Produção científica de enfermagem em saúde mental sob o referencial da fenomenologia

RESUMO

Objetivo:

Mapear e caracterizar os estudos produzidos pelos programas de pós-graduação stricto sensu acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental a partir do arcabouço teórico da fenomenologia.

Método:

Pesquisa bibliográfica, retrospectiva e descritiva, realizada em outubro de 2022, tendo como fonte de dados o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Para a estratégia de busca, utilizou-se o termo livre “fenomenologia” associado ao operador booleano “AND” e ao descritor “Saúde Mental”.

Resultados:

Identificaram-se 22 estudos, destes, 15 (68%) foram do tipo dissertação e sete (32%), teses de doutoramento. Houve predominância do pensamento de Schütz como referencial fenomenológico.

Considerações finais:

As produções científicas de enfermagem em saúde mental à luz da fenomenologia refletem um panorama oscilante. Embora ainda incipiente, o interesse pelo arcabouço de fenomenologia acende perspectivas para um paradigma de cuidado que valorize as singularidades e potencialidades dos usuários.

Palavras-chave:
Enfermagem; Saúde mental; Pesquisa em enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To map and characterize the studies produced by stricto sensu postgraduate programs on mental health nursing care using the theoretical framework of phenomenology.

Method:

Bibliographic, retrospective, and descriptive research, carried out in October 2022 using the Catalog of Theses and Dissertations of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel as a data source. The search strategy associated the term “phenomenology” with the Boolean operator “AND” and the descriptor “Mental Health”.

Results:

22 studies were identified, 15 were MS dissertations and (68%) and 7 (32%) were PhD theses. The main phenomenological framework was the work of Schütz.

Final considerations:

The scientific production of nursing in mental health, in the light of phenomenology, is highly variable. Although still incipient, the interest in' phenomenology’s framework illuminates new perspectives for paradigms of care that value users' singularities and potentialities.

Keywords:
Nursing; Mental health; Nursing research

RESUMEN

Objetivo:

Mapear y caracterizar los estudios producidos por programas de posgrado stricto sensu sobre el cuidado de enfermería en salud mental utilizando el marco teórico de la fenomenología.

Método:

Investigación bibliográfica, retrospectiva y descriptiva, realizada en octubre de 2022, utilizando como fuente de datos el Catálogo de Tesis y Disertaciones de la Coordinación para el Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior. Para la estrategia de búsqueda se utilizó el término libre “fenomenología”, asociado al operador booleano "AND" y al descriptor "Salud Mental".

Resultados:

Se identificaron 22 estudios, de los cuales 15 (68%) eran disertaciones de maestría y 7 (32%) eran tesis doctorales. Hubo un predominio del pensamiento de Schütz como referencia fenomenológica.

Consideraciones finales:

Las producciones científicas de la enfermería en salud mental a la luz de la fenomenología reflejan un panorama oscilante. Aunque todavía incipiente, el interés por el marco teórico de la fenomenología ilumina las perspectivas de un paradigma de atención que valora las singularidades y potencialidades de los usuarios.

Palabras clave:
Enfermería; Salud mental; Investigación en enfermería

INTRODUÇÃO

No campo da saúde mental, as transformações da assistência psiquiátrica no mundo influenciaram a Reforma Psiquiátrica no Brasil, protagonizada em meados dos anos 70 por trabalhadores de saúde mental e da assistência institucional. Na época, emergiram diversas denúncias das condições de trabalho, marcadas por maus-tratos, terapias ineficazes e precárias instalações físicas1^,2. Tal reforma somente foi oficializada com a aprovação da Lei Federal n.º 10.216/2001, a qual dispõe sobre a proteção e os direitos dos usuários de saúde mental e redireciona o modelo assistencial3.

Como forma de consolidar o processo de desinstitucionalização e expansão dos serviços substitutivos, foram instituídas portarias ministeriais a fim de ampliar, implementar e garantir uma efetiva mudança no tratamento de saúde mental, conformando a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)4^,5.

Estudos evidenciam a existência de serviços de saúde mental ainda com práticas prescritivas e disciplinadoras, contudo destacam que as transformações fomentadas pela Reforma Psiquiátrica no Brasil e no mundo redirecionaram o cuidado em saúde mental, a partir das políticas de humanização e valorização do usuário, as quais oportunizaram práticas condizentes com os princípios e meta paradigmas desse campo de saber, e com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e políticas de humanização6.

Nesse sentido, esse panorama colaborou para reorientar o papel do enfermeiro inserido no campo da saúde mental, conduzindo-o para a adoção de práticas de cuidado em que a relação terapêutica com o usuário constitui o cerne de sua prática. Ademais, as necessidades de mudanças no campo da assistência favoreceram a reorganização do processo de trabalho dos profissionais envolvidos na atenção à pessoa em sofrimento mental.

Atualmente, considera-se um importante instrumento de trabalho na enfermagem a utilização do Processo de Enfermagem, como ferramenta potente que contribui para a reflexão e criticidade das práticas em enfermagem, as quais possibilitam cuidados de enfermagem sistematizados e individualizados7^,8.

Neste contexto, investiu-se em uma nova concepção de cuidado, baseada em práticas substitutivas ao modelo asilar, as quais reconhecem o usuário como um ser biopsicossocial, cidadão de direitos e requer um olhar ampliado, para além dos aspectos que permeiam a doença7. Pondera-se que, ao propor um cuidado, faz-se necessário estabelecer um plano prático, tanto da pessoa que cuida como daquela que é cuidada, visto que lida com a esfera existencial, o que tangencia as relações interpessoais e as experiências vividas. Dessa maneira, a perspectiva da coexistência implica na forma de participação, uma vez que o cuidado consiste em um processo de construção conjunta9.

Assim, os enfermeiros, ao privilegiarem as relações interpessoais e a intersubjetividade, reconhecem esses elementos como essenciais para as práticas de cuidado e, também, para a produção de novos conhecimentos10. Nesse âmbito, a fenomenologia manifesta-se como um referencial que possibilita construir significados das experiências vividas e, por isso, tem sido utilizada nas investigações na área da enfermagem, sobretudo, no campo da saúde mental.

Nesse sentido, a relevância deste estudo reside em conhecer a produção do conhecimento de enfermagem em saúde mental sob o referencial da fenomenologia e fornecer subsídios para compreensão de como se encontra esse panorama, de modo a observar suas peculiaridades e aplicações.

Para tanto, propõe-se a seguinte questão de pesquisa: Como têm se apresentado as produções científicas geradas pelos programas de pós-graduação stricto sensu da área de Enfermagem sobre o cuidado de enfermagem em saúde mental à luz da fenomenologia? Como objetivo estabeleceu-se: mapear e caracterizar os estudos produzidos pelos programas de pós-graduação stricto sensu da área de Enfermagem acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental a partir do arcabouço teórico da fenomenologia.

Assim, ao evidenciar esse panorama, espera-se fortalecer o desenvolvimento de estudos fenomenológicos, os quais poderão promover melhores práticas de enfermagem, fornecendo alicerce para novas direções do cuidar, especialmente, na saúde mental.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, retrospectiva e descritiva. A coleta de dados foi realizada em outubro de 2022 e utilizou como fonte de dados o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que reúne teses e dissertações realizadas junto aos programas de pós-graduação do país. Como estratégia de busca, utilizou-se o termo livre “fenomenologia” associado ao operador booleano “AND” e ao descritor “Saúde Mental”.

Este estudo guiou-se pelas seguintes etapas: 1) delimitação do tema; 2) revisão de literatura; 3) delineamento da pergunta de pesquisa e do objetivo; 4) elaboração do protocolo de pesquisa; 5) coleta de dados; 6) análise; 7) e síntese com apresentação dos resultados11.

Foram adotados como critérios de inclusão a área de conhecimento da enfermagem, estudos sobre o cuidado de enfermagem em saúde mental à luz da fenomenologia, e, publicações disponibilizadas na íntegra, independente do ano de publicação, tendo em vista a escassez de estudos publicados. Foram excluídas produções que, apesar de terem sido recuperadas na busca, estavam indisponíveis na íntegra nas plataformas, e não foram disponibilizadas após consulta aos autores, publicações repetidas na busca, ou que não se relacionavam com o objeto de interesse, sendo este considerado relacionado com: o perfil dos participantes com sofrimento psíquico e/ou, profissionais de saúde que cuidam de pessoas com sofrimento psíquico, e/ou, serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial. O protocolo desta pesquisa foi registrado na Open Science Framework (OSF) (doi: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/K9USQ).

Para a coleta de dados, utilizou-se uma planilha de tabulação, com apoio do Microsoft Excel®, com a finalidade de ordenar os dados e permitir a síntese. Tal planilha continha as seguintes informações: autor, título, tipo de curso, ano de publicação, programa de pós-graduação, Instituição de Ensino Superior (IES), cidade e unidade federativa das IES, temáticas abordadas, referencial filosófico, participantes e, resumo da publicação com os objetivos e resultados da pesquisa.

A busca recuperou 30 estudos, dos quais dois foram excluídos após a triagem, sendo um por estar indisponível na plataforma e o outro por repetição. Após a exclusão, remanesceram 28 produções, as quais foram direcionadas para uma leitura flutuante dos resumos no intuito de identificar a relação com o objeto deste estudo. Por conseguinte, após exclusão por não corresponder ao objetivo desta pesquisa, foram selecionados 22 documentos, os quais compuseram a amostra final. Os mesmos foram organizados em uma matriz com auxílio do Microsoft Excel®, com as seguintes informações: tipo do estudo, período de publicação, distribuição territorial, contextos e/ou temáticas, referencial teórico e participantes.

Os dados do levantamento inicial até a composição da amostra, foram analisados por duas autoras do estudo, de maneira duplo-independente. As discordâncias entre os resultados foram resolvidas por consenso mediado por um terceiro revisor.

Para subsidiar a análise e interpretação dos dados, utilizou-se a análise do conteúdo, compreendendo a fase de pré-análise, com organização dos dados, em seguida a exploração do material, e então o tratamento dos resultados, fase na qual os dados foram interpretados, repercutindo nos achados apresentados a seguir12. Ressalta-se que este estudo dispensou a apreciação por um Comitê de Ética, em virtude da utilização exclusiva de dados públicos disponíveis em plataforma de acesso livre. Contudo, todos os aspectos éticos e autorais foram observados13.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi constituída por produções publicadas entre os anos de 2001 a 2020. O detalhamento da seleção dos estudos para composição da amostra desta pesquisa está evidenciado na Figura 1.

Constatou-se, por meio do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, que os Programas de Pós-Graduação em Enfermagem produziram 22 estudos envolvendo a temática do cuidado de enfermagem, com enfoque em saúde mental e abordagem fenomenológica, o que representa aproximadamente 73% do total de estudos consultados na plataforma sob a ótica da fenomenologia na área de conhecimento de Enfermagem. Desse quantitativo de publicações, 15 (65%) foram do tipo dissertação e sete (32%) teses de doutoramento, conforme evidenciado na Figura 1 abaixo.

Figura 1 -
Seleção de estudos publicados no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental segundo a abordagem fenomenológica. Salvador, Bahia, Brasil, 2022

Abaixo (Quadro 1) apresenta-se o quadro síntese dos achados, evidenciando os autores, títulos, tipo de curso, ano de publicação e Unidade Federativa (UF).

Quadro 1 -
Quadro sinóptico da amostra do estudo. Salvador, Bahia, Brasil, 2022

Autor	Título	Tipo	Ano de publicação	UF
Monteiro, Ana Ruth Macêdo	A família da criança-problema na escola: estudo de fenomenologia sociológica aplicada à enfermagem	Tese	2001	Ceará
Campoy, Marcos Antonio	O ensino de enfermagem em saúde mental e psiquiátrica: uma visão da fenomenologia social na perspectiva do professor e do aluno	Tese	2003	São Paulo
Souza, Luciana Gomes Almeida de	Cuidando do filho com deficiência mental: desvelamentos de vivências de pais no seu ser-com-o-filho	Dissertação	2003	São Paulo
Santana, Maria Teresa Brito Mariotti de	O sentido e o significado do corpo próprio do profissional de saúde ao cuidar do outro morrendo	Tese	2005	Ceará
Guimarães, Jacileide	Sobre o tempo: elogio à instituição negada	Tese	2006	São Paulo
Chagas, Natália Rocha	O cuidador familiar e o cuidado à criança com câncer em quimioterapia no domicílio: abordagem da fenomenologia social	Dissertação	2006	Ceará
Vargas, Ma.Guadalupe Ojeda	Vivência de enfermeiros no cuidado ao idoso moribundo hospitalizado - uma perspectiva fenomenológica	Tese	2007	São Paulo
Nogueira, Mariana Lima	Práticas do enfermeiro em hospital psiquiátrico e o processo de desinstitucionalização no contexto da saúde mental	Dissertação	2008	Rio de Janeiro
Furlan, Marcela Martins	O sentido de ser internado em hospital psiquiátrico à luz da fenomenologia de Heidegger	Dissertação	2008	São Paulo
Lanza, Lara de Faria	Ser criança com câncer em etapa final de tratamento - sua visão de futuro	Dissertação	2009	São Paulo
Silva, Máguida Gomes da	O cuidado clínico à criança e ao adolescente em sofrimento psiquico no CAPSi	Dissertação	2009	Ceará
Silva, Kely Vanessa Leite Gomes da	Cuidado ao familiar de adulto em sofrimento psíquico: desafio para a assistência de enfermagem	Mestrado	2010	Ceará
Mello, Rita Mello de	A internação psiquiátrica em hospital geral: significado para os familiares	Dissertação	2010	Rio Grande do Sul
Camatta, Marcio Wagner	Ações voltadas para a saúde mental na estratégia saúde da família: intenções de equipes e expectativas de usuários e familiares	Tese	2010	Rio Grande do Sul
Távora, Rafaela Carolini de Oliveira	Típico familiar de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico - reflexões para o cuidado clínico de enfermagem	Dissertação	2011	Ceará
Machineski, Gicelle Galvan	O tipo vivido de familiares de usuários de um centro de atenção psicossocial infantil	Tese	2011	Rio Grande do Sul
Silva, Adao Ademir da	O cuidado de si do/a profissional de enfermagem em saúde mental	Dissertação	2011	Rio Grande do Sul
Tavares, Suzane de Fátima do Vale	Vivência do atendimento no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil: motivação da família e profissional	Dissertação	2012	Ceará
Freitas, Fernanda Franceshi de	Significados atribuídos pelo familiar à alta hospitalar da pessoa com transtorno mental	Dissertação	2012	Rio Grande do Sul
Biffi, Debora	Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas sob a ótica do usuário: subsídios para a qualificação da consulta de enfermagem	Dissertação	2014	Rio Grande do Sul
Oliveira, Andressa de	Significado da Segurança do paciente para a Equipe Multiprofissional de uma Unidade de Internação Psiquiátrica em Hospital Geral: estudo com enfoque na Fenomenologia Social	Dissertação	2018	São Paulo
Limeira, Caren Santos	Família de usuários: Percepção de profissionais do Centro De Atenção Psicossocial Álcool e Drogas	Dissertação	2020	Bahia

• Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

A produção mostrou-se oscilante ao longo do período estudado (Gráfico 1), exibindo maior frequência nos anos de 2010 e 2011, com seis estudos, sendo três em cada ano. Em seguida, destacaram-se os anos de 2003, 2006, 2008, 2009 e 2012, com duas produções em cada ano. Ressalta-se que os anos de 2001, 2005, 2007, 2014, 2018 e 2020 apresentaram, cada um, apenas uma publicação. Os demais anos não apresentaram estudos coerentes com a proposta do objeto em questão.

Gráfico 1 -
Percentual de estudos publicados no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental segundo abordagem fenomenológica e ano de publicação. Salvador, Bahia, Brasil, 2022

Quanto à distribuição territorial, é possível notar que as Regiões Nordeste e Sudeste apresentam, individualmente, oito produções de teses de doutoramento e dissertações. Em seguida, aparece a Região Sul, com seis produções, conforme evidencia a Figura 2. Salienta-se que não foram identificados estudos relativos à temática oriundos das demais regiões.

Figura 2 -
Distribuição territorial dos estudos publicados no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental, segundo abordagem fenomenológica. Salvador, Bahia, Brasil, 2022

No tocante ao referencial filosófico utilizado, notou-se a predominância do pensamento de Alfred Schütz (59%), seguido por Martin Heidegger (14%), Merleau Ponty (9%), Yolanda Forghieri e Edmund Husserl (4,5%) cada e, Merleau Ponty e Paul Ricoeur (9%). Dos trabalhos encontrados, destacaram-se os seguintes contextos no campo da Saúde Mental: processo de cuidar/cuidado (35%), cuidado familiar (35%), autocuidado (5%), institucionalização (5%), internação (5%), matriciamento (5%), processo de ensino aprendizagem (5%) e segurança do paciente (5%) dados evidenciados no Quadro 2.

Quadro 2 -
Correlação entre temáticas no campo da Saúde Mental e Referencial Teórico Filosófico da Fenomenologia nas produções de enfermagem (N = 22). Salvador, Bahia, Brasil, 2022

Referencial Teórico/ Temática do campo de Saúde Mental	Alfred Schütz	Martin Heidegger	Merleau-Ponty	Yolanda Forghieri	Edmund Husserl	Merleau-Ponty e Paul Ricoeur
Autocuidado						1
Cuidado familiar	5	1		1
Institucionalização					1
Internação	1
Matriciamento	1
Processo de cuidar/ cuidado	4	2	2			1
Processo ensino-aprendizado	1
Segurança do paciente	1
Total	13	3	2	1	1	2

• Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Quanto aos participantes dos estudos analisados, foram identificados a hegemonia de familiares (36,4%), seguida por profissional de saúde (31,8%), e usuários do serviço de saúde (18,2%). Estudos que envolveram docentes e discentes do curso de enfermagem, bem como, pesquisas com profissionais de saúde, usuários do serviço e familiares obtiveram as menores porcentagem, 4,5% cada.

DISCUSSÃO

Os estudos que retratam a temática do cuidado de enfermagem com enfoque em saúde mental através da abordagem fenomenológica recuperados na plataforma CAPES expressam um percentual significativo na área de conhecimento de Enfermagem, tendo em vista seus diversos campos de estudo.

Reiterando com esse achado, pesquisas destacam a importância do desenvolvimento de investigações na perspectiva fenomenológica, uma vez que tal referencial teórico vem ao encontro dos propósitos da enfermagem, no que se refere ao cuidar sob a perspectiva da pessoa cuidada e do sujeito que cuida14^-16, o que pode explicar o percentual evidenciado.

A abordagem fenomenológica busca o resgate da experiência perceptual a partir do vivido, assim como a presença humana identificada como fenômeno e não como objeto15^,16. Nesse aspecto, a fenomenologia torna-se essencial para propiciar uma concepção de cuidado como uma atitude terapêutica na busca do alcance da essência do outro, a partir do resgate da subjetividade como possibilidade9. Neste sentido, os pesquisadores buscaramcompreender a essência dos fenômenos, no intuito de fortalecer a utilização do método fenomenológico nas investigações da Enfermagem que desvelaram o significado da experiência vivida17.

Neste sentido, ao olharmos as transformações do campo da Saúde Mental, a abordagem fenomenológica manifesta-se como um caminho viável para favorecer a compreensão dessa realidade, abarcando a dimensão subjetiva que permeia esse campo do saber18. Assim, nessa perspectiva, é possível afirmar que o modelo de atenção à Saúde Mental no Brasil desvela os dilemas da Reforma Psiquiátrica, assimcomo as contradições, avanços e desafios da Rede de Atenção Psicossocial.

No tocante à flutuação da produção de pesquisas na temática estudada, os resultados encontrados são semelhantes a outro estudo, o qual também revela uma oscilação ao longo do tempo no quantitativo de pesquisas no campo da enfermagem com abordagem fenomenológica10. Infere-se que essa variabilidade ocorra em virtude de a fenomenologia se constituir em uma área ainda em estabelecimento e consolidação na academia, uma vez que sua construção é questionada em meio ao modelo cartesiano, pela ausência de generalizações, princípios e leis, tão caras e comuns às Ciências Naturais em sua estruturação19^,20.

Quanto à distribuição territorial, as Regiões Nordeste e Sudeste apresentaram as maiores concentrações de estudos à luz da fenomenologia. Diferentemente de uma pesquisa anterior10, neste estudo o aparecimento do Nordeste sugere maiores investimentos dos pesquisadores dessa região no intuito de desvelar fenômenos e alicerçar seus estudos a partir do arcabouço teórico da fenomenologia. Já a predominância no Sudeste, também verificada em estudo prévio, pode ser justificada pela maior oferta de cursos e programas de pós-graduação stricto sensu nessas localidades10^,21. Contudo, a escassez de publicações nas demais regiões do país dificulta a produção do conhecimento e saber em Enfermagem.

Torna-se pungente fortalecer e consolidar o desenvolvimento de pesquisas nessas regiões apoiadas em um olhar interdisciplinar, intersetorial e de complexidade pautado na fenomenologia. Com isso, almeja-se fomentar repercussões referentes a melhorias no atendimento das necessidades sociais e de saúde da população, sobretudo, se consideradas as demandas ainda desconhecidas para tais territórios, conforme preconiza a CAPES21^,22.

Dos estudos evidenciados, foi perceptível a heterogeneidade das temáticas das pesquisas nos diversos campos da Saúde Mental, embora não tenham sido encontradas na literatura justificativas para estes focos de produção. Vale ressaltar que o método fenomenológico contribui para a reflexão existencial e possibilita o desenvolvimento de práticas direcionadas para a humanização e promoção da saúde, assim como a identificação das reais necessidades dos usuários, trabalhadores e gestores, permitindo que a produção do cuidado em saúde seja fundamentada no respeito às singularidades e características de contextos socioculturais e históricos próprios de cada indivíduo20^,22.

Pesquisas realizadas com objetivo de caracterizar a produção acadêmica de enfermagem sustentada na abordagem fenomenológica corroboram com os resultados encontrados, ao indicarem predomínio do pensamento de autores como Alfred Schütz, Martin Heidegger, Merleau Ponty e Paul Ricoeur22^,23. Dentre eles, o mais prevalente foi Schütz, que considera e compreende as ações humanas por meio do contexto social, ou seja, entende a vida cotidiana a partir dos sujeitos e suas relações sociais17.

De acordo com a literatura, a utilização de conceitos dentro da perspectiva da Fenomenologia Social de Schütz permite aprofundar questões vividas nas várias fases da vida dos atores sociais e contempla a variedade de populações nas produções acadêmicas em enfermagem, ressaltando a aderência deste referencial às necessidades da área da assistência de Enfermagem19. Neste estudo, tornou-se evidente que a utilização desse referencial no campo da Saúde Mental corrobora para valorização da singularidade, subjetividade, autonomia do sujeito e da individualidade, que, no contexto da experiência vivida, desvelam o ser no mundo, tendo como base suas experiências prévias17.

Ademais, infere-se que a predominância de Schutz evidenciada nos dados desta pesquisa, ocorre em virtude das temáticas e/ou contexto sobre o cuidado familiar e o processo de cuidar/cuidado alinharem-se com a perspectiva traçada pelo teórico. Tendo em vista a compreensão da ação de sujeitos no mundo social, principalmente nas relações intersubjetivas inscritas em suas experiências9. Um estudo sobre a produção do conhecimento referente ao cuidar e ser cuidado fenomenologicamente aponta para uma responsabilidade diante do outro e o mergulho neste processo, sendo assim, a compreensão das ações humanas se dará ao encontrarmos suas motivações a partir de um horizonte de existência24^,25.

O predomínio de participantes são os familiares, seguidos por profissionais de saúde, em especial enfermeiras10^,23, revela evidências para um novo paradigma de cuidado, para além do biológico, na busca por uma assistência de enfermagem mais humanizada3. A compreensão do mundo da vida do sujeito assistido e sua singularidade favorecem a adoção de estratégias de cuidado que estimulem a autonomia do sujeito e fortaleçam o protagonismo, a participação social e a transformação da cultura manicomial.

As principais contribuições deste estudo para a saúde, sobretudo para a enfermagem, permeiam a possibilidade de valorizar a fenomenologia como um caminho para alicerçar as pesquisas e práticas no campo da saúde mental, visto que, ao revelar os fenômenos cotidianos a partir do arcabouço teórico da fenomenologia, problematizando a experiência vivida do indivíduo (usuário/ profissional e família), torna-se possível compreender com profundidade o fenômeno analisado em detrimento da superficialidade dos fatos. Além disso, possibilitam fomentar a visibilidade de uma área ainda incipiente. Nesse sentido, espera-se favorecer a expansão e fortalecimento das pesquisas no campo da saúde mental sob o referencial fenomenológico.

Como limitações deste estudo, denotam-se possíveis inconsistências na recuperação dos dados, em virtude de instabilidades na plataforma utilizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo revelou que as produções científicas oriundas dos programas de pós-graduação stricto sensu acerca do cuidado de enfermagem em saúde mental à luz da fenomenologia refletem um panorama oscilante, sendo este um importante incentivo de práticas mais reflexivas e direcionadas para o existencialismo humano. Além disso, constatou-se que o interesse pelo referencial teórico fenomenológico acende perspectivas para um novo paradigma de cuidado em enfermagem no campo da saúde mental, fundamentado em um processo terapêutico que valoriza as singularidades e potencialidades dos usuários.

A pesquisa apontou a predominância da fenomenologia social de Alfred Schutz, o qual estimula a reflexão de sujeitos enquanto um ser no mundo, singular, a partir de suas relações pessoais, desvelando significados únicos e motivações próprias, numa perspectiva compreensiva, livre de generalizações e julgamentos. Ao pensar nas estratégias fenomenológicas para a Enfermagem associada ao campo de Saúde Mental, estimula-se o fortalecimento e implementação de práticas e atitudes de cuidado pautadas na singularidade humana, os quais possibilitam compreender o sujeito e suas dimensões inerentes a cada realidade.

Nesse sentido, este estudo contribui para o fortalecimento da fenomenologia como referencial capaz de consolidar o saber e prática de enfermagem fundamentada no existencialismo humano, contemplando dimensões que transcendem a perspectiva biológica e psicossocial, reverberando em possibilidades de compreender a sua correlação ambiental e espiritual. Dessa forma, afloram-se contributos potenciais para novos sentidos para o saber e o fazer da enfermagem no campo da saúde mental. Outrossim, espera-se estimular o desenvolvimento de pesquisas na perspectiva fenomenológica no campo da saúde mental, de modo a fomentar o crescimento e consolidação desse referencial na enfermagem.

Agradecimento:

Ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), conforme processo nº 88887.643413/ 2021-00 e código de financiamento 001. Ao CNPq referente à Bolsa de Produtividade em Pesquisa, sob o processo no 205736/2018-1.

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Editado por

Editor associado:

Helena Becker Issi

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Abr 2023
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Jul 2022
• Aceito
  23 Dez 2022