Acessibilidade / Reportar erro

Violência no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde de uma unidade de pronto atendimento

RESUMO

Objetivo:

Analisar o cotidiano de trabalho de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), com ênfase na violência vivenciada pela equipe multiprofissional de saúde.

Método:

Estudo de caso com abordagem qualitativa, realizado em uma UPA de Minas Gerais, Brasil. A coleta ocorreu entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, por meio de observações, entrevistas e consulta a documentos. Os dados foram organizados no MAXQDA2020® e submetidos à Análise de Conteúdo, com fundamentação no referencial teórico de cotidiano de Michel de Certeau.

Resultados:

Participaram 31 profissionais de saúde. A violência contra os profissionais esteve relacionada ao tempo de espera, à falta de leitos para transferência e à limitação da entrada de acompanhantes. As principais agressões foram verbais, seguidas pelas físicas, praticada.

Considerações finais:

O cotidiano da UPA era permeado pela violência laboral. Embora fosse regido pelas estratégias, que visavam organizar a assistência prestada, os profissionais adotavam táticas diante das adversidades.

Descritores:
Violência no trabalho; Serviços médicos de emergência; Saúde ocupacional

ABSTRACT

Objective:

To analyze the daily work of an Emergency Care Unit (ECU), with emphasis on the violence experienced by the multiprofessional healthcare team.

Method:

Case study with a qualitative approach, conducted in na ECU in Minas Gerais, Brazil. The collection took place between August 2020 and January 2021, through observations, interviews and document review. Data were organized in MAXQDA 2020® and subjected to Content Analysis, based on Michel de Certeau’s theoretical framework of everyday life.

Results:

A total of 31 healthcare professionals participated. Violence against professionals was associated with the waiting time, the lack of beds for transfer and the restrictionson the entry of companions. The main aggressions were verbal, followed by physical aggression.

Final considerations:

The daily life of the ECU was permeated by labor violence. Although it was governed by strategies aimed at organizing the assistance provided, professionals adopted tactics to cope with the adversity.

Descriptors:
Workplace violence; Emergency medical services; Occupational health

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el trabajo cotidiano de una Unidad de Atención de Emergencia (UPA), con énfasis en la violencia vivida por el equipo multidisciplinario de salud.

Método:

Estudio de caso con abordaje cualitativo, realizado en una UPA de Minas Gerais, Brasil. La recolección se realizó entre agosto de 2020 y enero de 2021, a través de observaciones, entrevistas y consulta de documentos. Los datos fueron organizados en MAXQDA 2020® y sometidos a Análisis de Contenido, con base en el marco teórico diario de Michel de Certeau.

Resultados:

Los principales hallazgos del estudio deben presentarse de manera concisa y clara, sin excesivos detalles. Los resultados deben estar alineados con la sección de resultados del artículo completo, proporcionando información más detallada sobre los análisis estadísticos realizados y los principales resultados encontrados.

Consideraciones finales:

La vida cotidiana de la UPA estuvo permeada por la violencia laboral. Aunque se rigió por las estrategias, que tenían como objetivo organizar la asistencia prestada, los profesionales adoptaron tácticas frente a la adversidad.

Descriptores:
Violencia laboral; Servicios médicos de urgencia; Salud laboral

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Atenção à Urgência (PNAU) foi instituída pela Portaria n.º 1.863, de 29 de setembro de 2003, e estruturou a rede de urgência e emergência, visando ampliar e melhorar o acesso aos serviços de pronto atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Para as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), componentes fixos da atenção pré-hospitalar às urgências, foi definido o objetivo de descentralizar os atendimentos de menor complexidade, evitando que pacientes sejam encaminhados para hospitais e prontos-socorros. Compõem, junto com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), o nível intermediário de atenção às urgências, entre as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e os hospitais11. Pinto RS, Stocker T, Lima TM. O papel das unidades de pronto atendimento: análise do desempenho da primeira UPA do município de Pelotas-RS. RGSS. 2019;8:127-36. doi: https://doi.org/10.5585/rgss.v8i2.14922
https://doi.org/10.5585/rgss.v8i2.14922...
.

As UPAs são locais onde, frequentemente, profissionais de saúde enfrentam desafios e imprevistos, entre os quais, a violência. Quase um quarto dos atos de violência em locais de trabalho, em todo o mundo, ocorrem nos serviços de urgência e emergência e são praticados, geralmente, por pacientes e visitantes, sendo a violência psicológica mais comum que a física22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
. Os agressores podem ser externos ao serviço, como usuários e acompanhantes, ou internos, representados pelos trabalhadores da própria instituição33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
.

Algumas condições ambientais são fatores de risco para a violência praticada por usuários, como superlotação, escassez de pessoal e de recursos, problemas orçamentários e falta de leitos44. Paravic-Klijn T, Burgos-Moreno M. Prevalencia de violencia física, abuso verbal y factores associados en trabajadores/as de servicios de emergencia en establecimientos de salud públicos y privados. Rev Med Chile. 2018;146:727-36. doi: http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
http://doi.org/10.4067/s0034-98872018000...
,55. Santos JNMO, De La Longuiniere ACF, Vieira SNS, Amaral APS, Sanches GJC, Vilela ABA. Occupational stress: the exposure of an emergency unit nursing team. Rev Fund Care Online. 2019;11(n. esp.):455-63. doi: http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.455-463
http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v1...
, somados à falta de pessoal de segurança22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
. Na Itália, a violência laboral contra profissionais de saúde constitui um “evento sentinela”, definido como evento adverso grave e potencialmente evitável, que pode resultar em danos aos profissionais e levar à perda de confiança do público no sistema de saúde. Representa um problema de saúde pública, que afeta indivíduos e organizações66. Ferracuti S, Barchielli B, Napoli C, Giannini AM, Parmigiani G. Managing and preventing acts of violence against health workers: results of a review evaluating hospital control procedures. J Aggress Confl Peace Res. 2022;14:100-11. doi: https://doi.org/10.1108/JACPR-07-2021-0615
https://doi.org/10.1108/JACPR-07-2021-06...
.

A violência laboral aumenta o risco de doenças ocupacionais, de agravos psicossociais e de desinteresse do profissional pelo seu trabalho, e pode resultar na queda da qualidade do atendimento que, por vez, fomenta o círculo da violência por provocar, nos usuários, sentimentos de ansiedade, frustração e perda de controle33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
. Destaca-se que a violência no cotidiano de trabalho dos serviços de urgência e emergência é o principal fator de risco para o estresse ocupacional nos profissionais de saúde77. Murray RM, Davis AL, Shepler LJ, Moore-Merrell L, Troup WJ, Allen JA, et al.. A systematic review of workplace violence against emergency medical services responders. New Solut. 2020;29:487-503. doi: https://doi.org/10.1177/1048291119893388
https://doi.org/10.1177/1048291119893388...
e pode ser influenciada por situações como, por exemplo, a recente pandemia de COVID-19.

A pandemia representou um dos problemas de saúde mais agudos e graves das últimas décadas e se configurou em um quadro de emergência de saúde pública mundial88. Lipsitch M, Swerdlow DL, Finelli L. Defining the epidemiology of Covid-19 -studies needed. N Engl J Med. 2020;382:1194-6. doi: http://doi.org/10.1056/NEJMp2002125
http://doi.org/10.1056/NEJMp2002125...
. Desafiou os governos a realizarem uma rápida, e inédita, estruturação dos serviços de saúde para assistirem o número crescente de doentes99. Silva LS, Machado EL, Oliveira HN, Ribeiro AP. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:1-8. doi: http://doi.org/10.1590/2317-6369000014520
http://doi.org/10.1590/2317-636900001452...
. A UPA estudada passou a receber casos suspeitos ou confirmados da doença, o que alterou seu cotidiano de trabalho, tanto em relação ao quantitativo de usuários quanto aos novos protocolos de atendimento.

Na linha de frente do enfrentamento da doença, profissionais de um serviço de urgência e emergência do Paraná, Brasil, constataram a sobrecarga de trabalho, o cansaço físico e psíquico e a falta de leitos, de materiais e de funcionários como principais fatores desencadeantes e intensificadores da violência laboral durante esse período1010. Silva BDM, Menolli GA, Lima BDS, Karino ME, Kreling MCGD, Yagi MCN. Violência laboral no pronto-socorro em tempos de COVID-19: percepções da equipe de enfermagem. Res Soc Dev. 2022;11:e42611427583. doi: http://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27583
http://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27583...
. Como a violência no cotidiano de trabalho acarreta mudanças nas práticas dos profissionais, faz-se necessário aprofundar os estudos sobre a temática para melhor compreendê-la no contexto dos serviços de emergência, sob a ótica da equipe multiprofissional de saúde. Seu enfrentamento é essencial e indispensável para que se evitem repercussões negativas no processo de trabalho, na saúde dos profissionais e na qualidade do atendimento prestado à população.

O motivo do desenvolvimento desse estudo é a relevância da violência laboral nos serviços médicos de emergência. Seu objetivo foi analisar o cotidiano de trabalho de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), com ênfase na violência vivenciada pela equipe multiprofissional de saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso com abordagem qualitativa, fundamentado no referencial teórico de cotidiano de Michel de Certeau. O cotidiano é aquilo que é dado a cada dia, pressiona e pode ser compreendido como algo mais que um simples cenário de trabalho. Nele, estão as “artes do fazer” e é o lugar da liberdade e da criatividade, no qual são articuladas as práticas sociais. Como as maneiras de fazer são criativas, a invenção do cotidiano é singular e se constitui de rupturas1111. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014..

Esse referencial teórico permite um olhar aprofundado sobre o cotidiano, onde encontra-se uma diversidade de práticas, coexistentes e articuladas em estratégias e táticas. Estratégias são autoridades que sistematizam e impõem ordem. Podem ser instituições, leis, portarias, normas, protocolos, rituais, entre outros, organizadas pelo postulado de autoridade e de poder que indicam estabilidade (1111. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014.,1212. Rates HF, Cavalcante RB, Santos RC, Alves M. Everyday life in nursing work under the Michel de Certeau’s perspective. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 1):356-60. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0361
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
, que, nesse estudo, regulam o trabalho na UPA e organizam o cotidiano da unidade.

Táticas são “maneiras de fazer”, pequenas astúcias que acontecem nas “miudezas” do dia a dia. Suplantam o que é posto pela estratégia, são golpes sobre a norma. São improvisadas e imprevisíveis, dependem do tempo e das circunstâncias e surgem para responder necessidades que não foram resolvidas por meio das estratégias, na (re)invenção do cotidiano. É a partir das estratégias que ocorrem as táticas, com novas e inventivas maneiras de fazer no cotidiano1111. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014.. Irrompem as estratégias a partir das situações vivenciadas, são subjetivas, transcendem o que está estabelecido e podem ser individuais ou coletivas. Nessa pesquisa, são representadas pelas maneiras de enfrentar as estratégias da UPA, adotadas pelos profissionais, com vistas à lidarem com situações imprevisíveis, incluindo a violência.

O estudo foi realizado em uma UPA do interior de Minas Gerais, Brasil, localizada em uma microrregião de saúde composta por 20 municípios, com população estimada, em 2020, de 194.759 pessoas1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados: Minas Gerais. Rio de Janeiro: IBGE; 2022 Dec 13. Available from: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...
. Entre julho de 2019 e dezembro de 2020, foram realizados 58.558 atendimentos na unidade (médias mensal e diária de 3.253 e 108 atendimentos, respectivamente)1414. Unidade de Pronto Atendimento (UPA) . Relatórios de atendimentos. São João del-Rei: Elo Assessoria e Sistemas; 2021. [updated 2 2021 Jan 12, cited 2022 Dec 01]..

Foi considerado cenário adequado porque estava em funcionamento há 10 anos, portanto, estava consolidada como referência em atendimentos de urgência e emergência da microrregião. A UPA era normatizada pelas regulamentações municipais, alinhadas aos protocolos assistenciais do Ministério da Saúde, além de normas internas, específicas de cada setor, que regiam e organizavam o trabalho dos profissionais de saúde. Era de fácil acesso para a pesquisadora principal.

Na instituição, trabalhavam 95 profissionais de saúde. A população-alvo foi delimitada utilizando-se os critérios de inclusão: ser profissional de saúde e trabalhar na UPA há, no mínimo, seis meses. Os critérios de exclusão foram: estar de licença ou de férias no período da coleta de dados. Foram excluídos três profissionais que estavam de licença, cinco que estavam de férias e dois que participaram do teste piloto.

Os 80 trabalhadores elegíveis foram sendo convidados verbalmente para a pesquisa, de acordo com o turno de trabalho e as categorias profissionais, visando contemplar todas as categorias da área de saúde da UPA - medicina, enfermagem (enfermeiro e técnico de enfermagem), farmácia, assistência social, técnico em radiologia e auxiliar de farmácia. Foram convidados, como informantes chave, a enfermeira responsável técnica e o médico diretor clínico, por serem detentores de conhecimentos relevantes sobre a gestão e a organização da UPA, importantes para a interpretação dos achados. Três técnicas de enfermagem se recusaram a participar, sem especificarem o motivo.

A coleta de dados ocorreu de agosto de 2020 a janeiro de 2021, por meio de observações assistemáticas, entrevistas com roteiro semiestruturado e consulta a documentos da UPA. As observações favoreceram a inserção da pesquisadora no cenário, a verificação da interação entre os profissionais e desses com os usuários, das condições de trabalho e do funcionamento da UPA. Além disso, permitiram os trabalhadores a conhecerem o motivo da pesquisa. As informações foram coletadas antes, durante e após as entrevistas e registradas em diário de campo.

Foi realizado teste piloto do roteiro semiestruturado com duas profissionais e não foram necessárias adaptações. As entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora, enfermeira pós-graduanda de nível de doutorado, no horário de trabalho e em local privativo. Os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A amostra por conveniência foi composta por 31 participantes. O número de entrevistados foi definido no decorrer da pesquisa, atendendo ao critério de saturação1515. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017;5:01-12.. Os áudios foram transcritos até 48 horas após as entrevistas e conferidos por duas pesquisadoras. A duração total das entrevistas foi de 9 horas e 46 minutos, com média de 18 minutos. As transcrições foram devolvidas aos participantes para aferirem o conteúdo e não houve solicitação de mudanças. Foram adotados códigos alfanuméricos P1, P2, [...] P31 para apresentação de trechos dos relatos dos participantes para preservar o anonimato.

Também foram analisados documentos, como relatórios de atendimentos da UPA, rotinas, leis, portarias e normas sobre a regulamentação de atendimentos de urgência e emergência. Os dados foram organizados no software MAXQDA®, versão 2020, e submetidos à Análise de Conteúdo temática, percorrendo as três fases: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação1616. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2015..

Foi feita leitura sistemática e minuciosa do material transcrito, orientada pelas perguntas de pesquisa e pelos direcionamentos teóricos apontados por Certeau. Na pré-análise, fez-se a leitura flutuante e preparação do material; na exploração, a leitura exaustiva e, utilizando-se o software, foram recortadas as unidades de registro,derivadas dos dados, que foram agrupadas por similaridade temática. Na última fase, foi feito tratamento e interpretação das informações, além de ter sido realizadas inferências.

Esse artigo é um recorte de uma pesquisa de doutorado1717. Campos ICM . Táticas de enfrentamento a fatores estressores no cotidiano de trabalho de profissionais de saúde de uma Unidade de Pronto Atendimento. (tese) Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2022. Available from: http://hdl.handle.net/1843/42706
http://hdl.handle.net/1843/42706...
, no qual será analisada a categoria “A violência no cotidiano de trabalho da UPA”, que emergiu a partir da Análise de Conteúdo das respostas às seguintes questões do roteiro de entrevista: 1) Considerando o trabalho em urgência e emergência, o que causa estresse no trabalho da UPA? 2) Como você lida com as situações que causam estresse no trabalho? 3) O que os profissionais de saúde da UPA fazem, coletivamente, para diminuir o estresse durante o trabalho?

A pesquisadora seguiu as normas estabelecidas pela Resolução nº. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG), CAAE nº XXX.

RESULTADOS

Descrição da amostra

A amostra por conveniência foi de 31 profissionais de saúde. A maioria era do sexo feminino (64,5%), solteira (61,3%) e a idade média foi de 36 anos. Entre os 16 graduados (51,6%), oito eram médicos (25,8%), seis enfermeiras (19,4%), um farmacêutico (3,2%) e uma assistente social (3,2%). Entre os que possuíam ensino médio (48,4%), 10 eram técnicos de enfermagem (32,3%), três auxiliares de farmácia (9,7%) e dois técnicos em radiologia (6,5%).

Em média, os participantes trabalhavam na área de saúde há nove anos e oito meses e o tempo médio de trabalho na UPA foi de quatro anos e oito meses, variando de seis meses a 10anos. A carga horária semanal média de trabalho na UPA foi de 36 horas e 50 minutos, variando de 12 e 44 horas. A maioria trabalhava em plantões de 12 x 36 horas (58,1%) e no período diurno (67,7%).

A violência no cotidiano de trabalho da UPA

As relações com os usuários, sejam pacientes ou acompanhantes, foram apontadas como um estressor ocupacional relevante no cotidiano de trabalho na UPA, em diversos relatos dos participantes. Para uma técnica de enfermagem, era o principal fator estressor: “Pra mim, 90% é de usuários mesmo” (P10). Pode-se observar que as relações entre profissionais e usuários eram permeadas por comportamentos violentos.

O paciente já chega aqui naquele extremo, né? Ele chega, às vezes, gritando, chorando. Por ser um pronto atendimento, porta aberta, a gente pega tudo. Isso causa estresse. (P15)

As falas evidenciaram vários tipos de violência aos quais os profissionais de saúde da UPA estavam expostos nessas relações. Muitas vezes, eram tratados com hostilidade e, não raro, ocorriam ameaças, xingamentos e, até mesmo, agressões e danos ao patrimônio.

Uma colega levou um chute que ficou a marca no peito dela. (P10)

Uma vez, um homem chegou aqui, ia jogar um banquinho aqui dentro. Já quebraram o bebedouro lá fora, cadeira. Eles quebravam tudo. (P23)

Os profissionais, mesmo sob risco de violência, iam trabalhar por necessidade, o que foi explicitado na seguinte fala: “Mas a gente precisa trabalhar. O que que a gente vai fazer? Tem que tolerar” (P10). Eram ocorrências comuns no cotidiano de trabalho, a ponto de uma técnica de enfermagem afirmar: “Já sofri muita agressão verbal, eu e várias pessoas. Normal de uma UPA” (P9).

Às vezes, você está trabalhando, tranquilo e chega aquela pessoa estressada [...] os clientes da UPA não entendem que agente está aqui trabalhando. Então, às vezes, xinga. (P9)

Ele estava surtado. Aqui tem isso. Paciente chega aqui em surto. (P23)

[...] é um público que a gente trata, que émais suscetível, que vem na UPA por ser 100% SUS. É uma população que já sofre e a pessoa está doente, precisando de ajuda e ai afloram as emoções e elas ficam agitadas. (P24)

Todas as categorias profissionais relataram casos de violência, principalmente os componentes da equipe de enfermagem. Em menor grau, os médicos também sofriam atos violentos, mas de maneira velada.

Com os médicos eles não falam nada. Aí, vem em cima da gente e a gente fala: “Vai falar com o médico.” Não vão. Com o médico, eles ficam um amor, mas pintam com a gente. (P10)

Eles nunca me destrataram diretamente, mas ficam mais exigentes e querem um atestado. Às vezes, ameaçam que vão processar. (P24)

Os profissionais mencionaram que a maioria dos casos de violência era causada por usuários menos graves, que tentavam transgredir a estratégia que definia o fluxo de pacientes entre os serviços de saúde públicos ao buscavam atendimento na UPA. Em geral, reclamavam da demora para serem atendidos. A UPA adotava como estratégia de organização dos atendimentos o Protocolo de Manchester e, por não serem priorizados, alguns desses usuários se revoltavam com o tempo de espera.

A pessoa vem e podia ter ido a um posto de saúde. Chega aqui e quer ser atendida na hora. Aí, vem o marido, a família e briga. Na recepção, com a enfermeira na triagem e com a gente na medicação. (P9)

A falta de paciência deles não deixa entender que, às vezes, um médico ou a equipe está toda na sala vermelha e a pessoa tem que ficar lá fora esperando,porque é classificado como não urgência. (P14)

Entre julho de 2019 e dezembro de 2020, 3.253 usuários foram atendidos por mês, segundo relatórios mensais de atendimentos na UPA. De acordo com a classificação de risco, em média, a cada mês, 1.953 usuários foram classificados como pouco urgentes (verdes) (60,01%), 835 como urgentes (amarelos) (25,67%), 249 como muito urgentes (laranjas) (7,65%), 199 como não urgentes (azuis) (6,12%) e 18 foram classificados como emergentes (vermelhos) (0,55%)1414. Unidade de Pronto Atendimento (UPA) . Relatórios de atendimentos. São João del-Rei: Elo Assessoria e Sistemas; 2021. [updated 2 2021 Jan 12, cited 2022 Dec 01].. Observa-se que maior parte dos usuários eram justamente os que poderiam ser atendidos em outras instituições de saúde, como UBSs.

A estratégia definida pelo Ministério da Saúde era que o usuário ficasse em observação na UPA por até 24 horas1818. Ministério da Saúde (BR) . Gabinete do Ministro. Portaria nº 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 2017 jan 4;154(3 Seção 1):34-7. Available from https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=04/01/2017&jornal=1&pagina=34&totalArquivos=72
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
. Caso fosse necessário ser transferido para um hospital de referência, era cadastrado no SUSFácil (software que regula leitos de hospitais e ambulatórios de média e alta complexidade, de urgência/emergência e eletivos, credenciados ao SUS, em Minas Gerais). Muitas vezes, conseguir um leito de retaguarda era demorado, o que também gerava atrito com os usuários. Um médico afirmou que faziam tudo que estava ao alcance e tinham que “rezar para sair a vaga o mais rápido possível” (P26).

O povo não entende é que os pacientes são cadastrados no SUSfácil e eles acham que gritando com o operador do SUSfácil vai arrumar a vaga mais rápido, só que não. Depende de outros médicos, outros lugares aceitarem e gritando não vai facilitar. É falta de conhecimento. (P12)

Ficou claro, em outros relatos, que alguns usuários já chegavam na UPA exigindo a realização de certos procedimentos, como exames e medicações, mas a conduta médica era definida por protocolos clínicos. Outros eram portadores de doenças crônicas que precisariam de um acompanhamento a longo prazo, o que não era ofertado no local.

A população nossa é carente. Vem aqui, se não tomou um soro, que não precisa, não foi medicado, acha que não foi bem olhado. (P21)

Querem que você resolva os problemas deles em uma consulta na emergência e a maioria dos problemas leva meses, anos. Não resolve em uma consulta. Não entendem e jogam a frustração para você. (P30)

Às vezes, um paciente vem e quer uma coisa que não é daqui e quer impor a condição. Destrata a equipe. (P24)

Às vezes, chegam aqui querendo ortopedista, pediatra que a gente não tem. Só temos clínico. Isso gera estresse para o paciente e para a equipe porque cobram, xingam: “Eu não vou embora, eu preciso disso.” (P15)

Pode-se observar, ainda, que a violência contra os profissionais não era praticada apenas por pacientes, mas também pelos acompanhantes, principalmente dos pacientes encaminhados à sala de medicação (ou verde). No local, não era permitida a entrada de acompanhantes por estar sempre movimentado e não comportar mais pessoas. Essa limitação era uma estratégia da UPA para organizar o atendimento no local.

Os pacientes de 18 até 59 anos e 11 meses não têm direito [de acompanhante] por lei e são os que mais causam tumulto. São os que mais criticam e brigam. A gente tem bastante dificuldade com isso. (P5)

O pessoal não entende, quer dar carteirada e entrar de qualquer jeito. “Eu sou da polícia, eu quero entrar.” Isso é muito humilhante. (P14)

Acompanhante já falou que ia me bater, sabe? É muito estresse para gente. Falam que eles é que pagam a gente. (P10)

Quando a unidade estava “tranquila”, os profissionais deixavam acompanhantes entrar, mesmo sabendo que a estratégia da UPA não permitia. Uma técnica de enfermagem relatou que se o paciente “(...) demanda uma atenção maior e a gente tem outros pacientes e não consegue dar aquele cuidado intensivo para ele, a gente deixa entrar” (P5). Essa era uma tática para evitarem a violência e, alguns casos, contarem com os acompanhantes no auxílio nos cuidados dos usuários mais debilitados.

Quando o setor está tranquilo, tem só um ou dois para medicar e a gente vê que aquele familiar está muito desesperado, querendo notícia, a gente deixava entrar para a pessoa ficar mais tranquila. Também para a gente não ter mais um paciente na recepção com uma síncope. (P5)

Foram comuns relatos de casos de violência pelo fato de a UPA ser uma instituição pública do SUS. Alguns usuários faziam reclamações nas redes sociais, expondo nomes de servidores. Ressalta-se que, segundo os informantes chave, a UPA tinha estratégias para receber reclamações.

Já aconteceu de acompanhante querer tirar foto e eu falei: “Eu não aceito”. Foto do prontuário, foto de puncionar... (P19)

O pessoal acha que no SUS tem que ser atendido na hora e não existe isso. Aqui acham que é deles. “Aqui é meu, tenho que ser atendido na hora, não posso esperar.” (P23)

Na medicação falam que pagam a gente e não fazemos o serviço direito, põem cada nome na gente... Tem paciente que fala que vai processar. O que mais mata a gente é falar que pagam nosso salário: “Eu que pago seu salário, não sei quanto.” Humilha mesmo, não são poucos. (P10)

Quando a situação saía do controle, a estratégia era chamarem o segurança, que ficava na recepção da UPA. Além disso, os técnicos de enfermagem chamavam as enfermeiras e/ou os médicos para conversarem com os usuários, buscando resolvera situação com diálogo.

A gente chama o segurança que vem correndo porque, se deixar, tem uns que avançam, até batem. Já aconteceu de técnica apanhar na medicação. Quando acontece isso, a gente chama a enfermeira, porque a gente não pode bater boca com paciente. [...] Eles batem boca, mas a gente não pode. (P10)

Eu procuro ficar calma, peço licença, chamo o enfermeiro ou o médico. Aqui, a gente tem muita liberdade com os médicos, o que é uma vantagem, ajuda muito. Eles entram com a gente para conversar. (P9)

Na unidade, uma tática comum, mencionada pelos profissionais para evitarem o embate com usuários e diminuir o risco de violência, era não revidarem. Quando não havia mais possibilidade de diálogo, ficavam em silêncio e deixavam o usuário falando sozinho.

Um rapaz me xingou de tudo quanto é nome. Ele estava tonto, tinha levado ponto, eu fiquei calado. Depois, ele falou: “O senhor me desculpa porque eu te tratei mal, posso te dar um abraço?” Mas não respondi, fiquei quieto, fazendo o meu trabalho. (P16)

Com alguns a gente consegue conversar, outros que não. Eles gritam tanto que você tem que sair da sala e o deixar falando porque senão vai ser agredida. Se tiver muito agressivo, eu saio. (P10)

A gente sai de perto porque senão, acaba falando o que não deve. Quem fala não fica ofendida, mas quem ouve fica. (P5)

DISCUSSÃO

Pode-se verificar que o cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde da UPA era permeado por violência verbal, psicológica e física por parte dos usuários, muitas vezes, em decorrência das estratégias que definiam o funcionamento da unidade. Esteve relacionada ao elevado tempo de espera, à demora nas transferências de pacientes e à limitação da entrada de acompanhantes.

Existia o trabalho normatizado pelas estratégias e o trabalho real, ressignificado pelo indivíduo no seu contexto de atuação. A norma confere a diretriz, mas não é a verdade absoluta e depende do “saber fazer” criativo dos indivíduos. Muitas vezes, inova-se o fazer para burlar problemas do sistema de saúde1212. Rates HF, Cavalcante RB, Santos RC, Alves M. Everyday life in nursing work under the Michel de Certeau’s perspective. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 1):356-60. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0361
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
. É necessário compreender o cotidiano como campos de batalhas, nos quais o poder, como relação de forças, está sempre sendo contestado1919. Ferraço CE, Soares MCS, Alves N. Cotidiano, cultura, alteridade e a criação permanente de diferença. In: Ferraço CE, Soares MCS, Alves N. Michel de Certeau e as pesquisas nos/dos/com os cotidianos em educação. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2018. p. 71-88. doi: https://doi.org/10.7476/9788575115176.0005
https://doi.org/10.7476/9788575115176.00...
.

Em todo o mundo, os serviços de emergência possuem alto risco de violência laboral contra os profissionais de saúde, a qual, na maioria dos casos, tem pacientes e visitantes como autores22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
, assim como na UPA estudada. Nessas unidades, é frequente o atendimento a pacientes ansiosos pelo medo do desconhecido, a insegurança frente à morte e a preocupação com o quadro de saúde de entes queridos55. Santos JNMO, De La Longuiniere ACF, Vieira SNS, Amaral APS, Sanches GJC, Vilela ABA. Occupational stress: the exposure of an emergency unit nursing team. Rev Fund Care Online. 2019;11(n. esp.):455-63. doi: http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.455-463
http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v1...
, o que pode gerar tensão e aumentar o risco de violência.

Na Índia, a violência contra os profissionais de saúde e os danos às instalações dos serviços têm se tornado uma questão debatida em vários níveis. É considerado um dos maiores desafios de saúde pública e da assistência ao paciente2020. Chauhan V, Galwankar S, Kumar R, Raina SK, Aggarwal P, Agrawal N, et al. The 2017 academic college of emergency experts and academy of family physicians of India position statement on preventing violence against healthcare workers and vandalization of health-care facilities in India. Int J Crit Illn Inj Sci. 2017;7(2):79-83. doi: http://doi.org/10.4103/IJCIIS.IJCIIS_28_17
http://doi.org/10.4103/IJCIIS.IJCIIS_28_...
. Na UPA, além da violência contra os profissionais, houve relatos de danos ao patrimônio público, o que, de certa maneira, prejudicava o atendimento.

O cotidiano de trabalho dos profissionais da UPA era balizado por leis, programas, normas e rotinas, que correspondem àquilo que é pré-definido, estático e instituído pelos protocolos que direcionam as ações a serem realizadas, o que corresponde às estratégias1111. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014.. Entretanto, é nesse cotidiano que as ações são transformadas e ressignificadas, de acordo com as necessidades e possibilidades dos sujeitos. É operado pela criatividade, invisibilidade, invenção, atribuição de novos e diferentes sentidos ao que está posto, com um fazer validado e legitimado1212. Rates HF, Cavalcante RB, Santos RC, Alves M. Everyday life in nursing work under the Michel de Certeau’s perspective. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 1):356-60. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0361
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
.

As estratégias são definidas e pressupõe-se que sejam aceitas como desejáveis1111. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014.. Porém, a principal estratégia de organização da UPA,a classificação de risco por meio do Protocolo de Manchester, era fonte de atritos com os usuários. Era utilizado um programa predeterminado (estratégia), mas os usuários, muitas vezes, não compreendiam sua essência ou não a aceitavam.

Muitos usuários, com queixas de saúde habituais ou de baixa gravidade, buscavam atendimento na UPA, mas, de acordo com as estratégias, não era o lugar adequado para sua assistência. Procuravam atendimento médico para a resolução imediata de sua queixa de saúde ou a realização de exames básicos não disponíveis nas UBSs. Eram ações que desviavam do controle estabelecido pelas estratégias.

Por serem classificados como verdes (pouco urgentes) e azuis (não urgentes), os atendimentos deveriam ocorrer entre 120 e 240 minutos, respectivamente, de acordo com o protocolo2121. Paula CFB, Ribeiro RCHM, Werneck AL. Humanização da assistência: acolhimento e triagem na classificação de risco. Rev Enferm UFPE. 2019;13(4):997-1005. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i04a238728p997-1005-2019
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i04...
. A demora no atendimento, somada ao fato de não serem priorizados, pode levar à frustração e se constitui como fator de risco para a violência contra os trabalhadores. O tempo de espera e a falta de compreensão acerca do estabelecimento das prioridades de atendimento foram apontados como causas da violência também em outros serviços de urgência e emergência no Brasil e em outros países22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
-44. Paravic-Klijn T, Burgos-Moreno M. Prevalencia de violencia física, abuso verbal y factores associados en trabajadores/as de servicios de emergencia en establecimientos de salud públicos y privados. Rev Med Chile. 2018;146:727-36. doi: http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
http://doi.org/10.4067/s0034-98872018000...
,2222. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010...
.

Os setores de classificação de risco são locais de elevado risco para a ocorrência de violência. Em 13 serviços de urgência e emergência do Mato Grosso do Sul, Brasil, houve 212 episódios de violência verbal e 24 episódios de violência física em um ano, sendo que a segunda foi mais frequentemente levada ao conhecimento judicial (35,7%) do que a primeira (5,6%). Os acompanhantes foram os maiores perpetradores de violência verbal (43,7%) e os pacientes os principais responsáveis por violência física (58,3%). Na maioria dos episódios de violência, não houve instauração de processos, porém a polícia foi mais acionada nos casos de violência física (1,6%) do que na verbal (28,6%)2323. Ceballos JB, Frota OP, Nunes HFSS, Ávalos PL, Krügel CC, Ferreira Júnior MA, et al. Physical violence and verbal abuse against nurses working with risk stratification: characteristics, related factors, and consequences. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl 5):e20190882. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0882
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
.

A estratégia, segundo os profissionais da UPA, era orientar esses usuários quanto à finalidade da unidade, o perfil dos pacientes a serem atendidos e aconselhá-los a buscarem outros serviços, de acordo com suas necessidades. Nesse sentido, um estudo apontou que o desconhecimento da população sobre os serviços prestados nas UPAs se configura como outra causa de atos de violência impetrados contra s trabalhadores2222. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010...
.

Outro fator de risco para a violência laboral era a demora nas transferências de pacientes, por falta de leitos de retaguarda. A norma do Ministério da Saúde é que os usuários fiquem em observação na UPA por até 24 horas1818. Ministério da Saúde (BR) . Gabinete do Ministro. Portaria nº 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 2017 jan 4;154(3 Seção 1):34-7. Available from https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=04/01/2017&jornal=1&pagina=34&totalArquivos=72
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
. Caso contrário, deveriam ser cadastrados no SUSFácil, para serem internados em algum hospital de referência da unidade. No entanto, esse procedimento também, em grande medida, era desconhecido pelos usuários, o que aumentava o risco de violência pela demora em transferir os pacientes.

Essa estratégia era importante porque permitia a organização e priorização das transferências dos pacientes entre os serviços públicos de saúde. No entanto, se tornara um problema limitante por depender de fatores externos à UPA. Os médicos adotavam algumas táticas para agilizarem a transferência dos internados, como tentar contatos telefônicos com profissionais conhecidos dos hospitais. A mesma tática foi verificada em um estudo brasileiro, no qual os autores afirmaram que boas relações interpessoais com profissionais dos diferentes pontos da rede de atenção à urgência e emergência eram consideradas facilitadores para o acesso do usuário de um serviço ao outro2424. Konder M, O’dwyer G. Emergency care units as hospitalization units: phenomena of the care flow in the emergency network. Physis. 2019;29(2):e290203. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290203
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201929...
.

O fator de a unidade ser um serviço público era outro motivo para os profissionais de saúde sofrerem atos de violência vindos dos usuários, visto que acreditavam se tratar de um serviço de má qualidade e que os salários dos trabalhadores eram pagos pelos impostos2222. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010...
. Esse achado também foi verificado na UPA e causava nos profissionais receio de perderem o emprego. Muitas vezes, as reclamações eram públicas, pelas redes sociais, embora a UPA tivesse estratégias para receber reclamações e a enfermeira responsável técnica e a diretora serem apontadas como acessíveis para ouvir os usuários.

A violência psicológica ou verbal é mais comum do que a física nos serviços de urgência e emergência22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
,33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
e tornara-se rotineira. Pacientes e familiares foram os responsáveis pela maioria dos casos que incluíam xingamentos, humilhações, ameaças de morte, constrangimentos e tentativa de desaboná-los. Esse achado corrobora o verificado na UPA, onde os profissionais sofriam com hostilidades, xingamentos, atitudes ofensivas, humilhações e ameaças. Em relação à violência física, em alguns locais, os trabalhadores podem sofrer empurrões, puxões de cabelo, arremesso de objetos, entre outros33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
.

A UPA estudada também se mostrou como um ambiente de elevado risco para a equipe de enfermagem. A violência está presente em qualquer área de atuação dos profissionais de enfermagem, mas é predominante nas unidades de emergência, locais que possuem fluxo maior de pacientes e condições adversas de trabalho. A subnotificação dessas ocorrências cria um ambiente passível de aceitação dos atos violentos, dificultando sua prevenção e combate33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
.

Profissionais de enfermagem de um serviço de emergência da Bahia, Brasil, afirmaram que a deterioração das relações com os usuários pode interferir na execução do trabalho, na qualificação da equipe e na construção de projetos profissionais. Tal situação desencadeava sentimentos de menos valia e crises de identidade, podendo provocar prejuízo psíquico e influenciar a saúde mental dos trabalhadores55. Santos JNMO, De La Longuiniere ACF, Vieira SNS, Amaral APS, Sanches GJC, Vilela ABA. Occupational stress: the exposure of an emergency unit nursing team. Rev Fund Care Online. 2019;11(n. esp.):455-63. doi: http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.455-463
http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v1...
.

Cabe um destaque acerca do gênero das vítimas. Nas UPAs, mulheres tendem a sofrer mais violência que os homens, pois são menos respeitadas e há preconceito da população em relação às atividades profissionais desenvolvidas por pessoas do gênero feminino. Estudo norte-americano mostrou que havia diferença entre os atos violentos, estando as mulheres mais propensas ao abuso sexual enquanto os homens à violência física2525. Copeland D, Henry M. Workplace violence and perceptions of safety among emergency department staff members: experiences, expectations, tolerance, reporting, and recommendations. J Trauma Nurs. 2017;24(2):65-77. doi: http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000269
http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000...
. Além disso, a categoria de enfermagem, a maior da área de saúde, é majoritariamente feminina, com mulheres em contato constante com os usuários, o que pode se constituir como um fator de maior exposição aos atos violentos2222. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010...
,2525. Copeland D, Henry M. Workplace violence and perceptions of safety among emergency department staff members: experiences, expectations, tolerance, reporting, and recommendations. J Trauma Nurs. 2017;24(2):65-77. doi: http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000269
http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000...
.

Os médicos da UPA, embora também vivenciassem situações de violência, eram mais veladas do que com os demais profissionais, talvez por uma questão de gênero, já que a maioria eram do gênero masculino, ou pelo valor social atribuído à profissão médica. Sofriam ameaças de serem processados e agressões verbais de usuários que exigiam a realização de alguns procedimentos. Ressalta-se que a decisão clínica da melhor conduta, caso a caso, com base em protocolos clínicos, era uma prerrogativa exclusiva dos médicos. Entretanto, alguns, para evitar o embate, cediam e realizam alguns procedimentos, às vezes desnecessariamente, como radiografias.

Não reagir à violência física e verbal foi a tática mais citada por trabalhadores chilenos para evitarem as ocasiões violentas44. Paravic-Klijn T, Burgos-Moreno M. Prevalencia de violencia física, abuso verbal y factores associados en trabajadores/as de servicios de emergencia en establecimientos de salud públicos y privados. Rev Med Chile. 2018;146:727-36. doi: http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
http://doi.org/10.4067/s0034-98872018000...
. Buscam escutar e manter a calma, estabelecendo uma comunicação eficiente, entendendo as pessoas e colocando-se no lugar do outro2222. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010...
. Na UPA, essa tática também era utilizada para evitar o embate com os usuários. Os profissionais, diante de agressões, adotam a tática do silêncio e saíam das salas, deixando o usuário falando sozinho.

A exposição diária ao insulto, falta de respeito, humilhação ou qualquer tipo de violência praticada por pacientes, acompanhantes e/ou de colegas de trabalho provocam danos à saúde mental e física dos trabalhadores, podendo causar doenças ocupacionais e agravos psicossociais33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
. Compromete a autoestima do trabalhador, diminui a satisfação e o interesse pelo trabalho, prejudica a relação com o paciente, reduz a qualidade do atendimento, causa afastamentos e desistências do emprego. Pode levar a comportamentos mais violentos, comprometendo a segurança do paciente e seus direitos33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
,44. Paravic-Klijn T, Burgos-Moreno M. Prevalencia de violencia física, abuso verbal y factores associados en trabajadores/as de servicios de emergencia en establecimientos de salud públicos y privados. Rev Med Chile. 2018;146:727-36. doi: http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
http://doi.org/10.4067/s0034-98872018000...
.

A violência laboral é um relevante estressor ocupacional que, quando crônico, aumenta o risco de estresse, estresse pós-traumático, Síndrome de Burnout e pode ser, até mesmo, ser fator de risco para o suicídio. As vítimas expressam sentimentos de angústia, ansiedade, medo e apreensão77. Murray RM, Davis AL, Shepler LJ, Moore-Merrell L, Troup WJ, Allen JA, et al.. A systematic review of workplace violence against emergency medical services responders. New Solut. 2020;29:487-503. doi: https://doi.org/10.1177/1048291119893388
https://doi.org/10.1177/1048291119893388...
. Na UPA, a violência foi apontada como estressante pelos profissionais de saúde.Chamou atenção pelas consequências no cotidiano de trabalho, pois gerava sofrimento e medo dos trabalhadores no contato direto e contínuo com os usuários durante os plantões.Estratégias para a contenção de atos violentos,por parte da gerência, mostraram-se incipientes e pontuais, o que os obrigava a adotarem táticas individuais e coletivas para preveni-los.

A violência nas urgências e emergências tende a ser mais grave, tendo em vista a subnotificação de casos, considerando que alguns trabalhadores a aceitam como parte do trabalho, o que desmotiva a denúncia. Geralmente, não denunciam quando não são feridos ou por medo das consequências22. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173...
,77. Murray RM, Davis AL, Shepler LJ, Moore-Merrell L, Troup WJ, Allen JA, et al.. A systematic review of workplace violence against emergency medical services responders. New Solut. 2020;29:487-503. doi: https://doi.org/10.1177/1048291119893388
https://doi.org/10.1177/1048291119893388...
. A ideia de que a violência é inerente ao trabalho de médicos e enfermeiros não é verdadeira e precisa ser combatida como forma de garantir a segurança dos profissionais no ambiente de trabalho. A falha em fazê-lo piorará os cuidados que devem prestar e afetará os sistemas de saúde em todo o mundo2626. Vento S, Cainelli F, Vallone A. Violence against healthcare workers: a worldwide phenomenon with serious consequences. Front Public Health. 2020;8:570459. doi: http://doi.org/10.3389/fpubh.2020.570459
http://doi.org/10.3389/fpubh.2020.570459...
.

Os profissionais devem reconhecer e denunciar quando forem vítimas, para que esse problema tenha maior visibilidade e possibilite aos governantes, conselhos profissionais, sindicatos e gestores das instituições de saúde adotar medidas de prevenção e proteção dos trabalhadores33. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3...
. Os informantes chave relataram que tentavam garantir a segurança dos profissionais durante o trabalho, fazendo, inclusive, uma articulação com serviços de segurança pública, com vistas à proteção desses profissionais. Além disso, buscavam organizar, juntamente com a Secretaria Municipal de Saúde, o fluxo de usuários entre os serviços de saúde, com vistas à redução da superlotação da UPA.

Esse estudo tem como limitação o fato de ter sido realizado com os “profissionais de saúde da UPA”, desconsiderando a heterogeneidade das categorias profissionais e o gênero dos trabalhadores. Além disso, foi realizado durante a pandemia, momento ímpar da história recente que, certamente alterou o cotidiano da UPA e que, devido à tensão que causou tanto nos profissionais quanto nos usuários, provavelmente aumentou o risco de violência laboral.

Seus achados têm aplicação para o ensino, pesquisa e prática dos profissionais de saúde ao abordar o cotidiano de uma UPA, com ênfase na violência sofridas pelos profissionais de saúde. Os resultados dessa pesquisa foram apresentados para os gestores da unidade, com o objetivo de refletirem sobre a problemática e tomarem medidas cabíveis para evitá-la, especialmente ao tentarem, juntamente com a Secretaria Municipal de Saúde, corrigir os problemas de fluxo dos usuários entre os serviços de saúde. Sugere-se mais pesquisas sobre as causas de atos violentos, a violência praticada por usuários nos diferentes serviços de saúde, assim como as medidas de prevenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cotidiano de trabalho na UPA era regido por estratégias, como o Protocolo de Manchester e de encaminhamento via SUSFácil, que, muitas vezes, não são aceitos ou compreendidos pelos usuários. Por outro lado, era permeado por táticas, adotadas pelos profissionais diante das adversidades que surgiam no dia a dia, como as tentativas de agilizarem as transferências para hospitais de referência e o afastamento dos usuários para evitarem a violência. Por consequência, os trabalhadores poderiam desenvolver o estresse ocupacional.

Os motivos dos atos de violência, na perspectiva dos profissionais, foram o elevado tempo de espera para o atendimento, a falta de leitos de retaguarda e a limitação da entrada de acompanhantes. Estes fatos eram agravados pela superlotação da UPA e, muitas vezes, praticados por pacientes menos graves, cujo tempo de espera pode ser de até 240 minutos, gerando insatisfação de pacientes e familiares.

Os principais atos de violência eram verbais, mas também ocorriam agressões físicas. Na maior parte das vezes, eram praticados pelos usuários e as principais vítimas eram da equipe de enfermagem. No geral, parecia haver uma certa “naturalização” dessa situação, por parte dos profissionais, talvez pela alta frequência em que acontecia, no cotidiano laboral. Entretanto, deveriam ser adotadas estratégias educativas e criação de oportunidades para ouvir e apoiar a equipe multiprofissional.

Estudos como esse são importantes por lançarem luz em um problema, muitas vezes, não identificado no cotidiano das UPAs, mas que precisa ser evidenciado. Contribuem para o seu enfrentamento e, em última análise, reverbera na melhoria da assistência prestada aos usuários.

REFERENCES

  • 1. Pinto RS, Stocker T, Lima TM. O papel das unidades de pronto atendimento: análise do desempenho da primeira UPA do município de Pelotas-RS. RGSS. 2019;8:127-36. doi: https://doi.org/10.5585/rgss.v8i2.14922
    » https://doi.org/10.5585/rgss.v8i2.14922
  • 2. Contreras Jofre P, Valenzuela Solís A, Pinto Soto J, Mendoza Ponce N, López-Alegría F. Violencia en el trabajo hacia los profesionales de enfermería en los servicios de emergencias: revisión integrativa. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e173. doi: https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
    » https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.173
  • 3. Oliveira CS, Martins JT, Galdino MQ, Perfeito RR. Violence at work in emergency care units: nurses’ experiences. Rev Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3323. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.3856.3323
  • 4. Paravic-Klijn T, Burgos-Moreno M. Prevalencia de violencia física, abuso verbal y factores associados en trabajadores/as de servicios de emergencia en establecimientos de salud públicos y privados. Rev Med Chile. 2018;146:727-36. doi: http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
    » http://doi.org/10.4067/s0034-988720180006007270034-98872018000600727
  • 5. Santos JNMO, De La Longuiniere ACF, Vieira SNS, Amaral APS, Sanches GJC, Vilela ABA. Occupational stress: the exposure of an emergency unit nursing team. Rev Fund Care Online. 2019;11(n. esp.):455-63. doi: http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.455-463
    » http://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.455-463
  • 6. Ferracuti S, Barchielli B, Napoli C, Giannini AM, Parmigiani G. Managing and preventing acts of violence against health workers: results of a review evaluating hospital control procedures. J Aggress Confl Peace Res. 2022;14:100-11. doi: https://doi.org/10.1108/JACPR-07-2021-0615
    » https://doi.org/10.1108/JACPR-07-2021-0615
  • 7. Murray RM, Davis AL, Shepler LJ, Moore-Merrell L, Troup WJ, Allen JA, et al.. A systematic review of workplace violence against emergency medical services responders. New Solut. 2020;29:487-503. doi: https://doi.org/10.1177/1048291119893388
    » https://doi.org/10.1177/1048291119893388
  • 8. Lipsitch M, Swerdlow DL, Finelli L. Defining the epidemiology of Covid-19 -studies needed. N Engl J Med. 2020;382:1194-6. doi: http://doi.org/10.1056/NEJMp2002125
    » http://doi.org/10.1056/NEJMp2002125
  • 9. Silva LS, Machado EL, Oliveira HN, Ribeiro AP. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:1-8. doi: http://doi.org/10.1590/2317-6369000014520
    » http://doi.org/10.1590/2317-6369000014520
  • 10. Silva BDM, Menolli GA, Lima BDS, Karino ME, Kreling MCGD, Yagi MCN. Violência laboral no pronto-socorro em tempos de COVID-19: percepções da equipe de enfermagem. Res Soc Dev. 2022;11:e42611427583. doi: http://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27583
    » http://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27583
  • 11. Certeau MA. Invenção do cotidiano: artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes; 2014.
  • 12. Rates HF, Cavalcante RB, Santos RC, Alves M. Everyday life in nursing work under the Michel de Certeau’s perspective. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 1):356-60. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0361
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0361
  • 13. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados: Minas Gerais. Rio de Janeiro: IBGE; 2022 Dec 13. Available from: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/
    » https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mg/
  • 14. Unidade de Pronto Atendimento (UPA) . Relatórios de atendimentos. São João del-Rei: Elo Assessoria e Sistemas; 2021. [updated 2 2021 Jan 12, cited 2022 Dec 01].
  • 15. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017;5:01-12.
  • 16. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2015.
  • 17. Campos ICM . Táticas de enfrentamento a fatores estressores no cotidiano de trabalho de profissionais de saúde de uma Unidade de Pronto Atendimento. (tese) Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2022. Available from: http://hdl.handle.net/1843/42706
    » http://hdl.handle.net/1843/42706
  • 18. Ministério da Saúde (BR) . Gabinete do Ministro. Portaria nº 10, de 3 de janeiro de 2017. Redefine as diretrizes de modelo assistencial e financiamento de UPA 24h de Pronto Atendimento como Componente da Rede de Atenção às Urgências, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 2017 jan 4;154(3 Seção 1):34-7. Available from https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=04/01/2017&jornal=1&pagina=34&totalArquivos=72
    » https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=04/01/2017&jornal=1&pagina=34&totalArquivos=72
  • 19. Ferraço CE, Soares MCS, Alves N. Cotidiano, cultura, alteridade e a criação permanente de diferença. In: Ferraço CE, Soares MCS, Alves N. Michel de Certeau e as pesquisas nos/dos/com os cotidianos em educação. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2018. p. 71-88. doi: https://doi.org/10.7476/9788575115176.0005
    » https://doi.org/10.7476/9788575115176.0005
  • 20. Chauhan V, Galwankar S, Kumar R, Raina SK, Aggarwal P, Agrawal N, et al. The 2017 academic college of emergency experts and academy of family physicians of India position statement on preventing violence against healthcare workers and vandalization of health-care facilities in India. Int J Crit Illn Inj Sci. 2017;7(2):79-83. doi: http://doi.org/10.4103/IJCIIS.IJCIIS_28_17
    » http://doi.org/10.4103/IJCIIS.IJCIIS_28_17
  • 21. Paula CFB, Ribeiro RCHM, Werneck AL. Humanização da assistência: acolhimento e triagem na classificação de risco. Rev Enferm UFPE. 2019;13(4):997-1005. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i04a238728p997-1005-2019
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i04a238728p997-1005-2019
  • 22. Oliveira CS, Galdino MJQ, Barreto MFC, Scholze AR, Gomes JRM, Martins JT. Occupational violence: experiences and coping strategies among nurses in emergency care units. Cienc Enferm. 2022;28:e3323. doi: http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
    » http://doi.org/10.29393/ce28-10vtcj60010
  • 23. Ceballos JB, Frota OP, Nunes HFSS, Ávalos PL, Krügel CC, Ferreira Júnior MA, et al. Physical violence and verbal abuse against nurses working with risk stratification: characteristics, related factors, and consequences. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl 5):e20190882. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0882
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0882
  • 24. Konder M, O’dwyer G. Emergency care units as hospitalization units: phenomena of the care flow in the emergency network. Physis. 2019;29(2):e290203. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290203
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290203
  • 25. Copeland D, Henry M. Workplace violence and perceptions of safety among emergency department staff members: experiences, expectations, tolerance, reporting, and recommendations. J Trauma Nurs. 2017;24(2):65-77. doi: http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000269
    » http://doi.org/10.1097/JTN.0000000000000269
  • 26. Vento S, Cainelli F, Vallone A. Violence against healthcare workers: a worldwide phenomenon with serious consequences. Front Public Health. 2020;8:570459. doi: http://doi.org/10.3389/fpubh.2020.570459
    » http://doi.org/10.3389/fpubh.2020.570459

Editado por

Editor associado:

Gabriella de Andrade Boska

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2023
  • Aceito
    25 Jul 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br