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Violência por parceiro íntimo à gestante: perfil sociodemográfico e características das agressões

RESUMO

Objetivo:

Identificar o perfil sociodemográfico e as principais características da violência por parceiros íntimos em gestantes de São Paulo, Brasil.

Método:

Estudo transversal realizado por meio das notificações de casos suspeitos ou confirmados de violência interpessoal do Sistema de Informação de Agravos de Notificação realizadas entre 2016 e 2019. A coleta foi feita entre março e junho de 2020. Realizado teste qui-quadrado ou exato de Fischer na análise estatística.

Resultados:

Foram obtidas 4.269 notificações e o perfil prevalente foi de mulheres entre 20 e 34 anos (62,5%), pardas ou negras (51,3%), com ensino médio completo (22,5%) no primeiro trimestre da gestação (44,2%). A violência física foi a mais frequente (48,3%), ocorrida em domicílio (59,1%), motivada por sexismo (22,29%). Na violência sexual, o estupro foi o mais frequente (85,4%) com aborto nos casos previstos na lei (39%).

Conclusão:

Mulheres adultas, pardas ou negras, no primeiro trimestre gestacional apresentaram maior frequência de violência física.

Palavras-chave:
Violência por parceiro íntimo; Gravidez; Saúde da mulher; Vigilância em saúde pública; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify the sociodemographic profile and the main characteristics of violence by intimate partners in pregnant women in São Paulo, Brazil.

Method:

Cross-sectional study based on notifications for suspected or confirmed cases of inter-police violence from the National Disease Notification System (SINAN) carried out in the 2016-2019 period. Collection was performed between March and June 2020. Chi-squared test or Fisher’s Exact test were used in statistical analysis.

Results:

A total of 4,269 notifications were obtained and the prevalent profile was women between 20 and 34 years old (62.5%), brown or black (51.3%), who have completed high school (22.5%) in the first trimester of pregnancy (44.2%). Physical violence was more frequent (48.3%), occurred at home (59.1%), motivated by sexism (22.29%). Sexual violence or rape was more frequent (85.4%) with abortion in cases provided for by law (39%).

Conclusion:

Adult brown or black women in the first gestational trimester experienced physical violence more frequently.

Keywords:
Intimate partner violence; Pregnancy; Women’s health; Public health surveillance; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar el perfil sociodemográfico y las principales características de la violencia por parte de la pareja en mujeres embarazadas en São Paulo, Brasil.

Método:

Estudio transversal realizado a través de notificaciones de casos sospechosos o confirmados de violencia interpersonal del Sistema de Información de Enfermedades Notificables realizadas entre 2016 y 2019. La recolección se realizó entre marzo y junio de 2020. Hecho prueba Chi-cuadrado o exacto de Fischer en análisis estadístico.

Resultados:

Se obtuvieron 4.269 notificaciones, El perfil prevalente fue de mujeres entre 20 y 34 años (62,5%), morenas o negras (51,3%), con bachillerato completo (22,5%) en el primer trimestre de gestación (44,2%). La violencia física fue la más frecuente (48,3%), ocurrida en el hogar (59,1%), motivada por el sexismo (22,29%). En violencia sexual, la violación fue la más frecuente (85,4%) con aborto en los casos previstos por la ley (39%).

Conclusión:

Las mujeres adultas, morenas o negras, en el primer trimestre gestacional tuvieron una mayor frecuencia de violencia física.

Palabras clave:
Violencia de pareja; Embarazo; Salud de la mujer; Vigilancia en salud pública; Enfermería

INTRODUÇÃO

A violência por parceiro íntimo (VPI) é definida como a violência praticada por uma pessoa com relação íntima de afeto, atual ou antigo, sendo este cônjuge ou não11. Miller E, McCaw B. Intimate Partner Violence. N Engl J Med. 2019;380(9):850-7. doi: https://doi.org/10.1056/NEJMra1807166
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. Ela é reconhecida como qualquer violência que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial22. Teixeira SVB, Moura MAV, Silva LR, Queiroz ABA, Souza KV, Albuquerque Netto L. Intimate partner violence against pregnant women: the environment according to Levine’s nursing theory. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(6):882-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000600002
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. A VPI é um dos fatores que afetam a vida de muitas mulheres33. Oliveira LCQ, Fonseca-Machado MO, Stefanello J, Gomes-Sponholz FA. Intimate partner violence in pregnancy: identification of women victims of their partners. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(spe):233-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57320
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-44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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. Pesquisadoras citam que a VPI deve ser amplamente discutida e identificada precocemente por profissionais de saúde, pois pode provocar danos à gestante e ao bebê, além de intensificar a desigualdade entre os gêneros33. Oliveira LCQ, Fonseca-Machado MO, Stefanello J, Gomes-Sponholz FA. Intimate partner violence in pregnancy: identification of women victims of their partners. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(spe):233-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57320
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.

A violência cometida em qualquer fase da vida da mulher é reconhecida como problema de saúde pública que requer atenção44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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. No Brasil, com a Lei Federal n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher passou a ter maior visibilidade, sendo evidenciada como um dos maiores problemas a serem combatidos pela saúde pública e pelos organismos de defesa dos direitos humanos55. Ramalho NMG, Ferreira JDL, Lima CLJ, Ferreira MCF, Souto SLU, Maciel GMC. Domestic violence against pregnant women. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(12):4999-5008. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i12a22279p4999-5008-2017
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Infelizmente, gestantes também podem fazer parte dessas estatísticas. Pesquisas indicam uma alta prevalência de VPI durante a gestação22. Teixeira SVB, Moura MAV, Silva LR, Queiroz ABA, Souza KV, Albuquerque Netto L. Intimate partner violence against pregnant women: the environment according to Levine’s nursing theory. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(6):882-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000600002
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-33. Oliveira LCQ, Fonseca-Machado MO, Stefanello J, Gomes-Sponholz FA. Intimate partner violence in pregnancy: identification of women victims of their partners. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(spe):233-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57320
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. Estudos realizados na Jamaica apontam que, 36% das mulheres grávidas são abusadas por seus parceiros íntimos. De acordo com informações disponibilizadas pela OMS, há uma prevalência de violência na gestação de 8% no Japão, 32% no Brasil e 44% no Peru. O que mostra que a violência cometida contra as mulheres é um fenômeno multifacetado e global44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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-77. Pitter CP. Midwives’ knowledge and attitudes when encountering gender-based violence in their practice at a maternity-hospital in Kingston, Jamaica. Int J Qual Stud Health Well-being. 2016;11:29358. doi: https://doi.org/10.3402/qhw.v11.29358
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. Adicionalmente, quando a violência contra a mulher acontece durante o período gestacional exige maiores cuidados dos serviços de saúde, pois é um momento em que as mulheres passam por muitas mudanças, podendo ser uma fase mais vulnerável devido a condições psicológicas, alterações físicas e emocionais44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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,66. Sgobero JKGS, Monteschio LVC, Zurita RCM, Oliveira RR, Mathias TAF. [Intimate partner violence perpetrated during pregnancy: prevalence and several associated factors]. Aquichan. 2015;15(3):339-50. Portuguese. doi: https://doi.org/10.5294/aqui.2015.15.3.3
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Também é importante destacar que a violência contra as gestantes leva a consequências tanto para a mãe quanto para o feto e, sucessivamente, o recém-nascido, como trabalho de parto prematuro, hemorragias, cefaleias, abortamentos, depressão, infecção do trato urinário, trauma fetal, desmame precoce e aumento do risco da mortalidade perinatal e neonatal44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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-55. Ramalho NMG, Ferreira JDL, Lima CLJ, Ferreira MCF, Souto SLU, Maciel GMC. Domestic violence against pregnant women. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(12):4999-5008. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i12a22279p4999-5008-2017
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. Todavia, em buscas recentes em bases de dados da área de saúde nota-se escassez de publicações sobre o perfil das vítimas e quais violências são mais empregadas contra elas neste sensível período do ciclo vital. A ausência de estudos provoca lacunas em áreas aplicadas, como a enfermagem em saúde da mulher, podem refletir diretamente sobre a assistência prestada ao binômio mãe-feto e em estratégias de enfrentamento da violência por parceiro íntimo, como apontam alguns pesquisadores55. Ramalho NMG, Ferreira JDL, Lima CLJ, Ferreira MCF, Souto SLU, Maciel GMC. Domestic violence against pregnant women. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(12):4999-5008. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i12a22279p4999-5008-2017
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-66. Sgobero JKGS, Monteschio LVC, Zurita RCM, Oliveira RR, Mathias TAF. [Intimate partner violence perpetrated during pregnancy: prevalence and several associated factors]. Aquichan. 2015;15(3):339-50. Portuguese. doi: https://doi.org/10.5294/aqui.2015.15.3.3
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. Os poucos estudos encontrados foram realizados em cidades ou Estados do Sul ou do Nordeste brasileiro33. Oliveira LCQ, Fonseca-Machado MO, Stefanello J, Gomes-Sponholz FA. Intimate partner violence in pregnancy: identification of women victims of their partners. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(spe):233-8. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.esp.57320
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,55. Ramalho NMG, Ferreira JDL, Lima CLJ, Ferreira MCF, Souto SLU, Maciel GMC. Domestic violence against pregnant women. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(12):4999-5008. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i12a22279p4999-5008-2017
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, não tendo sido encontradas pesquisas epidemiológicas amplas desenvolvidas em Estados altamente populosos e multiculturais, como São Paulo, cujos resultados podem subsidiar a implementação de políticas de saúde ou intersetoriais e ampliar medidas de proteção à gestante.

Diante do exposto, surgiu nos autores desta pesquisa o seguinte questionamento: Quais são as características mais comuns da violência por parceiro íntimo (VPI) contra a gestante no Estado de São Paulo? Acredita-se que os resultados encontrados podem auxiliar no planejamento de ações de prevenção da violência contra a gestante, além de fomentar políticas públicas e assistenciais às vítimas.

Assim, este estudo tem como objetivos identificar o perfil sociodemográfico e as principais características da violência por parceiros íntimos à gestante no Estado de São Paulo, Brasil.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva com delineamento transversal88. Silman AJ, Macfarlane GJ, Macfarlane T. Epidemiological studies: a practical guide. 3rd ed. Oxford: Oxford University Press; ©2019. norteada pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

A coleta de dados foi feita por meio das informações apontadas nas Fichas de Notificação de Casos Suspeitos ou Confirmados de Violência Interpessoal do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram analisadas variáveis como o tipo de violência ocorrida, o perfil da vítima e do agressor, a caracterização da ocorrência e da lesão mais relevante (quando houve). Além disso, também foram coletadas informações sobre a evolução do caso (desfecho) e os encaminhamentos realizados pelos profissionais que atenderam às vítimas.

Todas as informações foram lançadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) por unidades de saúde notificadoras, como Vigilância Epidemiológica, Hospitais, Unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e demais serviços públicos de atenção primária, secundária ou terciária. Posteriormente, os dados foram disponibilizados pela Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS) por meio do TabNet, programa desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e disponibilizado pela internet sem restrições de acesso.

Como critérios de inclusão foram as notificações de casos suspeitos ou confirmados de violência interpessoal contra mulheres em qualquer momento da gestação, atendidas em unidades de saúde públicas ou privadas do Estado de São Paulo, Brasil. Foram excluídas notificações de violência cujo gênero e/ou gestação estavam descritas como ‘ignorado(a)’, além de notificações de casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada e tentativa de suicídio. Não foi possível a separação entre dos casos ainda suspeitos daqueles confirmados de violência interpessoal pois a ficha de notificação é a mesma para ambos os casos, além do sistema TabNet também não permitir tal distinção.

O período delineado para este estudo foi das notificações de casos de violência e acidentes efetuados entre os anos de 2016 a 2019. Dados do ano de 2020 ainda não se encontram disponíveis pela SNVS. Optou-se por não serem utilizados os dados de notificações compulsórias anteriores ao ano de 2016 pois tais informações poderiam conter fragilidades haja vista a inclusão de violência como agravo de notificação no SINAN somente a partir de 2016. Antes disso os dados eram transmitidos pelas secretarias municipais de saúde de forma rudimentar, com probabilidade de perdas de dados. A coleta das informações ocorreu entre janeiro e março de 2020 e a tabulação foi feita com uso do programa Excel 2007.

Realizou-se a análise estatística univariada com uso dos softwares: Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0 e o R, versão 4.0.2. Como o conjunto de dados é constituído de variáveis categóricas foi realizada uma análise descritiva dos dados a partir da apuração de frequência simples absoluta e percentual. Para verificar as associações entre tipo de violência e as outras variáveis (motivação da violência, meio de agressão, se ocorreu violência sexual, local de ocorrência, sexo do autor da agressão, ciclo de vida do agressor, encaminhamento, faixa etária, raça, escolaridade, situação conjugal, deficiência e idade gestacional) foram realizados testes qui-quadrado ou exato de Fisher. Foi considerado o nível de significância de 5% (α = 0,05). Para a violência física foi realizado teste de igualdade de proporção, para os casos de significância, teste de comparações múltiplas via método Holm para verificar em qual par de categorias de alguma variável avaliada tinha a diferença de proporções. O mesmo foi feito para violência sexual e psicológica. Nos casos de pouca frequência de violência física com alguma categoria de alguma variável, essa categoria foi desconsiderada nas comparações das proporções. O mesmo foi feito para violência psicológica e sexual.

Em atenção as normas nacionais e internacionais, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e recebeu parecer favorável (n. 7759210519/2019).

RESULTADOS

Foram notificados 4.269 casos de gestantes que sofreram algum tipo de violência no período de 2016 a 2019 no Estado de São Paulo. De acordo com a tabela 1 observa-se que 62,6% (2.669) das mulheres possuíam entre 20 e 34 anos no momento da agressão, seguido de jovens na faixa etária de 15 a 19 anos, com 18% (766).

De acordo com as notificações, 39,7% (1.696) das mulheres se declararam brancas e 38,5% pardas (1.647), dados sobressalentes quando relacionados aos 12,8% (548) que se nominaram preta e 1,29% (55) indígena. Em relação à escolaridade encontrou-se 22,5% das gestantes com ensino médio completo. A minoria, 0,5% (20), se afirmaram analfabetas. A maior parte das vítimas, 43% (1.835), se consideram solteiras e 33,8% (1.443) eram casadas ou em união consensual.

Na tabela 2 nota-se que em algumas características dos registros as notificações podiam ter mais de uma resposta, como por exemplo, nos tipos de violência e os meios de agressão. O tipo de violência mais comum foi a violência física, com 48,3% (3.101), acompanhada da violência psicológica/moral com 23,6% (1.514) e da violência sexual com 16,2% (1.044). O meio de agressão mais empregado foi a força corporal ou espancamento, com 56,1% (2.768), seguida da ameaça com 16,6% (820).

Em relação aos encaminhamentos realizados (podendo ser mais de um) evidenciou-se que cerca de 44,8% (2.561) das gestantes foram encaminhadas para a Rede de Saúde (Unidade Básica de Saúde, hospital especializado dentre outros), 16,4% (939) para a Rede de Atendimento à Mulher e 15% (862) para a Delegacia de Atendimento à Mulher (tabela 3).

Tabela 1 -
Características socioepidemiológicas de gestantes vítimas de violência por parceiro íntimo, São Paulo, Brasil, 2020

A proporção de violência física e sexual sofrida por gestantes na faixa etária entre 20 e 34 anos se destaca das demais (p-valor<0,001) com nível de significância de 5%. Já a violência psicológica apresentou maior conformidade entre aquelas com idade de 15 a 19 anos. Pardas e negras sofreram mais violência sexual do que as demais (p-valor=0,02). Quanto a escolaridade, gestantes com ensino médio incompleto tiveram maior associação à violência física (p-valor<0,032). Já a violência sexual foi mais comum entre mulheres com ensino superior incompleto (p-valor<0,001).

Em relação a situação conjugal, não houve diferença nas proporções de violência psicológica entre as classificações conjugais (p-valor=0,402). Todavia, em relação a violência sexual e física, mulheres casadas apresentaram maior proporção do que as demais (p-valor<0,001). Já o período gestacional de maior conformidade estatística em relação as todas as formas de violência foi o primeiro trimestre (p-valor<0,05).

Tabela 2 -
Principais características das violências por parceiro íntimo contra gestantes, São Paulo, Brasil, 2020

Em relação ao total de motivação de VPI por sexismo e conflito geracional, a proporção de violência física por conflito geracional (65,4%) foi maior que o sexismo (34,4%). O teste de comparações múltiplas de proporção pelo método de Holm indicou que houve diferença de proporção de violência física entre sexismo e conflito geracional (p-valor<0,001). Houve diferença na proporção de violência psicológica entre as motivações: sexismo e deficiência (p-valor<0,001) e entre conflito geracional e deficiência (p-valor<0,001).

Verificou-se distinção nas proporções de violência física entre os meios de agressão: força corporal/espancamento e todas as outras categorias de meio de agressão (p-valor<0,001). Pelo teste de igualdade de proporções houve diferença entre as proporções de violência sexual entre assédio sexual, estupro e exploração sexual (p-valor<0,001). Realizando-se comparações múltiplas notou-se diferenças entre assédio sexual e estupro (p-valor=0,001).

Houve diferença nas proporções de ocorrência de violência física e sexual entre os diferentes locais de ocorrência (p-valor<0,001). Já em relação ao sexo do autor da agressão física houve diferença de proporção entre homens e mulheres (p-valor<0,001), assim como na violência sexual (p-valor<0,05).

Tabela 3 -
Encaminhamentos realizados às gestantes vítimas de violência por parceiro íntimo, São Paulo, Brasil, 2020

Identificou-se distinção nas proporções de violência física entre os encaminhamentos: rede de saúde e quase todos os outros encaminhamentos (p-valor<0,05) exceto rede de assistência social e delegacia de atendimento à mulher e outras delegacias (p-valor<0,001). Em relação à violência sexual os encaminhamentos também seguiram a mesma característica (p-valor<0,05).

DISCUSSÃO

As análises dos registros de notificações de violência contra gestantes perpetrada por parceiros íntimos em São Paulo mostram que o perfil de escolaridade das mulheres vai desde o analfabetismo até o ensino superior completo, mas predominando o ensino médio. Outra informação relevante no levantamento de dados realizado foi o estado civil. Gestantes solteiras foram vítimas com maior frequência do que as casadas, levando-se a interpretação de que a ausência de parceria estável aumentou as chances de agressões. Esta constatação não pode ser correlacionada com estudos nacionais quando comparados dos demais Estados do Brasil, visto a escassez de publicações sobre a temática. Uma equiparação parcial sobre o estado civil pode ser feita com os estudos feitos em Atenas (Grécia)99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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e Andaluzia (Espanha)1010. Pastor-Moreno G, Ruiz-Pérez I, Ricci-Cabello I. Historia de violencia y violencia de compañero íntimo en mujeres embarazadas: resultados en salud. Index Enferm. 2018 [cited 2020 Mar 10];27(4):191-5. Available from: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1132-12962018000300003
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, onde a maioria das gestantes violentadas por parceiros íntimos nessas regiões eram solteiras, com 34,3% e 52,2%, respectivamente.

Quanto ao estado civil e escolaridade analisada nos demais estudos, as informações contrastam com o resultado, até mesmo dos locais supracitados. Em um estudo realizado no Nepal1111. Singh JK, Evans-Lacko S, Acharya D, Kadel R, Gautam S. Intimate partner violence during pregnancy and use antenatal care among women in southern Terai of Nepal. Women Birth. 2018;31(2):96-102. doi: https://doi.org/10.1016/j.wombi.2017.07.009
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foi identificado que todas as gestantes agredidas eram casadas. Em relação à escolaridade outras pesquisas99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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-1010. Pastor-Moreno G, Ruiz-Pérez I, Ricci-Cabello I. Historia de violencia y violencia de compañero íntimo en mujeres embarazadas: resultados en salud. Index Enferm. 2018 [cited 2020 Mar 10];27(4):191-5. Available from: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1132-12962018000300003
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,1212. Hoang TN, Van TN, Gammeltoft T, Meyrowitsch DW, Thuy HNT, Rasch V. Association between intimate partner violence during pregnancy and adverse pregnancy outcomes in Vietnam: a prospective cohort study. Plos One. 2016;11(9):e0162844. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0162844
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contradizem o cenário, sendo que nesses estudos obteve-se amostras com escolaridade maior, incluindo ensino superior completo.

A maioria das gestantes que sofreram violência pelos seus parceiros possuíam entre 20 e 34 anos, 62,5% (2.669). Portanto, em idade adulta jovem. Essa informação condiz com pesquisas internacionais99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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-1111. Singh JK, Evans-Lacko S, Acharya D, Kadel R, Gautam S. Intimate partner violence during pregnancy and use antenatal care among women in southern Terai of Nepal. Women Birth. 2018;31(2):96-102. doi: https://doi.org/10.1016/j.wombi.2017.07.009
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que apontaram que as gestantes agredidas possuíam mais de 25 anos. Notou-se que o intervalo de idades das mulheres dos estudos se enquadra nos achados desta pesquisa e se equiparam estatisticamente nas demais faixas etárias encontradas.

Um dado de destaque encontrado foi a raça/cor das gestantes. Cerca de 51,3% das vítimas eram de cor parda e negra, quando somadas. Tal característica denota maior vulnerabilidade de mulheres não brancas. Mesmo sendo um país com grande miscigenação de raças e com grande influência da cultura africana, mulheres que se auto identificam como negras ou pardas frequentemente sofrem mais violência do que mulheres de outras cores, evidenciando que, mesmo oculto, o racismo e a discriminação por cor de pele ainda são constantes na sociedade brasileira e devem ser amplamente discutidos e combatidos, especialmente quando voltados contra mulheres1313. Carrijo C, Martins PA. Domestic violence and racism against black women. Rev Estud Fem. 2020;28(2):e60721. doi: https://doi.org/10.1590/1806-9584-020v28n260721
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.

Outra variável importante foi o trimestre gestacional que a mulher se encontrava na ocasião da violência. Os dados apontaram que a maioria das vítimas estava no primeiro trimestre da gestação, especialmente aquelas que sofreram violência física (p-valor<0,001), período de elevado risco de complicações ao feto e à gestante decorrente de formas variadas de violência. Estudos apontam experiências de violência especialmente no primeiro trimestre gestacional podem afetar a segurança da formação fetal, riscos de descolamento da placenta, hemorragias, elevadas chances de abortamento, morte do feto e morbimortalidade da gestante44. Fiorotti KF, Amorim MHC, Lima EFA, Primo CC, Moura MAV, Leite FMC. Prevalence and factors associated with domestic violence: study in a high-risk maternity hospital. Texto Contexto Enferm. 2018;27(3):e0810017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072018000810017
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-55. Ramalho NMG, Ferreira JDL, Lima CLJ, Ferreira MCF, Souto SLU, Maciel GMC. Domestic violence against pregnant women. Rev Enferm UFPE on line. 2017;11(12):4999-5008. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i12a22279p4999-5008-2017
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. Deste modo, pode-se supor que as gestantes e os fetos correram riscos de vida ao terem sido agredidas neste delicado período.

Estudos internacionais1414. Berhanie E, Gebregziabher D, Berihu H, Gerezgiher A, Kidane G. Intimate partner violence during pregnancy and adverse birth outcomes: a case-control study. Reprod Health. 2019;16(1):22. doi: https://doi.org/10.1186/s12978-019-0670-4
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-1515. Chasweka R, Chimwaza A, Maluwa A. Isn’t pregnancy supposed to be a joyful time? a cross-sectional study on the types of domestic violence women experience during pregnancy in Malawi. Malawi Med J. 2018;30(3):191-6. doi: https://doi.org/10.4314/mmj.v30i3.11
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também apontam que há associação significante entre exposição a violência física durante a gravidez e parto prematuro ou baixo peso dos recém-nascidos. Um dos achados dos autores foi que as mulheres expostas à violência por parceiro íntimo durante a gravidez tiveram três vezes mais chances de dar à luz a bebês com baixo peso e, também, parto prematuro. Todavia, essa informação não pode ser associada ao presente estudo, tendo em vista a ausência de dados de acompanhamento das gestantes e fetos nas fichas de notificação compulsória. Além disso, vítimas de VPI no primeiro trimestre gestacional têm mais chances de desenvolver depressão, ansiedade, abuso de álcool e drogas e ideação suicida99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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-1111. Singh JK, Evans-Lacko S, Acharya D, Kadel R, Gautam S. Intimate partner violence during pregnancy and use antenatal care among women in southern Terai of Nepal. Women Birth. 2018;31(2):96-102. doi: https://doi.org/10.1016/j.wombi.2017.07.009
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.

Em relação aos tipos de violência ficou evidente que a agressão que mais acometeu as gestantes foi a violência física, com 48,3% (3.101), seguido da violência psicológica, 23,6% (1.514) dos relatos e da violência sexual, 16,2% (1.044), podendo, inclusive, terem sido vítimas cumulativamente de outros tipos injúrias. Quanto ao meio de agressão empregado, 56,1% (2.768) das mulheres informaram o uso da força corporal e/ou espancamento. A agressão física, com uso de força também foi apontada em uma pesquisa99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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como a mais frequente entre as gestantes, sendo o parceiro íntimo o agressor. No estudo citado os autores conseguiram apontar que as partes do corpo mais afetadas durante a agressão foram 51% no rosto, 15% nos membros inferiores e 12% na cabeça.

Todavia, em 1514 (23,6%) das notificações analisadas também foi encontrada a violência psicológica ou moral contra as gestantes, fato importante tendo em vista as possíveis repercussões à saúde mental e dignidade destas mulheres. Pesquisa publicada em 20191414. Berhanie E, Gebregziabher D, Berihu H, Gerezgiher A, Kidane G. Intimate partner violence during pregnancy and adverse birth outcomes: a case-control study. Reprod Health. 2019;16(1):22. doi: https://doi.org/10.1186/s12978-019-0670-4
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) apontou prevalência convergente com esse achado, destacando formas de violência voltadas à integridade psicológica e moral das gestantes, fazendo com que o perpetrador exercesse formas de controle moral e social nas vítimas. Os autores do estudo citam que 25,7% das gestantes tinham o parceiro fixo com comportamento abusivo ou de controle social, como por exemplo, restrição ao contato com a família ou de visitas de amigos. Outros estudos1212. Hoang TN, Van TN, Gammeltoft T, Meyrowitsch DW, Thuy HNT, Rasch V. Association between intimate partner violence during pregnancy and adverse pregnancy outcomes in Vietnam: a prospective cohort study. Plos One. 2016;11(9):e0162844. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0162844
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,1515. Chasweka R, Chimwaza A, Maluwa A. Isn’t pregnancy supposed to be a joyful time? a cross-sectional study on the types of domestic violence women experience during pregnancy in Malawi. Malawi Med J. 2018;30(3):191-6. doi: https://doi.org/10.4314/mmj.v30i3.11
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corroboram a afirmação de elevadas taxas de violência psicológica provocadas por meio de insultos, humilhações, intimidação, ameaças de ferimento da vítima ou de alguém de sua família. Também foram apontados relatos de acusações de relacionamentos sexuais ou casos amorosos da gestante com outros parceiros1515. Chasweka R, Chimwaza A, Maluwa A. Isn’t pregnancy supposed to be a joyful time? a cross-sectional study on the types of domestic violence women experience during pregnancy in Malawi. Malawi Med J. 2018;30(3):191-6. doi: https://doi.org/10.4314/mmj.v30i3.11
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-1616. Doi S, Fujiwara T, Isumi A. Development of the intimate partner violence during pregnancy instrument (IPVPI). Front Public Health. 2019;7:43. doi: https://doi.org/10.3389/fpubh.2019.00043
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.

Nas 1.087 notificações de violência sexual realizadas, 85,4% foram caracterizadas como estupro e assédio sexual (p-valor<0,001). Por se tratar de um estudo de dados contidos em um sistema de informações não foi possível estabelecer quantas destas vítimas adquiriram Infecções Sexualmente Transmissíveis ou engravidaram em decorrência da violência. Todavia, nota-se que apenas 20,3% dessas mulheres receberam contracepção de emergência, fato que potencializa o risco de gravidez indesejada. Talvez, por esse motivo se evidencia o elevado número de casos de abortos como desfecho (39,1%). Apesar do número de notificações de estupro ter crescido no Brasil em cerca de 590% de 2009 a 2013, dando maior visibilidade e auxiliando adoção de medidas para enfrentamento da realidade, ainda é assustador encontrar em estudos epidemiológicos taxas tão elevadas deste agravo1717. Gaspar RS, Pereira MUL. [Trends in reporting of sexual violence in Brazil from 2009 to 2013]. Cad Saúde Pública. 2018;34(11):e00172617. Portuguese. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00172617
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. A perpetração desta ocorrência por parceiros íntimos pode ser ainda maior, pois quanto se trata de uma relação afetiva estável nem sempre as mulheres se sentem seguras para comunicar o ocorrido ou chegam até a naturalizar o fato.

Além do fortalecimento e empoderamento feminino, de melhorias de políticas públicas de saúde e da notificação dos casos com brevidade, há a necessidade de que os serviços de saúde estejam preparados para realizar atendimentos humanizados e com precisão, incluindo a oferta da contracepção de emergência de acordo com as recomendações de linhas de cuidados às vítimas de violência sexual. Ainda se encontram juízos de valores, crenças e moralidades como barreiras mesmo em unidades de saúde, levando a baixa oferta da contracepção emergencial1818. Brandão ER. Sex hormones, gender moralities and emergency contraception in Brazil. Interface (Botucatu). 2018;22(66):769-76. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0216
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Ao analisar a motivação da violência contra a gestante evidencia-se que o sexismo foi o mais frequente, com 22,3% dos casos. Isto significa que o parceiro íntimo de alguma forma julgou a gestante como inferior e assim passível de suas vontades ou merecedora de discriminação ou preconceito simplesmente em decorrência de seu sexo ou gênero. Talvez dentre todas as motivações de violência contra a mulher esta seja a mais comum e também a mais lamentável, pois ser agredida pela sua condição biológica (sexo) ou de identidade social (gênero) é um ultraje a condição humana, de si como sujeito1919. Angelone DJ, Cantor N, Marcantonio T, Joppa M. Does sexism mediate the gender and rape myth acceptance relationship? Violence Against Women. 2021;27(6-7):748-65. doi: https://doi.org/10.1177/1077801220913632
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. O sexismo em si pode ser tanto uma motivação como a própria manifestação de violência, uma vez que traduz preconceito e discriminação, além de estereotipar as vítimas a uma condição rasa ou inferior.

A atitude de discriminação fundamentada no sexo ou no gênero é apresentada por estudiosos1111. Singh JK, Evans-Lacko S, Acharya D, Kadel R, Gautam S. Intimate partner violence during pregnancy and use antenatal care among women in southern Terai of Nepal. Women Birth. 2018;31(2):96-102. doi: https://doi.org/10.1016/j.wombi.2017.07.009
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como uma das prováveis causas dos abusos sexuais durante a gestação, pois apontam que a maioria das gestantes afirmam que seus parceiros insistem em ter relações sexuais, como forma de dominação, ou satisfação unilateral. Citam ainda que muitas gestantes reconhecem o ato sexual como uma violência quando seus parceiros insistem em fazer sexo em condições que lhes pareciam degradantes ou humilhantes.

Em relação ao ciclo de vida do autor da violência se evidenciou que a maioria (54%) estava na faixa etária de 25 a 59 anos. Ao se comparar a idade das vítimas nota-se média superior a idade do parceiro íntimo. Ao se estudar relações de poder entre ofensores do sexo masculino e mulheres vítimas de violência aponta-se que os sentimentos de superioridade podem advir de diferentes origens, sendo uma delas a idade superior a da vítima, havendo no perpetrador a ilusão de que pessoas mais jovens devem estar sujeitas aos sabores das mais velhas99. Antoniou E, Iatrakis G. Domestic violence during pregnancy in Greece. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(21):4222. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16214222
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,1515. Chasweka R, Chimwaza A, Maluwa A. Isn’t pregnancy supposed to be a joyful time? a cross-sectional study on the types of domestic violence women experience during pregnancy in Malawi. Malawi Med J. 2018;30(3):191-6. doi: https://doi.org/10.4314/mmj.v30i3.11
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.

No tocante as medidas tomadas a respeito da violência sofrida por elas, notou-se que 44,8% (2.561) das vítimas foram encaminhadas para rede de saúde (Unidade Básica de Saúde, hospital ou similares), 16,4% (939) para a Rede de Atendimento à Mulher e 15 % (862) para Delegacia de Atendimento à Mulher. Estudiosos sobre a temática apontam que o encaminhamento ágil à rede de saúde é uma das principais formas de prevenir riscos secundários à violência e garantir direitos integrais à saúde, inclusive do ponto de vista reprodutivo1818. Brandão ER. Sex hormones, gender moralities and emergency contraception in Brazil. Interface (Botucatu). 2018;22(66):769-76. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0216
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-2020. Marques SS, Riquinho DL, Santos MC, Vieira LB. Strategies for identification and coping with the violence situation by intimate partners of pregnant women. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(3):e67593. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.67593
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. Os profissionais atuantes em Unidades Básicas de Saúde, hospitais gerais ou especializados e demais equipamentos ligados direta ou indiretamente ao Sistema Único de Saúde, devem ser capacitados para o acolhimento das gestantes agredidas, consulta ampliada, realização de exames clínicos e laboratoriais, prevenção e controle de possíveis complicações ou outros agravos. No caso da violência sexual, ainda devem assegurar oferta imediata de contracepção de emergência, testagem para HIV e Infecções Sexualmente Transmissíveis e orientações sobre interrupção da gravidez nos casos previstos na lei2020. Marques SS, Riquinho DL, Santos MC, Vieira LB. Strategies for identification and coping with the violence situation by intimate partners of pregnant women. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(3):e67593. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.03.67593
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.

Uma consideração importante é que são frequentes disparidades entre os dados de notificações de violência feitas pelos serviços de saúde e o registro de denúncias em delegacias de polícia1414. Berhanie E, Gebregziabher D, Berihu H, Gerezgiher A, Kidane G. Intimate partner violence during pregnancy and adverse birth outcomes: a case-control study. Reprod Health. 2019;16(1):22. doi: https://doi.org/10.1186/s12978-019-0670-4
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. Algumas das justificativas apontadas em pesquisas são o medo do parceiro íntimo, a manutenção de afeto com o agressor, a vergonha da exposição e do atendimento policial e até mesmo a naturalização da violência1515. Chasweka R, Chimwaza A, Maluwa A. Isn’t pregnancy supposed to be a joyful time? a cross-sectional study on the types of domestic violence women experience during pregnancy in Malawi. Malawi Med J. 2018;30(3):191-6. doi: https://doi.org/10.4314/mmj.v30i3.11
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-1717. Gaspar RS, Pereira MUL. [Trends in reporting of sexual violence in Brazil from 2009 to 2013]. Cad Saúde Pública. 2018;34(11):e00172617. Portuguese. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00172617
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).

Por mais que as informações listadas na ficha de notificação contribuam consideravelmente para o reconhecimento do perfil e das características epidemiológicas da situação de violência sofrida por gestantes em São Paulo, este trabalho possui como limitações a interpretação de informações extraídas da ficha de notificação de casos suspeitos ou confirmados de violência que é um instrumento que não prevê dados de como se concluiu o período gestacional da mulher, por exemplo, ou se houve alguma complicação durante o parto, seja com o bebê ou com a própria vítima, aspectos que seriam relevantes para a análise. Outra limitação é a possibilidade de inclusões de notificações após o período de coleta dos dados para esta pesquisa, tendo em vista a dinamicidade da plataforma e o encerramento de casos tardiamente. Adicionalmente, aponta-se a regionalidade dos fatos, pois os achados refletem apenas um Estado brasileiro e que pode destoar de outras regiões.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostram que a maioria das vítimas eram solteiras, possuíam o ensino médio incompleto ou inferior e idade entre 20 e 34 anos. Quanto aos tipos de violência, fica evidenciado que a violência física é a agressão que mais acomete as mulheres gestantes. A respeito do meio de agressão empregado, as vítimas notificaram o uso da força corporal e/ou espancamento com maior incidência. O principal autor da violência, conforme os resultados, é o cônjuge e a maior parte dos agressores se encontravam na faixa etária de 25 a 59 anos. Em relação as medidas tomadas a respeito da violência sofrida pelas mulheres gestantes, a maioria das vítimas foram encaminhadas para rede de saúde, mas poucas para delegacias especializadas.

Acredita-se que os resultados desta pesquisa geram importantes contribuições à enfermagem e demais profissões da área da saúde à medida que a identificação do perfil das vítimas e das características da violência interpessoal possa fomentar discussões sobre políticas públicas de prevenção deste agravo e criação de formas mais seguras de atendimento às gestantes agredidas. Obviamente, fazem-se necessários replicações do estudo em outros Estados e análises estatísticas correlacionais mais profundas para compreensão do fenômeno. Todavia, este estudo mostra-se como disparador sobre a temática.

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Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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