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Boas práticas para comunicação efetiva: a experiência do round interdisciplinar em cirurgia ortopédica

Buenas prácticas para la comunicación efectiva: la experiencia del round interdisciplinar en cirugía ortopédica

Resumo

OBJETIVO

relatar a experiência da sistematização de round interdisciplinar no cuidado a pacientes com fratura da extremidade proximal de fêmur internados em unidade cirúrgica.

MÉTODO

Relato da experiência de discussão clínica compartilhada pela equipe multiprofissional em unidade de internação cirúrgica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, referência em ortopedia, no período de outubro de 2017 até junho de 2018.

RESULTADOS

Sistematizou-se seis etapas a serem seguidas sequencialmente durante encontro multiprofissional semanal, com otimização do tempo e foco no paciente. Novas condutas foram acordadas com base em evidências científicas e visão multiprofissional, com repercussões sobre a prevenção de lesão por pressão, realização de curativo, retirada de sonda vesical, suporte nutricional e organização precoce da alta hospitalar.

CONCLUSÃO

A implementação do round interdisciplinar estruturado trouxe implicações positivas para a comunicação efetiva, reduzindo riscos e falhas nos processos de cuidado, podendo ser considerada boa prática no que tange à segurança do paciente.

Palavras-chave:
Comunicação interdisciplinar; Segurança do paciente; Ortopedia

Resumen

OBJETIVO

Relatar la experiencia de la sistematización de round interdisciplinario en el cuidado a pacientes con fractura proximal de fémur internados en unidad quirúrgica.

MÉTODO

Relato de la experiencia de discusión clínica compartida por el equipo multiprofesional en una unidad de internación quirúrgica del Hospital de Clínicas de Porto Alegre, referencia en ortopedia, en el período de octubre de 2017 a junio de 2018.

RESULTADOS

Se sistematizaron seis etapas a ser seguidas secuencialmente durante un encuentro semanal con la optimización del tiempo y el foco en el paciente. Los nuevos conductos se acordaron a partir de evidencias científicas y una visión multiprofesional, con repercusiones sobre la prevención de lesión por presión, realización de curativos, retirada de sonda vesical, soporte nutricional y organización precoz del alta hospitalaria.

CONCLUSIÓN

La implementación del round interdisciplinario estructurado trajo implicaciones positivas para la comunicación efectiva, reduciendo riesgos y fallas en los procesos de cuidado, pudiendo ser considerada buena práctica en lo que se refiere a la seguridad del paciente.

Palabras clave:
Comunicación interdisciplinaria; Seguridad del paciente; Ortopedia

Abstract

OBJECTIVE

To report the experience of interdisciplinary round in care of patients with proximal femoral fractures hospitalized in a surgical unit.

METHOD

Report on the experience of clinical discussion shared by the multiprofessional team in a surgical hospitalization unit of the Hospital de Clínicas de Porto Alegre referred to in orthopedics, from October 2017 to June 2018.

RESULTS

Six steps were systematized sequenced to be followed during a weekly with time optimization and patient focus. New approaches were agreed upon based on scientific evidence and multiprofessional vision, with repercussions on prevention of pressure injury, dressing, removal of urethral catheter, nutritional support and early organization of hospital discharge.

CONCLUSION

The implementation of the structured interdisciplinary round has had positive implications for effective communication, reducing risks and failures in the care process, and can be considered good practice regarding patient safety.

Keywords:
Interdisciplinary communication; Patient safety; Orthopedics

Introdução

A qualidade dos serviços de saúde é atrelada à segurança que as instituições de saúde proporcionam aos seus pacientes. O desenvolvimento de uma cultura de segurança tem sido um desafio vivenciado pelos profissionais de saúde nas últimas décadas e este assunto tem instigado todas as categorias profissionais a buscarem melhorias para as práticas assistenciais11. Capucho HC, Cassiani SHB. The need to establish a national patient safety program in Brazil. Rev Saúde Pública 2013;47(4):791-8. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004402.
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Na busca constante por segurança e para a minimização de danos aos pacientes, avanços tem sido percebidos por gestores e trabalhadores da saúde, como revelado por estudo22. Reis GAX, Hayakawa LY, Murassaki ACY, Matsuda LM, Gabriel CS, Oliveira MLF. Nurse manager perceptions of patient safety strategy implementation. Texto Contexto Enferm. 2017;26(2):e00340016. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017000340016.
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que também destacou o papel dos hospitais universitários públicos brasileiros em impulsionar as discussões em torno da temática segurança do paciente, o que demonstra preocupação dos gestores em proporcionar assistência de qualidade aos pacientes. Apesar dos avanços, um dos maiores desafios tem sido a falta de comunicação durante o percurso de cuidado dos pacientes nas instituições de saúde, gerando lesões indesejadas, eventos adversos e até a morte, o que exige soluções com mudanças processuais e novas tecnologias33. Joint Comission International (US) [Internet]. Oakbrook Terrace: JCI; c2015-2018 [cited 2018 Jul 5]. Patient Safety. Sentinel event statistics released for 2014; [about 1 screen]. Available from: https://www.jointcommission.org/issues/article.aspx?Article=jjLkoItVZhkxEyGe4AT5NDyAZaTPkWXc50Ic3pERKGw%3D.
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Assim, a comunicação efetiva torna-se uma das metas internacionais de segurança do paciente e se refere às informações compartilhadas que dizem respeito ao cuidado prestado ao paciente, envolvendo os mais diversos profissionais do âmbito hospitalar. A falha na comunicação entre os profissionais da equipe de saúde implica em dano ao paciente e se caracteriza por lapso no processo assistencial, falta de integração entre os membros que assistem o paciente e também incoerência nas condutas44. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva LMS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery; 2014;18(1):122-9. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140018.
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Nesse contexto, as falhas no trabalho em equipe e na comunicação entre os profissionais da saúde são os principais fatores que acarretam em erros médicos, eventos adversos e redução da qualidade do cuidado prestado55. Bagnasco A, Tubino B, Piccotti E, Rosa F, Aleo G, Di Pietro P, et al. Identifying and correcting communication failure among health professional working in the Emergency Department. Int Emerg Nurs. 2013;21(3):168-72. doi: https://doi.org/10.1016/j.ienj.2012.07.005.
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6. Daniels K, Auguste T. Moving forward in patient safety: multidisciplinary team training. Semin Perinatol. 2013;37(3):146-50. doi: https://doi.org/10.1053/j.semperi.2013.02.004.
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-77. Martins CCF, Santos VEP, Pereira MS, Santos NP. The nursing team's interpersonal relationships v. stress: limitations for practice. Cogitare Enferm. 2014;19(2):287-93. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v19i2.36985.
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. Alguns pesquisadores afirmam que a forma como ocorre a comunicação entre as equipes é fundamental para garantir cuidado em saúde com segurança88. Maxfield DG, Lyndon A, Kennedy HP, Keeffe DO, Zlatnik MG. Confronting safety gaps across labor and delivery teams. Am J Obstet Gynecol. 2013;209(5):402-8.e.3. doi: https://doi.org/10.1016/j.ajog.2013.07.013.
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A comunicação efetiva entre os membros da equipe de saúde acontece quando há contato visual, escuta ativa, confirmação da compreensão da mensagem, liderança clara, envolvimento de todos os membros da equipe, discussões saudáveis de informações pertinentes e a capacidade de antecipar com precisão problemas futuros99. Johnson HL, Kimsey D. Patient safety: break the silence. AORN J. 2012;95(5):591-601. doi: https://doi.org/10.1016/j.aorn.2012.03.002.
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. Estudos demonstram que existe a necessidade de desenvolvimento de programas de treinamento de habilidades de comunicação dos profissionais envolvidos no cuidado em saúde, além disso, há relatos que de esses programas demonstraram melhora no desempenho e na comunicação da equipe interdisciplinar55. Bagnasco A, Tubino B, Piccotti E, Rosa F, Aleo G, Di Pietro P, et al. Identifying and correcting communication failure among health professional working in the Emergency Department. Int Emerg Nurs. 2013;21(3):168-72. doi: https://doi.org/10.1016/j.ienj.2012.07.005.
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-66. Daniels K, Auguste T. Moving forward in patient safety: multidisciplinary team training. Semin Perinatol. 2013;37(3):146-50. doi: https://doi.org/10.1053/j.semperi.2013.02.004.
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, bem como garantiram mais segurança nas práticas de cuidado77. Martins CCF, Santos VEP, Pereira MS, Santos NP. The nursing team's interpersonal relationships v. stress: limitations for practice. Cogitare Enferm. 2014;19(2):287-93. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v19i2.36985.
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Investimentos e avanços em tecnologias de informação têm ganhado destaque na busca pela comunicação efetiva, contudo, não substituem a comunicação verbal devido à riqueza nas interações. Dessa forma, a comunicação verbal continua sendo importante ferramenta para compartilhar informações acerca dos pacientes, transmitindo urgência e destacando nuances situacionais1010. Wu RC, Lo V, Morra D, Wong BM, Sargeant R, Locke K, et al. The intended and unintended consequences of communication systems on general internal medicine inpatient care delivery: a prospective observational case study of five teaching hospitals. J Am Med Inform Assoc. 2013;20(4):766-77. doi: https://doi.org/10.1136/amiajnl-2012-001160.
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Nesta direção, os rounds interdisciplinares estruturados são recursos que favorecem a comunicação entre membros da equipe1111. Walton V, Hogden A, Johnson J, Greenfield D. Ward rounds, participants, roles and perceptions: literature review. Int J Health Care Qual Assur. 2016;29(4):364-79. doi: https://doi.org/10.1108/IJHCQA-04-2015-0053.
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, pois podem reduzir o tempo de permanência do paciente no hospital e melhorar indicadores de qualidade. A fim de garantir a segurança no cuidado prestado a pacientes com fraturas da extremidade proximal de fêmur (FEPF), foi criado em 2017, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), um round interdisciplinar estruturado para discussão dos cuidados, tratamento e condutas de pacientes com fratura proximal de fêmur.

A FEPF é um evento grave, que acomete muitos idosos, com comorbidades prévias e que pode causar um dano incapacitante, sendo que a mortalidade pode chegar em 30% no primeiro ano. Sabe-se que o tempo de internação, o tipo de cirurgia, o uso de antibiótico, a realização de fisioterapia pós-operatória, a mobilização e nutrição adequadas e os cuidados com a ferida operatória podem alterar o prognóstico e a taxa de mortalidade desses pacientes1212. Ricci G, Longaray MP, Gonçalves RZ, Ungaretti Neto AS, Manente M, Barbosa LBH. Evaluation of the mortality rate one year after hip fracture and factors relating to diminished survival among elderly people. Rev Bras Ortop. 2012;47(3):304-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-36162012000300005.
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A complexidade das demandas dos pacientes com FEPF requer integração da equipe que presta assistência, bem como a uniformidade das informações necessárias para o cuidado seguro. Entende-se que o planejamento sistemático de ações interdisciplinares pode ser considerado modelo de boas práticas no campo da saúde, especialmente no que se refere à comunicação efetiva. O presente artigo tem como objetivo relatar a experiência da sistematização do round interdisciplinar no cuidado a pacientes com fratura da extremidade proximal de fêmur internados em unidade cirúrgica.

Método

Trata-se de um relato de experiência de prática sistematizada para discussão de cuidados aos pacientes com fratura proximal de fêmur encaminhados ao HCPA através da Secretaria Municipal de Saúde. O HCPA é uma instituição pública e universitária, integrante da rede de hospitais universitários do Ministério da Educação (MEC) e vinculada academicamente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O round interdisciplinar para pacientes com FEPF teve início em outubro de 2017, sendo o diagnóstico de FEPF o critério de inclusão dos pacientes no round, sendo excluídos menores de 18 anos. No período de outubro de 2017 a junho de 2018 todos os pacientes internados com o diagnóstico mencionado (n=34) compuseram a amostra de pacientes que tiveram seus cuidados discutidos em round interdisciplinar, os quais possuíam entre 45 e 95 anos, sendo 14 homens e 20 mulheres. Participaram dessas discussões enfermeiros, médicos (anestesistas, ortopedistas, clínicos), assistente social, nutricionistas, farmacêutico e fisioterapeutas. Quando encaminhados ao HCPA, os pacientes com fratura proximal de fêmur passam a ser atendidos por uma equipe multidisciplinar, a qual é notificada da internação do paciente através de mensagens instantâneas no aplicativo gratuito WhatsApp®, proporcionando uma interface comum com membros num único grupo, desencadeando assim as avaliações iniciais de todos os profissionais envolvidos no cuidado a esse paciente. Apesar do WhatsApp® não ser um aplicativo institucional, foi consenso entre os profissionais a sua escolha para disparar o contato instantâneo e de fácil acesso. Destaca-se, contudo, o uso cauteloso no que tange à manutenção de sigilo nas informações dos pacientes, as quais permaneceram compartilhadas somente pelo prontuário eletrônico.

O presente estudo não empregou termo de consentimento livre e esclarecido porque não se tratou de pesquisa com seres humanos, mas sim de um relato de experiência a partir da percepção de alguns profissionais que estiveram envolvidos na sistematização do round interdisciplinar.

Resultados e Discussão

O presente relato da experiência da sistematização do round interdisciplinar no cuidado a pacientes com FEPF internados em unidade cirúrgica será apresentado por meio da descrição de sistemática utilizada para a realização do round (mudança implantada no processo de trabalho) e, na sequência, pelos impactos percebidos sobre a assistência (resultados observados).

A sistematização do Round Interdisciplinar: a mudança no processo

No modelo de assistência anterior ao round interdisciplinar ocorria uma discussão técnica à beira leito do paciente, somente entre os preceptores e os residentes da cirurgia ortopédica deste hospital. Porém, considerando que as FEPF representam problemática com elevado custo de tratamento, alta taxa de mortalidade e acometimento maior de idosos com comorbidades1212. Ricci G, Longaray MP, Gonçalves RZ, Ungaretti Neto AS, Manente M, Barbosa LBH. Evaluation of the mortality rate one year after hip fracture and factors relating to diminished survival among elderly people. Rev Bras Ortop. 2012;47(3):304-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-36162012000300005.
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-1313. Bortolon PC, Andrade CLT, Andrade CAF. O perfil das internações do SUS para fratura osteoporótica de fêmur em idosos no Brasil: uma descrição do triênio 2006-2008. Cad Saúde Pública. 2011;27(4):733-42. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000400012.
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, os pacientes tornavam-se com frequência casos potencialmente graves. O modelo anterior, centrado no médico, impossibilitava respostas conclusivas ou satisfatórias a muitos problemas que surgiam no transcorrer da internação, principalmente associados aos componentes sociais, culturais e/ou subjetivos que acompanham em maior ou menor grau o processo de adoecimento.

Considerando a constatação de situações evitáveis quanto à evolução dos quadros, percebeu-se a necessidade de estruturar um round interdisciplinar com discussão semanal de característica ampliada em aspectos assistenciais, com otimização do tempo e foco no paciente. Para tanto, a equipe multiprofissional construiu uma sequência de seis etapas a serem seguidas nos encontros da equipe: (1) Breve apresentação dos membros da equipe; (2) Revisão do caso clínico e resultados de exames: equipe médica (cirurgião ortopédico, médico clínico e anestesiologista) realiza um relato do caso, conferem-se laudos de exames, data prevista da cirurgia e da alta; (3) Atualização da condição clínica recente: enfermeiro apresenta os sinais vitais das últimas horas e alterações (se houver), riscos de queda e lesão por pressão, entre outros cuidados de enfermagem prestados a estes pacientes; (4) Revisão de itens de segurança: enfermeiro aborda o tempo de permanência ou necessidade de uso de sonda vesical de demora, uso de cateter venoso central; Farmacêutico clínico aborda a terapia medicamentosa, a reconciliação medicamentosa, adequação da prescrição aos protocolos institucionais, como o de profilaxia de tromboembolismo venoso, prevenção de infecções em pacientes cirúrgicos, anticoagulação oral e dor em adultos; (5) Plano de tratamento: equipe multiprofissional informa evolução do paciente e seus planos de tratamento; Fisioterapeuta descreve sobre a mobilidade e deambulação; Assistente social relata situação familiar e organização para alta; Nutricionista apresenta dados sobre aceitação alimentar e dieta ofertada; (6) Definições: médico sumariza o plano de cuidados, confirmando as ações definidas conjuntamente pela equipe.

Conforme previsto na distribuição do tempo, foi estimado que o round tivesse duração de 4 minutos por paciente. Entretanto, na experiência transcorrida a média de tempo foi de 10 minutos, o que pode ser relacionado ao grande número de comorbidades e informações relevantes a serem discutidas. Durante todos os rounds os participantes puderam emitir suas opiniões, construindo assim um plano de assistência compartilhado e definindo as melhores condutas para a necessidade singular de cada caso.

Estudo australiano1414. Perversi P, Yearwood J, Bellucci E, Stranieri A, Warren J, Burstein F, et al. Exploring reasoning mechanisms in ward rounds: a critical realist multiple case study. BMC Health Serv Res. 2018;18:643. doi: https://doi.org/10.1186/s12913-018-3446-6.
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sinaliza que embora os rounds tenham sido originalmente concebidos como um meio de educar estudantes de medicina, hoje sua utilização almeja apoiar a prática clínica. O estudo destaca que nos rounds o processo de comunicação entre a equipe multiprofissional tem como sujeito central o paciente e as prioridades são definidas em conjunto.

A comunicação efetiva como boa prática no cuidado em saúde: resultados observados

A experiência com rounds interdisciplinares proporcionou o compartilhamento de informações e vivências do dia a dia, possibilitando um processo participativo. Neste contexto, a comunicação efetiva visa solucionar, em equipe, problemas de vários aspectos que possam surgir durante a internação.

O perfil dos pacientes com fratura de fêmur associado à imobilidade causada pelo trauma predispõe ao desenvolvimento de lesões por pressão1313. Bortolon PC, Andrade CLT, Andrade CAF. O perfil das internações do SUS para fratura osteoporótica de fêmur em idosos no Brasil: uma descrição do triênio 2006-2008. Cad Saúde Pública. 2011;27(4):733-42. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000400012.
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. A partir disso, diversas medidas de prevenção para lesão por pressão nestes pacientes foram discutidas durante o round. Como exemplo tem-se o uso de colchão de fluxo de ar, que era contraindicado na instituição para pacientes com FEPF e passou a ser uma conduta instituída após revisão da literatura científica instigada pelo round, constatando-se que não havia evidências de contraindicação ao uso do mesmo.

Assim, a comunicação efetiva desencadeou a necessidade de incorporação de práticas baseadas em evidências. A utilização de evidências foi destacada em estudo anterior como estratégia que, associada ao levantamento das barreiras e oportunidades, promove a segurança do paciente. Corrobora-se o mesmo no que tange à afirmativa de que o conhecimento tácito, a experiência, os valores e as habilidades em desenvolver ações que priorizem a segurança do paciente constituem um tipo diferente de evidência, com forte influência sobre a tomada de decisão para o planejamento do gerenciamento do cuidado44. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva LMS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery; 2014;18(1):122-9. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140018.
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A rotina de troca de curativos também foi debatida durante o round interdisciplinar, e após a comunicação entre os profissionais e alinhamento da rotina, foi acordada a necessidade da troca em caso de drenagem, considerando o risco de infecção, o que previamente não ocorria, pois a troca era liberada somente após 48 horas de pós-operatório. Toda equipe de enfermagem foi comunicada por e-mail e nas passagens de plantão acerca da nova rotina estabelecida após a sistematização do round interdisciplinar, o que até então era mantido sob restrição da conduta médica.

A baixa ingestão alimentar foi identificada em pacientes idosos, sabendo da importância do aporte calórico adequado na recuperação do paciente com FEPF submetido à intervenção cirúrgica, foi considerada a necessidade de uso de sonda nasoenteral em alguns casos. Após discussão da equipe em round, e revisão da literatura, optou-se por não instituir a instalação da sonda nasoentérica precocemente, por não ter sido encontrada evidência que justificasse a intervenção precoce, optando pelo manejo conservador e sendo avaliada diariamente a ingestão alimentar e os ajustes na dieta, permitindo uma alta sem uso de sonda1515. Avenell A, Smith TO, Curtain JP, Mak JC, Myint PK. Nutritional supplementation for hip fracture aftercare in older people. Cochrane Database Syst Rev. 2016;11:CD001880. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD001880.pub6.
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Outra mudança de conduta promovida pela comunicação efetiva por meio do round interdisciplinar se refere ao tempo de permanência da sonda vesical de demora. No ato cirúrgico, o paciente com FEPF necessita de sonda vesical de demora e, tradicionalmente, após alta da sala de recuperação, era definido o momento da retirada desta sonda. Buscando diminuir o tempo de permanência e, consequentemente, o risco de infecção, definiu-se no round a retirada precoce da sonda vesical de demora, ainda na alta da sala de recuperação, após avaliação médica1616. Conternero LO, Lobo JA, Masson W. The excessive use of urinary catheters in patients hospitalized in university hospital wards. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(5):1089-96. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000500009.
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O planejamento da alta hospitalar dos pacientes com FEPF também recebeu incrementos a partir da sistematização de round interdisciplinar, sendo instigado que cada membro da equipe multiprofissional avaliasse individual e antecipadamente as demandas clínicas e necessidades sociais relacionadas à alta hospitalar, pois se tratavam de pacientes cm necessidades de equipamentos para uso domiciliar, como cama hospitalar, colchão piramidal, muletas, andador, papagaio, comadre, entre outros. A articulação do planejamento da alta às linhas de cuidado existentes na instituição ganhou destaque por meio do round e, como consequência, os pacientes com FEPF receberam suporte precoce quanto ao uso de anticoagulantes e quimioterápicos orais, à administração de insulinas, bem como ao uso de inalatórios orais, sondas e ostomias.

Diante do exposto, estudos apontam que a redução dos riscos e danos, e a incorporação de boas práticas favorecem a efetividade dos cuidados e o seu gerenciamento de modo seguro44. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva LMS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery; 2014;18(1):122-9. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140018.
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. Esta melhoria depende da necessária mudança de cultura dos profissionais para a segurança e, na experiência compartilhada neste artigo, ainda se destaca que a utilização do WhatsApp® para reunião virtual de todos os participantes do round com troca de mensagens instantâneas promoveu maior agilidade na comunicação, principalmente no que tange à solução de dúvidas do cotidiano, além de servir como diálogo rápido para intercorrências.

Considerações Finais

A comunicação efetiva no trabalho da equipe de saúde é um desafio. A implementação do round interdisciplinar estruturado demonstrou contribuir na comunicação entre os membros da equipe, paciente e família, aprimorando a qualidade da assistência, reduzindo riscos e falhas, garantindo um cuidado mais seguro ao paciente. Esses aspectos representam contribuições com alto potencial de impacto sobre a gestão, bem como a utilização do round enquanto modalidade de comunicação desperta uma necessidade peculiar para o ensino de profissionais da saúde, bem como pode ser compreendida como campo a ser investigado no que tange aos efeitos sobre a assistência.

Ao mudar o modelo de round centrado no saber médico para o modelo interdisciplinar, conquistou-se maior interação entre os saberes profissionais, bem como promoveu-se maior participação dos membros envolvidos de acordo com seu nível de competência específico e complementar.

Além disso, foi observada diminuição do tempo de internação a partir da organização antecipada e compartilhada da alta hospitalar. Melhorias em processos específicos como prevenção de lesão por pressão, revendo protocolo de não utilizar colchão de fluxo de ar em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica, realização de curativo conforme avaliação, suporte nutricional e redução do tempo de permanência com sonda vesical de demora, foram condutas implementadas com base em evidências científicas e visão multiprofissional.

Como perspectiva futura, pretende-se realizar o round interdisciplinar à beira do leito, com a participação do paciente e familiares, visando o envolvimento do paciente no seu cuidado e o sucesso do tratamento. Ainda, pretende-se desenvolver pesquisa que possibilite evidenciar a melhoria dos desfechos clínicos já percebidos empiricamente pelos profissionais, podendo a inexistência dessa evidência ser considerada uma limitação do estudo.

Contudo, destaca-se a experiência aqui relatada como iniciativa de incremento à comunicação efetiva com vistas à segurança do paciente. Além de trazer melhorias à instituição de origem, a sistematização do round interdisciplinar poderá instigar outras instituições à investir em melhorias dos processos de comunicação.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    08 Nov 2018
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