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APRESENTAÇÃO

É possível assegurar, com uma margem razoável de segurança, que nunca se discutiu tanto os problemas educacionais no Brasil como neste final de década. As práticas escolares e, particularmente, a questão da "qualidade" do ensino têm se transformado, cada vez mais, em imprescindíveis temas de reflexão, inclusive para além do âmbito dos protagonistas escolares e dos teóricos educacionais.

No caso brasileiro em específico, os meandros da educação escolar tem se tornado, pouco a pouco um dos primeiros itens da agenda nacional, desde as esferas burocrático-administrativas até entre aqueles que a tomam imediatamente como campo profissional. E essa "efervescência" não se dá por benevolência dos dirigentes ou dos profissionais da área, mas por uma necessidade inadiável, uma exigência ao mesmo tempo ética e política da conjuntura atual.

Não obstante, enveredar criteriosamente pelo campo educacional escolar pressupõe um enfrentamento até certo ponto audacioso, porque extensivo, porque multifacetado, porque prenhe de múltiplas possibilidades de análise. E é a esse esforço que o presente número da "Revista da Faculdade de Educação" vem se somar.

Nele, como se verá, diferentes são as contribuições teóricas, assim como os recortes de análise adotados, consagrando esta publicação como uma rica fonte de discussão do panorama educacional no Brasil e em outros países. Por exemplo: das potencialidades pré-escolares às parcerias entre universidades públicas e sociedade, do ensino de ciências às narrativas como alternativa pedagógica, das "lições "de Paulo Freire à formação de professores em Portugal e na França.

Embuídos desse espírito, os dois textos selecionados para a abertura da Revista são voltados ao legado de Paulo Freire, talvez o nome brasileiro ligado à educação mais reconhecido nacional e internacionalmente. No primeiro texto, Moacir GADOTTI, da Faculdade de Educação da USP, evoca as "lições" freireanas, isto é, as contribuições de Paulo Freire à história das idéias pedagógicas. São apresentadas algumas idéias que condensam o legado do renomado educador em revista: o conhecimento como uma ferramenta essencial para intervir no mundo. Conhecer é descobrir e construir e não copiar, como na pedagogia dos conteúdos. A educação não pode ser orientada pelo paradigma de uma empresa, que dá ênfase apenas a eficiência e ignora o ser humano. Ao contrário, o compromisso deve ser com os oprimidos de todo o mundo.

Em seguida, Eduardo M. RUBIO, da Universidade Central da Venezuela, desdobra seu texto em torno da idéia de uma "pedagogia perigosa" de Freire, isto é, uma pedagogia crítica que postula transformações culturais importantes com vistas à liberdade dos povos oprimidos. Para o autor, as reflexões sobre a "cultura do silêncio" contribuíram para desenvolvimento de uma filosofia e um método para encontrar o sentido, a natureza, os propósitos e a identidade entre os oprimidos. A tarefa do educador deve ser a de problematizar para os educandos o conteúdo que os mediatiza e não entregá-lo como algo acabado.

A partir desses dois textos iniciais, cinco textos de autores estrangeiros são trazidos a público, introduzindo importantes reflexões. Vamos a eles.

Raymond BOURDONCLE, da Université Lille 3, analisa o processo de "universitarização" radical da formação de professores de ensino primário ocorrido na França. Como se verá, a França não foi o único país a seguir este processo de universitarização. No Brasil, a transferência da formação de professores do ensino primário para a universidade está sendo feita de maneira progressiva. Os Estados Unidos terminaram este processo no fim dos anos 30. Na união européia, quase todos os países o fizeram. A partir desse quadro, o artigo visa demonstrar que a educação comparada nos mostra constantemente que se encontram evoluções convergentes entre diferentes países, mesmo que isso não aconteça no mesmo momento.

Por sua vez, Guillermina TIRAMONTI, de Universidad Nacional de La Plata, discute o impacto da globalização nas políticas educativas dos anos 90, na América Latina. Segundo ela, o processo de inclusão educacional trouxe inovações pedagógicas e administrativas, mas foi acompanhado por um deterioramento dos salários e das condições do trabalho docente. Está havendo uma reconfiguração do sistema educativo, a partir da definição do espaço social que ocupa a escola. Conforme se verá, a artigo conta com um instigante questionamento do espaço escolar como o único meio possível para a difusão cultural e a incorporação do conhecimento produzido socialmente.

O quinto artigo da Revista, de António J. ESTEVES, da Faculdade de Economia e Faculdade de Letras da Universidade do Porto, focaliza a importante díade educação e (des)emprego entre os jovens, isto é, a transição da vivência escolar ao mundo do trabalho. Os objetivos básicos do texto são: redefinir a articulação de posturas de investigação e de posturas de intervenção social num "modelo de experimentação", para ensaiá-la a propósito da transição ao trabalho dos jovens.

Já o texto de Licínio C. LIMA, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, oferece um estudo sobre a evolução do ensino e da sua formação entre os portugueses. Os estudos nessa área são, segundo o autor, recentes em Portugal e isso se deve ao fato de que o controle burocrático centralizado reteve as dimensões do controle político-administrativo. De certo modo, protegeu a esfera educativa das influências modernizantes, do capitalismo industrial e das lógicas mercantis e gerencialistas. Defendeu a educação do domínio político, da intervenção de movimentos sociais, das propagandas de ideais democráticos e da cidadania.

Adiante, Aurora LaCUEVA, da Escuela de Educación da Universidad Central de Venezuela, toma a avaliação como objeto de reflexão e os principais problemas que rondam essa prática no meio escolar. Opondo-se àlgumas, segundo ela, "deformações perigosas" dos procedimentos avaliativos, propõe-se uma avaliação como ajuda para seguir aprendendo, incorporada à atividade normal de uma escola rica em experiências formativas. Uma avaliação aberta e flexivel, realizada a partir dos processos e produtos cotidianos na sala de aula. A partir daí, são apresentados alguns instrumentos facilitadores dessa proposta.

Os dois textos em seguida assemelham-se, em certo sentido, pois desdobram-se em torno das questões imaginárias configuradas nas práticas educativas. O que os diferencia, no entanto, é que no primeiro caso o que está em foco é a "culturanálise" enquanto, no segundo, a estratégia da narrativa.

No primeiro deles, José Carlos P. CARVALHO, da Faculdade de Educação da USP, debruça-se sobre a "cultura latente" de grupos de alunos do Liceu Pasteur/SP. O objetivo do artigo é estudar os dinamismos simbólicos-organizacionais não manifestos da cultura de um grupo-classe através das heurísticas da culturanálise de grupos, assim evidenciando os mitemas que atuam como organizadores psíquicos da socialidade do grupo dentro de uma cultura escolar francófona.

No outro artigo, Maria I. CUNHA, da Faculdade de Educação da UFPel, explora a narrativa como instrumental pedagógico tanto no ensino como na pesquisa. Parte a autora do pressuposto de que trabalhar com narrativas é partir para construção/desconstrução das experiências do professor. Defende-se a idéia que as narrativas provocam mudanças na forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros e, por este motivo, são também importantes estratégias formadoras de consciência numa perspectiva emancipadora.

O texto seguinte, de A. VILLANI e J.L.A. PACCA, do Instituto de Física da USP, passa em revista algumas questões sobre o ensino de ciências, apontando para a importância do conhecimento científico do professor e da natureza de sua competência profissional, particularmente no momento de elaboração e execução de um planejamento pedagógico. De acordo com os autores, as considerações baseiam-se em reflexões sobre diferentes situações de ensino, planejadas e conduzidas por eles. Assim, são relacionadas algumas ações concretas, organizadas para contemplar a competência científica e a habilidade didática do professor.

Em seguida, Antonio V.M. GARNICA, do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru, tece algumas considerações sobre a formação de professores em cursos de Licenciatura em Matemática. Mas antes, o artigo oferece um levantamento da bibliografia disponível acerca da formação de professores em cursos de licenciatura, iniciando com um tratamento hermenêutico ao termo ’formação’, passando pela atual situação dos docentes no estado de São Paulo. Caracteriza a constituição das instituições formadoras e levanta aspectos convergentes em relação ao tratamento do tema na literatura.

Discutindo a possibilidade de "parcerias" entre as Universidades públicas e o contexto de globalização acelerada em que vivemos atualmente, Clarice S. KAWASAKI, do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, atenta para um modelo que procure conjugar as necessidades da realidade local com a globalização econômica em nível mundial. O papel das universidades públicas é ressaltado nesse contexto, principalmente na formação de quadros profissionais críticos, além da necessidade de as universidades desenvolverem projetos integrados de pesquisa e educação que atendam às áreas de relevância social e econômica.

Adiante, Marieta L.M. NICOLAU, da Faculdade de Educação da USP, comunica os resultados de um estudo sobre potencialidades e habilidades pré-escolares e sua relação com as concepções infantis acerca da escrita. Trata-se de um "recorte" de uma pesquisa desenvolvida em 1992 com 80 crianças, da Creche Central/COSEAS-USP. Entre as conclusões, destaca-se a de que a classe social não foi causa suficiente para explicar positiva ou negativamente o desempenho infantil. O nível de auto-estima, as condições do processo de socialização, a idade, o trabalho pedagógico da creche, todos estes fatores, interagindo, mostraram-se responsáveis pelos desempenhos das crianças.

Buscando explicitar, pelo método da análise do discurso, as representações que os sujeitos construíram mediante suas experiências em avaliação e os sentidos que nelas estão contidos, Alzira L.C. CAMARGO, da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, investiga os relatos escritos de 390 universitários, formandos de 1991 a 1994. O estudo em questão possibilitou identificar os elos sócio-pedagógicos condicionantes do movimento contraditório entre aprender e avaliar. Igualmente procurou-se estabelecer as relações entre a avaliação escolar e o contexto da sociedade mais ampla.

O último artigo específico é dedicado à questão das "fontes primárias", de Edson N. CAMPOS e Maria Zilda F. CURY, da Universidade Federal de Minas Gerais. Nele os autores atingem a noção de interdisciplinaridade, discorrendo sobre as "fontes primárias" à luz de uma epistemologia que submete a investigação e a pesquisa à ação desconstrutora dos sujeitos: as fontes, por isso, saem da posição de "ponto primacial" para a de "ponto relacional". E, aí, a linguagem se transforma em relação de intertextualidade, pois a contradição marca o sentido da interdependência e, nisso, a significação põe a força da instabilidade na relação do sujeito com o objeto.

Outro momento significativo e particularmente frutífero deste número da "Revista da Faculdade de Educação" é a entrevista realizada com o Prof. Francisco Gutiérrez, diretor do Instituto Latino-americano de Pedagogia da Comunicação, pela Profª Drª Tania Maria Esperon Porto, da Faculdade de Educação da UFPel. O tema central da entrevista são as relações que a TV e a escola propiciam aos educandos. Conforme se verá, o professor entrevistado levanta propostas alternativas para o estabelecimento de relações entre estas instituições, que tragam prazer, sentido e significado à vida dos estudantes, assim como sistematiza uma abordagem pedagógica (Pedagogia da Comunicação) dos meios de comunicação.

Ainda, merecem destaque a resenha dos seguintes livros de Anísio Teixeira: Educação não é privilégio e Educação é um direito, pela Profa. Dra. Cynthia Pereira de Sousa, bem como do livro Como anda a reforma da educação na América Latina? de Cláudio M. Castro e Martin Carnoy, pelo Prof. Dr. João Pedro da Fonseca; ambos os resenhistas da Faculdade de Educação da USP.

Por fim, este número da Revista da Faculdade de Educação, como de praxe, traz o resumo das dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre-docência defendidas na FEUSP durante o ano de 1996.

A título de encerramento, devemos deixar patente nossos agradecimentos àqueles que tornaram possível esta publicação: a CAPES, com as taxas acadêmicas do Programa de Pós-Graduação e a USP, através de sua Comissão de Credenciamento.

Julio Groppa Aquino

Comissão de Publicações da FEUSP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 1999
  • Data do Fascículo
    Jan 1997
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