10 anos do Programa Nacional de Segurança do Paciente: avanços, barreiras e protagonismo da Enfermagem

Apesar das pesquisas e ações para melhorar a segurança do paciente no mundo terem sido fortemente incrementadas desde o final dos anos 1990, a questão constitui-se ainda num importante problema de saúde pública, persistindo até os dias atuais. Isso se comprova pelo emblemático valor de 10% de ocorrência de eventos adversos na assistência em saúde sobre o total de cuidados prestados1.

Certamente ocorreram avanços, mas apenas em áreas pontuais tais como o controle de infecção hospitalar e a administração de medicamentos, principalmente focados na assistência hospitalar, não se observando um avanço global no que tange a melhoria da segurança do paciente em todos os níveis de atenção e nem para todos os processos assistenciais1.

A partir da necessidade de impulsionar os avanços na melhoria da segurança do paciente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2021 o Plano de Ação Global com vistas a eliminar danos evitáveis nos sistemas de saúde até 2030 e redefiniu o conceito de segurança do paciente a partir de um olhar mais sistêmico e abrangente, sendo considerada: uma estrutura de atividades organizadas que cria culturas, processos, procedimentos, comportamentos, tecnologias e ambientes na área da saúde, que reduz riscos de forma consistente e sustentável, diminui a ocorrência de dano evitável, torna os erros menos prováveis e reduz o impacto do dano quando este ocorrer2.

A partir dessa nova conceituação fica claro que a melhoria da segurança passa por questões que vão além da busca de eventos adversos ou da identificação de riscos, mas requerem estratégias que mudem comportamentos, considerem os fatores humanos e o papel das lideranças, enquanto variáveis que impactam decisoriamente no seu sucesso tendo em vista que muitas das características dos programas de segurança do paciente não envolvem recursos financeiros, mas precisamente o comprometimento dos indivíduos com uma prática segura1.

No que tange ao engajamento dos profissionais de saúde nos programas de melhoria da segurança há que se destacar o protagonismo dos enfermeiros no Brasil e no mundo. Indubitavelmente os avanços alcançados até agora no país possuem forte contribuição da atuação de enfermeiros nos serviços de saúde enquanto lideranças para implantação de políticas institucionais, protocolos e núcleos de segurança do paciente. Destaca-se como ação pioneira dos enfermeiros a criação da Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente em 2008, sensibilizando profissionais e instituições, fomentando discussões e propondo ações concretas sobre o tema.

Destaca-se ainda a imprescindibilidade da coordenação política pelos governos, estabelecendo políticas que fortaleçam e regulem ações para melhoria da segurança em sistemas e serviços de saúde no mundo.

Nesse sentido, o Ministério da Saúde Brasileiro estabeleceu um Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) em 2013 que estabeleceu importantes diretrizes a serem seguidas pelas instituições de saúde e de educação em saúde do país que perpassam pela obrigatoriedade de estabelecimento de sistemas internos de notificação de eventos adversos nas instituições, criação de Núcleos de Segurança do Paciente, elaboração de Planos Institucionais de Segurança do Paciente, estabelecimento de protocolos assistenciais pelos serviços de saúde e fomento a inclusão da temática nos currículos e pesquisas realizadas pelas instituições de ensino e pesquisa no país3.

A Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) com vistas à implementação sistemática de vigilância e monitoramento de incidentes criou um sistema para que as instituições pudessem enviar notificações de eventos adversos e registrar as ações estabelecidas quando da ocorrência de eventos graves. Outra diretriz do PNSP relacionava-se a estimular e criar espaços para envolvimento do paciente na sua própria segurança3, o que ainda é um gap importante no alcance do cuidado seguro.

Embora seja uma legislação robusta que indica muitas ações a serem adotadas pelos serviços de saúde para melhoria da segurança, alinhadas a todas as diretrizes da OMS, há ainda um longo caminho a percorrer no Brasil, apesar do aumento gradual de notificações no sistema da ANVISA que pode ser observado desde sua implantação, os números ainda apontam para a subnotificação, pois foram notificados cerca de 292.000 incidentes em todo o ano de 2022 pelas instituições de saúde cadastradas4.

No que tange aos núcleos de segurança do paciente, estes são cerca 5.000, sendo que, somente em hospitais, o país possui mais de 7.000 instituições, ou seja, o número de núcleos ainda está muito aquém do esperado5. Há ainda poucas evidências das ações efetivas desses núcleos e seu impacto na gestão da segurança assistencial das instituições de saúde.

No que tange a formação, é indispensável que se concretize efetivamente a inclusão da temática segurança do paciente nas diretrizes curriculares nacionais e nas matrizes curriculares dos cursos de graduação em saúde com destaque para os de enfermagem, reafirmando assim compromissos pautados no PNSP e nas recomendações da OMS.

Estudo de revisão que analisou pesquisas com inovações para o ensino de segurança do paciente nos cursos de enfermagem não identificou nenhuma pesquisa no cenário brasileiro, apontando para a necessidade de estímulos dos programas de pós-graduação para oferecimento de disciplinas e realização de pesquisas que possam evidenciar metodologias para o ensino da segurança do paciente6.

Apesar de avanços das pesquisas em saúde e enfermagem no que tange a temática, essas se concentram em medir o dano e analisar suas causas, uma vez que ainda não evidenciam potenciais impactos de inovações e estratégias adotadas para melhoria da segurança. Precisamos ir além da superfície de nossa abordagem atual de segurança e criar uma abordagem de segurança verdadeiramente equilibrada e significativamente mais diferenciada, sendo necessário que a enfermagem desenvolva parcerias interprofissionais e intersetoriais para um salto na qualidade e segurança da assistência.

REFERENCES

• 1. Patient Safety Movement Foundation. Patient Safety Movement Foundation. Irvine: Patient Safety Movement; 2018 2023 Sep 7. Available from: https://patientsafetymovement.org/
  » https://patientsafetymovement.org/
• 2. World Health Organization. Global patient safety action plan 2021-2030: towards eliminating avoidable harm in health care. World Health Organization. Geneva: WHO; 2021 2023 Sep 7. Available from: https://www.who.int/teams/integrated-health-services/patient-safety/policy/global-patient-safety-action-plan
  » https://www.who.int/teams/integrated-health-services/patient-safety/policy/global-patient-safety-action-plan
• 3. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria MS/GM nº 529, de 1° de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial União. 2013 abr 1. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013 2023 Sep 7;150(62 Seção 1):43-4. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2013&jornal=1&pagina=43&totalArquivos=120
  » https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2013&jornal=1&pagina=43&totalArquivos=120
• 4. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Incidentes relacionados à assistência à saúde: resultados das notificações realizadas no Notivisa- Brasil, janeiro a dezembro de 2022. Ministério da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2023 2023 Sep 7. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/relatorios-de-notificacao-dos-estados/eventos-adversos/relatorios-atuais-de-eventos-adversos-dos-estados/brasil
  » https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/relatorios-de-notificacao-dos-estados/eventos-adversos/relatorios-atuais-de-eventos-adversos-dos-estados/brasil
• 5. Ministério da Saúde (BR). Datasus: cadastro nacional de estabelecimentos de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2023 2023 Sep 7. Available from: http://cnes.datasus.gov.br/
  » http://cnes.datasus.gov.br/
• 6. Gomes ATL, Salvador PTCO, Goulart CF, Cecilio SG, Bethony MFG. Innovative methodologies to teach patient safety in undergraduate nursing: scoping review. Aquichan. 2020;20:e2018. doi: https://doi.org/10.5294/aqui.2020.20.1.8
  » https://doi.org/10.5294/aqui.2020.20.1.8

Editado por

Editor-chefe:

João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023