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Trajetórias terapêuticas das crianças que frequentam um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil

RESUMO

Objetivo:

Descrever as trajetórias terapêuticas singulares de crianças vinculadas a um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi).

Método:

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. A coleta de dados ocorreu com cinco crianças em idade escolar vinculadas a um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) localizado no sul do Estado do Rio Grande do Sul (RS), no período de abril a julho de 2016, a partir da consulta ao prontuário, da observação, das anotações em diário de campo e da entrevista narrativa, as quais foram transcritas e submetidas à análise narrativa. As entrevistas narrativas, mediadas pelo instrumento lúdico chamado Mapa dos Cinco Campos (MCC), permitiram a expressão oral.

Resultados:

Foram construídos dois temas: “Caracterização das crianças participantes da pesquisa” e “Trajetórias terapêuticas singulares das crianças”.

Conclusão:

As trajetórias terapêuticas possibilitaram apresentar a singularidade de vida das participantes por meio da relação estabelecida entre a criança, o território por onde ela transita e o contexto social.

Palavras-chave:
Saúde da criança; Saúde mental; Cuidado da criança

ABSTRACT

Objective:

To describe the unique therapeutic trajectories of children linked to a Center for Psychosocial Child and Adolescent Care (Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, CAPSi).

Method:

A qualitative, descriptive and exploratory research. Data collection was carried out with five school-age children, linked to a Child and Adolescent Psychosocial Care Center (CAPSi), located in the South of Rio Grande do Sul (RS), from April to July 2016, from the consultation to the chart, observation, field journal entries and by the narrative interviews, which were transcribed and submitted to narrative analysis. The narrative interviews mediated by the ludic instrumental called Map of the Five Fields (MFF) allowed for oral expression.

Results:

Two themes were constructed: “characterization of children participating in the research” and “singular therapeutic trajectories of children”.

Conclusion:

The therapeutic trajectories made it possible to present the uniqueness of the life of the participants, through the relation established between the child, the territory in which he/she transits and the social context.

Keywords:
Child health; Mental health; Child care

RESUMEN

Objetivo:

Describir las trayectorias terapéuticas singulares de niños vinculados a un Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil (CAPSi).

Método:

Investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria. Se recolectaron datos de cinco niños en edad escolar, vinculados a un Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil (CAPSi), ubicado en el sur de Rio Grande do Sul (RS), en el período de abril a julio de 2016, a partir de consultas a la historia clínica, de la observación, de las anotaciones en el diario de campo y por medio de entrevistas narrativas, las cuales fueron transcritas y sometidas a análisis narrativo. Las entrevistas narrativas mediadas por el instrumento lúdico llamado Mapa de los Cinco Campos (MCC) permitieron la expresión oral.

Resultados:

Se elaboraron dos temas: "caracterización de los niños participantes de la investigación" y "trayectorias terapéuticas singulares de los niños".

Conclusión:

Las trayectorias terapéuticas permitieron presentar la singularidad de la vida de los participantes, a través de la relación establecida entre el niño, el territorio a través del cual transita y el contexto social.

Palabras clave:
Salud del niño; Salud mental; Cuidado del niño

INTRODUÇÃO

Trajetórias terapêuticas significam o percurso realizado ao longo da vida de cada pessoa na busca por melhores condições de assistência, tratamento e reabilitação da saúde11. Cardoso CS. Trajetórias terapêuticas e as redes sociais e afetivas das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil [dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Federal de Pelotas; 2017 [citado 2019 abr 10]. Available from: https://wp.ufpel.edu.br/pgenfermagem/files/2017/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Clarissa-de-Souza-Cardoso.pdf
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. Neste sentido, entende-se que a trajetória,ao ser realizada,envolve três dimensões importantes: o sujeito, neste caso, a criança; o território e o contexto de vida11. Cardoso CS. Trajetórias terapêuticas e as redes sociais e afetivas das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil [dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Federal de Pelotas; 2017 [citado 2019 abr 10]. Available from: https://wp.ufpel.edu.br/pgenfermagem/files/2017/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Clarissa-de-Souza-Cardoso.pdf
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. Por essa razão, o foco deste trabalho são as Trajetórias Terapêuticas Singulares (TTS), ou seja, a articulação destas três dimensões, criança-território-contexto, necessárias porque permitem refletir sobre a produção da subjetividade da criança, afirmando que ela cumpre um papel importante na construção social22. Norozi SA, Torill M. Childhood as a social construction. J Educ Soc Res. 2016 [cited 2019 Feb 10]:6(2):75-80. Available from: https://www.mcser.org/journal/index.php/jesr/article/viewFile/9151/8837
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Considera-se o território para além de seus limites físicos e geográficos, pois ele é o próprio sentimento de pertencimento ao lugar, é a base para o trabalho, para a moradia, porque permite a realização das “trocas materiais e espirituais”33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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. Por esta razão, entende-se que o território é um conceito importante para o desenvolvimento do trabalho em Saúde Mental, já que ele se constitui por meio das experiências dos sujeitos atravessadas pelas relações construídas entre as pessoas e as instituições.

O (re) conhecimento da existência das TTS implica conhecer e reconhecer o trabalho realizado pelo Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), principal dispositivo de cuidado da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), pois promove a reabilitação com base em informações importantes: as vivências, crenças e valores que constituem a subjetividade da criança no território11. Cardoso CS. Trajetórias terapêuticas e as redes sociais e afetivas das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil [dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Federal de Pelotas; 2017 [citado 2019 abr 10]. Available from: https://wp.ufpel.edu.br/pgenfermagem/files/2017/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Clarissa-de-Souza-Cardoso.pdf
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-44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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O CAPSipreconiza o atendimento de crianças e adolescentes dos três aos 18 anos com transtornos mentais severos e persistentes que interferem no desenvolvimento satisfatório das capacidades e habilidades deste público, tais como: depressão grave, psicoses, quadros ansiosos severos e dependência química. É possível que estes casos apresentem comorbidades, comoo transtorno de conduta, automutilação, transtornos alimentares e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). São oferecidas atividades por meio de grupos, oficinas terapêuticas, visitas domiciliares, atendimento individual e atendimento às famílias.

Os CAPSi possuem a função de estabelecer parcerias com os diferentes serviços da rede de atenção e Rede Social e Afetiva (RSA), além de outros setores, como educação, assistência social, justiça e lazer, porque possibilitam a ampliação da assistência e garantia de um cuidado em liberdade55. Santos M, Silveira ML. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 18ª ed. Rio Janeiro: Record; 2014.-66. Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2067-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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A RSA é considerada como rede de relações que estão representadas pela família, escola, comunidade e serviços como o CAPSi. O apoio social e afetivo oferecido por esta rede relacional é fundamental para conduzir os momentos adversos e as situações de desamparo social, promovendo vínculos e o desenvolvimento do bem-estar subjetivo das crianças no decorrer de suas vidas11. Cardoso CS. Trajetórias terapêuticas e as redes sociais e afetivas das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil [dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Federal de Pelotas; 2017 [citado 2019 abr 10]. Available from: https://wp.ufpel.edu.br/pgenfermagem/files/2017/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Clarissa-de-Souza-Cardoso.pdf
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.

Esta pesquisa foi guiada pelos princípios da Reforma Psiquiátrica (RP)66. Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2067-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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no intuito de considerar o protagonismo da criança, a partir da construção de sua participação como sujeito de direito77. Vasconcelos FG, Cartaxo CMB. Saúde mental em rede: uma análise de território. ECOS: Estud Contemp Subjet. 2016 [citado 2019 mar 10];6(1):113-24. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1846
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. Desse modo, justifica-se a realização deste estudo para o fortalecimento das políticas públicas na área da Saúde Mental infantojuvenil porque prioriza as demandas da criança e permite ampliar o olhar sobre as necessidades de saúde mental.

O redirecionamento da política de Saúde Mental infantojuvenil proporciona um olhar diferenciado para as TTS, elencando um cuidado que se dedica a este público e às suas singularidades22. Norozi SA, Torill M. Childhood as a social construction. J Educ Soc Res. 2016 [cited 2019 Feb 10]:6(2):75-80. Available from: https://www.mcser.org/journal/index.php/jesr/article/viewFile/9151/8837
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. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi descrever as trajetórias terapêuticas singulares de crianças vinculadas a um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi).

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa, que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentando uma análise crítica que precisa ser consolidada coletivamente, buscando conhecer suas relações e instituições88. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qualitativa. 2017 [citado 2019 fev 25]:5(7):1-12. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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. O tipo de pesquisa permitiu descrever e explorar as TTS das crianças na busca pelo cuidado em Saúde Mental.

O estudo foi realizado em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), de um município de pequeno porte localizado no sul do Rio Grande do Sul (RS),durante o período de abril a julho de 2016. É um serviço regionalizado, em funcionamento desde 2006, que, em sua estrutura física, conta com recepção, cinco salas de atendimento individual, uma sala para reuniões e atividades de grupo, cozinha, dois banheiros e pátio. A equipe multidisciplinar é composta por uma médica pediatra com especialização em Saúde Mental, quatro psicólogas, uma assistente social, uma enfermeira, três pedagogas, um acompanhante terapêutico, um técnico de Enfermagem, dois burocratas, um profissional de serviços gerais e um motorista. As salas contam com mesas, cadeiras e armários, dispõem de lápis de cor, caneta colorida, giz de cera, papéis, jogos e alguns brinquedos. Uma das salas de atendimento individual foi oferecida pelo serviço para as atividades da pesquisa por ser um espaço mais privativo, com nível de ruídos baixo, o que permitiu a nitidez nas gravações. Garantiu também a privacidade da criança durante a entrevista.

Solicitou-se, aos profissionais do serviço, a indicação de crianças para serem escolhidas a partir dos seguintes critérios de inclusão: crianças em idade escolar de ambos os sexos, que estivessem vinculadas ao serviço por, pelo menos, seis meses para garantir a construção das TTS eque permitissem o uso do gravador. Excluíram-se crianças com grandes limitações cognitivas e de linguagem devido à impossibilidade de responderem à atividade.

As participantes foram cinco crianças que preencheram os critérios de inclusão, e a justificativa para esta amostra deve-se à saturação teórica dos dados. Na pesquisa qualitativa, buscam-se as singularidades e os significados a partir da dimensão sociocultural que é expressa por meio de “crenças, valores, opiniões, representações, formas de relações, simbologias, usos, costumes, comportamentos e práticas”88. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qualitativa. 2017 [citado 2019 fev 25]:5(7):1-12. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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Realizou-se a coleta de dados por meio da consulta ao prontuário para conhecer o tempo de vínculo ao serviço, os encaminhamentos realizados anteriormente à chegada da pesquisadora para outros serviços e quais medicações estavam sendo prescritas. A observação do serviço permitiu acompanhar a rotina das atividades realizadas por diversos profissionais, observando desde o acolhimento, consulta psicológica das participantes do estudo, grupos, oficinas e visitas domiciliares. As anotações em diário de campo durante a realização da coleta contribuíram significativamente com a composição sistemática das TTS por meio da descrição das atividades realizadas e das linhas de cuidado estabelecidas para cada uma das crianças participantes. E, por fim, empregou-se a entrevista narrativa99. Muylaert CJ, Sarubbi Jr V, Gallo PR, Rolim Neto ML, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(esp.2):1939. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800027
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,mediada pela utilização de um instrumento lúdico chamado Mapa dos Cinco Campos (MCC)1010. Pereira VR, Coimbra VCC, Cardoso CS, Oliveira NA, Vieira ACG, Nobre MO, et al. Participatory methodologies in research with children: creative and innovative approaches. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(esp):e67908. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.esp.67908
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, como estratégia para favorecer a expressão oral durante a realização da pesquisa99. Muylaert CJ, Sarubbi Jr V, Gallo PR, Rolim Neto ML, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(esp.2):1939. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800027
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-1212. Monteiro ACS, Fernandes ATRS, Oliveira ABM, Peixoto IVP, Pamplona MCCA. Mothers’ perspective on violence against children: constructing meanings. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):34-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0568
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.Utilizou-se um roteiro de entrevista com duas perguntas abertas: “Qual é a pessoacom quem você sente que pode contar,com quem se sente seguro(a)?” e “Qual situação deixa você inseguro(a) e/ou ansioso(a)?”. Paraa operacionalização da entrevista individual, disponibilizou-se, para cada criança, o instrumento feito de feltro com círculos concêntricos e os bonecos que representaram as pessoas da rede social e afetiva de cada uma das crianças participantes.

Para registro integral e preciso das falas dos sujeitos, as entrevistas foram gravadas em áudio com o auxílio de um gravador digital.

Analisaram-se os dados seguindo as etapas da análise narrativa99. Muylaert CJ, Sarubbi Jr V, Gallo PR, Rolim Neto ML, Reis AOA. Narrative interviews: an important resource in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(esp.2):1939. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800027
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. Fez-se a transcrição das entrevistas e, em seguida, realizou-se a leitura do material em duas proposições: material indexado correspondente às referências concretas (quem, onde e por que) e material não indexado que expressou os juízos de valores, crenças e a sabedoria de vida. Logo, analisou-se o material indexado e não indexado de cada participante para compor as trajetórias singulares e, após, comparou-se o material, identificando quais semelhanças existiram nos percursos construídos, compondo as trajetórias coletivas.

A pesquisa recebeu a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, no ano de 2016, sob parecer nº 1.455.727 e respeitou todos os aspectos contidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde1313. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun13; 150(112 seção 1):59-62.. Ainda em cumprimento a essa resolução, o responsável legal da criança assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a criança, o Termo de Assentimento. Manteve-se o anonimato das participantes durante todo o tempo e, para tanto, foi adotada a inicial de criança (C) seguida pelo número correspondente à realização da entrevista (C1, C2, C3, C4, C5).

RESULTADOS

Caracterização das crianças participantes da pesquisa

Das cinco crianças participantes, duas eram do sexo masculino e três, do sexo feminino, com idades entre oito e 11 anos. Quanto ao tempo de vínculo com o serviço, houve variação de dois a seis anos. Em relação aos motivos que as levaram à procura pelo serviço, em sua maioria,elashaviam sido encaminhadas pela escola. Uma das participantes recebeu encaminhamento aoCAPSi de um município vizinho e outra procurou o serviço de forma espontânea.

Com relação à evasão do serviço, somente uma das participantes não possuía histórico de afastamento, enquanto as demais haviam evadido, pelo menos, uma vez, retornando ao CAPSi muitas vezes após 12 meses ou mais.

Na maioria das vezes, o acompanhamento a tais crianças foi realizado em parceria com outros componentes da rede, como o Conselho Tutelar, a Promotoria da Infância, a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). A parceria interinstitucional era construída de maneira mais efetiva relacionada às situações que permeavam cada caso.

No momento da realização da pesquisa, somente uma das crianças participava dos grupos oferecidos pelo CAPSi e duas delas eram moradoras da zona rural, o que dificultava o acesso. Entretanto, as demais moravam na zona urbana, o que permitia um acesso mais fácil ao serviço e, ainda assim, elas não participavam dos grupos.

Outra questão fundamental relacionou-se com o fato de que a maioria delas fazia uso de algum tipo de psicofármaco para os sintomas atribuídos ao diagnóstico recebido. Apenas uma das crianças não estava sendo tratada com medicação psiquiátrica.

Trajetórias Terapêuticas Singulares das crianças

As representações gráficas explicitam as histórias de vida das mesmas desde o nascimento, o ingresso no CAPSi, até o momento atual. Destaca-se que as TTS foram construídas a partir do ponto de vista das participantes sobre as pessoas que compunham e/ou participavam de suas vidas, com destaque para o núcleo familiar, a escola e o CAPSi. A narrativa foi representada por meio de figuras ilustrativas que mostram a TTS de cada criança na rede social e afetiva, considerando a sua singularidade, conforme mostram as figuras.

As TTS permitiram reconhecer características específicas de cada criança ao transitar pela rede de cuidados, revelando que os recursos disponíveis para o cuidado em Saúde Mental são atravessados por um saber manicomial, a exemplo da existência de uma correlação entre a medicalização e o distanciamento dos pais em relação aos filhos, sendo mais fácil controlar as inquietações das crianças por meio de medicamentos do que procurar entender essas manifestações. Às cinco participantes, foram atribuídos diagnósticos e, por meio da observação das manifestações e presença dos sintomas, realizava-se a comparação com aqueles descritos em manuais diagnósticos e em consonância com a classe do transtorno que os representa.

A seguir, destaca-se a TTS de C1.

Figura 1 -
Trajetória terapêutica da Criança 1 (C1), RS, Brasil, 2017

A TTS de C1 é marcada pelo episódio ocorrido na escola, ao jogar a cadeira no chão, estabelecendo o início do vínculo com o CAPSi, onde recebeu um diagnóstico compatível com a agitação e impulsividade. Inicialmente, foi difícil para C1 aceitar a necessidade de frequentar o serviço, pois ela relatou, durante os encontros, que não entendia o motivo de estar ali. Segundo C1, o serviço era para crianças com problemas na cabeça, mas, aos poucos, foise acostumando com a rotina das consultas com a técnica de referência, mas não com a utilização da medicação, pois lhe incomodava ter que tomar todo dia.

Salienta-se que, para C1,a construção de um bom vínculo terapêutico com a técnica de referência garantiu que conseguisse entender a necessidade de participar dos atendimentos individuais,tendo em vista que recebeu estímulo para desenvolver um perfil competitivo e apresentava dificuldade ao lidar com as frustrações. Por fim, atingiu a compreensão do quanto esse cuidado ajudava a controlar sua insegurança e ansiedade na escola e também em casa.

Ao questionar C1 sobre situações que causam ansiedade, torna-se perceptível, em sua fala, que a possível causa de episódios de insegurança e ansiedade vivenciados por C1 está relacionada com uma causa externa devido a presenciar conflitos entre os pais.

A trajetória terapêutica, representada pela figura 2, também revela uma história de vida emblemática marcada por uma circulação na rede de saúde e assistência social. O percurso realizado indica rompimentos significativos em relação à família a partir das situações de abrigamento. Estes rompimentos foram necessários devido à permanência de C2 nas ruas.

Figura 2 -
Trajetória terapêutica da Criança 2 (C2), RS, Brasil, 2017

Para essa participante, a TTS inicia com o acompanhamento no CAPSi no município onde nasceu. Esse começo tão precoce no acompanhamento terapêutico ocorreu devido à situação familiar relacionada ao uso de drogas. Após a separação dos pais, mãe e filha mudaram-se para outro município onde C2 retomou o acompanhamento no CAPSi.

A situação familiar de C2 tornou-se bastante complexa com o agravamento da vulnerabilidade econômica e social, pois a mãe estava desempregada e a permanência nas ruas exigiu medidas protetivas de abrigamento, que estiveram presentes durante a construção das TTS.Entretanto, por outro lado, C2 ressentia-se de estar afastada da família e dos amigos, pois relatava a vontade de sair logo do abrigo, fato que se estendeu após o término da coleta. Outro motivo de desconforto para C2 foi a utilização de medicação para enurese. Ela relatava que o uso a deixava sonolenta para ir à escola e que ela não queria ser chamada de “louca” por frequentar o CAPSi e também ter que fazer uso de medicamento. Seu diagnóstico foi estabelecido a partir dos seguintes sintomas: agitação, hiperatividade e mudanças no humor.

É possível perceber que o vínculo familiar é considerado, pela participante C2, como principal fonte de apoio social e afetivo, apesar da situação de abrigamento e negligência a qual foi exposta.

Figura 3 -
Trajetória terapêutica da Criança 3 (C3), RS, Brasil, 2017

A participante C3 possui uma TTS marcada por muitas separações e reaproximações com sua família. Conformea figura 3, o parto da participante foi realizado na Unidade Básica de Saúde, pois não houve tempo para transportá-la para a Santa Casa de Misericórdia. De acordo com o relato da sua mãe, elas ficaram bem e só passaram uma noite no hospital para que a mãe de C3 pudesse se recuperar. Quando C3 tinha apenas um ano de idade, foi morar com a bisavó e avó maternas, pois sua mãe se mudou para outra casa. Quando C3 completou dois anos, a avó materna também foi embora de cidade, indo morar em outro município.

C3 iniciou seus atendimentos no CAPSi ainda muito pequena. Com três anos, foi encaminhada pela escolinha de educação infantil devido à hiperatividade, pois ficava chorosa em diferentes situações e apresentava enurese tanto noturna quanto diurna. Possuía dificuldade de socialização e comportamento sexualizado. Quando contrariada, se autoagredia, atirando-se no chão e debatendo-se. A relação familiar era bastante difícil, tanto com a figura materna, que lhe impunha muitos castigos físicos, quanto com o pai, que estava sempre distante da realidade vivida por C3 em função do seu envolvimento com drogas.

Houve determinações judiciais para que a família retomasse os atendimentos, já que C3 evadiu do serviço em alguns momentos, pois a família não mantinha uma regularidade no acompanhamento. O diagnóstico para C3 foi estabelecido pelos sintomas observados: agitação, choro, nervosismo, enurese diurna e noturna.

A figura 4 mostra a TTS da participante C4, que morava com a mãe e as irmãs em uma palafita às margens de um rio. O padrasto trabalhava na zona rural, mas retornava para casa de 15 em 15 dias. Seu pai estava em reclusão devido aos delitos que havia cometido, e a relação com o pai era frágil devido ao afastamento. A escola realizou encaminhamento para o serviço em função da agitação apresentada em sala de aula, baixa concentração e porque somente reconhecia a letra “A” e desconhecia as demais vogais, as consoantes e os números.

Figura 4 -
Trajetória terapêutica da Criança 4 (C4), RS, Brasil, 2017

Entre as participantes, C4 era a única que não estava utilizando nenhuma medicação psiquiátrica, seus atendimentos eram realizados pela pedagoga e seu rendimento escolar havia melhorado de forma significativa após o início do acompanhamento no CAPSi. Entretanto, evadiu do serviço durante a gestação da mãe, pois o deslocamento das mesmas até o serviço era realizado a pé e, por esta razão, não conseguia levá-la às consultas e atividades devido à distância da residência.

A TTS da participante C5, conforme mostra a figura 5.

Figura 5 -
Trajetória terapêutica da Criança 5 (C5), RS, Brasil, 2017

O encaminhamento de C5 para o CAPSi foi via escola devido a alguns fatores, dentre eles, a dificuldade dos professores em lidar com suas altas habilidades cognitivas, pois demonstrava grande capacidade de compreensão e, por esta razão, realizava as tarefas com muita precisão e, geralmente, em tempo menor que o dos demais colegas.

Isso exigia que a escola estivesse preparada pedagogicamente para lidar e oferecer atividades que suprissem as demandas de C5, ficando evidente que a escola, ao encaminhá-la para o serviço, não conseguiu atender às suas necessidades.

A dificuldade de manejo familiar com C5 também contribuiu para a permanência da mesma no CAPSi, pois a família tinha algumas limitações socioeconômicas e também psicossociais. Durante os encontros, percebeu-se que essa situação era observada pelos pais: o desenvolvimento intelectual precoce do filho em relação a outras crianças e também a eles próprios.

Aos quatro anos, C5 alfabetizou-se sozinha, demonstrando altas habilidades. Ajudava a mãe em relação aos horários relativos à organização da casa. O pai de C5 é o familiar que mais acompanha sua trajetória pelos serviços. É ele quem a leva para todas as consultas e atividades no CAPSi e no CRAS. A mãe de C5 também faz acompanhamento no CAPS devido à deficiência mental.

Descrever essa trajetória foi bastante inquietante pela realidade de vida de umacriança que, com altas habilidades cognitivas, obteve como resposta às suas necessidades um tipo de assistência em um serviço de atenção ao sofrimento mental grave e seu diagnóstico foi estabelecido com base em episódios de agitação e irritação. Além dos atendimentos, C5 não escapou da prescrição de um psicofármaco parao controle de suas emoções e impulsos. Ao longo do encontro para a realização da entrevista, tornou-se claro que a promoção de suas habilidades e potencialidades necessita de outros espaços para além do CAPSi.

DISCUSSÃO

As experiências vivenciadas e narradas pelas crianças sobre suas TTS, na busca pelos espaços de cuidados, considerando a família, o CAPSi e a escola, possibilitaram a identificação das potencialidades e dificuldades de localizar e utilizar os recursos que estão disponíveis em seus territórios. Neste trabalho, a utilização das figuras aproximou o conhecimento das crianças sobre suas trajetórias com imagens, sem a intenção de sobrepô-las às suas narrativas, mas, para complementá-las, dando sentido à pesquisa que promove o protagonismo infantil33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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-44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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As TTS favoreceram a promoção do protagonismo infantil e permitiram, às crianças, falar sobre seus medos em relação à organização familiar e suas ansiedades relacionadas à privação de direitos básicos, como a alimentação e suas relações com a medicação, com destaque para as TTS de C1, C2 e C5, respectivamente.

Para C1, o início do vínculo com o CAPSi possibilitou a compreensão sobre a necessidade de ser cuidada em um espaço que ela idealizava como um lugar para crianças com problemas na cabeça, revelando o estigma que existe em torno dos usuários que frequentam o serviço de Saúde Mental77. Vasconcelos FG, Cartaxo CMB. Saúde mental em rede: uma análise de território. ECOS: Estud Contemp Subjet. 2016 [citado 2019 mar 10];6(1):113-24. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1846
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,1414. Tszesnioski CL, Nóbrega KB, Lima ML, Dutra FVL. Building the mental health care network for children and adolescents: interventions in the territory. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(2):363-70. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015202.05082014
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. Por esta razão, fez-se necessária a construção de imagens que representassem as participantes para além dos diagnósticos psiquiátricos, de suas crises e dos surtos descritos em seus prontuários22. Norozi SA, Torill M. Childhood as a social construction. J Educ Soc Res. 2016 [cited 2019 Feb 10]:6(2):75-80. Available from: https://www.mcser.org/journal/index.php/jesr/article/viewFile/9151/8837
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,44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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A situação de abrigamento na TTS de C2, durante a realização da pesquisa, necessitaria de um trabalho mais efetivo de outros profissionais que poderiam também se responsabilizar, pois cumprem um papel no cuidado em Saúde Mental em diferentes espaços, tais como as Unidades Básicas de Saúde, a escola, a família, os amigos e os vizinhos, rompendo com uma prática que pensa a atenção psicossocial somente realizada dentro do CAPSi44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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Observou-se, nas TTS de C2, C3 e C4, a evasão do serviço por diferentes motivos:C4 evadiu em função da distância da sua residência ao serviço, enquanto C2 e C3 apresentaram dificuldades na organização familiar. Essas situações possuem relação com a dimensão existencial do território55. Santos M, Silveira ML. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 18ª ed. Rio Janeiro: Record; 2014.,77. Vasconcelos FG, Cartaxo CMB. Saúde mental em rede: uma análise de território. ECOS: Estud Contemp Subjet. 2016 [citado 2019 mar 10];6(1):113-24. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1846
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. A partir dessas informações e do entendimento sobre a concepção política do território, o CAPSi poderá realizar busca ativa das mesmas para a promoção da continuidade do cuidado essencial para a reabilitação psicossocial33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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Nas TTS, a busca ativa das participantes significa atitude política de trabalho afinado com a integralidade do cuidado, pressupondo atender à evasão como uma necessidade de saúde44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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,77. Vasconcelos FG, Cartaxo CMB. Saúde mental em rede: uma análise de território. ECOS: Estud Contemp Subjet. 2016 [citado 2019 mar 10];6(1):113-24. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1846
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Cabe ressaltar ainda que o Movimento de Reforma Psiquiátrica, que embasa este estudo, possibilita ampliar discussões sobre o processo de sofrimento psíquico e as práticas de cuidado77. Vasconcelos FG, Cartaxo CMB. Saúde mental em rede: uma análise de território. ECOS: Estud Contemp Subjet. 2016 [citado 2019 mar 10];6(1):113-24. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1846
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,1515. Calza TZ, Dell’Aglio DD, Sarriera JC. Direitos da criança e do adolescente e maus-tratos: epidemiologia e notificação. Rev SPAGESP, 2016 [citado 2019 fev 15]:17(1):14-27. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702016000100003
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. Assim, as TTS permitem problematizar as diferentes formas de exclusão ainda atuais nos discursos sobre a patologização. A justificativa para a medicalização ainda se restringe aos diagnósticos de C1, C2, C3 e C5 que constavam em seus prontuários, que esta prática se justifica pelo comportamento indesejado da criança na escola, em casa, na rua, enfim, nos espaços por onde circula, somente pela questão biológica, sem questionar a situação social a qual estão submetidas22. Norozi SA, Torill M. Childhood as a social construction. J Educ Soc Res. 2016 [cited 2019 Feb 10]:6(2):75-80. Available from: https://www.mcser.org/journal/index.php/jesr/article/viewFile/9151/8837
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-33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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A construção social, de patologização da criança, está historicamente relacionada com os discursos produzidos sobre a infância, que acompanham as características políticas e econômicas ao longo do tempo1616. Bastos IT, Sarubbi Jr V, Oliveira TGP, Delfini PSS, Muylaert CJ, Reis AOA. Identity of care in a psychosocial care center for children and adolescents who uses drugs. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):121-7. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800018
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) e incidem nos espaços familiares e escolares explícitos nas TTS descritas neste trabalho33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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. A partir das TTS, é possível problematizar em que medida existem somente questões patológicas para queseevite a sustentação ideológica da exclusão66. Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2067-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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O pouco reconhecimento sobre o contexto de vida das participantes, relacionado com os processos sociais experimentados sobre a violência e a pobreza, permite equívocos sobre a condição de saúde mental das mesmas, uma vez que os desdobramentos das TTS revelam que as situações promotoras de ansiedade são originadas pelas circunstâncias externas relacionadas aos problemas sociais enfrentados pelas famílias de C1, C2, C3, C4 e C566. Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2067-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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,1616. Bastos IT, Sarubbi Jr V, Oliveira TGP, Delfini PSS, Muylaert CJ, Reis AOA. Identity of care in a psychosocial care center for children and adolescents who uses drugs. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):121-7. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800018
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Percebe-se que existe um esforço, por parte dos técnicos de referência do CAPSi, em promover mudanças na situação emocional das crianças, contudo,nem todas as participantes (C1, C2 e C3) estavam vinculadas às oficinas e somente C4 e C5 participavam das atividades em grupo.Foi observada essa necessidade,tanto para as crianças quanto para os familiares, como medida preventiva à violência1414. Tszesnioski CL, Nóbrega KB, Lima ML, Dutra FVL. Building the mental health care network for children and adolescents: interventions in the territory. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(2):363-70. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015202.05082014
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,1616. Bastos IT, Sarubbi Jr V, Oliveira TGP, Delfini PSS, Muylaert CJ, Reis AOA. Identity of care in a psychosocial care center for children and adolescents who uses drugs. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):121-7. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000800018
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-1717. Gonçalves CFG, Silva LMP, Pitangui ACR, Silva CC, Santana MV. Network action for the care of adolescent victims of violence: challenges and possibilities. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):976-83. doi: https://doi.org/10.1590/0104-0707201500004580014
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As TTS11. Cardoso CS. Trajetórias terapêuticas e as redes sociais e afetivas das crianças que frequentam o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil [dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Federal de Pelotas; 2017 [citado 2019 abr 10]. Available from: https://wp.ufpel.edu.br/pgenfermagem/files/2017/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Clarissa-de-Souza-Cardoso.pdf
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-22. Norozi SA, Torill M. Childhood as a social construction. J Educ Soc Res. 2016 [cited 2019 Feb 10]:6(2):75-80. Available from: https://www.mcser.org/journal/index.php/jesr/article/viewFile/9151/8837
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podem ser construídas a partir de escolhas e conquistas que acontecem no cotidiano. Essa dinâmica, estabelecida no contexto das relações, desafia a compreender os diferentes aspectos e singularidades das crianças, uma vez que elas vão aprendendo e desenvolvendo certa autonomia para desempenhar seus papéis sociais junto à sua família e amigos. Contudo, no contexto das crianças, compreende-se que suas escolhas e conquistas ainda são processos controversos quando situações de violência física, psíquica, sexual e a negligência fazem parte do cotidiano1717. Gonçalves CFG, Silva LMP, Pitangui ACR, Silva CC, Santana MV. Network action for the care of adolescent victims of violence: challenges and possibilities. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):976-83. doi: https://doi.org/10.1590/0104-0707201500004580014
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Esses dados são relevantes para se pensar a interface entre a educação e a saúde, e na necessidade de uma articulação entre as escolas e os serviços de Saúde Mental, pensando na produção da saúde e da cultura do cuidado oferecido às crianças. A saúde está ligada ao contexto da cultura, assim como tambémse relaciona intimamente com o contexto da saúde. Ambas são essenciais no que se refere a preservar ea promover o desenvolvimento saudável das crianças33. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clín. 2015;27(1):17-40. doi: https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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-44. Silveira AO, Bernardes RC, Wernet M, Pontes TB, Silva AAO. Family’s social support network and the promotion of child developement. REFACS. 2016 [cited 2019 Mar 27];4(1):6-16. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/1528/1321
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,1212. Monteiro ACS, Fernandes ATRS, Oliveira ABM, Peixoto IVP, Pamplona MCCA. Mothers’ perspective on violence against children: constructing meanings. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):34-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0568
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A descrição das trajetórias terapêuticas possibilitou apresentar a singularidade de vida das participantes da pesquisa por meio da relação estabelecida entre a criança, o território por onde ela transita e o contexto social. Percebeu-se que um dos desafios do trabalho realizado pelo CAPSi é romper com o discurso e práticas hegemônicas existentes e muitas vezes legitimados pela rede: família, CAPSi e escola.

A pesquisa apresentou alguns limites em relação à amostra e ao tempo de coleta de dados. Em relação a este último, acredita-se que um tempo maior com as crianças, que não apresentaram tantos detalhes na narrativa, favoreceria a complementação das trajetórias terapêuticas, uma vez que uma maior aproximação favorece o vínculo e o diálogo e isso demandaria um tempo a mais no período de coleta. Outra limitação importante está relacionada ao tamanho reduzido da amostra de crianças, pois se percebeu que mais crianças poderiam se beneficiar do espaço construído durante a pesquisa, fortalecendo a necessidade de incorporar o conhecimento das trajetórias terapêuticas singulares no cotidiano da rede dos serviços.

Como contribuição para a pesquisa, ensino e assistência, as trajetórias terapêuticas singulares possibilitaram a (re)construção do percurso realizado pelas crianças, a fim de encontrar e traçar estratégias de cuidado em rede, garantindo direitos à saúde de qualidade e ao bem-estar das crianças no contexto onde vivem, pois trouxeram à tona quais potencialidades e fragilidades estavam presentes nas relações estabelecidas.

Assim, os resultados encontrados originam-se das narrativas das crianças e entende-se a necessidade de mais estudos que contemplem o conhecimento das trajetórias terapêuticas singulares das crianças como possibilidade de análise da história de vida, com a finalidade de colaborar para a melhoria da saúde mental infantojuvenil, assim como para os pesquisadores e políticas públicas.

Agradecimentos:

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por ter financiado a pesquisa através de recursos despendidos por meio de bolsa de estudo, ao Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) por colaborar para desenvolvimento da pesquisa, em especial à equipe do serviço que prestou assistência a pesquisadora na busca dos prontuários e vínculo com as crianças. Ao Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Saúde Coletiva pela oportunidade de aprofundar os estudos e aperfeiçoar a pesquisa com crianças.

REFERENCES

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Editado por

Editor associado:

Cíntia Nasi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2019
  • Aceito
    21 Jan 2020
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