Acessibilidade / Reportar erro

Influência das crenças de autoeficácia na saúde e bem-estar de estudantes universitários na COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Analisar as crenças de autoeficácia geral em universitários, durante a pandemia da covid-19 e sua correlação com bem-estar psicológico e sintomas ansiosos e depressivos.

Método:

Estudo transversal, desenvolvido com estudantes de enfermagem, medicina e psicologia de instituição de ensino superior do estado de São Paulo, Brasil. A amostra foi de 329 estudantes e a coleta de dados ocorreu por meio de questionário e escalas, de agosto a dezembro de 2020.Utilizaram-se o teste Mann-Whitney e coeficiente de correlação de Spearman para análise das variáveis.

Resultados:

A autoeficácia dos participantes foi mediana (34,3±7,5). Maiores escores de autoeficácia foram correlacionados a melhor estado de bem-estar psicológico (p<0,001; r= -0,582) e ausência de sintomas ansiosos (p<0,001) e depressivos (p<0,001).

Conclusão:

Crenças elevadas de autoeficácia foram associadas a melhores desfechos em saúde mental. O fortalecimento da autoeficácia nas universidades pode ajudar a melhorar os comportamentos de saúde dos estudantes e prevenir doenças mentais.

Descritores:
Autoeficácia; Ansiedade; Depressão; Saúde mental; Estudantes de ciências da saúde; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

To analyze general self-efficacy beliefs in university students during the COVID-19 pandemic and their correlation with psychological well-being and anxiety and depressive symptoms.

Method:

Cross-sectional study, carried out with nursing, medicine and psychology students from a higher education institution in the state of São Paulo, Brazil. The sample consisted of 329 students and data collection took place through a questionnaire and scales, from August to December 2020. Mann-Whitney test and Spearman's correlation coefficient were used for analysis of the variables.

Results:

Participants' self-efficacy was median (34.3±7.5). Higher self-efficacy scores were correlated with better psychological well-being (p<0.001; r= -0.582) and absence of anxiety (p<0.001) and depressive (p<0.001) symptoms.

Conclusion:

High self-efficacy beliefs were associated with better mental health outcomes. Strengthening self-efficacy in universities can help improve students' health behaviors and prevent mental illness.

Descriptors:
Self-efficacy. Anxiety. Depression. Mental health. Students; health occupations. COVID-19

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las creencias generales de autoeficacia en estudiantes universitarios durante la pandemia de COVID-19 y su correlación con el bienestar psicológico y la sintomatología ansiosa y depresiva.

Método:

Estudio transversal, realizado con estudiantes de enfermería, medicina y psicología de una institución de enseñanza superior del estado de São Paulo, Brasil. La muestra estuvo conformada por 329 estudiantes y la recolección de datos se realizó a través de cuestionario y escalas, de agosto a diciembre de 2020. Para el análisis de las variables se utilizó la prueba de Mann-Whitney y el coeficiente de correlación de Spearman.

Resultados:

La autoeficacia de los participantes fue mediana (34,3±7,5). Las puntuaciones más altas de autoeficacia se correlacionaron con un mejor bienestar psicológico (p<0,001; r= -0,582) y ausencia de síntomas de ansiedad (p<0,001) y depresivos (p<0,001).

Conclusión:

Las creencias de alta autoeficacia se asociaron con mejores resultados de salud mental. Fortalecer la autoeficacia en las universidades puede ayudar a mejorar los comportamientos de salud de los estudiantes y prevenir enfermedades mentales.

Descriptores:
Autoeficacia; Ansiedad; Depresión; Salud mental; Estudiantes del área de la salud; COVID-19

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 causou um impacto negativo na saúde mental da população global, em especial em trabalhadores e estudantes da área da saúde, devido aos riscos de adoecimento, morte e às incertezas sobre a formação e atuação profissional11. Liyanage S, Saqib K, Khan AF, Thobani TR, Tang WC, Chiarot CB, AlShurman BA, Butt ZA. Prevalence of anxiety in university students during the COVID-19 pandemic: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021;19(1):62. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19010062
http://doi.org/10.3390/ijerph19010062...
,22. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
http://doi.org/10.3390/ijerph19042189...
. Estudos apontaram que a insegurança e o medo gerados pelo alto índice de mortes e o longo período de distanciamento social contribuíram para o aumento de transtornos ansiosos e depressivos na população mundial22. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
http://doi.org/10.3390/ijerph19042189...
,33. Kim S, Kim S. Who is suffering from the "Corona Blues"? an analysis of the impacts of the COVID-19 pandemic on depression and its implications for health policy. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(23):12273. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph182312273
http://doi.org/10.3390/ijerph182312273...
.

No ambiente acadêmico, a adaptação necessária para a continuidade do processo de formação, durante o período de distanciamento social, incluiu a adoção do ensino remoto emergencial, ofertado de modo improvisado, com recursos pedagógicos e tecnológicos adaptados e planejados de forma incipiente44. Schlesselman LS. Perspective from a teaching and learning center during emergency remote teaching. Am J Pharm Educ. 2020;84(8):ajpe8142. doi: http://doi.org/10.5688/ajpe8142
http://doi.org/10.5688/ajpe8142...
. Essa modalidade de ensino gerou medo em toda a comunidade acadêmica, além de repercutir na qualidade do ensino ofertado e de fragilizar as relações humanas, causando insegurança e desestabilização emocional55. Meo SA, Abukhalaf AA, Alomar AA, Sattar K, Klonoff DC. COVID-19 pandemic: impact of quarantine on medical students' mental wellbeing and learning behaviors. Pak J Med Sci. 2020;36(COVID19-S4):S43-S48. doi: http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-S4.2809
http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-...
,66. Saddik B, Hussein A, Sharif-Askari FS, Kheder W, Temsah MH, Koutaich RA, et al. Increased levels of anxiety among medical and non-medical university students during the COVID-19 pandemic in the United Arab Emirates. Risk ManagHealthc Policy. 2020;13:2395-406. doi: http://doi.org/10.2147/RMHP.S273333
http://doi.org/10.2147/RMHP.S273333...
.

Essa fase de adaptação e reconstrução da identidade educativa impôs desafios aos estudantes da área da saúde, que já são considerados psicologicamente vulneráveis44. Schlesselman LS. Perspective from a teaching and learning center during emergency remote teaching. Am J Pharm Educ. 2020;84(8):ajpe8142. doi: http://doi.org/10.5688/ajpe8142
http://doi.org/10.5688/ajpe8142...
,77. Racic M, Todorovic R, Ivkovic N, Masic S, Joksimovic B, Kulic M. Self- perceived stress in relation to anxiety, depression and health-related quality of life among health professions students: a cross-sectional study from Bosnia and Herzegovina. Zdr Varst. 2017;56(4):251-9. doi: http://doi.org/10.1515/sjph-2017-0034
http://doi.org/10.1515/sjph-2017-0034...
. Vários fatores contribuem para essa vulnerabilidade, como um currículo acadêmico e clínico exigente, situações de rompimento com a estrutura familiar primária e com outras redes de apoio consolidadas, bem como a necessidade de lidar com responsabilidades financeiras, sociais e emocionais55. Meo SA, Abukhalaf AA, Alomar AA, Sattar K, Klonoff DC. COVID-19 pandemic: impact of quarantine on medical students' mental wellbeing and learning behaviors. Pak J Med Sci. 2020;36(COVID19-S4):S43-S48. doi: http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-S4.2809
http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-...
-88. Mulyadi M, Tonapa SI, Luneto S, Lin WT, Lee BO. Prevalence of mental health problems and sleep disturbances in nursing students during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Nurse EducPract. 2021;57:103228. doi: http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103228
http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.10322...
.

Durante a pandemia, os desafios do ensino remoto associados ao distanciamento social e às preocupações com a saúde e o bem-estar pessoal e de familiares causou um aumento de transtornos ansiosos e depressivos entre os estudantes universitários22. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
http://doi.org/10.3390/ijerph19042189...
,99. Masha'al D, Shahrour G, Aldalaykeh M. Anxiety and coping strategies among nursing students returning to university during the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2022;8(1):e08734. doi: http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e08734
http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e0...
. Nesse período,a abordagem dos aspectos positivos da saúde mental, geradores de recursos para o enfrentamento eficaz de situações estressantes,foram pouco explorados55. Meo SA, Abukhalaf AA, Alomar AA, Sattar K, Klonoff DC. COVID-19 pandemic: impact of quarantine on medical students' mental wellbeing and learning behaviors. Pak J Med Sci. 2020;36(COVID19-S4):S43-S48. doi: http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-S4.2809
http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-...
. Assim, torna-se relevante identificar e estimular condições que contribuam para o bem-estar emocional dos universitários e subsidiem ações de promoção da saúde dos futuros profissionais, principalmente após a retomada das atividades presencialmente e em futuras crises sociossanitárias.

Entre os pilares positivos da saúde mental, destaca-se aautoeficácia geral e percebida, definida na literatura como as crenças de um indivíduo sobre suas capacidades pessoais de realizar tarefas com sucesso1010. Bandura A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psychol Rev. 1977;84(2):191-215. doi: http://doi.org/10.1037//0033-295x.84.2.191
http://doi.org/10.1037//0033-295x.84.2.1...
. Essas crenças podem influenciar de maneira incisiva as escolhas do indivíduo relacionadas às ações cotidianas, acadêmicas, profissionais e pessoais, além de trazer um sentimento de confiança para a transposição de desafios1111. Hayat AA, Shateri K, Amini M, Shokrpour N. Relationships between academic self-efficacy, learning-related emotions, and metacognitive learning strategies with academic performance in medical students: a structural equation model. BMC Med Educ. 2020;20(1):76. doi: http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-9
http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-...
.

O estudante que possui esse recurso emocional potencializado tende a apresentar uma probabilidade maior de confrontar desafios e mobilizar recursos para superá-los. Por outro lado, aqueles com baixa autoeficácia geral são mais propensos a sentir medo de executar suas tarefas e superar adversidades, por acreditar que não possuem recursos para cumpri-las e, assim, evitam e adiam sua realização1111. Hayat AA, Shateri K, Amini M, Shokrpour N. Relationships between academic self-efficacy, learning-related emotions, and metacognitive learning strategies with academic performance in medical students: a structural equation model. BMC Med Educ. 2020;20(1):76. doi: http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-9
http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-...
.

Possuir autoeficácia fortalecida pode auxiliar os estudantes diante de situações desafiadoras, como a vivenciada no período de restrições sociossanitárias impostas pela pandemia da COVID-19, além de prepará-los para outras possíveis situações emergenciais de saúde pública. Conhecer o comportamento da autoeficácia geral na população universitária e sua relação com o bem-estar psicológico e sintomas de ansiedade e depressão pode subsidiar pesquisadores e professores na construção de programas psicoeducacionais capazes de otimizar o potencial acadêmico e profissional dos estudantes99. Masha'al D, Shahrour G, Aldalaykeh M. Anxiety and coping strategies among nursing students returning to university during the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2022;8(1):e08734. doi: http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e08734
http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e0...
.

Ante o exposto, este estudo objetivou analisar as crenças de autoeficácia geral em estudantes do ensino superior, durante a pandemia da COVID-19 e sua correlação com o bem-estar psicológico e os sintomas de ansiedade e depressão. Nossa hipótese estabelece que estudantes com crenças positivas de autoeficácia geral possuam melhor saúde mental, expressa pela ausência de ansiedade e depressão e melhor bem-estar psicológico.

MÉTODO

A elaboração deste estudo foi realizada de acordo com as diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), específico para estudos observacionais1212. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.013
http://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.01...
.

Trata-se de um estudo transversal, analítico e correlacional, desenvolvido em uma Instituição de Ensino Superior (IES) pública do interior do estado de São Paulo, Brasil. A escolha dessa instituição se justificou por ser referência na formação de profissionais da saúde e estar vinculada a um dos maiores hospitais de ensino da América Latina. Este hospital é responsável pelo atendimento de casos graves da COVID-19 para 102 municípios da região noroeste paulista, abrangendo uma população de cerca de 1.570.421 habitantes.

Com o advento da pandemia, a IES precisou se adaptar, saindo do modelo de ensino tradicional presencial para o ensino remoto emergencial, por meio da plataforma Google Sala de Aula. Inicialmente, docentes e discentes foram capacitados para utilização dessa plataforma, para que pudessem viabilizar condições mínimas para o desenvolvimento das atividades educacionais com qualidade. O período de ensino remoto emergencial teve início em março de 2020 e foi encerrado em março de 2022, com a retomada das atividades presenciais.

A população deste estudo foi constituída por todos os alunos matriculados, no ano de 2020, nos cursos de medicina, enfermagem e psicologia, totalizando 727 estudantes (481 do curso medicina, 190 do curso de enfermagem e 56 do curso de psicologia).

A amostra foi estimada em 258 participantes, considerando-se o cálculo para amostras aleatórias simples, seguido de correção para pequenas populações e erro padrão de 5%. Para a sua composição, os seguintes critérios de elegibilidade foram empregados: possuir idade igual ou superior a 18 anos (seis estudantes excluídos), estar matriculado em um dos três cursos oferecidos pela IES e não estar gozando de licença saúde (23 alunos excluídos). Foram excluídos os estudantes ausentes nas aulas síncronas em que foi realizada a apresentação da pesquisa e o convite para a sua participação (n=37). Trezentos e trinta e dois estudantes não manifestaram interesse em participar a pesquisa.A amostra foi constituída por 329 estudantes.

Na coleta dos dados foram empregados quatro instrumentos: um questionário elaborado pelos pesquisadores, constituído de variáveis pessoais, sociais, acadêmicas, hábitos de vida e questionamentos sobre presença de estresse e comportamento suicida, além da percepção do impacto da pandemia em sua vida; a Escala de Autoeficácia Geral e Percebida; o Questionário de Saúde Geral (QSG-12); e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS).

A Escala de Autoeficácia Geral e Percebida1313. Souza I, Souza MA. Validação da escala de autoeficácia geral percebida. RevUniv Rural. 2004;26(1-2):12-7. é formada por 10 itens, com respostas que variam de um (discordo totalmente) a cinco (concordo totalmente). Cada item mensura as crenças que o indivíduo possui acerca de suas capacidades para alcançar um objetivo, lidar com uma situação ou desempenhar uma tarefa. O resultado é obtido pela soma dos valores dos itens, com maior pontuação indicando melhor percepção de autoeficácia, em um intervalo de 10 a 501313. Souza I, Souza MA. Validação da escala de autoeficácia geral percebida. RevUniv Rural. 2004;26(1-2):12-7.. Para fins de classificação do nível de autoeficácia, foram adotados os seguintes valores: 10 a 22 pontos - autoeficácia baixa, 23 a 37 pontos - autoeficácia mediana, 38 a 50 pontos - autoeficácia alta. Esta escala foi validada para diversos países e apresentou boa consistência interna e adequação para uso no Brasil (alfa de Cronbach de 0,81)1313. Souza I, Souza MA. Validação da escala de autoeficácia geral percebida. RevUniv Rural. 2004;26(1-2):12-7.. O presente estudo mostrou um índice de confiabilidade para esta escala de alfa de Cronbach foi de 0,91.

O QSG-12 é composto de 12 itens que avaliam o quanto a pessoa tem experimentado sintomas de desconforto psicológico (tensão, estresse, sobrecarga, relato de infelicidade, falta de confiança em si mesmo, sentimento de inutilidade, sono prejudicado e distúrbios psicossomáticos), com quatro possibilidades de respostas. Nos itens que negam a saúde mental, as alternativas de respostas vão de um (absolutamente não) a quatro (muito mais que de costume). Nos itens positivos, as respostam variam de um (mais que de costume) a quatro (muito menos que de costume). O resultado foi mensurado de forma unidimensional, em que a menor pontuação indicava melhor nível de bem-estar, em um intervalo de 12 a 48 pontos1414. Pasquali L, Gouveia VV, Andriola WB, Miranda FJ, Ramos ALM. Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG): adaptação brasileira. Psicol Teor Pesqui. 1994;10(3):421-37.,1515. Gouveia VV, Lima TJS de, Gouveia RSV, Freires LA, Barbosa LHGM. Questionário de Saúde Geral (QSG-12): o efeito de itens negativos em sua estrutura fatorial. Cad Saúde Pública. 2012;28(2):375-84. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200016.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
. O bem-estar psicológico foi categorizado em alto (12 a 23 pontos), mediano (24 a 36 pontos) ou baixo (37 a 48 pontos). No Brasil, o QGS-12 tem demonstrado evidências de validade e precisão, além de boa consistência interna, com alfa de Cronbach acima de 0,801515. Gouveia VV, Lima TJS de, Gouveia RSV, Freires LA, Barbosa LHGM. Questionário de Saúde Geral (QSG-12): o efeito de itens negativos em sua estrutura fatorial. Cad Saúde Pública. 2012;28(2):375-84. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200016.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201200...
. Neste estudo o alfa de Cronbach foi de 0,91.

A HADS1616. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, Garcia Jr C, Pereira WAB. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev SaúdePública. 1995;29(5):359-63. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89101995000500004
https://doi.org/10.1590/S0034-8910199500...
mensura sintomas sugestivos de ansiedade e depressão, com base na última semana vivida pelo indivíduo. Foi elaborada para utilização em ambiente clínico hospitalar, mas passou a ser aplicada em outros cenários, sobretudo em pessoas saudáveis e estudantes do ensino superior1717. Francis B, Gill JS, Yit Han N, Petrus CF, Azhar FL, Ahmad Sabki Z, et al. Religious coping, religiosity, depression and anxiety among medical students in a multi-religious setting. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(2):259. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16020259
https://doi.org/10.3390/ijerph16020259...
. Esta escala é amplamente empregada na literatura por ser objetiva e de fácil compreensão. Possui 14 questões intercaladas de ansiedade e depressão e apresenta boa sensibilidade (70,8% a 80,6%) e especificidade (69,6% a 90,9%), quando comparada à Escala de Ansiedade de Beck e à Escala de Depressão de Beck, ambas consideradas padrão-ouro1616. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, Garcia Jr C, Pereira WAB. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev SaúdePública. 1995;29(5):359-63. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89101995000500004
https://doi.org/10.1590/S0034-8910199500...
. Nesta pesquisa, os valores do alfa de Cronbach para ansiedade e depressão foram, respectivamente, 0,84 e 0,80. Cada item da HADS contempla quatro possibilidades de respostas, que variam de zero a três e totalizam o valor máximo de 21 pontos para cada subescala. Estudantes com escore ≥ 9 em cada subescala são considerados com ansiedade e/ou com depressão1616. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, Garcia Jr C, Pereira WAB. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev SaúdePública. 1995;29(5):359-63. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89101995000500004
https://doi.org/10.1590/S0034-8910199500...
.

A coleta dos dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2020, por meio da plataforma Google Forms e todos os estudantes foram convidados a participar do estudo. Esse convite foi realizado durante as aulas síncronas ocorridas na plataforma de ensino, pelos pesquisadores. Em seguida, um link contendo o TCLE e os instrumentos foram enviados para os e-mails dos estudantes, fornecidos pela instituição de ensino, e pelos WhatsApp das turmas, fornecidos pelos representantes de salas.

Após aceite do TCLE, o estudante iniciava as respostas aos formulários, que seguiram a ordem: caracterização do participante, escala de autoeficácia geral e percebida, QSG-12 e HADS.

Como forma de elevar o número de participantes, o convite foi reiterado quatro vezes, uma por mês (setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020), por meio de um vídeo construído pelos autores e divulgado via e-mail e nos grupos de WhatsApp das turmas. Esse vídeo apresentava os pesquisadores, informava o título, os objetivos e os instrumentos utilizados no estudo, e explicava sobre os aspectos éticos relacionados à preservação do sigilo e à participação voluntária.

Os dados obtidos foram processados e analisados por meio do programa Minitab 17 (Minitab Inc.). Para verificar a normalidade dos dados foi aplicado o teste de Anderson-Darling. As variáveis de caracterização foram analisadas de forma descritiva, por meio de frequências absoluta e relativa, medidas de posição (média e mediana) e de dispersão (variância e desvio padrão). Os escores de autoeficácia geral e percebida, bem-estar psicológico e sintomas de ansiedade e depressão foram analisados conforme as orientações dos respectivos instrumentos.

Para comparar os escores de autoeficácia com a presença/ausência de sintomas ansiosos e depressivos com o nível de bem-estar psicológico foi aplicado o teste Mann-Whitney. Empregou-se ainda o teste de correlação de Spearman para analisar a correlação entre autoeficácia geral percebida, ansiedade e depressão e bem-estar psicológico. Considerou-se a correlação fraca para valores de r<0,399, moderada se r≥0,400 e ≤0,699, e forte se r≥0,701818. Rotta DS, Lourenção LG, Gonsalez EG, Teixeira PR, Gazetta CE, Pinto MH. Engagement of multi-professional residents in health. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03437. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018003103437
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201800...
. O nível de significância adotado para todas as análises foi de 5% (p≤0,05).

Para verificar o poder amostral do estudo, foi realizado um cálculo a posteriori, utilizando a ferramenta OpenEpi, considerando um intervalo de confiança de 95% e dados de tamanho amostral, média e desvio padrão dos escores de autoeficácia geral e percebida e questionário de saúde geral de acordo com a ocorrência de sintomas de ansiedade e depressão (Tabela 3). O cálculo foi baseado no método de aproximação da normal para diferença de médias. O resultado mostrou que o estudo teve um poder amostral de 100% para todas variáveis avaliadas, indicando que a amostra foi suficiente para detectar diferenças significativas entre os grupos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 31420620.8.0000.5415 e parecer nº 4095190, em 18/06/2020. Todos os participantes assinaram o TCLE, de forma online. O estudo cumpriu os termos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Participaram do estudo 329 estudantes, sendo 137 (41,6%) do curso de medicina (taxa de resposta = 28,4%), 138 (42%) do curso de enfermagem (taxa de resposta = 72,6%) e 54 (16,4%) do curso de psicologia (taxa de resposta=96,4%). Houve predomínio do sexo feminino (78,4%), cor da pele branca (83,6%), solteiros/sem companheiro (70,5%), morando com a família (52,6%), com recursos financeiros suficientes para seu sustento na faculdade (88,5%) e sem exercer trabalho remunerado (86,6%).

A maioria dos estudantes afirmou possuir relação familiar harmoniosa, ter sentimentos de satisfação com a graduação, sobrecarga com as atividades do curso e sintomas de estresse. Em relação aos hábitos de vida, a maior parte relatou realizar atividades de lazer e exercícios físicos semanais, não fazer uso frequente de álcool, não fumar, não usar drogas ilícitas e não realizar acompanhamento psiquiátrico. Parcela considerável da amostra relatou ter ideias de suicídio e sintomas de ansiedade e depressão. Grande parte dos estudantes afirmou que a pandemia prejudicou a sua saúde mental (Tabela 1).

Tabela 1 -
Percentual referente às variáveis de caracterização amostral dos estudantes avaliados no estudo (N=329). São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2020

Os níveis de autoeficácia geral e percebida e o bem-estar psicológico dos estudantes foram medianos, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Estatísticas descritivas da autoeficácia geral e percebida e do bem-estar psicológico (QSG-12) dos estudantes.São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2020

Os estudantes sem sintomas de ansiedade e depressão apresentaram maiores escores de autoeficácia geral e percebida e melhores condições de bem-estar psicológico (Tabela 3).

Tabela 3
Estatísticas descritivas dos escores de autoeficácia geral e percebida e o bem-estar psicológico (QSG-12), de acordo com a ocorrência de sintomas de ansiedade e depressão. São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2020

Os resultados apontaram correlação moderada e negativa entre o bem-estar psicológico e a autoeficácia (r= -0,582; p<0,001), demonstrando que uma melhor percepção de autoeficácia (valores altos na escala) está correlacionada a elevado nível de bem-estar (valores baixos na escala), conforme demonstra a Figura 1.

Figura 1 -
Análise da correlação entre o bem-estar psicológico (QSG-12) e a autoeficácia. São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

Esta pesquisa evidenciou a presença de problemas de saúde mental nos estudantes universitários da área da saúde, durante a COVID-19. Investigações ao redor do mundo têm produzido evidências que retratam o impacto negativo da pandemia na qualidade de vida dessa população22. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
http://doi.org/10.3390/ijerph19042189...
,99. Masha'al D, Shahrour G, Aldalaykeh M. Anxiety and coping strategies among nursing students returning to university during the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2022;8(1):e08734. doi: http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e08734
http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e0...
. Revisões sistemáticas e metanálises confirmaram a vulnerabilidade desses estudantes ao adoecimento mental em período pandêmico11. Liyanage S, Saqib K, Khan AF, Thobani TR, Tang WC, Chiarot CB, AlShurman BA, Butt ZA. Prevalence of anxiety in university students during the COVID-19 pandemic: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021;19(1):62. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19010062
http://doi.org/10.3390/ijerph19010062...
,22. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
http://doi.org/10.3390/ijerph19042189...
,1919. Li Y, Wang A, Wu Y, Han N, Huang H. Impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of college students: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2021;12:669119. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119...
, com elevados índices de ansiedade (32% a 36%), depressão (39% a 52%), medo (12,5% a 41%), estresse (21,6% a 30%) e distúrbios do sono (3% a 27%)88. Mulyadi M, Tonapa SI, Luneto S, Lin WT, Lee BO. Prevalence of mental health problems and sleep disturbances in nursing students during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Nurse EducPract. 2021;57:103228. doi: http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103228
http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.10322...
,1919. Li Y, Wang A, Wu Y, Han N, Huang H. Impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of college students: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2021;12:669119. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119...
. O presente estudo identificou prevalência de 56,8% para o sintoma de ansiedade e de31% para a depressão, sendo que essa diferença pode ser atribuída às características pessoais e culturais dos estudantes de variados continentes, assim como pela data de coleta de dados.

A elevada taxa de sofrimento psíquico encontrada pode estar relacionada às preocupações com a COVID-19 e seus desdobramentos, como o risco de morte, a instabilidade financeira, o isolamento social e as alterações no modo de viver impostas pela doença33. Kim S, Kim S. Who is suffering from the "Corona Blues"? an analysis of the impacts of the COVID-19 pandemic on depression and its implications for health policy. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(23):12273. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph182312273
http://doi.org/10.3390/ijerph182312273...
. Em adição, a população universitária enfrentou as dificuldades de adaptação aos métodos de ensino online e as inúmeras incertezas quanto ao seu futuro e à sua formação com qualidade.

No período de estudo, o Brasil passava por intensa instabilidade política, modificações constantes de gestores no Ministério da Saúde, políticas de saúde frágeis e disseminação de fakenews2020. Touchton M, Knaul FM, Arreola-Ornelas H, Porteny T, Sánchez M, Méndez O, et al. A partisan pandemic: state government public health policies to combat COVID-19 in Brazil. BMJ Glob Health. 2021;6(6):e005223. doi: http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223
http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223...
. Pesquisa realizada pelo Grupo do Observatório para a Contenção da COVID-19 na América Latina demonstrou que o Brasil não teve uma resposta nacional eficaz e unificada na pandemia, marcada pelo reduzido rigor no cumprimento das intervenções não farmacológicas, como o uso de máscaras, restrições a viagens e permanência em casa. Os autores destacaram que uma política de saúde robusta e consolidada para enfrentar uma pandemia era fundamental para promover informação clara e precisa às pessoas e, assim, reduzira insegurança e o medo2020. Touchton M, Knaul FM, Arreola-Ornelas H, Porteny T, Sánchez M, Méndez O, et al. A partisan pandemic: state government public health policies to combat COVID-19 in Brazil. BMJ Glob Health. 2021;6(6):e005223. doi: http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223
http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223...
.

Os participantes deste estudo apresentaram escores medianos de percepção de autoeficácia geral. Isso quer dizer que os estudantes possuíam certas crenças que os limitavam e não os impulsionavam a alcançar seus objetivos, a perseverarem perante adversidades e a se automotivarem, de forma plena. Esse resultado é corroborado por outras investigações conduzidas nos continentes europeu, com estudantes italianos2121. Calandri E, Graziano F, Begotti T, Cattelino E, Gattino S, Rollero C, Fedi A. Adjustment to COVID-19 lockdown among Italian university students: the role of concerns, change in peer and family relationships and in learning skills, emotional, and academic self-efficacy on depressive symptoms. Front Psychol. 2021;12:643088. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088...
e alemães2222. Kohls E, Baldofski S, Moeller R, Klemm SL, Rummel-Kluge C. Mental health, social and emotional well-being, and perceived burdens of university students during COVID-19 pandemic lockdown in Germany. Front Psychiatry. 2021;12:643957. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.643957
http://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.643957...
, e asiático, com estudantes chineses2323. Wang Y, Di Y, Ye J, Wei W. Study on the public psychological states and its related factors during the outbreak of coronavirus disease 2019 (COVID-19) in some regions of China. Psychol Health Med. 2021;26(1):13-22. doi: https://doi.org/10.1080/13548506.2020.1746817
https://doi.org/10.1080/13548506.2020.17...
e iranianos2121. Calandri E, Graziano F, Begotti T, Cattelino E, Gattino S, Rollero C, Fedi A. Adjustment to COVID-19 lockdown among Italian university students: the role of concerns, change in peer and family relationships and in learning skills, emotional, and academic self-efficacy on depressive symptoms. Front Psychol. 2021;12:643088. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088...
.

O fato de estudantes com sentimentos positivos de autoeficácia apresentarem maior bem-estar psicológico e ausência de ansiedade e depressão pode ser explicado pelo efeito protetivo da autoeficácia contra os distúrbios de estresse, ansiedade e depressão2424. Schönfeld P, Brailovskaia J, Zhang XC, Margraf J. Self-efficacy as a mechanism linking daily stress to mental health in students: a three-wave cross-lagged study. Psychol Rep. 2019;122(6):2074-95. doi: https://doi.org/10.1177/0033294118787496
https://doi.org/10.1177/0033294118787496...
. Estudos realizados na América Latina e na Ásia demonstraram que a autoeficácia e os aspectos socioemocionais foram valiosos para a construção do bem-estar psicológico em estudantes universitários, durante a pandemia2525. García-Álvarez D, Hernández-Lalinde J, Cobo-Rendón R. Emotional intelligence and academic self-efficacy in relation to the psychological well-being of university students during COVID-19 in Venezuela. Front Psychol. 2021;12:759701. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.759701
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.759701...
,2626. Sabouripour F, Roslan S, Ghiami Z, Memon MA. Mediating role of self-efficacy in the relationship between optimism, psychological well-being, and resilience among Iranian students. Front Psychol. 2021;12:675645. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645...
. Os autores concluíram que a autoeficácia está intimamente ligada ao otimismo, autonomia, autoaceitação, relacionamentos positivos com os outros, crescimento pessoal e propósito na vida. Essas características agem no sentido de motivar comportamentos orientados para o futuro2626. Sabouripour F, Roslan S, Ghiami Z, Memon MA. Mediating role of self-efficacy in the relationship between optimism, psychological well-being, and resilience among Iranian students. Front Psychol. 2021;12:675645. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645...
.

Investigação conduzida com 2.707 estudantes universitários na França, Alemanha, Rússia e Reino Unido apontou que a interrupção súbita de suporte externo oferecido pelas universidades, por meio de programas como as tutorias, impactou fortemente a saúde mental dessa população. Esse fato, associado as suspensões nos processos acadêmicos presenciais e ao isolamento social, dificultou um elo que potencializava os recursos psíquicos dos alunos, ajudando-os a desenvolver e fortalecer constructos positivos, como a autoeficácia e a resiliência2727. Plakhotnik MS, Volkova NV, Jiang C, Yahiaoui D, Pheiffer G, McKay K, et al. The perceived impact of COVID-19 on student well-being and the mediating role of the university support: evidence from France, Germany, Russia, and the UK. Front Psychol. 2021;12:642689. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.642689
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.642689...
.

Recente investigação sobre a saúde mental de universitários do sudoeste asiático destacou a autoeficácia como um mecanismo adaptativo fundamental para manter a saúde psicológica e física e de se ajustar às dificuldades2121. Calandri E, Graziano F, Begotti T, Cattelino E, Gattino S, Rollero C, Fedi A. Adjustment to COVID-19 lockdown among Italian university students: the role of concerns, change in peer and family relationships and in learning skills, emotional, and academic self-efficacy on depressive symptoms. Front Psychol. 2021;12:643088. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088
http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088...
. A partir dessas evidências, aponta-se a necessidade de as instituições educacionais regularem políticas para melhorar a capacidade dos alunos de lidarem com os desafios cotidianos, uma vez que a autoeficácia pode ser ensinada e aprimorada como uma habilidade. Conhecer os estudantes mentalmente mais vulneráveis pode favorecer a adoção de estratégias direcionadas para prevenir doenças e maximizar o potencial acadêmico e pessoal dessa população.

Dados compilados por uma revisão sistemática, advindos de 14.064 participantes dos EUA, Austrália e Europa, com idades entre 10 e 19 anos, apontaram a autoeficácia como um dos recursos psíquicos que refreou o impacto negativo causado pelo isolamento social. Outros fatores foram importantes para atenuar esses efeitos deletérios, como a autoestima, o otimismo, a identidade étnica e a conexão social com a família e a escola2828. Preston AJ, Rew L. Connectedness, self-esteem, and prosocial behaviors protect adolescent mental health following social isolation: a systematic review. Issues Mental Health Nurs.2022;43(1):32-41. doi: https://doi.org/10.1080/01612840.2021.1948642
https://doi.org/10.1080/01612840.2021.19...
.

Dentro desta perspectiva, torna-se fundamental que as universidades, a partir desses dados, propiciem aos estudantes momentos comunitários de lazer, socialização, programações esportivas e tutorias. Essas iniciativas visam não apenas cultivar conexões emocionais e acadêmicas mais profundas, mas também proporcionar um acolhimento caloroso que contribua para o bem-estar psíquico dos universitários.

Os resultados deste estudo destacaram a experiência educacional universitária como um espaço para intervenções psicoeducativas universais voltadas à promoção de recursos pessoais, tanto para a prevenção de doenças como para promoção da saúde. Inclusive sob a perspectiva de gênero, de forma a responder à diversidade de trajetórias na construção desses recursos psicossociais2929. Sawyer AT, Bailey AK, Green JF, Sun J, Robinson PS. Resilience, Insight, Self-Compassion, and Empowerment (RISE): a randomized controlled trial of a psychoeducational group program for nurses. J Am Psychiatr Nurses Assoc. 2023;29(4):314-27. doi: http://doi.org/10.1177/10783903211033338
http://doi.org/10.1177/10783903211033338...
. Essas ações têm por objetivo fornecer técnicas que favoreçam o desenvolvimento e o gerenciamento emocional adequado de estratégias de enfrentamento dos diferentes desafios relacionados ao período de formação universitária, além de outros eventos complexos.

Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo. A escolha de um desenho transversal, com coleta de dados em apenas uma IES e em um momento específico da pandemia (agosto a dezembro de 2020), limita a generalização dos resultados. Sugere-se a realização de pesquisas multicêntricas que avaliem cenários diversos, com maior abrangência no tamanho da amostra e considerando-se as diferenças de gênero.

Ao evidenciar o impacto negativo da pandemia na saúde mental dos estudantes, o estudo suscitou oportunidades de intervenção para a melhoria da experiência dos universitários no desenvolvimento de seus projetos pessoais, acadêmicos e profissionais, em um contexto marcado pela adversidade.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que as crenças de autoeficácia geral e percebida dos universitários da área da saúde foram medianas. As prevalências dos sintomas de ansiedade e depressão dos estudantes foram elevadas e os níveis de bem-estar psicológico medianos. A percepção elevada de autoeficácia geral foi associada a condições demelhor bem-estar psicológico e à ausência de sintomas ansiosos e depressivos. Grande parte dos estudantes considerou que a pandemia da COVID-19 prejudicou sua saúde mental.

A COVID-19 representou um dos maiores desafios sanitários em nível global e as evidências demonstraram que a saúde mental de estudantes foi influenciada de forma significativa, podendo acarretar inúmeros prejuízos pessoais, como o aparecimento de transtornos mentais, e acadêmicos, como a falta de motivação, redução do desempenho escolar e até abandono do curso.

Esta pesquisa revelou que a autoeficácia é um recurso edificador da saúde mental de jovens e que pode ser um foco importante nas intervenções de enfermagem, representando, desta forma, um avanço no direcionamento de condutas e tomada de decisões, tanto na prática assistencial de enfermeiros como no ensino de graduação. No âmbito da gestão, fornece incentivo e direcionamento para a criação e implementação de programas direcionados à melhora da autoeficácia entre os universitários, além de auxiliar a formulação de políticas promotoras de saúde mental nas IES. Este estudo também traz contribuição significativa na pesquisa, uma vez que fornece insights valiosos sobre como as crenças individuais influenciam comportamentos, atitudes e resultados relacionados ao contexto universitário.

REFERENCES

  • 1. Liyanage S, Saqib K, Khan AF, Thobani TR, Tang WC, Chiarot CB, AlShurman BA, Butt ZA. Prevalence of anxiety in university students during the COVID-19 pandemic: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021;19(1):62. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19010062
    » http://doi.org/10.3390/ijerph19010062
  • 2. Saeed H, Eslami A, Nassif NT, Simpson AM, Lal S. Anxiety linked to COVID-19: a systematic review comparing anxiety rates in different populations. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(4):2189. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
    » http://doi.org/10.3390/ijerph19042189
  • 3. Kim S, Kim S. Who is suffering from the "Corona Blues"? an analysis of the impacts of the COVID-19 pandemic on depression and its implications for health policy. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(23):12273. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph182312273
    » http://doi.org/10.3390/ijerph182312273
  • 4. Schlesselman LS. Perspective from a teaching and learning center during emergency remote teaching. Am J Pharm Educ. 2020;84(8):ajpe8142. doi: http://doi.org/10.5688/ajpe8142
    » http://doi.org/10.5688/ajpe8142
  • 5. Meo SA, Abukhalaf AA, Alomar AA, Sattar K, Klonoff DC. COVID-19 pandemic: impact of quarantine on medical students' mental wellbeing and learning behaviors. Pak J Med Sci. 2020;36(COVID19-S4):S43-S48. doi: http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-S4.2809
    » http://doi.org/10.12669/pjms.36.COVID19-S4.2809
  • 6. Saddik B, Hussein A, Sharif-Askari FS, Kheder W, Temsah MH, Koutaich RA, et al. Increased levels of anxiety among medical and non-medical university students during the COVID-19 pandemic in the United Arab Emirates. Risk ManagHealthc Policy. 2020;13:2395-406. doi: http://doi.org/10.2147/RMHP.S273333
    » http://doi.org/10.2147/RMHP.S273333
  • 7. Racic M, Todorovic R, Ivkovic N, Masic S, Joksimovic B, Kulic M. Self- perceived stress in relation to anxiety, depression and health-related quality of life among health professions students: a cross-sectional study from Bosnia and Herzegovina. Zdr Varst. 2017;56(4):251-9. doi: http://doi.org/10.1515/sjph-2017-0034
    » http://doi.org/10.1515/sjph-2017-0034
  • 8. Mulyadi M, Tonapa SI, Luneto S, Lin WT, Lee BO. Prevalence of mental health problems and sleep disturbances in nursing students during the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Nurse EducPract. 2021;57:103228. doi: http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103228
    » http://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103228
  • 9. Masha'al D, Shahrour G, Aldalaykeh M. Anxiety and coping strategies among nursing students returning to university during the COVID-19 pandemic. Heliyon. 2022;8(1):e08734. doi: http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e08734
    » http://doi.org/10.1016/j.heliyon.2022.e08734
  • 10. Bandura A. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psychol Rev. 1977;84(2):191-215. doi: http://doi.org/10.1037//0033-295x.84.2.191
    » http://doi.org/10.1037//0033-295x.84.2.191
  • 11. Hayat AA, Shateri K, Amini M, Shokrpour N. Relationships between academic self-efficacy, learning-related emotions, and metacognitive learning strategies with academic performance in medical students: a structural equation model. BMC Med Educ. 2020;20(1):76. doi: http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-9
    » http://doi.org/10.1186/s12909-020-01995-9
  • 12. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9. doi: http://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.013
    » http://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.013
  • 13. Souza I, Souza MA. Validação da escala de autoeficácia geral percebida. RevUniv Rural. 2004;26(1-2):12-7.
  • 14. Pasquali L, Gouveia VV, Andriola WB, Miranda FJ, Ramos ALM. Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG): adaptação brasileira. Psicol Teor Pesqui. 1994;10(3):421-37.
  • 15. Gouveia VV, Lima TJS de, Gouveia RSV, Freires LA, Barbosa LHGM. Questionário de Saúde Geral (QSG-12): o efeito de itens negativos em sua estrutura fatorial. Cad Saúde Pública. 2012;28(2):375-84. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200016
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200016
  • 16. Botega NJ, Bio MR, Zomignani MA, Garcia Jr C, Pereira WAB. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Rev SaúdePública. 1995;29(5):359-63. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89101995000500004
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89101995000500004
  • 17. Francis B, Gill JS, Yit Han N, Petrus CF, Azhar FL, Ahmad Sabki Z, et al. Religious coping, religiosity, depression and anxiety among medical students in a multi-religious setting. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(2):259. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16020259
    » https://doi.org/10.3390/ijerph16020259
  • 18. Rotta DS, Lourenção LG, Gonsalez EG, Teixeira PR, Gazetta CE, Pinto MH. Engagement of multi-professional residents in health. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03437. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018003103437
    » https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018003103437
  • 19. Li Y, Wang A, Wu Y, Han N, Huang H. Impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of college students: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2021;12:669119. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119
    » http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.669119
  • 20. Touchton M, Knaul FM, Arreola-Ornelas H, Porteny T, Sánchez M, Méndez O, et al. A partisan pandemic: state government public health policies to combat COVID-19 in Brazil. BMJ Glob Health. 2021;6(6):e005223. doi: http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223
    » http://doi.org/10.1136/bmjgh-2021-005223
  • 21. Calandri E, Graziano F, Begotti T, Cattelino E, Gattino S, Rollero C, Fedi A. Adjustment to COVID-19 lockdown among Italian university students: the role of concerns, change in peer and family relationships and in learning skills, emotional, and academic self-efficacy on depressive symptoms. Front Psychol. 2021;12:643088. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088
    » http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.643088
  • 22. Kohls E, Baldofski S, Moeller R, Klemm SL, Rummel-Kluge C. Mental health, social and emotional well-being, and perceived burdens of university students during COVID-19 pandemic lockdown in Germany. Front Psychiatry. 2021;12:643957. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.643957
    » http://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.643957
  • 23. Wang Y, Di Y, Ye J, Wei W. Study on the public psychological states and its related factors during the outbreak of coronavirus disease 2019 (COVID-19) in some regions of China. Psychol Health Med. 2021;26(1):13-22. doi: https://doi.org/10.1080/13548506.2020.1746817
    » https://doi.org/10.1080/13548506.2020.1746817
  • 24. Schönfeld P, Brailovskaia J, Zhang XC, Margraf J. Self-efficacy as a mechanism linking daily stress to mental health in students: a three-wave cross-lagged study. Psychol Rep. 2019;122(6):2074-95. doi: https://doi.org/10.1177/0033294118787496
    » https://doi.org/10.1177/0033294118787496
  • 25. García-Álvarez D, Hernández-Lalinde J, Cobo-Rendón R. Emotional intelligence and academic self-efficacy in relation to the psychological well-being of university students during COVID-19 in Venezuela. Front Psychol. 2021;12:759701. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.759701
    » http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.759701
  • 26. Sabouripour F, Roslan S, Ghiami Z, Memon MA. Mediating role of self-efficacy in the relationship between optimism, psychological well-being, and resilience among Iranian students. Front Psychol. 2021;12:675645. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645
    » http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.675645
  • 27. Plakhotnik MS, Volkova NV, Jiang C, Yahiaoui D, Pheiffer G, McKay K, et al. The perceived impact of COVID-19 on student well-being and the mediating role of the university support: evidence from France, Germany, Russia, and the UK. Front Psychol. 2021;12:642689. doi: http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.642689
    » http://doi.org/10.3389/fpsyg.2021.642689
  • 28. Preston AJ, Rew L. Connectedness, self-esteem, and prosocial behaviors protect adolescent mental health following social isolation: a systematic review. Issues Mental Health Nurs.2022;43(1):32-41. doi: https://doi.org/10.1080/01612840.2021.1948642
    » https://doi.org/10.1080/01612840.2021.1948642
  • 29. Sawyer AT, Bailey AK, Green JF, Sun J, Robinson PS. Resilience, Insight, Self-Compassion, and Empowerment (RISE): a randomized controlled trial of a psychoeducational group program for nurses. J Am Psychiatr Nurses Assoc. 2023;29(4):314-27. doi: http://doi.org/10.1177/10783903211033338
    » http://doi.org/10.1177/10783903211033338

Editado por

Editor associado:

Carlise Rigon Dalla Nora

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2023
  • Aceito
    23 Ago 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br