Acessibilidade / Reportar erro

A Atenção Primária à Saúde no contexto rural: visão de enfermeiros

RESUMO

Objetivo:

Analisar a visão de enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família sobre a atenção a saúde de populações rurais.

Método:

Pesquisa qualitativa, exploratória realizada com onze enfermeiros que atuam em área rural, realizada de janeiro a março de 2017, em Campina Grande-PB. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados pela técnica de Análise de Conteúdo.

Resultados:

Os enfermeiros associam o contexto de saúde da população rural às condições de vida da comunidade, à escassez de acesso aos serviços de saúde e às peculiaridades de trabalho decorrentes desse contexto. A satisfação do enfermeiro da APS rural associa-se à identificação com o contexto da saúde no meio rural e vínculo com a população.

Conclusões:

Os enfermeiros percebem a dinâmica de trabalho particular que envolve o contexto rural necessitando de atenção à saúde diferenciada que impacte de forma positiva em seu trabalho.

Palavras-chave:
Enfermagem; Atenção primária à saúde; Saúde da população rural

ABSTRACT

Objective:

To analyze the view of nurses from the Family Health Strategy on the health care of rural populations.

Method:

A qualitative and exploratory research conducted with eleven nurses working in rural areas, conducted from January to March 2017, in Campina Grande-PB. Data was collected through semi-structured interviews and analyzed by the Content Analysis technique.

Results:

Nurses associate the health context of the rural population with the living conditions of the community, with the lack of access to health services, and with the peculiarities of work resulting from this context. The satisfaction of rural PHC nurses is associated with professional identification and bond with the population.

Conclusions:

Nurses perceive the particularities that involve the rural context requiring differentiated health care that positively impacts their work.

Keywords:
Nursing; Primary health care; Rural health

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la opinión de los enfermeros del programa Estrategia de Salud de la Familia sobre la atención de la salud de las poblaciones rurales.

Método:

Investigación exploratoria y cualitativa realizada con once enfermeros que trabajan en áreas rurales, realizada de enero a marzo de 2017, en Campina Grande-PB. Los datos se recolectaron por medio de entrevistas semiestructuradas y el análisis de datos se llevó a cabo por la técnica de Análisis de Contenido.

Resultados:

Los enfermeros asocian el contexto de salud de la población rural con las condiciones de vida de la comunidad, la falta de acceso a los servicios de salud y las peculiaridades del trabajo derivadas de este contexto. El grado de satisfacción de los enfermeros rurales de la APS está asociado con la identificación profesional y el vínculo con la población.

Conclusiones:

Los enfermeros advierten las particularidades inherentes al contexto rural que requiere de una atención médica diferenciada capaz de ejercer un efecto positivo en su trabajo.

Palabras clave:
Enfermería; Atención primaria de salud; Salud rural

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro se propõe a garantir à população o direito à saúde, por meio da ampliação da cobertura, do acesso e atendimento integral, considerando as diferentes necessidades de diferentes grupos populacionais visando reduzir as iniquidades em saúde11. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76.. No entanto, apesar dos avanços com a ampliação do acesso aos cuidados, as pessoas que vivem no meio rural ainda enfrentam dificuldades de acesso a serviços de saúde resolutivos, principalmente quando apresentam situações de saúde complexas.

A atenção à saúde de populações rurais é uma demanda complexa e uma preocupação mundial, uma vez que há dificuldades em fixar profissionais em exercício por longos períodos em áreas rurais por falta de um programa de “retenção aprimorada” abordando fatores que influenciem na decisão de trabalhadores de saúde para permanecer nessas áreas, e também políticas e intervenções do sistema de saúde que respondam a esses fatores; a população se encontra dispersa em áreas de difícil acesso22. Dolea C, Stormont L, Braichet JM. Evaluated strategies to increase attraction and retention of health workers in remote and rural areas. Bull World Health Organ. 2010;88(5):379-85. doi: https://doi.org/10.2471/BLT.09.070607
https://doi.org/10.2471/BLT.09.070607...
; as condições de vida e trabalho diferem das situações urbanas por conta da precariedade, e as tecnologias mais avançadas estão concentradas em grandes centros urbanos, entre outras situações, que dificultam encaminhamentos dos usuários para tratamentos especializados33. Scopinho RA. Condições de vida e saúde do trabalhador em assentamento rural. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 1):1575-84. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700069
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
.

Em relação à Atenção Primária à Saúde (APS), denominada no Brasil de Atenção Básica (AB), a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) tem a Estratégia Saúde da Família como prioritária para expansão e consolidação da AB. Essa estratégia é operacionalizada por meio dos seguintes princípios: a Universalidade; Equidade; e Integralidade. Como diretrizes: a Regionalização e Hierarquização, Territorialização, População Adscrita, Cuidado centrado na pessoa, Resolutividade, Longitudinalidade do cuidado, Coordenação do cuidado, Ordenação da rede e Participação da comunidade11. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76.. No entanto, pouco se sabe sobre a eficácia das intervenções e sua sustentabilidade em áreas rurais.

No Brasil, apesar de existir uma Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e das Florestas, na prática, é possível que não haja articulação dessa política com a Política Nacional de APS do país. Atualmente, a política que regulamenta a APS no Brasil é a Portaria GM 2436/201711. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76., que é aplicada tanto para áreas urbanas quanto rurais.

Destaca-se que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 50% da população mundial vivem em áreas rurais e remotas e é atendida por 38% da força de trabalho de enfermagem e por menos de 25% da força de trabalho médico. A má distribuição espacial da força de trabalho em saúde representa um obstáculo à realização de cobertura universal de saúde sendo motivo de preocupações com a equidade, uma vez que afeta o acesso aos cuidados àqueles que apresentam eficiência alocativa, visto que os recursos não estão devidamente investidos nas áreas onde teriam maior impacto44. Zhu A, Tang S, Thi Hoai Thu N, Supheap L, Liu X. Analysis of strategies to attract and retain rural health workers in Cambodia, China, and Vietnam and context influencing their outcomes. Hum Resour Health. 2019;17(2):1-9. doi: https://doi.org/10.1186/s12960-018-0340-6
https://doi.org/10.1186/s12960-018-0340-...
.

Além da dimensão geográfica, outros desafios dificultam o desenvolvimento do sistema de saúde no Brasil, dentre eles as desigualdades sociais e econômicas, culturais, educacionais e estruturais, o que favorece aos altos índices de pobreza e analfabetismo, saneamento e acesso insuficiente aos serviços de saúde em todos os seus níveis55. Barreto BL. Health inequalities: a global perspective. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(7):2097-2108. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017227...
. Em relação à mortalidade nas áreas urbana e rural observa-se na área urbana o grupo de menores de 1 ano concentra 3,1% do total de óbitos, enquanto na área rural, este percentual é de 5,4%. A maior diferença foi encontrada no grupo de 1 a 4 anos, em que o percentual da área rural foi de 1,6%, que é mais que o dobro da área urbana (0,7%)66. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grande regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2015 [cited 2019 Dec 26]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
.

A população rural enfrenta também a falta de acesso regular a fonte de água potável, estima-se que 72,2% da população rural brasileira acessa água por meio de poços, cacimbas, açudes e barreiros, e esse acesso precário apresenta grande potencial para provocar gastroenterites infecciosas e suas complicações66. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grande regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2015 [cited 2019 Dec 26]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Um estudo que avaliou a frequência de Internações por Condições Sensíveis na Atenção Primária entre os anos de 2004 a 2015 evidenciou que em municípios de pequeno porte com grande proporção de população rural (79% a 51%) as gastroenterites infecciosas e suas complicações foram as principais causas de internação77. Silva, JFS. Acesso das populações do campo, da floresta e das águas às ações e serviços no sistema único de saúde [tese]. Brasília, DF: Universidade de Brasília; 2017..

Apesar da ampla cobertura da APS no Brasil, com mais da metade da população assistida por equipes da ESF, ainda há diferenças no tocante ao acesso e à oferta de cuidados de saúde para populações rurais em que a ESF tem como desafio o enfrentamento de garantia da atenção integral. Estudo88. Pereira LL, Pacheco L. The challenges faced by the More Doctors Program in providing and ensuring comprehensive health care in rural areas in the Amazon region, Brazil. Interface (Botucatu). 2017;21(Suppl 1):1181-92. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0383
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.03...
) constatou que em áreas rurais as desigualdades de acesso a cuidados primários de saúde ainda são maiores, por falta de medicamentos e exames, pelas limitações no retorno dos usuários para outros serviços e pela ausência de profissionais de saúde em algumas áreas remotas. A este respeito, destaca-se que na América Latina o déficit de médicos e, sobretudo de enfermeiros é elevado, com distribuição inadequada de profissionais. As áreas urbanas concentram a maior parte desses profissionais que nas áreas rurais e remotas99. Organização Pan-Americana da Saúde (US). Ampliação do papel dos enfermeiros na atenção primária à saúde. Washington, D.C.: OPAS; 2018 [cited 2019 Dec 10]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2018/05/Ampliação-do-papel-dos-enfermeiros-na-atenção-primária-à-saúde.pdf
http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-conten...
.

Em relação à alocação de pessoal em áreas rurais, em nível internacional, a OMS1010. Moore GF, Audrey S, Barker M, Bond L, Bonell C, Hardeman W, et al. Process evaluation of complex interventions: Medical Research Council guidance. BMJ. 2015;350:h1258. doi: https://doi.org/10.1136/bmj.h1258
https://doi.org/10.1136/bmj.h1258...
recomenda algumas estratégias de adesão de trabalhadores de saúde para atuar em áreas rurais, de forma a contribuir na implementação de ações de saúde para melhoria da qualidade de vida das pessoas: a inserção de futuros profissionais durante a graduação em experiências comunitárias rurais; o fornecimento de bolsas de estudos ou outros subsídios educacionais com​ retorno de prestação de serviço em áreas rurais ou remotas, e para os trabalhadores já inseridos na área rural, a implementação de um programa de educação permanente em saúde rural.

No que se refere ao trabalho dos profissionais de saúde em zona rural, é comum ocorrer em situações de relativo isolamento ou com um quantitativo menor de profissionais e poucos recursos, apesar da existência de relação de proximidade do profissional de saúde com as comunidades rurais1111. Silva EM, Portela RA, Medeiros ALF, Cavalcante MCW, Costa RTA. Os desafios no trabalho da enfermagem na estratégia saúde da família em área rural: revisão integrativa. Hygeia. 2018;14(28):1-12. doi: https://doi.org/10.14393/Hygeia142801
https://doi.org/10.14393/Hygeia142801...
. Em relação ao cotidiano de trabalho de enfermeiros de áreas rurais da APS, há uma dinâmica de trabalho diferenciada, condicionada pelas características próprias da ruralidade, e pelas dificuldades inerentes às condições de vida e saúde da população que demanda cuidados em saúde. Desse modo, a escolha de enfermeiros como participantes do estudo deu-se em função da relevância desses profissionais na APS, envolvimento com o trabalho em equipe que na ESF desenvolvem atividades de natureza educativa, assistencial e administrativa, incluindo atividades de coordenação de equipe de enfermagem e de ACS.

Diante do exposto, questionou-se: qual a visão dos enfermeiros sobre a atenção à saúde de populações rurais acompanhadas na Atenção Primária à Saúde? Frente aos questionamentos, este estudo poderá contribuir com as reflexões acerca do trabalho de enfermeiros no âmbito da APS rural ainda pouco estudado, bem como viabilizar a produção de conhecimento sobre o trabalho na realidade de forma contextualizada, uma vez que o desafio mundial é alcançar o acesso e cobertura universal à saúde, garantindo aos enfermeiros, elevado potencial de desempenho para contribuir no avanço da APS, especialmente em populações rurais. Destarte, o objetivo do estudo foi analisar a visão de enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família sobre a atenção a saúde de populações rurais.

MÉTODO

Estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa, realizado com todas as equipes da Estratégia Saúde da Família de zona rural do município de Campina Grande-PB. Inicialmente foi realizado, junto a Secretaria Municipal de Saúde, contato prévio por telefone com os Coordenadores dos Distritos de Saúde com intuito de explicar o propósito da pesquisa e solicitar agendamento para iniciar as entrevistas com os enfermeiros.

Os participantes da pesquisa foram 11 enfermeiros que corresponderam aos seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro da ESF de Campina Grande-PB, atuar em área exclusivamente rural há pelo menos 06 (seis) meses, garantindo experiência nessa área; pertencer ao quadro de profissionais efetivos ou contratados do município. Não houve critério de exclusão.

A coleta de dados ocorreu de janeiro a março de 2017, por meio de entrevista individual, utilizando roteiro semiestruturado. As questões que constituíram o roteiro foram elaboradas pelos pesquisadores com base na literatura científica e através de inquirições relacionadas ao trabalho do enfermeiro na área rural. As perguntas envolveram aspectos do cotidiano do trabalho dos enfermeiros. As entrevistas foram realizadas com uso de um gravador MP4, pelo próprio pesquisador em local reservado da USF, nos períodos matutinos e vespertinos conforme agendamento.

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e tiveram duração de 30 a 40 minutos. Após o encerramento das entrevistas questionava-se ao profissional participante se o mesmo gostaria de ouvir a gravação. Cada entrevista foi identificada pela letra E - entrevistado, seguida de um número em ordem sequencial (E1, E2, E3, E4, sucessivamente até E11). Posteriormente foram transcritas, disponibilizadas aos participantes para leitura, a fim de julgarem a veracidade das informações.

Para análise dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo1212. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016. seguindo as três etapas: a de pré-análise, na qual se realizou a leitura flutuante dos depoimentos; seguido pela leitura exaustiva do material quando foram selecionadas as unidades de registro formando um recorte dos relatos para posterior organização. Na terceira etapa as unidades de registro foram organizadas em categorias e interpretadas de acordo com a literatura. Os resultados foram organizados em quatro categorias: Condições de vida em área rural: Lugar de população carente; A Unidade de Saúde da Família como única alternativa de acesso à saúde da população rural; A dinâmica de trabalho imposta pelas peculiaridades do contexto rural e a (Im) possibilidade de garantia de integralidade do cuidado; A satisfação do enfermeiro da APS rural: identificação com o contexto da saúde no meio rural, a aprendizagem e crescimento, e o vínculo com a população.

Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em observância às determinações presentes na resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob CAE nº 62508016.1.0000.5149.

RESULTADOS

A pesquisa foi realizada no município de Campina Grande-PB, uma das maiores cidades do interior do Nordeste brasileiro, com população urbana de 367.209 habitantes e rural de 18,0001313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE ; 2011 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49230.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Possui três distritos rurais, em que comportam 11 equipes de Saúde da Família, localizados nas zonas oeste, noroeste e leste, com distância entre 12 e 26 km do centro da cidade.

Dos onze enfermeiros entrevistados de equipes de saúde da famíliade áreas rurais do município estudado, em relação à faixa etária houve predominância da correspondente entre 30 a 50 anos (90%), a maioria do sexo feminino (91%). O tempo de atuação na ESF na área rural variou de um a seis anos (36%) e sete a doze anos (45%). Sobre o regime de trabalho, 82% eram estatutários.

Categoria 1: Condições de vida em área rural: lugar de população carente

A categoria revela que a população rural assistida pelos enfermeiros de equipes de saúde da família tem como fonte de renda os recursos financeiros advindos de atividades relacionadas à agropecuária e/ou aposentadoria. Existe também elevado número de pessoas desempregadas, com raso grau de instrução e muitas são beneficiárias de programas sociais do governo federal, como o Programa Bolsa Família.

Nós trabalhamos com população carente, principalmente nas áreas assentadas, são carentes de esclarecimento, com grau de escolaridade muito baixo (E-7).

A maioria vive de Bolsa Família e às vezes de uma aposentadoria rural, você entende? Tem pessoal que mora na serra, aí vai para nossa unidade que é longe, vem a pé, às vezes vem de moto, quem tem moto, quem não tem vem a pé. Quem vem de manhã vem com o sol baixinho e pra voltar é terrível, nessa quentura não tem quem aguente (E-8).

Os depoimentos evidenciam condições de vida desfavoráveis da população rural e mostram as dificuldades no acesso aos serviços de saúde revelando que, ainda que haja serviços de saúde disponíveis, a população enfrenta condições adversas para buscá-lo.

Categoria 2: A Unidade de Saúde da Família como única alternativa de acesso à saúde da população rural

Essa categoria revela que a Unidade de Saúde da Família (USF) se constitui o único serviço de saúde que a população procura em caso de necessidade. Diferentemente das unidades urbanas, as unidades rurais não estão abertas todos os dias da semana, pois a equipe de saúde tem um cronograma de trabalho peculiar e se desloca semanalmente para várias unidades que estão distribuídas em lugares diferentes do território rural.

[...] Muitas vezes você referencia uma gestante para o hospital de referência na cidade, por exemplo, e elas não vão... Por dificuldade financeira, dificuldade de transporte. (...) e quem trabalha na zona rural tem dificuldade inclusive de coisas básicas que é transporte, fazer um exame de sangue porque a pessoa não tem condição de pagar o carro para ir... [...] (E-6).

[...] enquanto equipe de Saúde da Família acredito que contribuímos para melhora do processo saúde doença da comunidade rural, no entanto são muitas situações nas quais temos que nos “virar” para dar resolutividade aos problemas. Não temos NASF aqui... [...] eu acho que a sistemática em si da saúde pública ela foi pensada dentro de uma visão de cidade, sabe, acho que de uma maneira geral até de Ministério, se pensou em cidade. Então não pensaram nas especificidades da zona rural [...]. (E-8).

Esses depoimentos revelam o isolamento das equipes rurais no cuidado à saúde no seu território e a dificuldade de estabelecer fluxo dentro da rede de cuidados. Isso porque, no cotidiano de trabalho, o enfermeiro e toda a equipe de área rural também enfrenta como dificuldade a ausência do apoio matricial proporcionado pela equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB)1 1 O NASF-AB configurava-se como equipe multiprofissional que deveria atuar de forma integrada com as equipes de Saúde da Família (ESF), permitindo a discussão de casos clínicos; atendimento compartilhado entre profissionais, e possibilitando a construção conjunta de projetos terapêuticos de forma a ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais. Entretanto, a Nota Técnica nº03/2020 revogou a portaria que o criou, deixando a cargo do gestor local a definição de novos arranjos de equipes multiprofissionais. , importantes no tocante ao auxílio da resolutividade de problemas de saúde presentes no território que dependem de clínica ampliada2 2 A clínica ampliada é uma diretriz da Política Nacional de Humanização e consiste em uma ferramenta teórica e prática com finalidade de contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, considerando a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença, permitindo o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde na busca do equilíbrio entre danos e benefícios gerados pelas práticas de saúde. , bem como implantação de outros programas do Ministério da Saúde que contribuem para melhora da qualidade de vida da população de zona rural.

Categoria 3: As peculiaridades do contexto rural e a organização da assistência de enfermagem na lógica do trabalho em equipe na Atenção Primária à Saúde

No tocante ao trabalho em área rural o enfermeiro lida com um cronograma de trabalho singular, tendo em vista as características específicas presentes na configuração do território, em que a população se encontra dispersa. Outro aspecto é que a distância geográfica da zona rural em relação à cidade (entre 12 e 26 km) influencia o desenvolvimento da assistência integral dos enfermeiros, que necessitam da intermediação da gestão para coordenação do cuidado.

[...] Um fator de diferença entre atendimento de zona urbana e rural é o trabalho interno da equipe. Na zona urbana é mais fácil fazer um cronograma, dividir horário de gestante, horário de criança, horário de hipertenso, horário de saúde da mulher... Na zona rural como só vamos uma vez por semana para cada localidade, acabamos atendendo tudo junto... [...] Seria interessante que o atendimento aqui fosse os dois turnos, nós fazemos horário corrido aqui (E-7).

A gente trabalha com um cronograma né, um cronograma de atividades mensal, aí eles já sabem o que é que vai ser o atendimento, tanto o meu quanto o da médica e aí o ACS já passa na comunidade, avisa e as pessoas vêm (E- 8).

Se eu ficasse o tempo todo em um só lugar, por exemplo, se eu ficasse dois dias em cada sítio eu fazia um trabalho melhor porque eu ia ter tempo de conversar (E-10).

A zona rural por ser distante do centro da cidade, por ser distante da mídia, por ser distante disso tudo, então, assim, ela fica como se fosse meio escondida, então a gestão ela não se preocupa tanto quanto as da zona urbana que tem uma visibilidade maior por parte da população. Aí, então assim, não sei se por esse motivo que as unidades de saúde de zona rural elas sofram com relação a essa precariedade tanto de material como de estrutura física. Eu me sinto desassistida por parte da gestão (E-4).

Categoria 4: A satisfação do enfermeiro da APS rural: identificação com o contexto da saúde no meio rural

Os enfermeiros encontram no trabalho da ESF em área rural, fonte de valorização e de identificação com o contexto da saúde no meio rural. As falas mostram que eles se reconhecem na profissão além de se considerarem como sujeitos ativos no fazer profissional, e isso faz com que sintam prazer e satisfação, conferindo sentido positivo para o que realizam.

Eu acho prazeroso trabalhar em zona rural. Uma vez eu ouvi uma frase, na verdade eu nunca esqueci tipo assim: "faça o que você gosta que você nunca precisará trabalhar". E realmente por mim eu ficaria aqui até cinco, seis horas da tarde e nem me importaria (E-2).

Quando eu escolhi a enfermagem, escolhi por gostar da área de saúde e porque eu queria ser realmente enfermeira [...] o pouco que eu faço eu faço com prazer [...] Sinto-me muito valorizada em trabalhar na área rural. Se você perguntar, você que mudar daqui desse PSF pra uma zona urbana? Eu te respondo que não, me deixe aqui como eu estou até eu me aposentar (E-3).

As falas também revelam que apesar do trabalho do enfermeiro de ESF em zona rural ser permeado por desafios diários, há também espaço para aprendizagem e crescimento com a vivência no trabalho, além do vínculo estabelecido com a população.

Com a saúde da família eu aprendi ser mais humana, a escutar mais e não falar mais, porque eu era muito de só falar né, a gente chega com aquilo da universidade que tem muita informação a passar, mais a escutar, a se tornar mais humana, até menos arrogante com o jeito de falar com as pessoas, isso foi me lapidando com o dia a dia (E-1).

[...] Eu acho até como profissional, eu acho que eu melhorei muito... de acordo com essa realidade que eu encontrei...eu aprendo muito aqui com eles, com esse pessoal, de acordo quando eu escuto a realidade deles. (E-11).

É gratificante meu trabalho, gosto muito do que faço. Hoje eu não me vejo em hospital. O vínculo que a gente tem com as pessoas. A gente já conhece as pessoas quase todas pelo nome, eu chamo pelo nome. Aí isso já é mais uma atração deles em relação à gente né, porque eles se sentem bem quisto né... (E-5).

DISCUSSÃO

Os resultados apontaram para a dominância de situações presentes no cotidiano de trabalho dos enfermeiros que influenciam na qualidade dos cuidados dispensados às pessoas que vivem no cenário de zona rural. No entanto, na conjuntura de ESF rural, as características próprias do trabalho dificultam a implementação de mudanças nas práticas de atenção à saúde e consequentemente o alcance da integralidade do cuidado.

Na comunidade rural investigada, as particularidades marcantes que os enfermeiros atribuem à condição de vida da população se expressam por meio das especificidades do meio rural, tendo em vista os obstáculos de acessibilidade geográfica, econômica, cultural e barreiras de informação. Esses empecilhos constituem agravantes que pioram a situação de vida no meio rural, pois impactam na produção e consumo necessários ao sustento, interferindo também no processo saúde-doença e na sua qualidade de vida. A questão cultural na área rural tem grande relevância, e isso pode ocasionar dificuldades para o desenvolvimento das ações de saúde que permeiam o cotidiano de trabalho das equipes que atuam neste cenário, pois alguns costumes concorrem com as prescrições contidas nos projetos terapêuticos singulares. Dessa forma, os trabalhadores de saúde que atuam na APS necessitam implementar estratégias que levem em consideração a compreensão sobre a maneira de pensar e agir dos indivíduos frente aos seus problemas e cuidados de saúde em favor da qualidade de vida1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE ; 2011 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49230.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Os profissionais da Estratégia de Saúde da Família que atuam em áreas rurais enfrentam vários desafios para realização plena de suas funções. Nesse meio é imprescindível conhecer suas particularidades para que sejam elaboradas as condições adequadas para a compreensão das informações a serem difundidas e proporcionar mudanças, considerando as especificidades do meio e as distintas possibilidades de execução do trabalho da equipe de saúde1111. Silva EM, Portela RA, Medeiros ALF, Cavalcante MCW, Costa RTA. Os desafios no trabalho da enfermagem na estratégia saúde da família em área rural: revisão integrativa. Hygeia. 2018;14(28):1-12. doi: https://doi.org/10.14393/Hygeia142801
https://doi.org/10.14393/Hygeia142801...
. A Atenção Básica considera a pessoa em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral, incorporar as ações de vigilância em saúde para a proteção da saúde da população, a prevenção e o controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde11. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76..

O presente estudo revela que a USF, é por vezes, a única alternativa de assistência à saúde para as pessoas que residem em meio rural, e ainda uma situação um pouco mais grave é o isolamento desse serviço dentro da rede assistencial. A área rural possui diversos desafios e obstáculos que acabam dificultando o acesso à informação da população, dentre eles: o espaçamento de tempo entre as consultas com a equipe de saúde e a falta de um transporte eficiente entre a comunidade e os locais de referência para que acessem aos recursos diagnósticos em saúde. Cabe destacar, que uma das responsabilidades comuns a todas as esferas de governo, descritas na atual Política Nacional de Atenção Básica é a garantia de acesso universal, equânime e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS, à população11. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76.).

Evidencia-se que o acesso é resultado ao mesmo tempo da combinação de recursos humanos e físicos disponíveis e dos sistemas administrativos e financeiros que determinam quais indivíduos receberão os serviços que os recursos permitem oferecer e em que condições levando-se em consideração alguns fatores de globalidade como as dificuldades impostas pela especialização em algumas áreas, os critérios de acesso e ingresso, a alocação de mão-de-obra, à distância, o horário de funcionamento e a qualidade de atendimento1414. Fundo de População das Nações Unidas (BR). Mundos distantes: saúde e direitos reprodutivos em uma era de desigualdades: situação da população mundial em 2017. Brasília, DF: UNFPA; 2017 [cited 2019 Oct 01]. Available from: http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/01/swop2017.pdf
http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz....
.

O estudo1515. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saúde Soc. 2015;24(1)100-12. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100008
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201500...
que analisou os fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários constatou a existência de três dimensões de acesso: estrutural (financiamento) na qual o subfinanciamento do sistema de saúde constitui uma dificuldade para o acesso aos serviços de saúde; a relacional (compreensão do processo saúde-doença) em que a ausência de alinhamento sobre a estrutura e os fluxos de funcionamento do sistema de saúde impactam negativamente na relação do profissional com o usuário; e operacional (organização dos serviços) dificultam o acesso e a dimensão operacional, na qual os profissionais de saúde e usuários relataram importantes lacunas tais como cobertura da ESF, marcação de consulta, acolhimento, barreiras geográficas, referência e contrarreferência.

Em relação à dinâmica de trabalho imposta pelas peculiaridades do contexto rural, destacou-se que as ações em saúde implementadas são quase em suas totalidades mediadas por demandas espontâneas, não havendo tempo para idealizar e executar atividades por demanda programada. A periodicidade dos dias de trabalho do enfermeiro na área de abrangência das USFs acaba por influenciar a qualidade da assistência prestada, pois os enfermeiros têm os turnos de trabalhos reduzidos em cada USF dada a localização territorial de cada uma delas. Em contrapartida, em áreas urbanas, a população de abrangência das USFs se encontra mais próxima e o enfermeiro tende a possuir mais turnos de trabalho acompanhando uma mesma população. O maior contato do enfermeiro com os moradores favorece a continuidade da assistência e a longitudinalidade do cuidado com melhoria da qualidade da assistência às pessoas1616. Oliveira AR, Sousa YG, Albuquerque IVA, Medeiros SM, Martiniano C, Alves M. The daily routine of nurses in rural areas in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):918-95. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0243
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

Nesse sentido, levando-se em consideração a redução dos turnos de atendimento por comunidade rural, ressalta-se que nesse contexto há o predomínio de uma assistência centrada na medicalização e cura, com baixa resolutividade e precário impacto social, tendo em vista a ausência de atividades que privilegiam o empoderamento da comunidade no tocante aos cuidados de saúde com vistas à promoção de uma vida saudável.

Reforça-se a ideia de uma constante busca do enfermeiro pelo aprimoramento da saúde rural associada aos atributos da Atenção Primária à Saúde (APS) com a orientação para as reais necessidades das comunidades com adoção de soluções baseadas em evidências a serem postas em práticas. É necessário enfatizar que o enfermeiro que atua em APS tem a possibilidade de sistematizar uma práxis na perspectiva da integralidade do cuidado às famílias e comunidades em todo o seu ciclo de vida, contribuindo assim para a consolidação de mudanças no modelo de assistência à saúde do SUS1717. Ferreira SRS, Périco LAD, Dias VRGF. The complexity of the work of nurses in Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):784-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0471
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
. A integralidade no SUS parte da concepção de que a população deve ser atendida conforme suas necessidades e que as instituições de saúde devem estar estruturadas de modo a garantir assistência à saúde integral.

Pela análise dos depoimentos constatou-se que os enfermeiros deste estudo apresentam satisfação com o trabalho na ESF de área rural, refletidos, sobretudo na identificação com o contexto da saúde no meio rural, no crescimento e aprendizagem proporcionado com o trabalho, e no vínculo estabelecido com a população.

Neste estudo, os depoimentos dos enfermeiros que se relacionam ao crescimento e aprendizagem com o trabalho, diz respeito às experiências adquiridas pelos enfermeiros por meio do trabalho desenvolvido, como também à possibilidade de, na atuação com as famílias rurais que se encontram em condições desfavoráveis, tornarem-se mais solidários e assim contribuírem para a saúde das pessoas, aspectos que são fundamentais para intensificar a relação de vínculo com a comunidade. Pelo fato de o enfermeiro conviver com a população rural e conhecer de perto as carências dessa população, que estão refletidas, sobretudo, pelo déficit de condições socioeconômicas adequadas, é motivo de satisfação para este profissional conseguir dar respostas às necessidades de saúde da população assistida.

Um dos grandes desafios da Enfermagem é aliar a sua prática com as dos indivíduos a serem cuidados, buscando na alteridade, maneiras de cuidar. É necessário que profissionais de saúde considerem o contexto social que permeia as relações e inter-relações dos indivíduos, para atender às necessidades da família rural1818. Peruzzo HE, Bega AG, Lopes APAT, Haddad MCFL, Peres AM, Marcon SS. Os desafios de se trabalhar em equipe na estratégia saúde da família. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20170372. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0372
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
. Além disso, a conformação da PNAB, que foi seguida da atual política de financiamento da APS, se constitui um macro desafio à atuação dos profissionais de saúde, uma vez ataca os princípios do SUS, tais como a universalidade e a equidade. Ao estabelecer o cadastro de 4,000 pessoas como critério de financiamento, dificulta a construção e permanência do vínculo com os usuários.

É importante destacar que o vínculo retrata uma conexão entre os conceitos de responsabilização, humanização e integralidade, além disso, favorece a obtenção de conhecimento acerca das condições de vida das famílias acompanhadas nas USFs e facilita o desenvolvimento de uma compreensão ampliada a respeito do processo saúde-doença1919. Santos RC, Miranda FAN. Importância do vínculo entre profissional-usuário na estratégia de saúde da família. Rev Enferm UFSM. 2016;6(3):350-9. doi: https://doi.org/10.5902/2179769217313
https://doi.org/10.5902/2179769217313...
. Estudo2020. Ferreira EA, Alves DCSQ, Parnaíba FJB, Araújo RV, Vieira GP, Alencar AP, et al. Vínculo Profissional-Usuário na Estratégia FSG Saúde da Família: Percepções de Idosos Hipertensos. Id on Line Rev Mult Psic. 2019 [cited 2019 Oct 01];13(3):748-60. Available from: https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/viewFile/1561/2343
https://idonline.emnuvens.com.br/id/arti...
) que avaliou a formação de vínculo profissional-usuário constatou que é necessário aos profissionais se despirem de (pré) conceitos e discursos verticalizados, com a finalidade de se inserir na comunidade, tal como conhecer a realidade das famílias.

Considerando-se a satisfação no trabalho do enfermeiro no âmbito da USF rural enfatiza-se que o prazer presente na relação de cuidado no trabalho facilita o encontro entre o trabalhador de saúde e o usuário, o que possibilita nesse processo a criação de um espaço intercessor, no qual ocorre uma relação mútua de intervenção em ato, surgindo então uma relação de carinho, confiança e responsabilidade. Dessa forma, a satisfação com o trabalho é capaz de contribuir para o desenvolvimento de um conjunto de sentimentos favoráveis, os quais concorrem para o empenho do profissional em prestar uma assistência qualificada, o que pode refletir em melhora da qualidade das ações dos serviços de saúde1717. Ferreira SRS, Périco LAD, Dias VRGF. The complexity of the work of nurses in Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):784-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0471
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
.

Este estudo apresenta a limitação de ter sido realizado em área rural específica, não sendo possível sua generalização, haja vista a diversidade de ruralidades no Brasil.

CONCLUSÕES

Os enfermeiros percebem a população rural como sendo desfavorecida de recursos e acesso a serviços de saúde, decorrentes das características específicas de seu contexto de vida e das condições impostas do meio rural a esses habitantes.

O contexto de vida e saúde da população rural impõe ao enfermeiro a necessidade de aprimoramento profissional para atuação em áreas específicas da APS de forma a ampliar os cuidados em saúde da população com ênfase na integralidade do cuidado.

Este estudo revela a importância das instituições de ensino na formação dos enfermeiros em inserir em seus planos de cursos conteúdos que abordem as especificidades rurais e que influenciam no modus operandi dos profissionais que atuam em áreas rurais.

Apesar dos desafios impostos ao trabalho do enfermeiro em áreas rurais existe satisfação por parte do profissional em atuar com essa população, refletida na identificação com o contexto da saúde no meio rural e no vínculo estabelecido com a população, além da aprendizagem e crescimento adquiridos com o trabalho nesse contexto, que exige perfis específicos do profissional, estratégias e habilidades para desempenho do trabalho.

O desafio inclui alcançar o acesso universal à saúde com a garantia de enfermeiros com elevado potencial de desempenho no trabalho. Como possibilidade, existe a tendência mundial para enfermeiros de prática avançada com formação e regulamentação para contribuir no avanço da APS para atuar nos cuidados, em especial com populações rurais e em situação de desigualdade social, tendo em vista a elevada necessidade de saúde da população e a deficiência de acesso a profissionais capacitados e com distribuição adequada, para atuar na promoção da saúde, prevenção de doenças e manutenção da saúde das pessoas.

É necessário envolver o conjunto de atores sociais, incluindo população, profissionais e gestores para discussão da atenção à saúde no contexto rural, como forma de garantia da saúde como direito e para a busca de alinhamento ao preconizado pela OMS que enfatiza estratégias de recrutamento de recursos humanos; implantação de educação permanente em saúde rural; realização de pesquisas de saúde específicas para esse cenário, além de financiamento e organização dos serviços no âmbito de contexto rural.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro, ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa e à CAPES pela bolsa DINTER UFMG/UFCG.

REFERENCES

  • 1. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2017 set 22;154(183 Seção 1)68-76.
  • 2. Dolea C, Stormont L, Braichet JM. Evaluated strategies to increase attraction and retention of health workers in remote and rural areas. Bull World Health Organ. 2010;88(5):379-85. doi: https://doi.org/10.2471/BLT.09.070607
    » https://doi.org/10.2471/BLT.09.070607
  • 3. Scopinho RA. Condições de vida e saúde do trabalhador em assentamento rural. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(Suppl 1):1575-84. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700069
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700069
  • 4. Zhu A, Tang S, Thi Hoai Thu N, Supheap L, Liu X. Analysis of strategies to attract and retain rural health workers in Cambodia, China, and Vietnam and context influencing their outcomes. Hum Resour Health. 2019;17(2):1-9. doi: https://doi.org/10.1186/s12960-018-0340-6
    » https://doi.org/10.1186/s12960-018-0340-6
  • 5. Barreto BL. Health inequalities: a global perspective. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(7):2097-2108. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
  • 6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grande regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2015 [cited 2019 Dec 26]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf
  • 7. Silva, JFS. Acesso das populações do campo, da floresta e das águas às ações e serviços no sistema único de saúde [tese]. Brasília, DF: Universidade de Brasília; 2017.
  • 8. Pereira LL, Pacheco L. The challenges faced by the More Doctors Program in providing and ensuring comprehensive health care in rural areas in the Amazon region, Brazil. Interface (Botucatu). 2017;21(Suppl 1):1181-92. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0383
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0383
  • 9. Organização Pan-Americana da Saúde (US). Ampliação do papel dos enfermeiros na atenção primária à saúde. Washington, D.C.: OPAS; 2018 [cited 2019 Dec 10]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2018/05/Ampliação-do-papel-dos-enfermeiros-na-atenção-primária-à-saúde.pdf
    » http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2018/05/Ampliação-do-papel-dos-enfermeiros-na-atenção-primária-à-saúde.pdf
  • 10. Moore GF, Audrey S, Barker M, Bond L, Bonell C, Hardeman W, et al. Process evaluation of complex interventions: Medical Research Council guidance. BMJ. 2015;350:h1258. doi: https://doi.org/10.1136/bmj.h1258
    » https://doi.org/10.1136/bmj.h1258
  • 11. Silva EM, Portela RA, Medeiros ALF, Cavalcante MCW, Costa RTA. Os desafios no trabalho da enfermagem na estratégia saúde da família em área rural: revisão integrativa. Hygeia. 2018;14(28):1-12. doi: https://doi.org/10.14393/Hygeia142801
    » https://doi.org/10.14393/Hygeia142801
  • 12. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.
  • 13. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE ; 2011 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49230.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49230.pdf
  • 14. Fundo de População das Nações Unidas (BR). Mundos distantes: saúde e direitos reprodutivos em uma era de desigualdades: situação da população mundial em 2017. Brasília, DF: UNFPA; 2017 [cited 2019 Oct 01]. Available from: http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/01/swop2017.pdf
    » http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/01/swop2017.pdf
  • 15. Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saúde Soc. 2015;24(1)100-12. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100008
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100008
  • 16. Oliveira AR, Sousa YG, Albuquerque IVA, Medeiros SM, Martiniano C, Alves M. The daily routine of nurses in rural areas in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):918-95. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0243
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0243
  • 17. Ferreira SRS, Périco LAD, Dias VRGF. The complexity of the work of nurses in Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):784-9. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0471
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0471
  • 18. Peruzzo HE, Bega AG, Lopes APAT, Haddad MCFL, Peres AM, Marcon SS. Os desafios de se trabalhar em equipe na estratégia saúde da família. Esc Anna Nery. 2018;22(4):e20170372. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0372
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0372
  • 19. Santos RC, Miranda FAN. Importância do vínculo entre profissional-usuário na estratégia de saúde da família. Rev Enferm UFSM. 2016;6(3):350-9. doi: https://doi.org/10.5902/2179769217313
    » https://doi.org/10.5902/2179769217313
  • 20. Ferreira EA, Alves DCSQ, Parnaíba FJB, Araújo RV, Vieira GP, Alencar AP, et al. Vínculo Profissional-Usuário na Estratégia FSG Saúde da Família: Percepções de Idosos Hipertensos. Id on Line Rev Mult Psic. 2019 [cited 2019 Oct 01];13(3):748-60. Available from: https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/viewFile/1561/2343
    » https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/viewFile/1561/2343
  • 1
    O NASF-AB configurava-se como equipe multiprofissional que deveria atuar de forma integrada com as equipes de Saúde da Família (ESF), permitindo a discussão de casos clínicos; atendimento compartilhado entre profissionais, e possibilitando a construção conjunta de projetos terapêuticos de forma a ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais. Entretanto, a Nota Técnica nº03/2020 revogou a portaria que o criou, deixando a cargo do gestor local a definição de novos arranjos de equipes multiprofissionais.
  • 2
    A clínica ampliada é uma diretriz da Política Nacional de Humanização e consiste em uma ferramenta teórica e prática com finalidade de contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, considerando a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença, permitindo o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações de saúde na busca do equilíbrio entre danos e benefícios gerados pelas práticas de saúde.

Editado por

Editor associado:

Rosana Maffacciolli

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2019
  • Aceito
    06 Mar 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br