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Avaliação da satisfação de mulheres com trabalho de parto e parto em hospital de ensino

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a satisfação de puérperas quanto ao trabalho de parto e parto.

Método:

Pesquisa analítica e transversal, realizada com puérperas de um hospital de ensino. Os dados foram coletados de outubro a dezembro de 2020, por meio de um questionário sociodemográfico e obstétrico e da Escala de Avaliação da Satisfação com o Parto de Mackey. A escala possui 34 itens divididos em seis domínios, com pontuação mínima de 34 e máxima de 170 pontos.

Resultados:

Em uma amostra de 243 puérperas, a pontuação média foi de 141 pontos, com desvio padrão de 16,8. Verificou-se alta satisfação das mulheres em todos os domínios da escala e baixa adesão às boas práticas de atenção ao parto e nascimento, recomendadas atualmente.

Conclusão:

As participantes se mostraram satisfeitas com a experiência. A limitação do processo educativo em saúde durante o pré-natal pode diminuir o discernimento e o julgamento crítico das parturientes.

Palavras-chave:
Saúde da mulher; Parto; Satisfação do paciente

ABSTRACT

Objective:

To assess the satisfaction of puerperal women regarding labor and childbirth.

Method:

Analytical and cross-sectional research carried out with puerperal women at a teaching hospital. Data were collected from October to December 2020 by a sociodemographic and obstetric questionnaire and the Mackey Childbirth Satisfaction Rating Scale. The scale has 34 items divided into six domains, with a minimum score of 34 and a maximum of 170 points.

Results:

The mean score was 141 points in a sample of 243 puerperal women, with a standard deviation of 16.8. There was high satisfaction among women in all domains of the scale and low adherence to the best practices in labor and childbirth care currently recommended.

Conclusion:

The women were satisfied upon the experience. The limitation of the health education process during prenatal care may reduce the parturient’ discernment and critical judgment.

Keywords:
Women’s health; Parturition; Patient satisfaction

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la satisfacción de las puérperas con respecto al trabajo de parto y nacimiento.

Método:

Investigación observacional, analítica y transversal realizada con puérperas de un hospital universitario. Los datos fueron recolectados de octubre a diciembre de 2020, utilizando un cuestionario sociodemográfico y obstétrico y la Escala de Calificación de Satisfacción al Parto de Mackey. La escala consta de 34 ítems divididos en seis dominios, con una puntuación mínima de 34 y máxima de 170 puntos.

Resultados:

En una muestra de 243 puérperas, la puntuación media fue de 141 puntos, con una desviación estándar de 16,8. Hubo alta satisfacción entre las mujeres en todos los dominios de la escala y baja adherencia a las buenas prácticas de atención durante el trabajo de parto y el parto, actualmente recomendadas.

Conclusión:

Los participantes quedaron satisfechos con la experiencia. La limitación del proceso de educación sanitaria durante la atención prenatal puede reducir el discernimiento y el juicio crítico de las parturientas.

Palabras clave:
Salud de la mujer; Parto; Satisfacción del paciente

INTRODUÇÃO

O parto e o nascimento são considerados eventos repletos de significados pessoais, emocionais e socioculturais, que se relacionam com as preferências da parturiente, a postura dos profissionais, as condutas adotadas durante o atendimento, dentre outros diversos fatores.

Com o passar dos anos, práticas obsoletas e a adoção irrestrita de tecnologias e procedimentos invasivos na assistência ao parto têm sido desaconselhadas por não se mostrarem seguras nem vantajosos à saúde das mulheres e de seus bebês, além de interferirem na qualidade da experiência vivenciada11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.. Diversos programas nacionais têm sido implementados com o objetivo de ofertar um cuidado mais qualificado às gestantes e, no cenário internacional, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em 2018, recomendações sobre o cuidado intraparto na perspectiva de garantir uma experiência positiva nesse contexto11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018..

As iniciativas nacionais e internacionais têm em comum a busca por uma assistência mais respeitosa e segura, baseada em evidências científicas e com ênfase na participação ativa da mulher, além de contemplarem a apropriação dos aspectos emocionais e sociais envolvidos no processo de parto22. Parada CMGL. Women’s health during pregnancy, childbirth and puerperium: 25 years of recommendations from international organizations [editorial]. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):1-2. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-72suppl301
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. Entretanto, apesar do aumento da visibilidade desta temática nas últimas décadas em todo o mundo, muitos serviços brasileiros ainda não conseguiram implementar, de modo efetivo, as recomendações da ciência em sua prática clínica, o que pode refletir de forma negativa na satisfação das mulheres em relação ao parto33. Riegert IT, Correia MB, Andrade ARL, Rocha FNPS, Lopes LGF, Viana APAL, et al. Evaluation about puerperals’ satisfaction regarding parturition. J Nurs UFPE. 2018;12(11):2986-93. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i11a236863p2986-2993-2018
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Atualmente, a satisfação do cliente é considerada um importante indicador da qualidade do cuidado ofertado44. Nahaee J, Mohammad-Alizadeh-Charandabi S, Abbas-Alizadeh F, Martin CR, Martin CJH, Mirghafourvand M, et al. Pre- and during-labour predictors of low birth satisfaction among Iranian women: a prospective analytical study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20(1):408. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-020-03105-5
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. No contexto da saúde materna, avaliar a satisfação das mulheres quanto ao cuidado recebido durante o trabalho de parto e parto é de extrema relevância não somente para os profissionais de saúde, como também para gestores hospitalares e formuladores de políticas públicas, uma vez que este dado representa um importante feedback que pode ser utilizado para melhorar a qualidade dos serviços de assistência materno-infantil55. Blazquez RA, Corchon S, Ferrandiz EF. Validity of instruments for measuring the satisfaction of a woman and her partner with care received during labour and childbirth: systematic review. Midwifery. 2017;55:103-12. doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2017.09.014
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O conceito de satisfação com o parto expressa a percepção pessoal positiva da assistência recebida no parto, evidenciando práticas e posturas profissionais implementadas à clientela(6). No entanto, a satisfação com o parto é um constructo complexo e multidimensional influenciado por diversos fatores44. Nahaee J, Mohammad-Alizadeh-Charandabi S, Abbas-Alizadeh F, Martin CR, Martin CJH, Mirghafourvand M, et al. Pre- and during-labour predictors of low birth satisfaction among Iranian women: a prospective analytical study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20(1):408. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-020-03105-5
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A literatura aponta variáveis que se relacionam com a satisfação do parto: acessibilidade, ambiente físico, limpeza, disponibilidade de medicamentos, suprimentos e recursos humanos, privacidade e confidencialidade, presteza, suporte emocional adequado, tipo de parto, contato pele a pele com o recém-nascido, apoio contínuo durante o processo, procedimentos executados e informações recebidas durante o trabalho de parto66. Gonçalves DS, Moura MAV, Pereira ALF, Queiroz ABA, Santos CA, Torquato HDM. Satisfação e insatisfação no parto normal sob o enfoque dos atributos da qualidade da assistência. Rev Enferm UERJ. 2021;29:e59021. doi: http://doi.org/10.12957/reuerj.2021.59021
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-77. Arrebola RN, Mahía LP, López SB, Castiñeira NL, Pillado TS, Díaz SP. Women's satisfaction with childbirth and postpartum care and associated variables. Rev Esc Enferm USP. 2021;9(55):e03720. doi: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2020006603720
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Um conceito que também vem sendo amplamente utilizado nas discussões sobre satisfação com o parto é o de experiência positiva de parto. Segundo a OMS, uma experiência de parto positiva pode ser definida como uma experiência que cumpre ou supera as crenças e expectativas pessoais e socioculturais prévias da mulher. Isto inclui dar à luz a um bebê saudável em um ambiente seguro desde o ponto de vista clínico e psicológico, e contar com o apoio prático e emocional contínuo, ou seja, estar acompanhada no momento do nascimento e ser atendida por profissionais acolhedores e dotados de competências técnicas adequadas11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018..

Por outro lado, a insatisfação com a experiência de parto tem efeitos negativos a curto e longo prazo na vida da mulher, assim como do bebê e família, tais como distúrbios psicológicos e do sono, transtorno de estresse pós-traumático, vínculo mãe-filho prejudicado, alterações de humor e apetite, disfunções sexuais, medo exacerbado do parto, intervalo interpartal ampliado e redução do interesse em outras gestações44. Nahaee J, Mohammad-Alizadeh-Charandabi S, Abbas-Alizadeh F, Martin CR, Martin CJH, Mirghafourvand M, et al. Pre- and during-labour predictors of low birth satisfaction among Iranian women: a prospective analytical study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20(1):408. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-020-03105-5
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, o que reforça a necessidade de estudos sobre a temática da satisfação das mulheres com suas experiências de parto.

Considerando que a investigação sobre a satisfação quanto ao trabalho de parto e parto representa uma estratégia capaz de ofertar subsídios para aprimorar o plano de cuidados às mulheres, guiar as práticas assistenciais do serviço e qualificar a assistência ofertada às mulheres no processo de parturição, pensou-se na seguinte questão norteadora: Qual a satisfação de puérperas de um hospital de ensino com a experiência do trabalho de parto e parto? Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a satisfação de puérperas quanto ao trabalho de parto e parto.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa observacional, analítica e transversal. O relato do estudo se apoiou nas recomendações do roteiro STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology).

Os dados foram coletados no período de outubro a dezembro de 2020, junto a puérperas internadas na unidade de Alojamento Conjunto de um hospital público de ensino, localizado em cidade do interior do Estado de São Paulo. O hospital atende cerca de 220 partos por mês e é referência para o atendimento de alto risco para seis municípios da região.

Os critérios de seleção da amostra foram: puérperas maiores de 18 anos; com recém-nascidos vivos; com pelo menos 24 horas pós-parto; que vivenciaram a experiência de trabalho de parto (independente da via de parto); com capacidade para leitura do instrumento (alfabetizadas), e sem dificuldades de comunicação (ausência de patologia ou transtorno que impedisse a fala, e/ou puérperas estrangeiras cuja língua nativa não era o português).

O tamanho amostral foi determinado levando em conta a metodologia de cálculo amostral, com objetivo de estimar uma proporção. Para tanto, foi considerada uma proporção p igual a 0,50, cujo valor representa a variabilidade máxima da distribuição binomial, gerando, assim, uma estimativa com o maior tamanho amostral possível. A população considerada para o cálculo foi composta por aproximadamente 660 puérperas (três meses de coleta). Assumiram-se um erro amostral de 5% e um nível de significância de 5%. Assim, o tamanho amostral obtido foi de 243 puérperas.

Para a coleta de dados utilizaram-se dois instrumentos. O primeiro, um questionário sociodemográfico e obstétrico desenvolvido para a presente pesquisa, cujas informações foram coletadas por meio de entrevista com a mulher, seguida de consulta de informações em prontuário e caderneta de pré-natal. As variáveis: cor (autodeclarada), religião, via de parto desejada, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor disponíveis na instituição (banho de aspersão, bola suíça, massagem, deambulação), uso de analgesia farmacológica (peridural), informações recebidas sobre parto durante o pré-natal (opção de resposta sim ou não) e realização de curso preparatório para parto (opção de resposta sim ou não) foram perguntadas à participante. Já as demais variáveis do questionário: idade (anos), estado civil, escolaridade, paridade, idade gestacional, estratificação de risco gestacional, via de parto realizada e realização de acompanhamento pré-natal foram consultadas nos documentos do prontuário (ficha de admissão e partograma), além da caderneta de pré-natal.

O segundo instrumento utilizado foi a Escala Mackey de Avaliação da Satisfação com o Parto (Mackey Childbirth Satisfaction Rating Scale- MCSRS). Esta escala foi desenvolvida nos Estados Unidos e traduzida para diversos idiomas, incluindo o português do Brasil. O instrumento foi transculturalmente adaptado para o Brasil, passou pelo processo de Validação de Face e de Conteúdo e a confiabilidade foi testada, com resultado satisfatório (coeficiente ômega de McDonald de 0,97)88. Lopes F, Carvas Júnior N, Nakamura MU, Nomura RMY. Content and face validity of the mackey childbirth satisfaction rating scale questionnaire cross-culturally adapted to Brazilian Portuguese. Rev Bras Ginecol Obstet. 2019;41(6):371-8. doi: http://doi.org/10.1055/s-0039-1692125
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-99. Lopes F, Carvas Junior N, Nakamura MU , Nomura RMY. Psychometric properties of the Mackey Childbirth Satisfaction Rating Scale cross-culturally adapted to Brazilian Portuguese. J Mater Fetal Neonatal Med. 2021; 34(13):2173-79. doi: https://doi.org/10.1080/14767058.2019.1660763
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. Optou-se por esse instrumento por se tratar de uma escala abrangente, a qual contempla diversos fatores que podem interferir na satisfação das mulheres com o trabalho de parto e a experiência do parto. É constituída por 34 itens de avaliação, divididos em seis domínios: autoavaliação (Q3 a Q11); parceiro (Q12 e Q13); recém-nascido (Q14 a Q16); assistência de enfermagem (Q17, Q19, Q21, Q23, Q25, Q27, Q29, Q31, Q33); assistência médica (Q18, Q20, Q22, Q24, Q26, Q28, Q30, Q32) e avaliação geral do parto (Q1, Q2, Q34). A consistência interna de cada domínio foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Todos os domínios da escala apresentaram alfa de Cronbach > 0,8.

O instrumento foi ofertado às puérperas para autopreenchimento. Para cada item avaliado, há cinco opções de resposta, graduadas em uma escala do tipo Likert de 1 a 5, em que “1” representa “muito insatisfeita” e “5” trata-se de “muito satisfeita”. A pontuação máxima da escala é de 170 pontos, enquanto a mínima é de 34, no entanto, não foi encontrada uma graduação dessa numeração que classifique a satisfação das mulheres. Além dos itens de cada domínio, o instrumento possui mais quatro questões (Q37 a Q40) que avaliam a experiência vivenciada pela mulher. Para estas questões, as respostas são graduadas em uma escala do tipo Likert de 1 a 4, em que “1” significa “nada a ver com o que eu esperava”, “2” é “muito pouco a ver com o que eu esperava”, “3” representa “um pouco a ver com o que eu esperava”, e “4” como “foi como eu esperava”.

Todo dia, a coletadora (única para coleta de dados) imprimia a relação de puérperas internadas na unidade e listava aquelas que possivelmente atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa. Na sequência, as puérperas foram abordadas para confirmação dos critérios de inclusão na amostra, apresentadas à pesquisa e, então, convidadas à participação. Ao todo, sete puérperas se recusaram a participar.

O questionário foi aplicado nas dependências do Alojamento Conjunto da referida instituição, evitando-se horários de procedimentos, para não prejudicar a rotina de cuidados da unidade. A coleta de dados junto às mulheres durou cerca de 15-20 minutos. Inicialmente as puérperas respondiam às perguntas do questionário sociodemográfico, as quais eram realizadas pela coletadora, que preenchia as respostas. Na sequência, a coletadora ofertava a escala de satisfação para autopreenchimento da puérpera.

Todos as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), previamente à coleta dos dados, ficando com uma via em seu poder. A pesquisa seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução 466 de 12/12/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer nº 4.168.051/2020.

Para todas as análises foram utilizados os softwares estatísticos Statistical Analysis System (SAS), versão 9.4, e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23, com nível de significância de 5%. Para as comparações entre uma variável categórica com relação aos escores da escala foi aplicado o teste t de Student não pareado, ou o teste de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição dos dados. Já, para as comparações entre uma variável qualitativa com mais de duas categorias com relação aos escores da escala, foi aplicado o modelo ANOVA, ou o teste de Kruskal-Wallis, de acordo com a distribuição dos dados. A distribuição dos dados foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk. As correlações entre as variáveis quantitativas e os escores do instrumento foram avaliadas por meio do coeficiente de correlação de Spearman.

Realizou-se a comparação dos domínios com todas as variáveis qualitativas do questionário sociodemográfico: cor, estado civil, religião, desejo da via de parto, tipo de parto, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor, massagens, chuveiro, bola, deambulação, analgesia farmacológica, intercorrências durante o parto, estratificação de risco gestacional e informações sobre o trabalho de parto e parto durante o pré-natal.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi constituída de 243 puérperas, com idade média de 27 anos, variando de 18 a 46 anos. A idade gestacional média (no dia do parto) foi de 38 semanas e 6 dias, variando de 35 semanas e 2 dias a 41 semanas e 4 dias. O perfil sociodemográfico e obstétrico das participantes está apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica e obstétrica das puérperas participantes (n=243). Sumaré, São Paulo, Brasil, 2020

As participantes possuíam média de nove consultas de pré-natal. Apenas 46,5% (n= 113) receberam informações relacionadas ao parto durante a assistência pré-natal e 1,6% (n= 4) das puérperas fizeram algum curso preparatório para o parto durante a gestação.

Com relação ao desejo pela via de parto, 76,9% (n= 187) referiram intenção pelo parto vaginal, enquanto 23% (n= 56), pela cirurgia cesariana. Sobre a via de parto consumada, 53,9% (n= 131) tiveram parto vaginal, 42,8% (n= 104), cirurgia cesariana e 3,3% (n= 8), parto vaginal instrumental (fórceps).

Quanto ao uso de métodos para alívio da dor, 78,6% (n= 191) receberam analgesia farmacológica e 46,5% (n= 113) fizeram uso de métodos não farmacológicos. Dentre os métodos não farmacológicos citados, 39,5% (n= 96) utilizaram o banho de chuveiro, 14,4% (n= 35) a deambulação, 11,5% (n= 28) a bola suíça, e 9,8% (n= 24) as massagens. Com relação à posição de parto, 99,1% (n=241) pariram em posição horizontal (litotomia ou semi deitada na cama). Os dados referentes à expectativa e à avaliação das puérperas em relação à experiência vivida quanto ao trabalho de parto e parto (Q37-Q40) estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 -
Expectativa e avaliação do trabalho de parto e parto das puérperas (n=243). Sumaré, São Paulo, Brasil, 2020

Quando convidadas a avaliar sua experiência geral durante o trabalho de parto, 57% (n= 138) consideraram-se satisfeitas e 25,6% (n=62) muito satisfeitas. Também apresentaram expressiva satisfação quanto ao parto: 53,8% (n=77) consideraram-se satisfeitas e 31,5% (n= 45) muito satisfeitas. Quanto à colaboração do acompanhante durante o trabalho de parto, 46,6% (n= 95) consideraram-se muito satisfeitas. A Tabela 3 apresenta a avaliação das puérperas quanto à atuação da equipe de saúde (médica e de enfermagem).

Tabela 3 -
Avaliação das puérperas quanto à atuação da equipe de saúde (n=243). Sumaré, São Paulo, Brasil, 2020

Não houve diferença estatisticamente significante ao serem testadas correlações entre os domínios da escala com todas as variáveis quantitativas do questionário (idade, número de consultas, tempo de gravidez, número de gravidezes e número de filhos).

No que diz respeito às comparações realizadas entre as variáveis do questionário sociodemográfico e os domínios da escala, foi encontrada uma diferença estatisticamente significante (p=0,0163), para o domínio “Recém-Nascido”, quando comparado o tipo de parto (vaginal/fórceps x cesariana); e a utilização de métodos não farmacológicos para o alívio da dor (p=0,0186). As puérperas de parto vaginal e/ou fórceps apresentaram maior satisfação com a saúde do bebê e com o tempo para segurar e amamentar o recém-nascido, quando comparadas às que foram submetidas a cesariana.

Para o domínio “Parceiro” foi encontrada uma diferença estatisticamente significante, quando comparados: o uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor (p=0,0163); o uso do chuveiro (p=0,343); e o recebimento de informações sobre o trabalho de parto e parto durante o pré-natal (p=0,0229). As mulheres que tiveram a presença do acompanhante durante o nascimento foram as que mais utilizaram os métodos não farmacológicos para alívio da dor e que receberam mais informações sobre o trabalho de parto e parto no pré-natal.

DISCUSSÃO

O estudo mostrou uma elevada satisfação com o trabalho de parto e parto das puérperas participantes. Para todos os itens avaliados, a resposta “satisfeita” ou “muito satisfeita" foi predominante. De forma concomitante e contraditória, os dados demonstraram fragilidades na adesão de algumas boas práticas de atenção ao parto e nascimento, tais como oferecimento de informação e preparo sobre o trabalho de parto e parto durante o pré-natal, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor e verticalização da posição de parto. Também se observou um amplo emprego da analgesia farmacológica na amostra estudada.

Atualmente, muitos procedimentos vêm sendo realizados de forma rotineira e sem base em evidências científicas, desvinculando a assistência das boas práticas e podendo causar resultados indesejáveis e prejudiciais tanto à mulher quanto ao recém-nascido1010. Nicida LRA, Teixeira LAS, Rodrigues AP, Bonan C. Medicalização do parto: os sentidos atribuídos pela literatura de assistência ao parto no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(11):4531-46. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.00752019
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. Segundo o Ministério da Saúde (MS) muitas mulheres e seus recém-nascidos são expostos a altas taxas de intervenções, as quais deveriam ser utilizadas de forma parcimoniosa e apenas em situações de necessidade, não como rotineiras1111. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2021 Oct 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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Apesar de quase todas as puérperas terem realizado o acompanhamento pré-natal e apresentarem uma média elevada de consultas, menos da metade relatou ter recebido informações sobre o trabalho de parto e o parto durante esse acompanhamento e uma parcela muito pequena participou de algum curso de preparação para o parto.

Considera-se que a provável escassez de informações advindas de atividades educativas possa representar um importante limitador para avaliação crítica por parte dessas mulheres quanto à experiência vivenciada. A lacuna no processo educativo durante o pré-natal aponta para a necessidade de qualificação da consulta além do aspecto quantitativo. Avaliar a assistência pré-natal com base somente no número de consultas pode camuflar inúmeros problemas na qualidade deste atendimento, superestimando a eficácia do cuidado prestado1212. Gonçalves MF, Teixeira EMB, Silva MAS, Corsi NM, Ferrari RAP, Pelloso SM, et al. Prenatal care: preparation for childbirth in primary healthcare in the south of Brazil. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(3):e2016-0063. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.2016-0063
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A literatura mostra que mulheres com menor poder aquisitivo e atendidas no setor público recebem menos informações relacionadas ao nascimento, o que as torna menos empoderadas para tomar decisões durante o trabalho de parto e parto, ampliando sua vulnerabilidade e o risco do emprego de procedimentos mais dolorosos1313. Rocha NFF, Ferreira J. A escolha da via de parto e a autonomia das mulheres no Brasil: uma revisão integrativa. Saúde Debate. 2020;44(125):556-68. doi: http://doi.org/10.1590/0103-1104202012521
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A falta de informação da mulher é uma das situações que mais a fragiliza no campo da assistência ao parto, na medida em que a torna passiva em todo o processo. Assim, entende-se que a falta de informação, além de expor as mulheres a mais riscos, também pode deturpar sua compreensão sobre uma assistência segura e respeitosa.

A elevada satisfação com a experiência de parto em países de baixa e média renda tem sido alvo de investigação. As principais justificativas para estes altos escores em cenários pouco favoráveis são: expectativas atendidas associadas à falta de conscientização sobre padrões e direitos da cliente, falta de exposição a diferentes modelos de cuidados em um contexto de baixa alfabetização, relutância em expressar comentários críticos, tempo e local da entrevista e diferentes definições do conceito de satisfação1414. Mocumbi S, Högberg U, Lampa E, Sacoor C, Valá A, Bergström A, et al. Mothers’ satisfaction with care during facility-based childbirth: a cross-sectional survey in southern Mozambique. BMC Pregnancy Childbirth. 2019;19(1):303. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-019-2449-6
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No que diz respeito ao preparo para o parto, esta pesquisa também evidenciou uma lacuna na assistência pré-natal, já que uma pequena parcela das participantes realizou curso preparatório para o parto. Este aspecto, somado à pouca informação advinda do pré-natal, contribui para a condição de vulnerabilidade da gestante, diminuindo seu repertório para julgamento. Vale ressaltar que a coleta de dados deste estudo ocorreu durante o período da pandemia do SARS-CoV-2, o que certamente gerou limitações nas atividades em grupo das unidades de saúde, incluindo os grupos de gestantes.

Além de instrumentalizar a mulher e favorecer seu discernimento quanto ao cuidado recebido, a oferta de informações em cursos preparatórios está relacionada com a satisfação das mulheres no processo de parto e nascimento. Um estudo conduzido com 77 gestantes mostrou que a participação em um programa de preparação para o parto melhorou a satisfação com a experiência vivida, permitiu melhor comunicação das mulheres com os profissionais de saúde, aumentou a participação na tomada de decisões durante o trabalho de parto, além de diminuir a percepção dolorosa das mulheres durante o parto1515. Akca A, Corbacioglu Esmer A, Ozyurek ES, Aydin A, Korkmaz N, Gorgen H, et al. The influence of the systematic birth preparation program on childbirth satisfaction. Arch Gynecol Obstet. 2017;295(5):1127-33. doi: http://doi.org/10.1007/s00404-017-4345-5
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Esta pesquisa encontrou um elevado índice de satisfação com a experiência do parto normal. Por se tratar de um serviço que ainda apresenta inconsistência com algumas práticas recomendadas pelas evidências, seria importante investigar, de forma mais profunda, quais foram os fatores considerados pelas mulheres para tal avaliação. Em muitos locais, o parto esperado pelas mulheres e considerado “normal” é aquele em que há imobilização, jejum, posição litotômica e uso rotineiro da episiotomia1616. Rocha NFF, Ferreira J. A escolha da via de parto e a autonomia das mulheres no Brasil: uma revisão integrativa. Saúde Debate. 2020;44(125):556-68. doi: http://doi.org/10.1590/0103-1104202012521
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, todas as práticas que atualmente são desaconselhadas pela OMS11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.) e MS1111. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2021 Oct 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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. Infelizmente, este conjunto de ações ainda é rotineiramente praticado na assistência obstétrica de muitos hospitais brasileiros e avaliado como satisfatório pelas mulheres1616. Rocha NFF, Ferreira J. A escolha da via de parto e a autonomia das mulheres no Brasil: uma revisão integrativa. Saúde Debate. 2020;44(125):556-68. doi: http://doi.org/10.1590/0103-1104202012521
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. Este resultado aponta para um cenário complexo que se perpetua na atualidade e é fortalecido pelo pouco empoderamento das mulheres.

Nesta amostra, quase todas as participantes pariram em posição de litotomia, prática não recomendada pelas evidências científicas há alguns anos, a não ser que seja uma escolha consciente da parturiente11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.,1111. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2021 Oct 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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. Este achado demonstra uma fragilidade do serviço de saúde, que poderia estimular a liberdade de posições para o parto, incluindo as verticalizadas, que são recomendadas na atualidade, tendo em vista os amplos benefícios associados11. World Health Organization. WHO recommendations on intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.,1111. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2021 Oct 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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. Segundo a literatura, as posições verticalizadas ou que permitem a flexibilidade do sacro podem reduzir em até 21 minutos a duração do segundo estágio do parto, devendo ser encorajada às mulheres1717. Berta M, Lindgren H, Christensson K, Mekonnen S, Adefris M. Effect of maternal birth positions on duration of second stage of labor: systematic review and meta-analysis. BMC Pregnancy Childbirth. 2019;19(1):466. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-019-2620-0
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. Felizmente, um amplo estudo sobre os avanços da assistência ao parto no Brasil nos últimos anos mostrou que o parto em posição litotômica é uma prática que se encontra em redução no cenário brasileiro, assim como outras consideradas prejudiciais1818. Leal MC, Bittencourt SA, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRAA, Thomaz EBAF, et al. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saúde Pública. 2019;35(7):e00223018. doi: http://doi.org/10.1590/0102-311X00223018
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.

Sobre a utilização de métodos para alívio da dor, foi constatado amplo emprego da analgesia farmacológica. Apesar das mulheres relatarem elevada satisfação com o manejo do trabalho de parto, este resultado aponta para uma importante reflexão: a naturalização da medicalização do corpo feminino em um processo essencialmente fisiológico.

O uso rotineiro da medicação farmacológica em detrimento dos meios não farmacológicos para alívio da dor é uma prática descrita no modelo medicalizado de assistência ao parto, e que é alvo de críticas de muitos autores, segundo uma atual revisão narrativa sobre a medicalização do parto1010. Nicida LRA, Teixeira LAS, Rodrigues AP, Bonan C. Medicalização do parto: os sentidos atribuídos pela literatura de assistência ao parto no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(11):4531-46. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.00752019
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. Este cenário pode estar relacionado à falta de preparo das mulheres e dos profissionais de saúde no manejo e no entendimento do processo de parto como um evento inerente ao organismo materno. Mostra-se urgente a valorização desse aspecto no processo formativo dos profissionais de saúde e na assistência pré-natal das mulheres, como uma importante estratégia para mudança deste paradigma assistencial que considera o corpo das mulheres incapaz de tolerar e lidar com as dores do trabalho de parto sem a utilização de medicamentos.

Ainda que a utilização da analgesia farmacológica tenha eficácia amplamente reconhecida na literatura, um estudo mostrou que o uso indiscriminado está atrelado a maiores riscos neonatais, como Apgar menor que 7 no primeiro minuto, necessidade de manobras de reanimação neonatal e encaminhamento para unidade de terapia intensiva neonatal1919. Silva YAP, Araújo FG, Amorim T, Martins EF, Felisbino-Mendes MS. Obstetric analgesia in labor and its association with neonatal outcomes. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20180757. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0757
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. Em suma, os potenciais benefícios e os riscos do uso da analgesia farmacológica para o manejo da dor durante o trabalho de parto e parto precisam ser do conhecimento das mulheres previamente ao trabalho de parto, o que garante o direito de uma escolha consciente e informada.

Entende-se que uma estratégia a favor do uso mais racional da analgesia farmacológica é o amplo incentivo e a garantia de acesso ao uso dos métodos não farmacológicos para alívio da dor. A literatura mostra que a taxa de uso desses métodos aumentou expressivamente nos últimos anos, em especial nas Regiões Norte e Nordeste do país1818. Leal MC, Bittencourt SA, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRAA, Thomaz EBAF, et al. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saúde Pública. 2019;35(7):e00223018. doi: http://doi.org/10.1590/0102-311X00223018
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. No entanto, em alguns serviços de saúde, sua utilização ainda se mostra limitada.

Nesta amostra, o amplo emprego da analgesia farmacológica pode estar relacionado à pouca informação das mulheres sobre os potenciais efeitos de métodos de alívio menos invasivos. A literatura mostra que há muito desconhecimento sobre os métodos não farmacológicos de alívio da dor entre as mulheres. Pesquisa realizada em uma maternidade-escola em São Paulo revelou que 77% das mulheres nunca tinham ouvido falar em algum método não farmacológico para alívio da dor no momento do parto1919. Silva YAP, Araújo FG, Amorim T, Martins EF, Felisbino-Mendes MS. Obstetric analgesia in labor and its association with neonatal outcomes. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20180757. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0757
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.

A pouca utilização dos métodos também pode indicar descrédito por parte do serviço de saúde, o que pode estar atrelado às diferentes perspectivas sobre o processo de parto e sua condução. Dessa forma, há de se considerar que o uso da analgesia farmacológica (que imobiliza e acalma a parturiente) diminui o manejo ativo da equipe de saúde e denota uma impressão de cuidado com a mulher, nem sempre verdadeira.

Acredita-se que o emprego da analgesia farmacológica de forma precoce e rotineira substitui a experiência materna com outros possíveis recursos. A ausência de informações sobre a fisiologia do parto, o potencial de ação e os benefícios associados ao uso dos métodos não farmacológicos levam a mulher, mais uma vez, a optar pelo recurso que é, aparentemente, mais efetivo. Assim, enquanto as mulheres não compreenderem o processo fisiológico do parto e seus desdobramentos, o que inclui a dor do trabalho de parto, todos os mecanismos atenuantes da dor serão avaliados positivamente.

Na amostra, as mulheres que tiveram parto normal apresentaram maior satisfação com o tempo para segurar e amamentar o recém-nascido. Este resultado pode ser explicado pelas melhores condições de saúde da puérpera e do bebê que vivenciam o parto normal, visto que se trata de um processo fisiológico e de baixo risco que deve ser promovido e protegido para melhorar os indicadores de saúde.

O índice de satisfação das mulheres com a presença de um acompanhante também foi alto na amostra estudada. Além disso, verificou-se que as mulheres acompanhadas fizeram mais uso dos métodos não farmacológicos do que as que estavam sozinhas. Este resultado é corroborado pela literatura, pois mulheres que recebem apoio contínuo durante o trabalho de parto têm menor probabilidade de usar medicamentos para o alívio da dor e maior probabilidade de sentirem-se satisfeitas1818. Leal MC, Bittencourt SA, Esteves-Pereira AP, Ayres BVS, Silva LBRAA, Thomaz EBAF, et al. Progress in childbirth care in Brazil: preliminary results of two evaluation studies. Cad Saúde Pública. 2019;35(7):e00223018. doi: http://doi.org/10.1590/0102-311X00223018
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.

Os itens que avaliaram a assistência prestada pelos profissionais de saúde foram os que obtiverem maior pontuação de satisfação das usuárias, abrangendo tanto os cuidados práticos, quanto o relacionamento construído com a equipe médica e de enfermagem no momento do parto/nascimento. Este é um importante feedback para a equipe da instituição.

A literatura aponta alguns importantes aspectos para um bom relacionamento interpessoal entre parturiente e profissionais de saúde: respeito, cordialidade, paciência, solicitude, presença constante, disposição para responder aos questionamentos e ações para transmitir tranquilidade e calma2020. Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017;7(7):CD003766. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD003766.pub6
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. Por outro lado, distanciamento, desinformação, hostilidade e desrespeito são fatores que prejudicam o relacionamento e parecem estar ligados às posturas pessoais dos profissionais2020. Bohren MA, Hofmeyr GJ, Sakala C, Fukuzawa RK, Cuthbert A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2017;7(7):CD003766. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD003766.pub6
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. Considerando-se que um dos objetivos da atenção obstétrica é propiciar uma experiência fisiológica e significativa, os profissionais devem estar preparados para compreender o impacto de sua atuação em aspectos subjetivos dessa experiência na vida de mulheres e famílias.

O cenário da pesquisa mantém estratégias de qualificação do serviço com o objetivo de gerar mudanças em seu modelo assistencial e qualificar o atendimento ofertado, por meio da divulgação e incentivo às boas práticas de atenção ao parto, oferta de cursos de atualização à equipe de saúde e incentivo à sensibilização dos profissionais envolvidos. Entretanto, os dados mostram que a assistência à mulher no pré-natal, assim como ao longo do trabalho de parto e parto, ainda mantém práticas de um modelo assistencial que já deveria ter sido suplantado.

Quanto às limitações do estudo, pode-se apontar o tamanho do instrumento, com muitas questões para leitura, o que pode ter sido cansativo de preencher e ter influenciado nas respostas assinaladas. Também foi percebido um certo desconforto das participantes em avaliar sua experiência durante a sua permanência na instituição, o que pode ter gerado respostas menos criteriosas.

CONCLUSÃO

Este estudo permitiu identificar uma elevada satisfação na experiência do trabalho de parto e parto em 243 mulheres atendidas em um hospital público de ensino, segundo a Escala Mackey de Avaliação da Satisfação com o Parto. Apesar de todos os itens investigados apresentarem elevada satisfação, foram identificados aspectos da assistência em desacordo com as evidências científicas atuais, como baixa adesão aos métodos não farmacológicos de alívio da dor, predominância de partos em posição de litotomia, pouca informação sobre as boas práticas de atenção ao parto e nascimento no pré-natal e assistência medicalizada.

A percepção das mulheres sobre a satisfação com a experiência pode ter sido influenciada pela falta de informação, o que é uma consequência da falha do processo educativo durante a assistência pré-natal. Esta condição pode diminuir o discernimento e a capacidade de julgamento crítico das parturientes sobre a experiência vivenciada.

Os resultados desta pesquisa contribuíram para a identificação de práticas assistenciais no parto em desacordo com as evidências científicas e possíveis lacunas no processo educativo em saúde das gestantes, os quais precisam ser superados no âmbito assistencial e gerencial. Neste sentido, recomenda-se a manutenção e incentivo para mais investimentos na qualificação do processo de educação em saúde, seja no período pré-gravídico ou gestacional, para que as mulheres aumentem o nível de conhecimento sobre aspectos fisiológicos e o manejo do trabalho de parto e parto. Esta estratégia contribuirá para que as mulheres façam suas escolhas de maneira mais informada e consciente, diminuindo a vulnerabilidade no momento do parto e aumentando o interesse nas tecnologias apropriadas para o parto e nascimento. Também se evidencia a necessidade de qualificação do processo formativo dos profissionais, além da elaboração e implementação de estratégias de acompanhamento das equipes de saúde para o cumprimento das boas práticas na assistência pré-natal, no trabalho de parto, parto e nascimento.

Agradecimentos:

Agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelo apoio financeiro concedido por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica da Unicamp (PIBIC-UNICAMP).

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Editado por

Editor associado:

Jéssica Machado Teles

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2021
  • Aceito
    04 Abr 2022
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