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Adolescentes e adultas jovens infectadas pelo PapilomaVírus Humano (HPV): vulnerabilidades e sentimentos vivenciados

RESUMO

Objetivo:

Conhecer as vulnerabilidades vivenciadas por adolescentes e adultas jovens infectadas pelo Papilomavírus Humano atendidas em um centro de referência em Feira de Santana - Bahia.

Método:

Estudo qualitativo, realizado entrevista semiestruturada com 20 adolescentes e adultas jovens, no período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. Para análise dos dados, utilizaram-se a Análise de Conteúdo proposta por Bardin e o software Iramuteq.

Resultados:

A descoberta da infecção realça a incompreensão sobre o adoecimento, o medo, o desespero e a culpa, dimensões individuais e coletivas que apontam para o baixo conhecimento sobre o Papilomavírus Humano.

Considerações finais:

Faz-se necessário a implementação de políticas públicas para minimizar os riscos, pelo conhecimento e enfrentamento às infecções sexualmente transmissíveis, bem como estratégias de promoção da saúde e decisões compartilhadas para o processo de mudança de comportamento em adolescentes e adultas jovens.

Palavras-chave:
Papillomaviridae; Vulnerabilidade em saúde; Adolescente; Adulto jovem

ABSTRACT

Objective:

To know the vulnerabilities experienced by adolescents and young adults infected by the Human Papillomavirus attended at a reference center in Feira de Santana - Bahia.

Method:

Qualitative study, carried out with a semi-structured interview with 20 adolescents and young adults, from November 2020 to February 2021. For data analysis, the Content Analysis proposed by Bardin and the software Iramuteq were used.

Results:

The discovery of the infection highlights the misunderstanding about illness, fear, despair and guilt, individual and collective dimensions that point to little knowledge about the Human Papillomavirus.

Final considerations:

It is necessary to implement public policies to minimize risks, through knowledge and confrontation of sexually transmitted infections, as well as health promotion strategies and shared decisions for the process of behavior change in adolescents and young adults.

Keywords:
Papillomaviridae; Health vulnerability; Adolescent; Young adult

RESUMEN

Objetivo:

Conocer las vulnerabilidades vividas por adolescentes y adultos jóvenes infectados por el Virus del Papiloma Humano atendidos en un centro de referencia en Feira de Santana - Bahia.

Método:

Estudio cualitativo, realizado con entrevista semiestructurada a 20 adolescentes y adultos jóvenes, de noviembre de 2020 a febrero de 2021. Para el análisis de datos se utilizó el Análisis de Contenido propuesto por Bardin y el software Iramuteq.

Resultados:

El descubrimiento de la infección destaca la incomprensión sobre la enfermedad, el miedo, la desesperación y la culpa, dimensiones individuales y colectivas que apuntan al bajo conocimiento sobre el Virus del Papiloma Humano.

Consideraciones finales:

Es necesario implementar políticas públicas para la minimización de riesgos, a través del conocimiento y enfrentamiento de las infecciones de transmisión sexual, así como estrategias de promoción de la salud y decisiones compartidas para el proceso de cambio de comportamiento en adolescentes y adultos jóvenes.

Palabras clave:
Papillomaviridae; Vulnerabilidad em salud; Adolescente; Adulto joven

INTRODUÇÃO

As vulnerabilidades se apresentam como incertezas e fragilidades, de forma direta ou indireta, nas pessoas em qualquer fase da vida11. Ayres JRCM, Freitas AC, Santos MAS, Saletti Filho HC, França Júnior I. Adolescência e aids: avaliação de uma experiência de educação preventiva entre pares. Interface Comunic Saúde Educ. 2003;7(12):123-38. doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832003000100009
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, com diferentes graus de suscetibilidade de indivíduos e coletividades ao adoecimento como foi destacado pelos estudos iniciais sobre vulnerabilidades, que se alinharam ao crescimento de estudos sobre Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Sendo assim, esse é nosso ponto de partida para refletir sobre a saúde de adolescentes e adultas jovens infectadas com o HPV, destacando as suas condições sociais e culturais frente ao adoecimento22. Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde Soc. 2009;18(Suppl 2):11-23. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902009000600003
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Entre as infecções sexualmente transmissíveis (IST), o HPV foi a de maior frequência e o principal fator de risco para o câncer do colo do útero (CCU), é o terceiro tipo mais recorrente entre as mulheres. A estimativa de casos novos para 2021 é de 16.710, configurando um sério problema de saúde pública33. Ministério da Saúde (BR), Instituto Nacional de Câncer. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2021 Nov 19]. Incidência; [about 3 screens]. Available from: http://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/dados-e-numeros/incidencia#:~:text=No%20Brasil%2C%20exclu%C3%ADdos%20os%20tumores,mulheres%20(INCA%2C%202021)
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. Os fatores de risco associados são: início precoce da atividade sexual, multiplicidade de parceiros, não uso de preservativo e, principalmente, falta de imunização44. Carvalho MCMP, Queiroz ABA, Moura MAV, Marques SC, Vieira BDG, Ferreira DC. Fatores de risco de mulheres adolescentes e jovens frente ao Papilomavírus Humano. Rev Enferm UERJ. 2017;25:e25823. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2017.25823
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. A presença de outras ISTs e lesões de continuidade da pele também favorecem a entrada do vírus na mucosa.

Adolescentes e adultas jovens, que configura a idade entre 10 a 24 anos, não tem recomendação para rastreio citológico anual, segundo o MS as lesões nessa faixa etária tem alto índice de remissão espontânea e as cepas cancerígenas que realizam modificações celulares precursoras de CA em populações hígidas levam de 10 a 20 anos para se desenvolverem, portanto a faixa etária recomendada para início da coleta citológica é de 25 a 64 anos, com espaçamento anual entre as elas, a partir de dois exames negativos, deve-se repetir a coleta no intervalo de 3 anos55. Ministério da Saúde (BR). Protocolos de atenção básica: saúde das mulheres [Internet]. Ministério da Saúde; Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa. Brasília, DF: Ministério da Saúde , 2016 [cited 2021 Nov 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolos_atencao_basica_saude_mulheres.pdf
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O termo vulnerabilidade, associado aos riscos do HPV, permite traduzir a complexidade dos aspectos individuais e coletivos relacionados à exposição no processo saúde-doença na perspectiva de substituir ideias preconcebidas que geram preconceito e estigma66. Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Oliveira CBC, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2):23-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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A condição de adolescentes e adultas jovens estarem infectadas pelo HPV produz sentimentos de negação, medo, baixa autoestima, preconceito e estigma em diferentes níveis, associados à incompreensão sobre a infecção, o que as torna vulneráveis e dificulta o entendimento do processo saúde-doença66. Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Oliveira CBC, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2):23-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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,77. Dalmacio NCG, Costa BES, Souza SCS, Aguiar VFF. Perception of the woman with hpv and her self-care. J Nurs UFPE. 2019;13:e237305. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.237305
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Compreender as vulnerabilidades e os pressupostos da saúde coletiva22. Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. Saúde Soc. 2009;18(Suppl 2):11-23. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902009000600003
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,88. Ayres JCRM, França Júnior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39. em dimensões, nos auxilia a entender o fenômeno. Na dimensão individual é possível perceber os conhecimentos que circundam a sua realidade; na dimensão social, relacionam-se acesso à informação e a capacidade de intervir socialmente para garantir segurança e proteção à saúde, e, na dimensão programática, tem-se o acesso e qualidade dos programas e serviços de saúde e a integralidade da assistência, esses conceitos que nortearam o estudo.

O discurso associado ao sexo seguro reitera a doença, o perigo e a culpa, com tons moralistas e prescritivos, e desencadeia silêncio e dificuldade na formação da identidade social99. Amaral AMS, Santos D, Paes HCS, Dantas IS, Santos DSS. Adolescência, gênero e sexualidade: uma revisão integrativa. Rev Enf Contemp. 2017;6(1):62-7. doi: http://doi.org/10.17267/2317-3378rec.v6i1.1114
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. As questões de gênero na sexualidade favorecem riscos à saúde em múltiplas dimensões, sentimentos vivenciados após a infecção podem prejudicar a aceitação para o tratamento66. Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Oliveira CBC, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2):23-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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Para analisar as situações de vulnerabilidade no plano social, é primordial entender como está o acesso dessas mulheres às informações que são oriundas da escola, da família, dos meios de comunicação e dos profissionais de saúde, para se pensar em construir práticas protetoras99. Amaral AMS, Santos D, Paes HCS, Dantas IS, Santos DSS. Adolescência, gênero e sexualidade: uma revisão integrativa. Rev Enf Contemp. 2017;6(1):62-7. doi: http://doi.org/10.17267/2317-3378rec.v6i1.1114
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,1010. Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanata EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):150-63. doi: https://doi.org/10.22278/2318-2660.2015.v39.n1.a741
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. Nessa perspectiva da complexidade, em particular da adolescência, são imprescindíveis o investimento em ensino, a assistência e o gerenciamento do cuidado em saúde, a partir do conhecimento sobre a clínica da doença, tratamento1111. Carvalho NS, Silva RJC, Val IC, Bazzo ML, Silveira MF. Protocolo brasileiro para infecções sexualmente transmissíveis 2020: infecção pelo papilomavírus humano (HPV). Epidemiol Serv Saúde. 2021;30(spe1):e2020790. doi: http://doi.org/10.1590/S1679-4974202100014.esp1
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, diante das relações com a vulnerabilidades nessa fase de vida e das ações de prevenção.

Ancorado nesses argumentos e na compreensão da necessidade do progresso científico no campo das vulnerabilidades relacionadas à infecção pelo HPV, este estudo foi guiado pela pergunta de investigação, a saber: quais as situações de vulnerabilidades e experiências vivenciadas por adolescentes e adultas jovens na condição de infectadas pelo HPV?

O objetivo deste estudo foi conhecer as vulnerabilidades vivenciadas por adolescentes e adultas jovens infectadas pelo HPV atendidas em um centro de referência de Feira de Santana- Bahia. Dessa forma, espera-se contribuir no direcionamento de estratégias de prevenção a essa faixa etária, de acolhimento e de educação para a promoção da saúde, estabelecendo reflexões que possam estimular medidas preventivas e de autocuidado.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, exploratório e redigido conforme os 32 itens da ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para qualificação da redação de estudos qualitativos. Participaram do estudo 20 adolescentes e adultas jovens com diagnóstico de infecção pelo HPV que atenderam ao seguinte critério de inclusão: adolescentes e adultas jovens que foram referenciadas para o serviço de referência com suspeita/diagnóstico de infecção pelo HPV. Como critério de exclusão, foram descartadas as adolescentes e adultas jovens com dificuldade de fala, a qual impossibilitasse a realização da coleta de dados.

A saturação teórico-empírica determinou a quantidade de participantes, quando se esgotou toda possibilidade de novas discussões a partir da coleta dos dados, não havendo necessidade que outras adolescentes e adultas jovens respondessem ao instrumento de coleta de dados. Para encontrar a saturação, três pesquisadoras realizaram, de forma independente, a análise inicial dos dados, a fim de definir os núcleos de sentido que emergiram dos dados coletados. Ao encontrar convergência entre duas pesquisadoras, a etapa de coleta dos dados foi encerrada.

O campo empírico da investigação foi em um Centro de Referência no município de Feira de Santana, na Bahia, fundado em 2004. As atividades desenvolvidas nesse cenário abrangem serviços de média complexidade, do rastreamento ao tratamento, das infecções pelo HPV. A coleta ocorreu no período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021. Participaram da pesquisa 20 mulheres. As entrevistadas foram selecionadas de forma intencional: pacientes agendadas do dia, que aguardavam atendimento no serviço e que tinham diagnóstico confirmado de infecção pelo HPV.

Para acessar as participantes, foram realizadas estratégias como acolhimento e escuta qualificada, pela enfermeira do serviço e pesquisadora principal. Essas estratégias são utilizadas nos atendimentos, conforme recomenda a Política Nacional de Humanização (PNH), em suas orientações, propõe, estabelecer formas de acolhimento e inclusão de usuários nos atendimentos, com ações terapêuticas, de articulação com equipe multiprofissional, que proporcione acesso e atendam às necessidades do sujeito1212. Ministério da Saúde (BR), Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde ; 2004 [cited 2021 Nov 19]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf
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).

Nessa ocasião, elas foram convidadas a participar da pesquisa e foram apresentados os objetivos, finalidades, riscos e benefícios. Em casos de pacientes menores de idade, as explicações e orientações foram estendidas aos seus responsáveis legais. Com o aceite, eram solicitadas as assinaturas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e no Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), para a concessão das anuências.

As entrevistas ocorreram numa sala reservada, com a presença da pesquisadora e da entrevistada, com duração média de 40 minutos e aplicação de um instrumento semiestruturado previamente elaborado e validado por duas docentes/pesquisadoras experts na área e vinculadas ao grupo de pesquisa.

O instrumento contemplava a caracterização sociodemográfica e individual de cada participante e teve como questões de pesquisa: o que você conhece sobre HPV? Você se considerava com chances de se infectar com uma IST? Como sua vida mudou após você descobrir ser portadora do HPV? A partir dessas questões, a entrevistadora instigou as participantes com questionamentos como: fale-me um pouco como aconteceu e conte-me um pouco mais sobre essa situação, de modo a consubstanciar o fenômeno investigado.

Após as entrevistas foram esclarecidas todas as dúvidas das pacientes, respondendo aos questionamentos sobre a transmissão e tratamento do HPV de forma clara e objetiva, no intuito de direcionar as pacientes para o cuidado em saúde de forma mais consciente.

Os dados foram gravados em meio digital e, posteriormente, transcritos em documento Word. As participantes foram registradas por codinomes, utilizando-se a letra A (Adolescentes/Adultas jovens), seguida do número de entrevista correspondente (A1, A2 ... A20). Foram realizados quatro pilotos como forma de validar e se familiarizar com o instrumento. Só depois, foi iniciada a coleta. Não houve necessidade de repetir entrevista, nem houve recusa ou desistência de qualquer participante.

Em seguida, os dados foram organizados e analisados conforme a Técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin, que permitiu identificar os núcleos de sentido e as expressões-chave, classificar semelhanças e descrever diferenças que representam a coletividade da pesquisa1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. Todos os dados coletados e análises realizadas permanecerão armazenados durante cinco anos com a pesquisadora principal.

As análises foram conduzidas pela pesquisadora principal, iniciando com a identificação e agrupamento dos trechos das respostas individuais que abordaram sobre o conhecimento do HPV e os impactos vivenciados após o diagnóstico, mantendo 20 textos individuais. Na sequência, foi realizado o tratamento de cada texto para constituição do corpus da pesquisa a ser processado, a análise pelo Iramuteq, utilizado a versão 0.7 alpha 2. Tal etapa consiste na supressão dos símbolos gramaticais, edição de abreviaturas ou siglas e padronização das palavras de modo que a ortografia e as normas gramaticais do idioma português fossem respeitadas.

Para seguimento da análise, o corpus foi submetido à análise lexical explorada pelo método de Reinert e à análise de similitude. A análise lexical tem como produto a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que analisa a frequência das palavras no corpus e a associação significativa entre elas conforme o valor de p (p≤0,001). A partir de então, o software utiliza o teste qui-quadrado (x²) para verificar a associação das palavras com determinada classe, agrupando-as conforme sua significância. A análise de similitude utiliza a lematização para identificar a relação entre as palavras citadas, gerando gráfico em forma de árvore, no qual as palavras mais frequentes formam núcleos que derivam ramificações com palavras subfrequentes, as quais possuem conexidade nos relatos1414. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. doi: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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Após a construção das classes pelo software, houve acesso aos segmentos de textos de cada classe e foram elaborados títulos respectivos. Tais resultados foram analisados observando semelhanças entre eles e a categorização da análise de conteúdo1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016., tendo como achado quatro categorias de análise, os resultados foram interpretados à luz do arcabouço teórico da vulnerabilidade.

Quanto aos aspectos éticos, cabe informar que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana, sob o protocolo de nº 3.965.883 (CAAE 26306719.2.0000.0053), respeitando os princípios da autonomia e confidencialidade conforme as Resoluções nº 466/12 e nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil sociodemográfico dessas adolescentes e adultas jovens que, na maioria, eram estudantes, se identificava com a cor parda. Possuíam renda familiar menor que um salário-mínimo e escolaridade de ensino médio completo. A primeira relação sexual variou dos treze aos dezoito anos, com maior frequência aos quinze anos. Em relação ao número de parceiros sexuais, foi referido de um a sete parceiros, com maior número de resposta de dois parceiros sexuais. Mesmo a maioria não possuindo religião, elas evocam a presença de Deus em suas falas.

A orientação sexual referida foi a heterossexual, porém algumas relataram ter tido relações sexuais com homens e mulheres, o que aponta que, nessa faixa etária, a identidade sexual delas está sendo formada. Verificou-se que a maioria das participantes da pesquisa foi imunizada para HPV, todavia, algumas relataram essa imunização após o diagnóstico da infecção.

Quanto aos resultados encontrados neste estudo, os dados de menor escolaridade e maior risco de HPV em adolescentes e adultas jovens se equiparam ao perfil das mulheres entrevistadas. A maioria apresenta baixa escolaridade e condições socioeconômicas precárias. Essas características justificam a restrição ao acesso das informações sobre o HPV assim como riscos de vulnerabilidades na população analisada.

Sendo assim, é essencial compreender o ambiente biopsicossocial no qual as adolescentes e adultas jovens estão imersas como também avaliar seus contextos sociais e culturais e as influências de familiares, amigos, escola e professores na construção da sua identidade.

Segundo a análise da classificação hierárquica descendente, gerada pelo software Iramuteq, foram encontradas 5.161 palavras, sendo 626 palavras distintas, compondo 20 corpus de texto, que apresentaram 151 segmentos de texto; destes, 125 segmentos foram aproveitados, tendo frequência média de 82,78%.

Do total de palavras encontradas, equiparadas nos segmentos de texto, indicando semelhança entre elas, resultou-se em cinco Classes de palavras, a saber: Classe 1 - Ações programáticas de saúde; Classe 2 - Busca por conhecimento, prevenção; Classe 3 - A descoberta, o risco do contágio e os sentimentos vivenciados após a infecção; e Classe 4 - Acessando e partilhando conhecimento: reconhecendo-se vulnerável. As Classes 1 e 2, por apresentarem eixo comum, serão analisadas em conjunto com o tema Barreiras de acesso à prevenção. Esses dados de hierarquização de categorias de análise encontram-se descritos na Figura 1.

Figura 1 -
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente com as classes de palavras geradas na pesquisa. Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2020-2021

Na Figura 1, observa-se a distribuição das quatro Classes de palavras mencionadas nos textos e o percentual de citação de cada Classe. Notadamente, a Classe 4 apresenta uma relação mais distante com as outras classes por representar a sexualidade e o reconhecimento das vulnerabilidades. Todas as outras Classes apresentam um eixo comum. Observa-se a intersecção entre as Classes 1, 2 e 3 no que tange à doença e às ações preventivas.

As classes de palavras geradas pelo software Iramuteq permitiram vislumbrar três categorias empíricas que serão discutidas abaixo conforme o arcabouço teórico metodológico da Análise de Conteúdo de Bardin1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016..

A descoberta, o risco do contágio e os sentimentos vivenciados após a infecção

A vivência dos primeiros momentos após o diagnóstico de IST realça temores. Implica reconhecer as multidimensões que a descoberta da infecção afeta: os riscos, as incertezas e a incompreensão sobre o adoecimento, o que favorece pensamentos inverídicos e sustenta tabus66. Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Oliveira CBC, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2):23-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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A partir dos relatos, percebeu-se o sentido das vulnerabilidades e o que impacta a condição de infectada pelo vírus nos sentimentos vivenciados: o medo, o desespero e a culpa, foram os recorrentes.

(A7) Quando eu descobri, eu fiquei em desespero […] Que é uma doença que está se tornando comum e que muita gente tem.

(A8) Quando eu descobri eu fiquei transtornada, me deu uma crise de choro […] um sentimento de culpa

(A14) […], mas estou com medo. Eu pensei que não ia ter cura, que eu não ia conseguir me tratar[…].

A descoberta, o primeiro impacto da doença, gera uma demanda emocional. Se não for bem manejada, com estratégias terapêuticas, pode agravar e influenciar o cotidiano da paciente. Essa sensação de culpa e de medo favorece o estresse emocional, causa modificações na percepção da autoimagem, reforça tabus e predispõe as mulheres a quadros depressivos44. Carvalho MCMP, Queiroz ABA, Moura MAV, Marques SC, Vieira BDG, Ferreira DC. Fatores de risco de mulheres adolescentes e jovens frente ao Papilomavírus Humano. Rev Enferm UERJ. 2017;25:e25823. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2017.25823
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Observa-se a relação que essas mulheres fazem entre a infecção do HPV e o medo de desenvolver o CCU. Atrelado a esse pensamento, surge o sentimento de culpa por não realizar práticas de autocuidado:

(A11) […] que a gente descobre, vai pra internet e vai ver, logo, vou morrer, porque tem isso, que vai virar um câncer, que o HPV é o principal motivo de caso de câncer de colo de útero. Imaginei um monte de coisa, que eu ia ter que tirar meu útero, que eu não ia poder ter filho.

(A3) […] foi realmente impactante, porque eu não esperava, […], é muito assustador.

(A14) Eu tive medo, um pouco de culpa também por não ter me cuidado e […] bastante medo, assim, de morrer, de ser algo pior.

Os discursos da relação entre a infecção do HPV e o medo de desenvolver o CCU no diagnóstico e tratamento quando infectadas, frente à pouca qualificação do que se sabe, favorecem ações com risco potencial à saúde, inclusive do parceiro. Vale ainda ressaltar a lacuna importante de pesquisas em adolescentes sobre sexualidade, conhecimentos sobre o vírus HPV e suas repercussões na saúde da mulher.

A sexualidade é uma temática pouco discutida pela sociedade. A repressão nas ações de educação, que ocorrem desde a infância, traz sucessivos prejuízos que vão se “emaranhando”. Os adolescentes têm receio de conversar com os pais acerca de suas relações afetivas, o que acarreta dificuldade em diálogos abertos que poderiam sanar dúvidas e propiciar vivências positivas em família1515. Sehnem GD, Pedro ENR, Ressel LB, Vasquez MED. Adolescents living with HIV/AIDS: sexuality experiences. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0194. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0194
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As informações de adolescentes e adultas jovens sobre o HPV ainda se mostram restritas. Isso reforça a necessidade da ênfase na prevenção primária e do rastreamento de lesões precursoras, o incentivo ao uso dos preservativos e a administração do imunobiológico contra o HPV.

(A17) Eu achava, eu tinha um pensamento, que tomei a vacina, não corro risco de pegar.

(A5) […] eu só fui vacinada depois que eu descobri que eu já tava com HPV […].

Observa-se que a maioria tem conhecimento sobre a vacina, porém de forma incompleta e tardia. Algumas mulheres deste estudo só tiveram informações sobre a vacina após a infecção, o que confere uma imunidade parcial.

As demais formas de prevenção devem continuar sendo estimuladas. A utilização do preservativo, por exemplo, deve se manter mesmo após a utilização da vacina. A não utilização pode permitir novas contaminações por outros tipos de HPV ou por outras IST. Além, disso, deve-se fazer a prevenção secundária através do exame citológico, para rastreamento de lesões precursoras de acordo com as recomendações do MS.

A árvore da similitude (Figura 2), elaborada pelo software Iramuteq, reforça a representação da descoberta do HPV. As adolescentes e adultas jovens descrevem sua compreensão sobre as infecções sexualmente transmissíveis. Os termos doença, sexualmente transmissível e preservativo aparecem com maior centralidade na árvore de similitude. A palavra escola está distante da expressão posto de saúde, demonstrando a necessidade de articulação entre a atenção básica e a escola, revelando a importância em promover, através do programa saúde na escola, um espaço de educação em saúde. A palavra parceiro está em proximidade com as palavras preservativo e medo, demonstrando a vulnerabilidade dessas adolescentes e adultas jovens no relacionamento.

Figura 2 -
Árvore de Similitude elaborada com o software Iramuteq. Feira de Santana, Bahia, Brasil, 2020-2021

Acessando e partilhando conhecimento: reconhecendo-se vulnerável

A descoberta da infecção e os primeiros impactos gerados por ela levam as pacientes ao reconhecimento da sua vulnerabilidade. A vulnerabilidade individual é construída a partir das inquietações sobre a infecção e da possibilidade de gerar práticas protetoras com essas informações11. Ayres JRCM, Freitas AC, Santos MAS, Saletti Filho HC, França Júnior I. Adolescência e aids: avaliação de uma experiência de educação preventiva entre pares. Interface Comunic Saúde Educ. 2003;7(12):123-38. doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832003000100009
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,66. Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Oliveira CBC, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2):23-7. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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(A12) Eu fiquei assustada no caso, por conta da probabilidade de ter. Assustada e com medo, com receio de prejudicar minha saúde, pensar nas pessoas e nos meus familiares e na preocupação que eles viriam a ter também.

(A14) […] também, fiquei pensando em nossa relação financeira, da minha família, sem saber quanto seria o tratamento, se iria precisar de tratamento todos os dias, todos os meses.

Nas falas das mulheres pode-se compreender a preocupação com a família, em como os familiares iriam receber a notícia do diagnóstico, e as repercussões que o adoecimento traz, entre elas a preocupação com o custo e o tempo do tratamento.

Nessas falas, percebe-se que a confiança estabelecida e o relacionamento estável levam os parceiros ao uso esporádico do preservativo ou ao abandono deste, expressando construções sociais e a hegemonia dos homens nas relações de gênero1010. Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanata EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):150-63. doi: https://doi.org/10.22278/2318-2660.2015.v39.n1.a741
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(A8) Mas acredito que eu não esteja tão vulnerável, pela questão de eu sou casada e tenho um parceiro só, entendeu?

(A14) […] eu acho que até estou errada em pensar dessa forma, mas como eu tenho relacionamento fixo... mas realmente não é porque eu tenho um relacionamento fixo que eu não tenho que usar, né, me prevenir […].

Porém, quando o diagnóstico de HPV é confirmado, emergem questionamentos, sentimentos ambíguos e a procura por culpados. A visão distorcida e a pouca qualificação do que se sabe expõem comportamentos de risco que não foram percebidos e entendidos como potenciais para a infecção.

(A11) […] a gente acha, assim, que isso só acontece com outra pessoa, com a pessoa que tem vários parceiros sexuais […].

(A7) […] aí, eu fiquei me perguntando: de onde veio? Porque, de certa forma, ele também se infectou e a gente não sabia de onde veio, se era de mim ou se era dele.

(A11) […] na verdade, eu acredito que eu tenho adquirido do meu próprio parceiro, porque foi a única pessoa que eu tive relação sexual sem preservativo […].

É preciso desconstruir a ideia de responsabilizar o parceiro pela infecção. Não é possível saber o momento exato da contaminação por ser uma doença que pode ser assintomática e tem alta prevalência, o que torna difícil identificar o momento adquirido. O importante é identificar e tratar as manifestações clínicas que surgirem.

Quando questionadas sobre os locais onde adquiriu conhecimento sobre sexualidade e as infecções sexualmente transmissíveis, a maioria descreve a escola e a internet como principais fontes de conhecimento sobre o assunto:

(A11) Adquiri sempre no colégio […] através de internet, televisão, veículo de comunicação. Meus familiares nunca falaram […] nem de sexo, muito menos de IST. Eu acho que é muito tabu, é muito preconceito. Até hoje, após adquirir esse vírus, eu falo muito pouco com minha mãe sobre isso.

(A3) […] na faculdade e internet, mas em âmbito familiar, nunca foi muito discutido.

Apenas duas participantes destacaram a família como fonte de conhecimento sobre as IST:

(A14) Em casa, é muito raro falar sobre o assunto, porque, assim, só minha mãe, entendeu?

(A8) Minha mãe, porque ela é técnica de enfermagem e ela sempre, sempre frisou isso. Desde o primeiro momento que ela soube, ela sempre me orientou.

Frente a essas informações, pode-se observar a dificuldade em discutir sexualidade no ambiente familiar e, consequentemente, a fragilidade no conhecimento sobre as IST. Minimizar as vulnerabilidades, romper as barreiras que impedem o acolhimento e o diálogo, a fim de que a sexualidade seja abordada de maneira menos preconceituosa para a construção do conhecimento e desenvolver práticas protetivas são essenciais para receber informações de forma adequada, seja da escola, da família ou dos serviços de saúde1010. Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanata EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):150-63. doi: https://doi.org/10.22278/2318-2660.2015.v39.n1.a741
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A fragilidade no conhecimento, associada a núcleos familiares sem abertura para diálogo, leva à vulnerabilidade social. Nessa etapa da vida de adolescentes e adultas jovens, quando ocorrem as transformações e a formação de identidade, faz-se necessário fortalecer o conhecimento, para a formação de bases de suporte para a tomada de decisões1010. Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanata EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):150-63. doi: https://doi.org/10.22278/2318-2660.2015.v39.n1.a741
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Apesar de a infecção ser confirmada, a maioria dos parceiros sexuais continua se expondo a comportamento de risco. Quando questionadas sobre o uso do preservativo, relatam:

(A7) Ele reclama muito […] Mas eu quero usar. Eu me sinto protegida. Brigo com ele. Ele fala, mas é ruim […].

(A11) Muita, não gosta. Não só ele. Mas, outros parceiros que eu já tive têm muita resistência. Eles não gostam.

A resistência ao uso do preservativo dificulta o controle da infecção e leva à exposição frequente. As mulheres, quase todas, relatam que os homens são mais resistentes ao uso. As relações de gênero, frequentemente, são hierarquizadas. Isso dificulta a negociação do preservativo pelas mulheres. As relações assimétricas de poder descrevem que essas relações desiguais prejudicam desde a negociação do sexo seguro até a acusação de terem adquirido a doença. Salienta-se que essa desigualdade tem produzido submissão e inferiorização da mulher. Isso produz uma condição de vulnerabilidade para contrair uma IST1616. Vargens OMC, Silva CM, Silva GA, Girianelli VR. Diagnóstico de HPV: o processo de interação da mulher com seu parceiro. Rev Bras Enferm. 2013;66(3):327-32. doi: http://doi.org/10.1590/s0034-71672013000300004
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Barreiras de acesso à prevenção

A condição de estar infectada pelo HPV, geralmente a presença de lesões clínicas, conhecida como condiloma acuminado, é a manifestação mais comum do vírus. Isso leva adolescentes e adultas jovens a procurarem o serviço de saúde.

A falta do autocuidado em saúde está atrelada à falta de conhecimento ou conhecimento limitado sobre a patologia. Após o diagnóstico da infecção, buscam-se informações e formas de tratar e prevenir a patologia, conforme as falas de algumas mulheres:

(A11) […] É um vírus, né? Esqueci o nome científico, que ele é adquirido em meninas, a partir de que começa a atividade sexual […].

(17) Eu não conhecia muito bem até eu ter, né? Aí, eu procurei saber mais e eu sei que é uma doença sexualmente transmissível […].

A realização do exame preventivo, em unidades básicas de saúde com ou sem Estratégia de Saúde da Família, tem como principal função o rastreamento das lesões para tratamento precoce. É, também, um momento oportuno para a conscientização dessas mulheres sobre a necessidade de práticas de autocuidado, estímulo a exames regulares, uso do preservativo e checagem da vacinação.

O diagnóstico da infecção estimula a busca de informação mais qualificada e, junto aos profissionais de saúde, subsídios para o tratamento e prevenção dos agravos decorrentes. Com o conhecimento adquirido, já são entendidos os riscos inerentes à exposição, o que pode estabelecer novos comportamentos.

(A16) […] mas, eu já tinha quatro anos sem participar. Agora, que eu vou fazer preventivo todo ano. Agora, que deu alteração, que eu vou começar a fazer normalmente

(A11) […] eu tive que fazer um tratamento mais severo, porque o vírus já estava, assim, da forma mais avançada. Aí, foi que eu fui me cuidar mesmo, fazer meus exames, que eu vim entender a importância.

O reconhecimento da etiologia, da transmissão e das formas como a doença se apresenta é essencial para a construção de um comportamento que minimize riscos e vulnerabilidades e possibilite o enfrentamento da problemática tanto no âmbito pessoal como no social. A construção compartilhada do conhecimento, gera autonomia e empoderamento, que fazem parte do arcabouço teórico da vulnerabilidade1717. Sevalho G. O conceito de vulnerabilidade e a educação em saúde fundamentada em Paulo Freire. Interface. 2018;22(64):177-88. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0822
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É necessário, ainda, para além do acesso universal aos serviços de saúde, o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, com a garantia da escuta de adolescentes e adultas jovens de forma diferenciada. Considerando as características desse grupo populacional que não tem rotina de cuidado, elas procuram o serviço com uma demanda de saúde a se resolver. O acolhimento, a escuta qualificada e a educação em saúde são ferramentas imprescindíveis para o entendimento da necessidade de uma rotina de cuidados, o que auxilia na construção de vínculos no que diz respeito à diversidade e à singularidade no encontro entre quem cuida e quem recebe o cuidado1818. Duarte LPA, Moreira DJ, Duarte EB, Feitosa ANC, Oliveira AM. Contribuição da escuta qualificada para a integralidade na atenção primária. Rev Gest Saúde. 2017 [cited 2021 Nov 19];8(3):414-29. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/31802
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As ações programáticas em saúde, apesar da grande relevância, ainda se mostram frágeis quando se questiona sobre a participação dessas mulheres nas ações preventivas à saúde no seu posto de referência no bairro:

(A2) Já, sim. Quando eu estava grávida, participei […].

É primordial a adoção de capacitações profissionais que promovam o fortalecimento das práticas assistenciais com a perspectiva de trazer para as mulheres um atendimento que contemple a sua demanda de saúde e que lhes faça entender a importância das práticas de cuidado. As estratégias terapêuticas devem proporcionar conhecimento e capacidade reflexiva para os que vivenciam o processo. É preciso conhecer os condicionantes pessoais, sociais e programáticos e sua influência como facilitadores ou dificultadores no processo saúde-doença. Para a promoção de ações do cuidado em saúde é necessário a consciência do agravo, a busca por ajuda para o enfrentamento dos problemas, e a abertura de espaços para diálogo com a família e com as pessoas na mesma situação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vulnerabilidades individuais relacionadas à sexualidade, emoções, lacunas do conhecimento e diferença de gênero influenciam, diretamente, nas dimensões sociais e programáticas.

O estudo possibilitou a identificação das situações das situações de vulnerabilidades no processo saúde-doença e também as mudanças das percepções do ciclo de vida, desta forma, contribuindo para planejar as estratégias de cuidado articuladas às políticas públicas.

Nesse contexto, os riscos e as vulnerabilidades percebidas, o baixo nível de conhecimento sobre o HPV e a presença de práticas sexuais inseguras tornam mais complexas e desafiadoras as práticas de educação em saúde. Elas são fundamentais nos espaços individuais e sociais da família, nos grupos e na escola, desenvolvendo a autonomia em adolescentes e adultas jovens, a fim de exercerem o papel de protagonistas da sua saúde com um comportamento consciente e crítico.

Na vivência de espaços de diálogos entre adolescentes, jovens, professores, profissionais de saúde e comunidade, principalmente nos territórios das Unidades de Saúde da Família, faz-se necessário o uso de estratégias, uma resposta social para minimizar as situações de risco pelo conhecimento, bem como o compartilhamento de decisões e responsabilidades com o intuito de efetivar estratégias articuladas de cuidado e das políticas públicas.

Entende-se como possível limitação da pesquisa ter sido realizada em apenas um cenário que descreve um contexto específico. Outras evidências científicas podem ser identificadas em outras realidades. Recomenda-se a replicação desta pesquisa em cenários distintos, pois as vulnerabilidades se constituem em fenômenos complexos, em particular para adolescentes e adultas jovens.

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Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2021
  • Aceito
    04 Abr 2022
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