Acessibilidade / Reportar erro

Complexidade do cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde

RESUMO

Objetivo

Compreender a complexidade do cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde.

Método

Estudo qualitativo com referencial teórico do Pensamento Complexo de Edgar Morin e metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados, versão Straussiana. Coleta por amostragem teórica, participaram doze profissionais de saúde e sete mulheres usuárias da rede de atenção em um município do sul do Brasil no período de julho a outubro de 2018. Análise por codificação aberta, axial e integração seletiva.

Resultados

O fenômeno “Cuidando da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde”, compreende quatro categorias: Percebendo a autonomia na tomada de decisões; Promovendo o cuidado; Desenvolvendo um trabalho multiprofissional e Acessando a rede de atenção à saúde.

Conclusão

Toda gestante de alto risco deve ser vista como um ser singular e multidimensional com cuidado integral e contínuo, que abrange a complexidade do real a nível local, regional e global.

Palavras-chave
Atenção à saúde; Cuidado pré-natal; Gravidez de alto risco; Serviços de saúde

ABSTRACT

Objective

To understand the complexity of high-risk care for pregnant women in the health care network.

Method

Qualitative study with theoretical framework of Edgar Morin's Complex Thought and Grounded Theory methodology, Strauss’s version. Data collection by theoretical sampling, including twelve health professionals and seven women users of the care network in a municipality in the south of Brazil from July to October 2018. Analysis by open and axial coding and selective integration.

Results

The phenomenon “Caring for high-risk pregnant women in the health care network”, comprises four categories: Noticing autonomous decision making; Promoting care; Developing multiprofessional work; and Accessing the health care network.

Conclusion

Every high-risk pregnant woman should be seen as a singular and multidimensional being with comprehensive and continuous care, considering the complexity of local, regional, and global reality.

Keywords
Delivery of health care; Prenatal care; Pregnancy high-risk; Health services

RESUMEN

Objetivo

Comprender la complejidad de la atención a la embarazada de alto riesgo en la red de atención a la salud.

Método

Estudio cualitativo utilizando la teoría del Pensamiento Complejo de Edgar Morin y la Teoría Fundamentada en su versión Straussiana como metodología. Dados colectados por muestreo teórico. Participaron doce profesionales de la salud y siete mujeres usuarias de la red de atención de un municipio del sur de Brasil de julio a octubre de 2018. Análisis por codificación abierta y axial e integración selectiva.

Resultados

El fenómeno “Atención a embarazadas de alto riesgo en la red de salud”, incluye cuatro categorías: Percepción de autonomía en la toma de decisiones; Promoción de la atención; Desarrollo de trabajo multiprofesional; y Acceso a la red de salud.

Conclusión

Toda embarazada de alto riesgo debe ser vista como un ser singular y multidimensional, recibir atención integral y continua, que considere la complejidad de la realidad local, regional y global.

Palabras clave
Atención a la salud; Atención prenatal; Embarazo de alto riesgo; Servicios de salud

INTRODUÇÃO

A gestação é um período de transformação, esperança, antecipação e preocupação para as mulheres e suas famílias11. Sondaal SFV, Browne JL, Amoakoh-Coleman M, Borgstein A, Miltenburg AS, Verwijs M, et al. Assessing the effect of mhealth interventions in improving maternal and neonatal care in low- and middle-income countries: a systematic review. PLoS One. 2016;11(5):e0154664. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0154664
https://doi.org/10.1371/journal.pone.015...
. É um evento fisiológico e natural, mas associada a fatores de risco pode causar incapacidade ou morte da mãe e/ou do feto22. Badakhsh M, Hastings-Tolsma M, Firouzkohi M, Amirshahi M, Hashemi ZS. The lived experience of women with a high-risk pregnancy: a phenomenology investigation. Midwifery. 2020;82:102625. doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.102625
https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.1026...
. O cuidado pré-natal adequado garante o desenvolvimento da gravidez, possibilitando o parto e um recém-nascido saudável, sem impacto na saúde materna33. Byerley BM, Haas DM. A systematic overview of the literature regarding group prenatal care for high-risk pregnant women. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;17(1):329. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-017-1522-2
https://doi.org/10.1186/s12884-017-1522-...
.

No cenário mundial, 87% das mulheres grávidas têm acesso pelo menos uma vez a consulta pré-natal com profissional de saúde qualificado e menos de três em cinco gestantes realizam quatro consultas pré-natais. As porcentagens não levam em consideração o nível de habilidade do profissional de saúde ou a qualidade do atendimento, os quais ambos podem influenciar se esse atendimento realmente consegue trazer melhorias a saúde materna e do recém-nascido44. United Nations International Children's Emergency Fund. Antenatal care [Internet]. Washington, DC: Unicef; 2021 [cited 2021 Apr 1]. Available from: https://data.unicef.org/topic/maternal-health/antenatal-care/
https://data.unicef.org/topic/maternal-h...
.

A Organização Mundial da Saúde atualizou suas recomendações de um mínimo de quatro para um mínimo de oito consultas pré-natais para reduzir a mortalidade perinatal e melhorar a experiência desse cuidado para as mulheres. No entanto, observa-se que ainda existem variações de consultas pré-natais dentro dos países e entre eles55. World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2021 Mar 30]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-webannexes-eng.pdf?sequence=5
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
. No Brasil, a recomendação é de no mínimo seis consultas pré-natais, sendo a primeira até a vigésima semana de gestação66. Mario DN, Rigo L, Boclin KLS, Malvestio LMM, Anziliero D, Horta BL, et al. Qualidade do pré-natal no Brasil: pesquisa nacional de saúde 2013. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(3);1223-32. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.13122017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018243...
.

A Rede Materno-Infantil, instituída em 2011 como Rede Cegonha e consolidada pela Portaria nº. 3 de 28 de setembro de 2017, é a estratégia que surgiu para implementar uma rede de cuidados que assegure às mulheres o direito ao pré-natal, parto e nascimento, puerpério e atenção integral à saúde da criança até dois anos de idade e sistema logístico (transporte sanitário e regulação). O componente pré-natal requer a compreensão do cuidado à gestante em toda a rede, bem como de suas ações para o alcance de uma assistência ativa e resolutiva77. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 2017 out 3 [cited 2021 Apr 1];154(190 Seção 1 Suppl.):192-288. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=03/10/2017&jornal=1040&pagina=192&totalArquivos=716
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
.

O cuidado pré-natal pode ser compreendido como um cuidado complexo, seja pelas alterações metabólicas e hormonais necessárias para a manutenção e desenvolvimento do feto, como por meio das interações/inter-relação dos pontos de atenção que compõem uma rede de cuidados. Entende-se por interações/inter-relação a influência dos elementos, uns sobre os outros. A complexidade é relativa e aumenta com o número de componentes em um sistema, o número de relações entre eles e a singularidade destas relações88. Morin, E. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina; 2011..

Embora o cuidado pré-natal utilize critérios de avaliação da qualidade, como: acesso, número de consultas ou a idade gestacional no início do acompanhamento, deve-se considerar a complexidade do cuidado prestado à gestante, principalmente, àquela identificada como de alto risco, incluindo um acompanhamento profissional compartilhado, detalhado e intensificado com identificação de fatores de risco e sinais de alerta. A realização desta identificação precoce e adequada requer conhecimento da fisiopatologia obstétrica e a busca por serviços especializados99. Medeiros FF, Santos IDL, Ferrari RAP, Serafim D, Maciel SM, Cardelli AAM. Prenatal follow-up of high-risk pregnancy in the public service. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):204-11. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0425
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

O cuidado da gestante de alto risco deve ser concebido como um processo singular, que envolve interações, reflexões e autoconhecimento, respeitando e aceitando as singularidades desta gestante enquanto participante ativa de todo o processo. E, para obter qualidade nesse cuidado, questiona-se: como acontece o cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde?

A relevância deste estudo é definida por fornecer subsídios para aprimorar a prática do cuidado. Deste modo, delineou-se como objetivo compreender a complexidade do cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde.

MÉTODO

Estudo qualitativo. Adotou-se como referencial teórico o Pensamento Complexo de Edgar Morin88. Morin, E. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina; 2011.. O referencial metodológico que conduziu este estudo foi a Teoria Fundamentada nos Dados, na versão Straussiana1010. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015. , que busca a compreensão dos fenômenos sociais a partir dos significados das relações e interações entre os sujeitos e possibilita ir além da descrição, procura a criação ou descoberta de uma teoria em um processo ou ação que explique como as pessoas estão experimentando um fenômeno1010. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015. -1111. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201702...
.

O estudo foi realizado em um município no sul do Brasil. A rede de atenção à saúde municipal para assistência às gestantes no pré-natal, parto e puerpério apresentava em sua composição quinze equipes de saúde da família, um ambulatório com especialidade em ginecologia e obstetrícia e um hospital geral regional. As duas maternidades habilitadas e referências para parto e assistência ao pré-natal de gestantes de alto risco estavam localizadas a uma distância de 214,1 km e 217,2 km, respectivamente.

Os participantes foram elencados por meio de amostragem teórica1010. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015. . Iniciou-se a coleta com pessoas consideradas pertinentes para responder à questão e objetivo da investigação. Participaram doze profissionais de saúde com formação e atuação nas áreas de enfermagem e medicina, sendo dez enfermeiras e duas médicas. Sete enfermeiras atuavam em equipes de saúde da família que realizavam pré-natal em sua área de abrangência. Cada equipe composta por no mínimo um enfermeiro, um médico, um dentista, um auxiliar de consultório dentário, dois técnicos de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. Três enfermeiras e duas médicas entrevistadas atuavam no ambulatório de especialidade em ginecologia e obstetrícia e compunham a equipe deste serviço, sendo que, uma médica atuava ainda no hospital geral regional localizado no município.

Conforme o retorno das primeiras coletas e análise dos dados, os próximos entrevistados foram elencados de acordo com a necessidade de aprofundamento do estudo, a amostra não foi definida a priori. Considerou-se a hipótese de que para se compreender todo o processo de cuidado da gestante de alto risco, seria pertinente também conhecer a vivência pessoal de mulheres que vivenciaram esta situação. Este fato desencadeou a busca por uma nova amostragem com a alteração característica dos sujeitos, composta desta vez por seis gestantes e uma puérpera que estavam recebendo ou receberam cuidados na rede de atenção à saúde enquanto gestantes de alto risco. A captação da segunda amostragem ocorreu por meio da identificação das mulheres que aguardavam na sala de espera para consulta com a equipe do ambulatório de especialidade em ginecologia e obstetrícia.

A composição de grupos amostrais com participantes diferentes, mas com experiências relevantes em relação ao fenômeno em investigação é uma das estratégias para obtenção da amostragem teórica1111. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201702...
. O tamanho da amostra foi determinado pela saturação teórica dos dados, quando as informações obtidas foram consideradas suficientes e já não apresentavam mais novos conceitos1010. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015. .

Como critério para inclusão dos participantes elencou-se o tempo de atuação igual ou superior a seis meses para os profissionais de saúde em sua área de atuação e o fato de atuarem em equipes de saúde da família e/ou ambulatório de especialidade em ginecologia e obstetrícia. Para as gestantes, o critério foi estar vivenciando uma gestação atual de alto risco, conforme diagnóstico clínico, e, para puérpera, até 40 dias pós-parto.

Como critério de exclusão para os profissionais de saúde determinou-se a ausência no trabalho por motivo de férias ou licença de qualquer natureza. Para as gestantes e puérpera os critérios de exclusão foram determinados por não realizarem o cuidado pré-natal e/ou pós-natal na rede de atenção à saúde e residirem em município onde não estava sendo realizada a pesquisa.

A coleta de dados compreendeu o período de julho a outubro de 2018. As entrevistas ocorreram no ambiente de trabalho de cada profissional e na sala de espera para atendimento no ambulatório de especialidade sem limitações no acesso e os participantes tiveram total liberdade na escolha da data, local e horário. As entrevistas foram gravadas em um dispositivo eletrônico de áudio, com duração média de 15 minutos, armazenadas em gravador de voz, transcritas na íntegra, utilizando o Microsoft Office Word®, validadas pelos participantes e inseridas no software ATLAS.ti® versão 8.0, onde foi realizado o processo de organização e análise dos dados. Não houve desistências na participação da pesquisa.

A pergunta inicial feita a todos os profissionais de saúde foi: O que significa para você o cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde? Entende-se que esta pergunta foi aberta e ampla para explorar a partir dela, as práticas clínicas no cuidado da gestante de alto risco e o significado atribuído por estes profissionais. Quanto às gestantes e puérpera participantes, a entrevista aconteceu da mesma forma, aberta e ampla, porém com o questionamento inicial sobre a experiência em relação ao acompanhamento de sua gestação de alto risco na rede de atenção à saúde.

A análise de dados ocorreu pelo processo de codificação aberta, axial e integração seletiva, categorizando os dados em códigos preliminares e conceituais até chegar às principais categorias. O modelo paradigmático facilitador proposto por Corbin e Strauss (Figura 1) possibilitou a realização das conexões teóricas entre as categorias e destas com a categoria central ordenando-as em condições (razões dadas pelos informantes para o acontecimento de determinado fato, bem como explicações sobre os motivos pelos quais respondem de uma dada maneira a uma ação), ações-interações (resposta expressa pelos participantes aos eventos ou a situações problemáticas) e consequências (resultados previstos ou reais das ações-interações)1010. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015. -1111. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201702...
.

Figura 1 -
Modelo paradigmático.

Durante toda a fase de coleta e análise de dados utilizou-se memorandos e diagramas com a finalidade de registrar reflexões e interpretações. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o parecer nº. 2.772.140/2017, seguindo as recomendações da Resolução n.º 466/2012 e nº. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. As entrevistas foram consentidas pelos participantes mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os depoimentos identificados com as letras “P” (Profissionais) e “U” (Usuárias) associados a números conforme a ordem das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os doze participantes profissionais de saúde participantes do estudo eram do sexo feminino, tinham em média 36,2 anos de idade, com formação e atuação nas áreas de enfermagem e medicina. Quanto ao tempo de atuação nas áreas afins, constatou-se uma média de 11,2 anos.

Quanto às participantes gestantes e puérpera incluídas na segunda amostra, a idade média foi de 24,5 anos, sendo que uma concluiu o ensino fundamental, cinco concluíram o ensino médio e uma o ensino superior. Em relação à ocupação, cinco estavam trabalhando em empregos formais. A composição familiar dessas mulheres tinha uma média de 3,4 pessoas e o número de filhos por mulher 2,6.

A partir da análise e interação dos dados construiu-se a teoria substantiva e suas quatro categorias (Figura 2).

Figura 2 -
Diagrama representativo do fenômeno central e suas categorias.

As categorias foram apresentadas segundo os componentes analíticos: Condições (percebendo a autonomia na tomada de decisões), Ações-interações (promovendo o cuidado e desenvolvendo um trabalho multiprofissional) e Consequências (acessando a rede de atenção à saúde), conforme descritas na Figura 2 .

Percebendo a autonomia na tomada de decisões

A autonomia na prática dos enfermeiros frente ao atendimento das gestantes de alto risco na atenção primária destacou-se para a tomada de decisões assistenciais que envolviam o encaminhamento das gestantes para um outro nível de atenção. O enfermeiro tem papel estratégico no cuidado pré-natal e suas ações englobam a consulta de enfermagem com execução autônoma no atendimento.

Dependendo do risco o médico tem participação ou não. Entro em contato por telefone com a enfermeira responsável no ambulatório e ela já agenda a consulta com mais urgência. Esse processo não tenho dificuldade nenhuma em fazer. Quando evidencio um alto risco que necessita urgência, encaminho diretamente para o hospital. (P04)

A primeira vez aqui na unidade eu já vejo a queixa principal, e caso seja relevante encaminho ao médico no período que está na unidade comigo, mas se ele não estiver e eu identificar que é algo muito sério, já mando para o nosso hospital que é referência para um primeiro atendimento médico especializado. (P05)

Como a atenção as mulheres na gestação ultrapassam o domínio de apenas um profissional, o médico, por sua formação, tem papel fundamental na obtenção de desfechos favoráveis para a mãe e para o bebê. Contudo, na pesquisa realizada evidenciou-se a falta de conhecimento em muitos dos atendimentos médicos realizados na atenção primária, sendo este um fator de destaque relatado pelos profissionais da atenção especializada. O despreparo para a clínica médica é um fator identificado como impulsionador para não atingir autonomia na tomada de decisões. Outro aspecto dificultador encontrado foi a rotatividade dos médicos.

A troca de médicos nas equipes de saúde é muito grande. Eles ficam um ano e saem para fazer residência, então na realidade eles ficam inseguros ou até por falta de conhecimento mesmo [...] Na realidade, muitas das gestantes nem precisariam estar no ambulatório, mas por precaução a gente acaba atendendo. (P08)

Mesmo que o escore da paciente não delimite alto risco, acabamos, muitas vezes, atendendo [...] A gente prefere assim. Os nossos médicos das unidades de saúde têm bastante receio. Infelizmente, eles ainda têm muito medo de manejar as gestantes e como eles trocam muito, às vezes, eles mandam até só para uma avaliação. (P11)

[...] deixamos uma porta aberta no ambulatório para qualquer situação da dúvida da equipe da APS e do médico. [...]. Até a gente pensa em melhorar este protocolo. (P09)

Na assistência às gestantes de alto risco, é preciso que a atenção em todos os níveis de complexidade seja desenvolvida com foco no cuidado e na manutenção da saúde, tanto da mãe quanto do bebê em formação sem sobreposição de profissionais, mais com complementação. O simples encaminhamento da gestante de alto risco de um serviço para outro, isento de sua continuidade e/ou compartilhamento, não garante a prestação de uma assistência resolutiva1212. Oliveira LCC, Lima GMB. Gestação de alto risco e o acompanhamento pré-natal no município de Cuité-PB: um estudo na zona urbana. Rev Ciênc Saúde Nova Esperança. 2017;15(2):67-76. doi: https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p66-76
https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p...
.

A utilização de protocolos auxilia na conduta e tomada de decisão. Está comprovado que com a implementação oportuna e adequada de práticas baseadas em evidências e profissionais capacitados com disponibilidade de recursos materiais e estruturais os cuidados pré-natais podem salvar vidas, e se constituem ainda como uma oportunidade para apoiar as mulheres, as famílias e as comunidades, em fases críticas de suas vidas55. World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2021 Mar 30]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-webannexes-eng.pdf?sequence=5
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
.

Promovendo o cuidado

O início oportuno do pré-natal foi apontado como um fator primordial ao desfecho de toda a gestação, sendo possível constatar na pesquisa que este iniciava na unidade de saúde e com a consulta realizada pelo profissional enfermeiro.

[...] eu geralmente começo fazendo os cuidados conforme sintomas apresentados dessa gestante de alto risco. Depois eu encaminho para o clínico para que ele tome a conduta medicamentosa necessária e faça se necessário o encaminhamento para o ginecologista [...]. (P01)

A minha prática clínica no cuidado da gestante de alto risco se inicia na primeira consulta de pré-natal que geralmente na unidade de saúde é a enfermeira que sempre realiza. Quando na primeira é onde a gestante vai referir tudo que precisamos saber sobre ela e sua gestação, conseguimos identificar uma gestação de alto risco ou ainda não, pois outras situações serão analisadas ao decorrer do pré-natal. Quando a gestante já é confirmada de alto risco, sigo um princípio de não deixar para amanhã o que pode ser feito hoje. (P04)

Segundo estudo realizado no Brasil, a cobertura do cuidado pré-natal é ampla, mas esse panorama vai se modificando à medida que se consideram outros parâmetros. Ao incluir recomendações como o número mínimo de consultas e exames realizados e vinculação à maternidade para o parto, a adequação se reduz para pouco mais de um quarto de todas as mulheres, diminuindo ainda mais se considerarmos a vinculação efetiva à maternidade1313. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica. 2020;54(8):1-12. doi: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001458
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020...
.

A esse respeito, o acompanhamento pré-natal até o momento do parto e a definição da maternidade de referência para as gestantes de alto risco faz parte da atenção à saúde. A gravidez de alto risco não deve ser encarada como uma doença, mas como condição que requer acompanhamento detalhado. A evitabilidade do óbito materno e neonatal está mais associada às condições técnicas de assistência ao pré-natal e ao parto do que à existência de sofisticada tecnologia de terapia intensiva1414. Lima SS, Braga MC, Vanderlei LCM, Luna CF, Frias PG. Avaliação do impacto de programas de assistência pré-natal, parto e ao recém-nascido nas mortes neonatais evitáveis em Pernambuco, Brasil: estudo de adequação. Cad Saúde Pública. 2020;36(2):e00039719. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00039719
https://doi.org/10.1590/0102-311X0003971...
-1515. Vieira VCL, Barreto MS, Marquete VF, Souza RR, Fischer MMJB, Marcon SS. Vulnerability of high-risk pregnancy in the perception of pregnant women and their families. Rev Rene. 2019;20:e40207. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192040207
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192...
.

Nesta pesquisa observou-se que a identificação do risco pela atenção primária no início da gestação e no decorrer desta é uma preocupação que os profissionais do ambulatório de especialidade possuem, uma vez que o acompanhamento pré-natal objetiva a identificação precoce dos riscos, a prevenção e manejo de doenças. Por sua vez, a experiência das gestantes de alto risco demonstraram confiança no cuidado recebido durante o pré-natal, seja na atenção especializada ou na atenção primária:

Meu médico da unidade me mandou para o ambulatório porque meu primeiro ultrasson com dopller deu pré-eclâmpsia e agora porque meu bebê está muito pequeno para meu tempo de gestação. (U02)

Eu comecei no postinho [...] a enfermeira fez alguns exames e o médico viu que eu era de alto risco porque meu exame de tireoide deu alterado. Acho que eu já estava de 3 meses. (U03)

A atuação de profissional capacitado para o cuidado pré-natal engloba a recomendação, orientação, encaminhamento, investigação, avaliação, prescrição e solicitação e deve estar pautado em evidências científicas oportunas55. World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2021 Mar 30]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-webannexes-eng.pdf?sequence=5
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
.

Em uma análise da assistência prestada à gestante no Brasil, se identificou como potencial disparador a permanência do vínculo desta gestante a sua unidade de origem99. Medeiros FF, Santos IDL, Ferrari RAP, Serafim D, Maciel SM, Cardelli AAM. Prenatal follow-up of high-risk pregnancy in the public service. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):204-11. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0425
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
. Outro estudo descreve que muitas gestantes que realizam, inicialmente, o acompanhamento pré-natal em ambulatórios de alto risco, após a estabilização do quadro clínico retornam ao risco intermediário ou baixo risco (atenção primária), prosseguindo neste até o final da gestação1212. Oliveira LCC, Lima GMB. Gestação de alto risco e o acompanhamento pré-natal no município de Cuité-PB: um estudo na zona urbana. Rev Ciênc Saúde Nova Esperança. 2017;15(2):67-76. doi: https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p66-76
https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p...
.

Desenvolvendo um trabalho multiprofissional

Para uma assistência de qualidade, as ações de cuidado devem contar com interação profissional. Neste contexto, três enfermeiras entrevistadas das unidades de saúde afirmaram que avaliavam os riscos gestacionais com o médico da equipe e juntos referenciavam ao nível de atenção oportuno.

Eu geralmente começo fazendo os cuidados conforme sintomas apresentados dessa gestante. Depois eu encaminho para o clínico para que ele tome a conduta medicamentosa necessária e faça o encaminhamento para o ginecologista. O médico da minha unidade que tem essa responsabilidade, mas atuamos juntos. (P01)

Juntamente com o médico da unidade, discutimos o caso e é realizado o contato com o ambulatório. Eu e ele que mandamos [...]. A gente senta, conversa e decide junto. (P03)

A gente faz a consulta compartilhada na unidade de saúde, nós avaliamos a situação da paciente e caso seja de risco a mesma é encaminhada ao ambulatório [...] onde lá será acompanhada pelo ginecologista. (P06)

A pesquisa detalha ações que acontecem na prática que reforçam a importância desta ação, mas consegue-se observar a existência de um trabalho ainda fragmentado na atuação conjunta médico e enfermeiro. Esta fragmentação tem como um dos fatores a ausência deste profissional em alguns horários de atendimento da unidade de saúde.

A atenção primária, porta de entrada do SUS, tem função importante no rastreamento de potenciais agravantes da gestação, com destaque para a condição social, ambiental, psicológica e de saúde das gestantes e para seus antecedentes pessoais e familiares, sendo também definidora do fluxo de encaminhamento das gestantes de alto risco na rede de atenção, uma vez que é responsável por captar, estratificar o risco e vincular aos demais níveis de atenção à saúde1616. Sanine PR, Venancio SI, Silva FLG, Aratani N, Moita MLG, Tanaka OY. Atenção ao pré-natal de gestantes de risco e fatores associados no Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2019;35(10):e00103118. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00103118
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010311...
.

Acessando a rede de atenção à saúde

Sobre a articulação para atendimento e encaminhamento da gestante de um nível de atenção para outro, os profissionais das unidades básicas de saúde relataram não ter dificuldades. Já no ambulatório de especialidade se identificou fragilidades em relação ao hospital geral regional e as maternidades de referência, principalmente, no que tange à comunicação entre os pontos de atenção para o encaminhamento da gestante de alto risco.

A gestante de alto risco consulta lá no ambulatório da maternidade de referência e vem sem nenhuma anotação. [...] temos que acreditar só no que elas dizem. (P08)

O problema maior que a gente encontra é numa emergência, a gestante está aqui consultando comigo no ambulatório, está com 160/100 de pressão e eu preciso fazer um rastreio rápido, suspeitando de uma pré-eclâmpsia. Aí eu tenho que mandar hospitalizar e ali ela faz o rastreio em dois dias no hospital, até porque ela tem que ficar em repouso e medicada pois está com a pressão alta. É difícil, pelo menos antes de ter a unidade neonatal eles negavam dizendo que não poderiam atender mãe e recém-nascido se for grave. (P09)

Como eu trabalho também no hospital e sei que ele não é referência para alto risco a gente passa dificuldade, porque recebemos gestantes de alto risco [...] Mas a gente não tem um suporte tão bom para gestação de alto risco e isso é muito ruim. A gente passa muito trabalho quando essa gestante precisa ser encaminhada para outro hospital, pela regulação. A gente não consegue leito, ou tem para mãe ou tem para o bebê, os dois é o maior trabalho [...]. (P12)

Dessa maneira, a pesquisa aponta questões de grande impacto na saúde materno infantil, por meio das falas dos profissionais de saúde quando se referem a dificuldade de conseguirem um leito para internar uma gestante de alto risco. Fica evidente, a insuficiência de infraestrutura na atenção terciária do hospital regional para o atendimento de gestantes de alto risco e para os nascimentos que necessitam de leito em unidade de terapia intensiva neonatal. Contudo, nos relatos das mulheres atendidas nos ambulatórios de alto risco das maternidades de referência localizados na capital observou-se contentamento.

[...] em todos os lugares meu atendimento tem sido bom. Lá no ambulatório em [...] o município até leva a gente. (U03)

Fui atendida [...] e gostei bastante, eles explicam tudo para a gente. O que veio escrito para mim em um papel foi somente a data da minha próxima consulta. (U04)

Os profissionais do ambulatório de alto risco relataram que realizavam orientação para as gestantes continuarem frequentando a sua unidade de saúde e para esta acompanhar o processo gestacional. As profissionais de saúde das unidades primárias afirmaram que faziam este acompanhamento. Todavia, as gestantes quando indagadas, foram unânimes em responder que após serem encaminhadas ao ambulatório de alto risco não frequentavam mais a atenção primária.

Eu tive lá [unidade de saúde] porque vim aqui [ambulatório de alto risco] e fizeram um papelzinho onde me mandaram ir lá [unidade de saúde] pra agendar o atendimento aqui [ambulatório de alto risco]. Agora venho sempre aqui pra ser atendida. (U02)

Não voltei mais na minha unidade, agora só consulto aqui [ambulatório de alto risco] e em Florianópolis. (U04)

Estudo realizado na China procurou explorar as relações de complicações da gravidez e resultados neonatais de uma determinada população de nascimentos regionais. O objetivo foi evidenciar como a gravidez de alto risco estaria vinculada à taxa de mortalidade perinatal e neonatal regional. Com isso, a pesquisa revelou em um cenário de estudo de 151 hospitais que prestam serviços de assistência neonatal, que estratégias como: a caracterização da incidência de complicações pré-natais e intraparto, o modo de parto associado a riscos perinatais e neonatais e resultados de hospitais regionais, podem facilitar a estimativa da eficácia de políticas e programas relacionados à gravidez e ao parto em todo o país, bem como a limitação de sobrecarga e recursos1717. Sun L, Yue H, Sun B, Han L, Tian Z, Qi M, et al. Estimation of high risk pregnancy contributing to perinatal morbidity and mortality from a birth population-based regional survey in 2010 in China. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:338. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338
https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338...
.

Nessa direção, evidencia-se que uma rede de cuidados regionalizada e articulada com adequado registro sobre as condutas e encaminhamentos realizados durante o cuidado das gestantes de alto risco supera uma atenção fragmentada, unilateral e simplificada e aponta para um cuidado multidimensional, contextualizado, integrado e singular com foco no bem-estar do binômio: mãe e bebê em desenvolvimento1717. Sun L, Yue H, Sun B, Han L, Tian Z, Qi M, et al. Estimation of high risk pregnancy contributing to perinatal morbidity and mortality from a birth population-based regional survey in 2010 in China. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:338. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338
https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338...
-1818. Kahl C, Cunha KS, Lanzoni GMM, Higashi GDC, Erdmann AL, Baggio MA. Referral and counter-referral: repercussions of coronary artery bypass graft in the perspective of Primary Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2359-66. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0598
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
.

A partir disso, a construção do novo só é capaz de acontecer pelas possibilidades de transformações reconhecendo a complexidade das realidades e de suas interações. No cuidado da gestante de alto risco noções contraditórias, tais como a ordem e a desordem, as certezas e as incertezas, concebem em um mesmo fenômeno complexo observado88. Morin, E. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina; 2011.. A ordem baseia-se no funcionamento integrado do cuidado na rede de atenção, já a desordem, elucida o que não funciona adequadamente nesta mesma rede. Embora o acesso e a disponibilidade de profissionais para a assistência tenham se ampliado, observam-se lacunas na qualidade da prestação de serviços, principalmente, no sentido da garantia da integralidade e da singularização do cuidado da gestante de alto risco1919. Brazil. Ministério da Saúde. Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016 [cited 2021 Apr 2]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab...
.

Somam-se a isso as repercussões das principais características propostas para a rede de saúde: formação de relações horizontais entre os pontos de atenção, centro de comunicação na atenção primária, centralidade nas necessidades de saúde de uma população, responsabilização com a atenção contínua e integral, cuidado multiprofissional, compartilhamento de objetivos e compromissos com os resultados sanitários e econômicos2020. Arruda C, Lopes SGR, Koerich MHAL, Winck DR, Meirelles BHS, Mello ALSF. Health care networks under the light of the complexity theory. Esc Anna Nery. 2015 [cited 2021 Apr 02];19(1):169-73. Available from: https://www.scielo.br/j/ean/a/RGjRnvjbyMstF7VF6wtr7LD/?format=pdf⟨=en
https://www.scielo.br/j/ean/a/RGjRnvjbyM...
.

Um coletivo constituído pela totalidade das práticas, das atitudes e dos componentes de todo este sistema é o que dá sustentação à dinâmica do cuidado. Entretanto, no contexto estudado, esforços de colaboração no cuidado das gestantes de alto risco entre os três níveis de atenção ainda são insuficientes para redefinir essas relações.

Identificou-se potencialidades e fragilidades na consolidação desta rede de atenção. Entre as potencialidades tem-se a facilidade no acesso aos serviços de saúde entre a APS e ambulatório de alto risco municipal, mesmo que nem sempre devidamente indicados, e a comunicação satisfatória entre estes dois pontos de atenção.

Quanto às fragilidades, há desarticulação entre os níveis de atenção registrados neste estudo, especialmente, quando se trata de encaminhamentos do ambulatório de alto risco para o hospital geral regional localizado no município e aos serviços de referência em média e alta complexidade localizados na capital, de maneira que não há garantia de acesso à assistência a esses níveis, mesmo quando extremamente necessários.

A atenção primária por estar próxima das gestantes tem a possibilidade de estabelecer vínculos com a comunidade melhorando as relações de referência e contrarreferência com a atenção secundária e terciária à saúde. Uma ferramenta complementar do cuidado consiste no prontuário eletrônico e nos sistemas de informação, que tem sido um importante aliado na gestão de fluxos no SUS.

Muitos são os desafios quando se assume a responsabilidade de acolher a gestante e tão importante quanto os resultados alcançados é todo o processo de cuidado que envolve o pré-natal.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados foi possível identificar aspectos que tornam frágil o cuidado da gestante de alto risco na rede de atenção à saúde. Entre estes, destaca-se a comunicação pouco efetiva entre os profissionais de saúde dos diferentes pontos de atenção, com ênfase na comunicação verbal, a fragmentação da atenção, a inexperiência e rotatividade dos profissionais médicos, a descontinuidade do atendimento das gestantes de alto risco na atenção primária após serem encaminhadas para outros níveis da rede de atenção à saúde e a referência e contrarreferência entre a atenção secundária e terciária local e nas maternidades de referência.

A disseminação do cuidado compartilhado em todos os níveis de atenção é a estratégia para um trabalho integrado e a potencialização das mudanças necessárias. Mas para que aconteça, é necessário que os profissionais de saúde se responsabilizem pela continuidade da assistência, e que os processos de trabalho estejam organizados.

Os achados desta investigação apontam ainda para a necessidade de toda a gestante de alto risco ser vista como um ser multidimensional e singular, que necessita de um cuidado integral e contínuo, o que vai ao encontro do pensamento complexo, que abrange a complexidade do real, tanto a nível local, regional e global.

Como limitação deste estudo, cita-se o fato de este ter sido realizado com amostragem em um único município e o tempo para realização diante da complexidade do método. Entretanto, como contribuições para a área da saúde e enfermagem, este estudo evidencia a necessidade de uma rede de atenção integrada para o cuidado da gestante de alto risco por meio da construção de um modelo teórico para aplicabilidade prática fundamentado na compreensão dos significados atribuídos pelos participantes. Espera-se que as reflexões aqui apresentadas possam incitar inovações para o ensino e pesquisa com estudos com rigor metodológico e produção de conhecimento de qualidade que possa subsidiar a organização dos serviços de saúde e a prática profissional.

REFERENCES

  • 1. Sondaal SFV, Browne JL, Amoakoh-Coleman M, Borgstein A, Miltenburg AS, Verwijs M, et al. Assessing the effect of mhealth interventions in improving maternal and neonatal care in low- and middle-income countries: a systematic review. PLoS One. 2016;11(5):e0154664. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0154664
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0154664
  • 2. Badakhsh M, Hastings-Tolsma M, Firouzkohi M, Amirshahi M, Hashemi ZS. The lived experience of women with a high-risk pregnancy: a phenomenology investigation. Midwifery. 2020;82:102625. doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.102625
    » https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.102625
  • 3. Byerley BM, Haas DM. A systematic overview of the literature regarding group prenatal care for high-risk pregnant women. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;17(1):329. doi: https://doi.org/10.1186/s12884-017-1522-2
    » https://doi.org/10.1186/s12884-017-1522-2
  • 4. United Nations International Children's Emergency Fund. Antenatal care [Internet]. Washington, DC: Unicef; 2021 [cited 2021 Apr 1]. Available from: https://data.unicef.org/topic/maternal-health/antenatal-care/
    » https://data.unicef.org/topic/maternal-health/antenatal-care/
  • 5. World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2021 Mar 30]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-webannexes-eng.pdf?sequence=5
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-webannexes-eng.pdf?sequence=5
  • 6. Mario DN, Rigo L, Boclin KLS, Malvestio LMM, Anziliero D, Horta BL, et al. Qualidade do pré-natal no Brasil: pesquisa nacional de saúde 2013. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(3);1223-32. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.13122017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.13122017
  • 7. Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 2017 out 3 [cited 2021 Apr 1];154(190 Seção 1 Suppl.):192-288. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=03/10/2017&jornal=1040&pagina=192&totalArquivos=716
    » https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=03/10/2017&jornal=1040&pagina=192&totalArquivos=716
  • 8. Morin, E. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina; 2011.
  • 9. Medeiros FF, Santos IDL, Ferrari RAP, Serafim D, Maciel SM, Cardelli AAM. Prenatal follow-up of high-risk pregnancy in the public service. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):204-11. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0425
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0425
  • 10. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.
  • 11. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
    » https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
  • 12. Oliveira LCC, Lima GMB. Gestação de alto risco e o acompanhamento pré-natal no município de Cuité-PB: um estudo na zona urbana. Rev Ciênc Saúde Nova Esperança. 2017;15(2):67-76. doi: https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p66-76
    » https://doi.org/10.17695/revcsnevol15n2p66-76
  • 13. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica. 2020;54(8):1-12. doi: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001458
    » https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001458
  • 14. Lima SS, Braga MC, Vanderlei LCM, Luna CF, Frias PG. Avaliação do impacto de programas de assistência pré-natal, parto e ao recém-nascido nas mortes neonatais evitáveis em Pernambuco, Brasil: estudo de adequação. Cad Saúde Pública. 2020;36(2):e00039719. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00039719
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00039719
  • 15. Vieira VCL, Barreto MS, Marquete VF, Souza RR, Fischer MMJB, Marcon SS. Vulnerability of high-risk pregnancy in the perception of pregnant women and their families. Rev Rene. 2019;20:e40207. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192040207
    » https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192040207
  • 16. Sanine PR, Venancio SI, Silva FLG, Aratani N, Moita MLG, Tanaka OY. Atenção ao pré-natal de gestantes de risco e fatores associados no Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2019;35(10):e00103118. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00103118
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00103118
  • 17. Sun L, Yue H, Sun B, Han L, Tian Z, Qi M, et al. Estimation of high risk pregnancy contributing to perinatal morbidity and mortality from a birth population-based regional survey in 2010 in China. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14:338. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338
    » https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-338
  • 18. Kahl C, Cunha KS, Lanzoni GMM, Higashi GDC, Erdmann AL, Baggio MA. Referral and counter-referral: repercussions of coronary artery bypass graft in the perspective of Primary Care. Rev Bras Enferm. 2018;71(5):2359-66. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0598
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0598
  • 19. Brazil. Ministério da Saúde. Protocolos da Atenção Básica: saúde das mulheres [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde, Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa; 2016 [cited 2021 Apr 2]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
    » http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
  • 20. Arruda C, Lopes SGR, Koerich MHAL, Winck DR, Meirelles BHS, Mello ALSF. Health care networks under the light of the complexity theory. Esc Anna Nery. 2015 [cited 2021 Apr 02];19(1):169-73. Available from: https://www.scielo.br/j/ean/a/RGjRnvjbyMstF7VF6wtr7LD/?format=pdf⟨=en
    » https://www.scielo.br/j/ean/a/RGjRnvjbyMstF7VF6wtr7LD/?format=pdf⟨=en

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2021
  • Aceito
    06 Dez 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br