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Percepções de um grupo de mulheres sobre a doença hipertensiva específica da gestação

Impresión de un grupo de mujeres sobre la enfermedad hipertensiva específica de la gestación

Perceptions of a group of women about gestational hypertension disease

Resumos

Objetivou-se identificar o conhecimento das puérperas em relação à doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), conhecer suas percepções quanto ao risco e gravidade da doença e conhecer as repercussões da DHEG para estas mulheres e suas famílias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa na perspectiva de um estudo exploratório descritivo. A coleta de informações ocorreu com dez puérperas com diagnóstico de DHEG por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas, analisadas conforme referencial da Análise de Conteúdo. Assim, emergiram categorias temáticas abordando o conhecimento sobre DHEG, percepções sobre o diagnóstico e o cuidado profissional, e repercussões da DHEG para as mulheres e suas famílias. O estudo aponta a necessidade de se repensar e reorganizar o modelo de assistência perinatal, não apenas a nível terciário, mas nas unidades básicas de saúde.

Pré-eclâmpsia; Gestação de alto risco; Assistência integral à saúde da mulher


Tuvo como objetivo identificar los conocimientos de las puérperas en relación a la enfermedad hipertensiva específica de la gestación (DHEG); saber sus impresiones sobre el riesgo y la gravedad de la enfermedad; y para saber las repercusiones de la DHEG para estas mujeres y sus familias. Se trata de una investigación cualitativa en la perspectiva de un estudio exploratorio descriptivo. La colecta de la información ocurrió a través de entrevistas individuales semiestructuradas con diez puérperas con diagnosis de DHEG, en el análisis fue usado el referencial de Análisis de Contenido. Así surgieron las categorías temáticas acercar de los conocimientos sobre la DHEG; impresiones sobre el diagnostico y el cuidado profesional; y las repercusiones de la DHEG para las mujeres y sus familias. El estudio apunta la necesidad de reconsiderar y reorganizar el modelo de asistencia perinatal, no solamente a nivel terciario, pero en las unidades básicas de salud.

Preeclampsia; Embarazo de alto riesgo; Atención integral de salud


The objective of this study was to identify the knowledge women in childbirth have regarding gestational hypertension disease (DHEG); to learn their perceptions of its risk and gravity; and to understand the repercussions of DHEG for these women and their families. This is a qualitative research aiming at an exploratory study. Data collection took place through individual semi-structured interviews with ten women in childbirth who were diagnosed with DHEG and data analysis was performed using the Analysis of Content. So, thematic categories emerged addressing the women´s knowledge of DHEG; their perceptions about the diagnosis and the professional care offered; and the repercussions DHEG had for them and their families. The study highlights the necessity to rethink and to reorganize the model of perinatal care, not only at the tertiary level but also at the basic health centers.

Pre-eclampsia; Pregnancy, high-risk; Comprehensive health care


ARTIGO ORIGINAL

Percepções de um grupo de mulheres sobre a doença hipertensiva específica da gestação

Impresión de un grupo de mujeres sobre la enfermedad hipertensiva específica de la gestación

Perceptions of a group of women about gestational hypertension disease

Eveline Franco da SilvaI; Fernanda Peixoto CordovaII; Juliana Luzardo Rigol ChachamovichIII; Suzana de Azevedo ZáchiaIV

IEnfermeira Obstetra, Professora Substituta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIMestre em Enfermagem, Docente da Faculdade Estácio de Sá, São José, Santa Catarina, Brasil

IIIDoutora em Medicina: Ciências Médicas, Pesquisadora da McGill University, Montreal, Quebec, Canadá

IVMestre em Medicina: Ciências Médicas, Enfermeira do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Eveline Franco da Silva Rua São Manoel, 963, Rio Branco 90620-110, Porto Alegre, RS E-mail: evelinefranco@yahoo.com.br

RESUMO

Objetivou-se identificar o conhecimento das puérperas em relação à doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), conhecer suas percepções quanto ao risco e gravidade da doença e conhecer as repercussões da DHEG para estas mulheres e suas famílias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa na perspectiva de um estudo exploratório descritivo. A coleta de informações ocorreu com dez puérperas com diagnóstico de DHEG por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas, analisadas conforme referencial da Análise de Conteúdo. Assim, emergiram categorias temáticas abordando o conhecimento sobre DHEG, percepções sobre o diagnóstico e o cuidado profissional, e repercussões da DHEG para as mulheres e suas famílias. O estudo aponta a necessidade de se repensar e reorganizar o modelo de assistência perinatal, não apenas a nível terciário, mas nas unidades básicas de saúde.

Descritores: Pré-eclâmpsia. Gestação de alto risco. Assistência integral à saúde da mulher.

RESUMEN

Tuvo como objetivo identificar los conocimientos de las puérperas en relación a la enfermedad hipertensiva específica de la gestación (DHEG); saber sus impresiones sobre el riesgo y la gravedad de la enfermedad; y para saber las repercusiones de la DHEG para estas mujeres y sus familias. Se trata de una investigación cualitativa en la perspectiva de un estudio exploratorio descriptivo. La colecta de la información ocurrió a través de entrevistas individuales semiestructuradas con diez puérperas con diagnosis de DHEG, en el análisis fue usado el referencial de Análisis de Contenido. Así surgieron las categorías temáticas acercar de los conocimientos sobre la DHEG; impresiones sobre el diagnostico y el cuidado profesional; y las repercusiones de la DHEG para las mujeres y sus familias. El estudio apunta la necesidad de reconsiderar y reorganizar el modelo de asistencia perinatal, no solamente a nivel terciario, pero en las unidades básicas de salud.

Descriptores: Preeclampsia. Embarazo de alto riesgo. Atención integral de salud.

ABSTRACT

The objective of this study was to identify the knowledge women in childbirth have regarding gestational hypertension disease (DHEG); to learn their perceptions of its risk and gravity; and to understand the repercussions of DHEG for these women and their families. This is a qualitative research aiming at an exploratory study. Data collection took place through individual semi-structured interviews with ten women in childbirth who were diagnosed with DHEG and data analysis was performed using the Analysis of Content. So, thematic categories emerged addressing the women´s knowledge of DHEG; their perceptions about the diagnosis and the professional care offered; and the repercussions DHEG had for them and their families. The study highlights the necessity to rethink and to reorganize the model of perinatal care, not only at the tertiary level but also at the basic health centers.

Descriptors: Pre-eclampsia. Pregnancy, high-risk. Comprehensive health care.

INTRODUÇÃO

A gestação é considerada um fenômeno natural e fisiológico da mulher, entretanto em torno de 10% delas podem ser afetadas pela doença hipertensiva específica da gestação (DHEG)(1). Além disso, a DHEG é uma das principais responsáveis pelas altas taxas de morbimortalidade materna e fetal, especialmente nos países em desenvolvimento como o Brasil(2).

A DHEG, também conhecida por pré-eclâmpsia, é conceituada como uma desordem multissistêmica que pode ocorrer a partir da 20ª semana de gestação, é caracterizada por manifestações clínicas associadas, tais como hipertensão e proteinúria, que desaparecem até 12 semanas após o parto(2). Embora a prevenção ainda não seja conhecida amplamente, sabe-se que o diagnóstico precoce da DHEG e suporte de saúde qualificado são determinantes de um melhor prognóstico(3). O atendimento pré-natal e puerperal desempenha importante papel no controle das intercorrências e no cuidado efetivo da DHEG.

Apesar dos distúrbios hipertensivos e de suas repercussões clínicas, como descolamento da placenta, prematuridade, retardo do crescimento intrauterino, morte materno-fetal, edema pulmonar e cerebral(2), entre outras, serem destaque na literatura, ainda são escassos os estudos exploratórios que discutam as experiências e percepções das mulheres que vivenciam ou vivenciaram tal situação. Diante deste contexto, tornam-se necessários cuidados para além de condutas obstétricas, tais como suporte emocional para as gestantes e suas famílias, haja vista que o nível de ansiedade e de apreensão tendem a sobressair nesta condição(4).

Para tal, é preciso que mais estudos qualitativos sejam realizados para melhor compreender como as mulheres e suas famílias percebem e vivenciam as complicações da gestação.

Diante deste contexto, os objetivos deste estudo foram: identificar o conhecimento das puérperas em relação à DHEG; conhecer suas percepções quanto ao risco e gravidade da doença; e conhecer as repercussões da DHEG para estas mulheres e suas famílias.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Optou-se por este tipo de abordagem, pois estudos qualitativos, por abarcarem o universo de significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores, permitem a descrição da vivência da realidade e de fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis(5).

Este estudo foi realizado numa unidade de internação obstétrica de um hospital de referência para gestações de alto risco no município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Participaram desta pesquisa 10 puérperas que vivenciaram a DHEG durante a gestação. Para seleção das participantes, utilizaram-se como critérios: puérperas acima de 20 anos; sem história de hipertensão prévia, doenças crônicas e/ou outras complicações gestacionais; com diagnóstico médico de doença hipertensiva específica da gestação.

Para determinação do número de participantes, utilizou-se o critério de saturação dos dados, ou seja, quando as informações se tornaram repetitivas, encerrou-se a coleta das informações(6).

A coleta das informações ocorreu no período de agosto a dezembro de 2007, utilizando-se a técnica de entrevista semiestruturada, um dos principais meios de investigação para realizar coleta de dados que tem enfoque qualitativo(7). As entrevistas foram realizadas nas instalações da unidade obstétrica, em horários previamente agendados, sendo preservada a privacidade, evitando-se interrupções. Para melhor aproveitamento das informações as mesmas foram gravadas e transcritas para posterior análise.

Para organização e tratamento das informações foi utilizado o software Qualitative Solutions Research Nvivo 2.0, programa que auxilia na análise de dados qualitativos por dispor de ferramentas de codificação e armazenamento de texto em categorias(8). Os dados foram analisados por meio do método de análise de conteúdo do tipo temática, seguindo as fases de pré-análise; exploração do material; e tratamento, inferência e interpretação dos resultados obtidos(7). Da análise emergiram as categorias: Conhecimento sobre a DHEG: "Eu não sei os riscos que tem pra mãe e pro bebê"; Percepções sobre o diagnóstico da DHEG e o cuidado profissional: "Quando eu recebi a notícia eu tava sozinha, então a primeira sensação que eu tive foi de medo"; e Repercussões da DHEG para as mulheres e suas famílias: "Algo mudou, mas não sei te dizer o que mudou na minha vida".

A presente pesquisa contemplou as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob parecer nº 07-209. Todas as participantes, antes de iniciar a pesquisa, foram esclarecidas sobre os objetivos do estudo e as implicações de sua participação, recebendo garantia de anonimato e da possibilidade de desistir do estudo a qualquer momento. Após aceitarem em participar do estudo, elas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, na qual uma delas ficou de posse da participante e a outra da pesquisadora.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise da população estudada verificou-se que todas residiam na capital e região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A idade variou entre 20 e 30 anos; apenas uma era solteira, as demais eram casadas ou viviam em união estável há mais de um ano. Quanto à escolaridade, cinco tinham ensino médio completo, uma estava cursando nível superior e o restante possuía ensino fundamental incompleto.

Em relação à realização do pré-natal, oito mulheres o fizeram na rede básica de saúde, enquanto duas realizaram as consultas por meio de seus planos de saúde. O número de consultas de pré-natal com o médico variou de três a 15, e somente uma entrevistada referiu ter realizado consultas intercaladas com o médico e a enfermeira, totalizando cinco consultas de enfermagem.

Quanto aos aspectos reprodutivos, evidenciou-se que sete participantes eram primíparas, duas vivenciaram a segunda gestação e uma vivenciou a quarta gestação. Três tiveram feto morto em razão de complicações da pré-eclâmpsia, duas estavam com seus filhos na unidade de terapia intensiva neonatal e as demais estavam com seus bebês em alojamento conjunto. Estes dados apresentam-se semelhantes a um estudo realizado anteriormente com mulheres que vivenciaram a gravidez com pré-eclâmpsia(9).

Conhecimento sobre a DHEG: "Eu não sei os riscos que tem pra mãe e pro bebê"

Embora programas e ações de saúde tenham sido implementados no país, como a assistência pré-natal, a redução dos riscos à gravidez, apresentando melhoria nos indicadores de saúde materna e neonatal, ainda temos muito em que avançar(2). Para tal, é necessário que haja adoção das ações de melhoria da qualidade da saúde e ampliação acessibilidade à assistência durante gestação, parto, puerpério e recém-nascido.

Além disso, constata-se que pouco é investigado sobre o conhecimento que as mulheres tem sobre o processo gestacional, sobre seu estado de saúde e quanto às situações de complicação que podem ser submetidas.

As mulheres devem ter acesso a ações de educação em saúde durante o pré-natal, para que possam compreender melhor o processo que vivenciam e assim conseguirem participar com maior autonomia nas decisões em relação à gestação, parto e amamentação, e também diante das situações de complicações(10).

Quando questionadas sobre o conhecimento que tinham referente à DHEG, oito participantes verbalizaram desconhecer o significado da sua doença. Apenas duas relataram ter algum conhecimento sobre a patologia, porém a fonte que utilizaram para adquirir conhecimento não foi os profissionais que as assistiram durante o pré-natal ou hospitalização, mas a internet. Conforme é expresso na fala de E2:

Eu que fui atrás, eu sai do consultório, liguei pro meu marido e disse pra ele procurar na internet sobre a pré-eclâmpsia, que a médica disse que eu tinha isso (E.2).

Um estudo realizado em 2004, com o objetivo de analisar as vivências maternas diante da pré-eclâmpsia(9), evidenciou o desconhecimento das entrevistadas sobre a pré-eclâmpsia durante o acompanhamento pré-natal, tendo elas conhecimento sobre sua situação apenas mediante a internação hospitalar pela gravidade clínica ou pelo iminente parto prematuro.

Em relação às complicações maternas, convulsão e inchaço generalizado são mais citadas pelas mulheres. Depois duas falam de outras complicações tais como renais, hepáticas e cerebrais.

Sei que, com o tempo, além da pressão subir, eu posso ter convulsão (E.2).

Eu podia ter ficado cega, podia ter entrado em coma, podia ter perdido o funcionamento dos meus rins, podia ter tido uma hemorragia [...]. São todos os riscos que eu passei (E.8).

Estudo realizado com 21 mulheres que vivenciaram a DHEG(11) evidenciou que as complicações verbalizadas com maior frequência foram, respectivamente, a hipertensão arterial, a morte e as convulsões.

Quanto às complicações fetais, baixo peso e restrição de crescimento são mais frequentes, uma puérpera relatou diminuição na oxigenação e duas referiram não saber como a doença poderia prejudicar o desenvolvimento da criança.

Pode prejudicar o nenê, né? No crescimento do nenê, na oxigenação... (E.3).

Pode prejudicar a criança, mas a fundo eu não sei mesmo (E.6).

Eu não sei os riscos que tem se tem, pra mãe e pro bebê (E.9).

De modo geral, a respeito do conceito e saberes da DHEG, as mulheres a conhecem apenas como uma doença de riscos. Este resultado é semelhante ao de um estudo realizado no Rio Grande do Norte, que sugere que os profissionais tem discutido pouco com as pacientes durante o pré-natal sobre as complicações e tratamento da pré-eclâmpsia(12).

Acredita-se que o conhecimento da mulher acerca da sua doença contribui para o autocuidado. Estudos evidenciam que o envolvimento da gestante de risco com sua própria saúde faz com que ela sinta-se responsável por si e pela saúde de seu filho(13).

Por outro lado, o próprio conhecimento de pertencer a um grupo de risco torna a mulher mais propensa ao desgaste ou estresse psicológico, oriundo do medo, ansiedade e incertezas do cotidiano(14). Desta forma, considera-se importante que os profissionais de saúde, atuantes no pré-natal, parto e puerpério, transmitam às usuárias dos serviços de saúde um conhecimento que as despertem para o cuidado e autocuidado. O cuidado educativo é uma das principais ações de saúde que deve ser realizada com as gestantes, pois desenvolve a promoção de saúde e a prevenção de doenças e complicações(15).

Percepções sobre o diagnóstico da DHEG e o cuidado profissional: "Quando eu recebi a notícia eu tava sozinha, então a primeira sensação que eu tive foi de medo"

As informações insuficientes ou não compatíveis com as reais necessidades de saúde de cada mulher podem gerar dúvidas sobre as causas e evolução da DHEG. Isso pode repercutir no negligenciamento do autocuidado, e algumas vezes promovendo a hospitalização precoce(9). Além disso, a falta de esclarecimento sobre a condição clínica pode desencadear na mulher sentimento de responsabilidade pelo desenvolvimento da doença e culpa pela complicação gestacional(16).

A mãe acaba assumindo a responsabilidade da doença pra ela mesma, por ser um problema no organismo dela... Acaba sendo assim (E.2).

As participantes do estudo demonstraram surpresa e choque com o diagnóstico de pré-eclâmpsia, além de manifestarem medo e ansiedade em relação à doença e suas consequências para a própria saúde e a do bebê. O medo foi o sentimento mais prevalente na notícia do diagnóstico entre as entrevistadas, e com menor intensidade foi apontada preocupação.

Quando eu recebi a notícia eu tava sozinha, então a primeira sensação que eu tive foi de medo (E.8).

Eu fiquei apavorada porque eu tava colocando em risco a minha vida e do nenê. Sem saber, né? O que ia causar pra mim ou pra ela, né? O que é que ia acontecer... (E.4).

Estudos realizados na região Nordeste do Brasil, com mulheres que vivenciaram a pré-eclâmpsia(17,18), também apontam o medo como um dos principais sentimentos que a mulher enfrenta. Os autores afirmam que o medo da morte ou de perder o filho pode estar associado à falha de informações durante o pré-natal e do despreparo para as possíveis consequências da gestação com pré-eclâmpsia(18). Constata-se que em alguns casos o medo pode gerar angústia e culpabilidade à mulher, em razão do risco de complicações ao bebê e até mesmo a morte fetal(13).

Em relação ao informante do diagnóstico, o médico foi citado por todas elas como o profissional que as comunicou sobre a situação de DHEG. As percepções das puérperas em relação aos médicos, no momento da informação, não foram sempre positivas, uma vez que a falta de diálogo e de orientações a respeito da patologia foi bastante destacado por elas.

A médica, na hora da consulta, não me explicou muita coisa, sobre ela [doença] em si, só disse que era uma pressão alta (E.2).

Ela [médica] via o peso, a pressão, o exame de toque, a altura da barriga, o batimento do bebe e pediu os exames básicos. Orientação nenhuma, pra nada (E.8).

A percepção da gravidade da pré-eclâmpsia somada à escassa informação recebida durante o pré-natal e internação hospitalar agravaram ainda mais este medo e dificultaram a compreensão mais ampla das dimensões biológicas, sociais e emocionais da enfermidade(17). A insegurança em relação ao informante, principalmente em relação às divergências de condutas entre diferentes profissionais e serviços, foi também constatada pelas participantes do estudo.

Eu falei pra doutora: as medidas dele são tão pequeninha. Aí ela foi ver de novo e disse: Tu sabe que é verdade? Ele ta muito pequeno mesmo, eu não tinha visto isso. E eu sentia que alguma coisa não tava certa, apesar de sentir que ele se mexia bem (E.1).

Só uma vez que o doutor [...] veio conversar comigo sobre a doença. No começo, acho que foi a primeira consulta, que foi o doutorando que chamou ele, só. [...] Só que eu acho que é muito na mão deles [estudantes], às vezes eles te falam uma coisa, depois outra... sabe? (E.5).

Frente a estas situações, as mulheres expressam o desejo de maior atenção por parte dos profissionais que acompanham o pré-natal. Promover segurança, apoio, informar sobre as condições de saúde, sobre o processo gestacional e desenvolvimento fetal é dever do profissional responsável pela assistência pré-natal. Entretanto, estudos revelam que os profissionais de saúde não estão fornecendo informações de qualidade suficientes e/ou compatíveis ao nível de entendimento das mulheres(9,17).

Eu só acho que tinha que ter mais atenção. Porque a maioria ta ali, atendendo, mas não te dão atenção. Tu fala, mas parece que eles tão longe, com a cabeça em outro lugar (E.1).

A médica tem que prestar atenção em outras coisas além... Por mais que não venha acontecendo nada, ela tem que descarregar as informações (E.8).

Para as puérperas, quando perguntado sobre quais profissionais de saúde poderiam ajudá-las enfrentar a doença, a figura do médico apareceu como aquele que atende a questão clínica, depois apareceu a enfermeira relacionada à orientação, e por último o psicólogo e nutricionista como profissionais que dão suporte.

A enfermeira é a mais importante, porque ela é a que mais nos orienta, né? O médico... Tudo bem, ele atende, ele sabe, mas a orientação mesmo vem da enfermeira (E.3).

Nutricionista, tipo... Exemplo, o sal... Pra cuidar da alimentação, né? (E.4).

Eu acho que deveria ter um apoio psicológico, principalmente. Porque tu não tem uma gravidez tranquila tendo essa doença (E.5).

A gestação é período de mudanças fisiológicas e emocionais especiais para a mulher e a evolução segura e saudável deste período pode ser garantida através do papel de orientação da enfermeira, no sentido de promover a saúde da mulher. Embora tenham sido feitos diversos esforços para aplicabilidade da humanização nos serviços de saúde, há profissionais que por acreditar que já sabem do que os pacientes necessitam, acabam esquecendo-se de escutá-los. Estas mulheres poderiam sentir-se mais tranquilas, seguras e satisfeitas, se durante atendimento os profissionais se dedicassem, primeiramente, mais as suas queixas.

Repercussões da DHEG para as mulheres e suas famílias: "Algo mudou, mas não sei te dizer o que mudou na minha vida"

A DHEG causa na vida das mulheres e famílias algumas mudanças comuns às gestações de alto risco. No que tange as repercussões na vida da mulher, as entrevistadas assim se expressaram:

Tinha vez que eu chorava, lógico. A gente se sente prisioneira, claro. Tu não pode sair, tu não pode caminhar muito, não pode se agitar muito também, nada... Tem que ficar aqui dentro (E.3).

Não sair de casa, ficar mais deitada. Dependia mais dos outros, né?! Pra mim foi ruim, ainda mais que eu peguei verão, quase não podia sair. Minha casa tem escada também, não podia descer de escada, não podia caminhar muito (E.6).

Ninguém quer perder um filho, ninguém quer ficar doente, né? Dizem que gravidez é saúde, né? Mas toda minha gravidez eu tenho uma complicação... Será que é saúde mesmo? Dependendo, em outra gravidez eu posso acabar morrendo ou passar de novo por isso. Então mudou muita coisa... Eu vou me cuidar! (E.1).

Nas falas das depoentes E.3 e E.6 evidencia-se a perda da independência, enquanto E.1 demonstra implicitamente em sua fala a perda do controle e a provável desistência do planejamento de gestações posteriores. Nestas falas evidenciam-se as necessidades de readaptações objetivas (cuidado com os outros filhos, cuidados com a casa, família, autocuidado) e subjetivas (luto, necessidade de encarar todos os acontecimentos de forma menos traumática, aceitação) ocasionadas pela DHEG na vida destas mulheres.

A gestação de alto risco ocasiona muitas mudanças nas condições maternas e fetais, modificando também as expectativas familiares e da mulher sobre sua gestação. Isto é consequência das exigências relacionadas à atenção à saúde, aos cuidados e controles, que caracterizam a gestação ainda mais complexa, não permitindo a mesma tranquilidade de uma gravidez sem intercorrências(16).

Referente à participação da família nas repercussões causadas pela DHEG, as entrevistadas se manifestam:

Ele [esposo] não sabia verificar pressão, teve que aprender, comprou um aparelho pra verificar seguida... Fazer esse controle de hora em hora, pra cuidar de mim [...] Meu marido pôde acompanhar tudo, desde o início que eles começaram a induzir até o parto, então com isso tu fica mais segura, ajuda muito nessa situação (E.2).

Sei que muita coisa mudou... Sentimento, essas coisas... [...] Quero voltar pra minha casa, sinto saudade. Eu me sinto fora da minha vida. Isso aqui pra mim é tristeza, sinto um pouco de solidão quando minha mãe não ta... [chorando] [...] Eu quero voltar ser eu de novo. Algo mudou, mas não sei te dizer o que mudou na minha vida (E.8).

A depoente E.2 relata que o acompanhamento familiar possibilitou maior segurança para vivenciar a gestação com DHEG, enquanto E.8 refere sentir solidão em decorrência da ausência da mãe e familiares, tornando este momento difícil, onde a própria identidade parece estar perdida. A importância da participação da família e do companheiro no processo como um todo, para facilitar a reorganização objetiva e subjetiva, seria um mediador nas situações de estresse vivenciadas na gestação acometida pela DHEG, como em qualquer outra de alto risco. Desse modo, a disponibilidade e apoio familiar tem influência positiva para a mulher enfrentar a condição de risco(19).

Uma das repercussões da DHEG para estas mulheres foi o próprio desfecho da doença. A gravidade da doença foi implícita nas falas das protagonistas através de palavras usadas para comunicar a situação, conduta ou procedimento, por exemplo: crescimento restrito, interrupção da gestação, encaminhamento para serviços de referência, cesárea de urgência, internação hospitalar.

Médica que me atendeu se preocupou muito em me mandar pra um hospital pra fazer uma cesárea de urgência (E.2).

A médica disse que eu tinha que ficar até ganhar aqui [hospital], que ela não ia me liberar com a pressão assim (E.3).

Além das repercussões perinatais desfavoráveis, tais situações decorrentes da gravidade da DHEG podem gerar na mulher problemas psicológicos que podem se estender ao pós-parto(20). Portanto, a assistência multiprofissional de qualidade é essencial para mulher e familiar vivenciar este processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados permitiram identificar que a ausência ou inadequação de informação, desde a atenção pré-natal, agravam as consequências causadas pela DHEG, bem como qualquer outra gestação de alto risco. Os dados encontrados não podem ser generalizados, por se tratar de um estudo qualitativo, no entanto acredita-se que os mesmos ajudam a estabelecer abordagens mais integrais de assistência às mulheres acometidas pela DHEG, proporcionar um bom vínculo com a gestação, permitir a presença do luto e melhorar a capacidade de adesão ao tratamento e cuidados.

Os relatos das puérperas sugerem pensar que, para estas mulheres, um distúrbio hipertensivo gestacional pode não representar uma complicação, seja pelo déficit de conhecimento e informação, pelo período de negação que está envolvido no processo ou ainda, pelo fato de que estar grávida seja um fenômeno tão desejado que supere as dificuldades e gravidades da gestação.

O estudo aponta a necessidade de se repensar e reorganizar o modelo de assistência perinatal, não apenas a nível terciário, mas nas unidades básicas de saúde. Diante do exposto, é preciso que haja uma promoção da saúde por meio da educação nas consultas de pré-natal e atendimento intra-hospitalar, no sentido de aprimorar o conhecimento e humanizar o atendimento oferecido.

Face ao exposto, entende-se que os enfermeiros atuantes na atenção pré-natal, bem como na assistência à gestante e à puérpera, atentem-se para a importância do cuidado integral, por meio de um trabalho em rede e de educação em saúde.

Recebido em: 10/02/2011

Aprovado em: 01/06/2011

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    Rua São Manoel, 963, Rio Branco
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2011
    • Aceito
      01 Jun 2011
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