presente a história desses crimes é uma mancha de sangue e lodo, envergonhado a consciência humana e afrontando a cólera satânica da Justiça! (...) Que lhes haviam feito as vitimas inocentes? Qual o seu crime? A cor dos seus rostos era, por ventura, um estigma, um labéu, uma afronta? Não! Mil vezes, Não! (...) Cinco séculos! E ainda hoje a raça negra é uma casta de oprimidos! (...) Ah! Mas “O Protesto” há-de subir tão alto, tão justo, tão indignado, que as pedras hão-de aluir, arrastando, na derrocada - conjuntamente com os traidores, - os embusteiros e os tiranos! Nesta hora sobre todas bendita, os negros, fortes da serena fortaleza do seu direito, conscientes da alumbrada razão da sua justiça, porventura, sentirão humedecerem-se-lhes os olhos do pranto piedoso que se deve a todos os mortos e tocá-los-á, talvez pelos vencidos, esse generoso perdão das grandes almas. “O Protesto Indígena” então, tornar-se-á, apenas, um harmonioso terno à vida livre, à igualdade humana, à concórdia universal. (Protesto Indígena. 1921, p. 1)

  • 1
    Este artigo resulta da pesquisa realizada por Pedro Varela a partir de fundos nacionais, por meio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/129171/2017; e, ainda, no âmbito do projeto COMBAT, com apoio financeiro da FCT, por intermédio de fundos nacionais e cofinanciamento do FEDER, integrado no Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020, no âmbito do projeto PTDC/IVC-SOC/1209/2014-POCI-01-0145-FEDER-016806. Resulta igualmente da pesquisa realizada por José Augusto Pereira, a partir de fundos nacionais, por meio da FCT, no âmbito da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/148855/2019. Todas as fontes e bibliografia empregadas são referidas no artigo. Os dois autores participaram das diversas fases da pesquisa e da preparação do artigo, que não foi publicado em plataforma de preprint.
  • 4
    Este estudo teve um primeiro desenvolvimento com dois artigos jornalísticos dos mesmos autores: As origens do movimento negro e da luta antirracista em Portugal: a geração de 1911-1933. Buala. 8/1/2019; e A história silenciada do movimento negro em Portugal (1911-1933). Le Monde Diplomatique - versão portuguesa, Out./ 2019.
  • 5
    Na linguagem colonial, “metrópole” referia-se a Portugal Continental, Açores e Madeira. Os territórios ocupados em África e na Ásia eram considerados colônias e, a partir de 1951, passaram a ser denominados províncias ultramarinas mantendo um estatuto de subalternidade.
  • 6
    Mário Pinto Andrade (1928-1990) foi um intelectual e militante anticolonialista angolano. Marxista e defensor da cultura negra, foi fundador do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e seu primeiro presidente. Viveu em Portugal entre 1948 e 1954 onde fez parte da geração nacionalista africana ligada à Casa dos Estudantes do Império. No exílio em Paris foi redator da revista Presence Africaine. Em 1974, foi afastado do MPLA por divergências políticas. Depois, exilado na Guiné-Bissau, foi Ministro da Informação e Cultura. No contexto do anticolonialismo contra o imperialismo português foi considerado um dos mais importantes ativistas e intelectuais (MATA e PADILHA, 2000MATA, Inocência; PADILHA, Laura. (org.). Mário Pinto de Andrade: um intelectual na política. Lisboa: Colibri, 2000.).
  • 7
    Ao longo do artigo mantivemos o título dos periódicos com a grafia original e o nome das organizações com a grafia atual.
  • 8
    O Negro.1911, n.º 1, p.1.
  • 9
    Correio de Africa. 1922, n.º 23, p.1.
  • 10
    A Mocidade Africana.1932, n.º 27, p.1.
  • 11
    Correio de Africa.1921, n.º5, p.1.
  • 12
    Correio de Africa.1924, n.º 1, p.1.
  • 13
    Ao longo do artigo as citações serão transcritas com a grafia do português atual.
  • 14
    O Protesto Indígena.1921, n.º 1, p.2.
  • 15
    Correio de Africa.1922, n.º 29, p.1.
  • 16
    A Voz D'Africa. 1912, n.º 1, p.2.
  • 17
    A Tribuna D'Africa. 1913, n.º 1, p.1.
  • 18
    A Voz D'Africa. 1913, n.º 14, p.1.
  • 19
    Correio de Africa. 1921, n.º 3, p.1.
  • 20
    Correio de Africa. 1921, n.º 6, p.1.
  • 21
    O Protesto Indígena. 1921, n.º 1, p.1.
  • 22
    O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1.
  • 23
    Ibidem.
  • 24
    Correio de Africa.1921, n.º 13, p.1.
  • 25
    Africa. 1931, ano XXI, série VIII, n.º 882-1, p.2.
  • 26
    Ibidem.
  • 27
    Africa. 1932, n.º 1, p.7.
  • 28
    Para além de Mário Pinto de Andrade, muitos outros líderes do movimento nacionalista africano viveram em Portugal na época em questão, como: Amílcar Cabral, Pedro Pires, Agostinho Neto, Alda Lara, Joaquim Pinto de Andrade, Luandino Vieira, Lúcio Lara, Pepetela, Alda Espírito Santo, Francisco Tenreiro, Miguel Trovoada, Eduardo Mondlane, Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos ou Noémia de Sousa.
  • 29
    Correio de Africa.1921, n.º 1, p.3.
  • 30
    Tribuna D'Africa.1932, n.ºˢ 10, 11, 12, 13, p.4.
  • 31
    Correio de Africa.1921, n.º 1, p.3.
  • 32
    Africa.1932, n.º 1, p.7.
  • 33
    Correio de Africa.1921, n.º 5, p.1.
  • 34
    A Voz D'Africa. 01/07/1930, p.1.
  • 35
    A Voz D'Africa. 08/07/1929, p.2.
  • 36
    Tribuna D'Africa. 1913, n.º 7 (18), p.1.
  • 37
    Ibidem, p.3.
  • 38
    O Negro.1911, n.º 1, p.1.
  • 39
    Africa.1932, n.º 11, p.1.
  • 40
    Voz D'Africa.1930, p.5.
  • 41
    Ibidem; Correio de Africa.1921, n.º 3, p.1; O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1.
  • 42
    A Voz D'Africa.1913, n.º 9, p.6; A Nova Pátria.1916, n.º 2, p.1.
  • 43
    Portugal Novo. 1915, n.º 1, p.1.
  • 44
    O Protesto Indigena.1921, n.º 1, p.1.
  • 45
    Correio de Africa. 22/09/1921, p.2.
  • 46
    Correio de Africa.1921, n.º 7, p.1.
  • 47
    O Negro. 1911, n.º 1, p.2.
  • 48
    Tribuna D'Africa. 1913, n.º 10 (21), p.3.
  • 49
    Tribuna D'Africa. 1931, n.º 6, p.4.
  • 50
    Tribuna D'Africa. 1913, n.º 1 (12), p.1.
  • 51
    Africa. 1932, n.º 11, p.1.
  • 52
    Africa Magazine. 1932, n.º 1, p.52.
  • 53
    Correio de Africa. 1921, n.º 14, p.1.
  • 54
    A Mocidade Africana.1930, n.º 2, p.2.
  • 55
    Mocidade Africana.1931, n.º 24, p.4.
  • 56
    O Negro.1911, n.º 1, p.2-3.
  • 57
    A Voz D'Africa.1913, n.º 9, p.6.
  • 58
    A Mocidade Africana.1930, n.º 6, p.1.
  • 59
    Africa.1932, n.º 2, p.3.

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Editado por

Editores responsáveis: Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2019
  • Aceito
    09 Dez 2019
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