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Insegurança alimentar, pobreza e distribuição de renda no Brasil

Food insecurity, poverty and income distribution in Brazil

Resumos

Resumo

Este estudo analisa a relação entre distribuição de renda, pobreza e insegurança alimentar no Brasil, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004, 2009 e 2013 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-2018. Nessas quatro edições, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas levantou, em nível nacional, informações sobre insegurança alimentar, por meio da aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Dada a sua importância, uma seção inicial é dedicada a discutir o próprio conceito de segurança alimentar. Os resultados mostram que a dinâmica da distribuição da renda é o condicionante fundamental da dinâmica da insegurança alimentar no País. As análises de regressão evidenciam que a insegurança alimentar medida pela EBIA, nos diferentes níveis, está fortemente relacionada com a pobreza. Ademais, os resultados também sugerem que o forte crescimento da insegurança alimentar, particularmente da insegurança alimentar leve e, com menos intensidade, da moderada, de 2013 a 2017-2018, se deve, em parte, ao caráter parcialmente subjetivo da medida de insegurança alimentar construída a partir da EBIA, estando associado à desilusão com a piora das condições econômicas que se seguiu após um longo período (2003-2014) de melhoria das condições de vida da população brasileira.

Palavras-chave:
distribuição de renda; pobreza; insegurança alimentar; Brasil


Abstract

This study analyses the relationship between income distribution, poverty, and food insecurity in Brazil, using data from the 2004, 2009 and 2013 National Household Sample Surveys (PNAD), and the 2017-2018 Household Budget Survey (POF). In these four surveys, the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) collected information on food insecurity, at the national level, by applying the Brazilian Scale of Food Insecurity (EBIA). Given its importance, an initial section is devoted to discussing the very concept of food security. It is verified that the dynamics of income distribution is the fundamental conditioning factor of the dynamics of food insecurity in the country. Regression analyses show that food insecurity measured by EBIA, at different levels, is strongly related to poverty. In addition, the results also suggest that the strong growth of food insecurity, particularly the mild and, with less intensity, the moderate food insecurity, from 2013 to 2017-2018, is due, in part, to the partially subjective character of the measure of food insecurity constructed from the EBIA, being associated with the disillusionment due to the worsening of economic conditions after a long period (2003-2014) of improving living conditions for the Brazilian population.

Keywords:
income distribution; poverty; food insecurity; Brazil


1 Introdução

No cenário global, o Brasil ocupa papel relevante na economia, na política, na ciência, na cultura, no esporte e em outros tantos e variados campos de manifestação da atividade humana. Não obstante, nesse mesmo Brasil, enormes contingentes populacionais encontram-se na miséria e passam fome; a subnutrição e a insegurança alimentar ainda fazem parte do dia a dia de muitas pessoas. A persistência dessas privações a direitos humanos básicos se deve menos à escassez absoluta ou relativa de recursos e muito mais ao elevado grau de desigualdade da sua distribuição. O padrão distributivo brasileiro é ímpar no rol das sociedades com níveis semelhantes de desenvolvimento. O Brasil se encontra entre os países com os mais elevados níveis de desigualdade de renda do mundo (Chancel et al., 2022Chancel, L., Piketty, T., Saez, E., & Zucman, G. (2022). World Inequality Report 2022. Paris: World Inequality Lab.; Barros, Foguel e Ulyssea, 2007Barros, R. P., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2007). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente (Vol. 1). Brasília: IPEA.).

Não é novidade que nas sociedades mercantis o acesso a bens e serviços, isto é, o acesso a quase tudo considerado fonte de bem-estar, está intimamente associado ao poder aquisitivo do indivíduo ou, em última instância, ao poder aquisitivo do grupo familiar a que ele pertence. Em se tratando do Brasil, o Estado garante acesso, mesmo que seja, muitas vezes, de qualidade precária, a serviços básicos como saúde e educação, mas o acesso à alimentação depende, essencialmente, da capacidade de os indivíduos pagarem por ela. Assim, na maioria dos casos, o dinheiro é o que permite ao indivíduo ter acesso a alimentos e saciar a mais básica das necessidades humanas (Hoffmann & Jesus, 2021aHoffmann, R., & Jesus, J. G. (2021a). Como o consumo domiciliar de alimentos específicos varia com a renda, Brasil, 2017-2018. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, e021030.).

A questão da produção e autossuficiência alimentar é, ainda hoje, preocupação de muitos países. No entanto, desde a publicação da obra Poverty and Famines, de Amartya Sen, no início da década de 1980, está bem estabelecido que a fome pode existir mesmo se os suprimentos de alimentos forem adequados em nível nacional e internacional e os mercados estiverem funcionando bem.

Os yanomamis não estão morrendo de desnutrição porque falta comida no Brasil, mas, sim, porque eles não têm acesso aos alimentos produzidos no País - pois nem fazem parte da economia mercantil que condiciona a distribuição desses alimentos - e suas fontes originais de alimentos e até mesmo de água potável foram destruídas pelo garimpo ilegal, invasor.

Não pode haver dúvida de que há milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil e que isso não se deve à falta de alimentos no País, ou à inexistência de oferta de alimentos a preços razoáveis, ou a problemas de logística na sua distribuição, mas, sim, ao fato de essas pessoas não terem acesso (entitlement) a alimentos suficientes, e isso se relaciona, em geral, com o fato de elas não terem renda suficiente para comprar alimentos (Hoffmann, 1995Hoffmann, R. (1995). Pobreza, insegurança alimentar e desnutrição no Brasil. Estudos Avançados, 9(24), 159-172.).

O tema central deste estudo é a relação entre distribuição de renda, pobreza e insegurança alimentar no Brasil. São utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgados pelo IBGE, de modo a abranger os últimos 20 anos. Dada a sua importância, uma seção inicial é dedicada a discutir o próprio conceito de segurança alimentar. A análise proposta permite verificar que a dinâmica da distribuição da renda é o condicionante fundamental da dinâmica da insegurança alimentar no País.

2 Fundamentação Teórica

2.1 Segurança alimentar: conceitos e medição

É importante para a análise científica que as palavras tenham um significado claro. Para entender o conceito marxista de mais-valia, por exemplo, é essencial distinguir o trabalho (o processo) da força-de-trabalho. O salário é o preço da força-de-trabalho e não pode ser confundido com o valor do trabalho realizado. Do mesmo modo, um leigo pode, em muitas circunstâncias, confundir peso e massa de um corpo; é normal uma pessoa declarar que seu peso é tantos quilos, sendo que quilogramas, a rigor, é uma unidade de massa. Mas a clara distinção entre o peso (uma força) e a massa é essencial na física. Em se tratando de “Segurança Alimentar”, a expressão é usada com diferentes significados e grande flexibilidade. Sempre que o termo é introduzido no título de um estudo ou em seus objetivos, é necessário que se olhe atentamente para se estabelecer a definição explícita ou implícita (Maxwell, 1996Maxwell, S. (1996). Food security: a post-modern perspective. Food Policy, 21(2), 155-170.).

O uso do termo “Segurança Alimentar” remonta ao fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando, na situação de miséria e fome que se alastrou pela Europa nos anos que se seguiram, a questão adquiriu um significado de segurança nacional, fortalecendo a ideia de que a soberania de um país dependia de sua capacidade de produção e autossuficiência alimentar (Maluf & Menezes, 2000Maluf, R., & Menezes, F. (2000). Caderno segurança alimentar. In Conferências do Fórum Social Mundial. Porto Alegre.). Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com poder de destruição muito maior e para além das fronteiras europeias, com impactos desastrosos em todo o sistema econômico mundial e, somando-se a esse cenário, os desdobramentos da Guerra Fria (1947-1991), o entendimento de que a questão da Segurança Alimentar estava quase que exclusivamente ligada à capacidade de produção agrícola tornou-se dominante, perdurando até a década de setenta (Silva, 2014Silva, S. P. (2014). A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação (Texto para Discussão, No. 1953). Brasília: IPEA.).

A primeira definição oficial de Segurança Alimentar, apresentada na Conferência Mundial de Alimentação da FAO (World Food Conference) de 1974, se referia a países, e não a indivíduos ou famílias, e o foco das atenções eram os problemas globais de abastecimento. A Segurança Alimentar foi à época definida como: “availability at all times of adequate world food supplies of basic foodstuffs to sustain a steady expansion of food consumption and to offset fluctuations in production and prices” (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2003, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2003). Food security: concepts and measurement. In Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO (Ed.), Trade reforms and food security: conceptualizing the linkages (pp. 25-34). Rome: FAO.. 27). Uma proposição desta natureza conduziu inexoravelmente a uma aposta na oferta, à preocupação com a autossuficiência nacional e a propostas de estoques mundiais de alimentos ou de regimes de estabilização das importações (Valdes, 1981Valdes, A. (1981). Food security for developing countries (374 p.). Boulder: Westview Press.).

A Conferência da FAO de 1974 ocorreu em um cenário em que os estoques mundiais de alimentos estavam bastante reduzidos, com quebras de safra em importantes países produtores. Esse cenário corroborou o argumento da necessidade de modernização do setor agrícola, principalmente em países em desenvolvimento, capitaneada pelas inovações na indústria química, nos conhecimentos e técnicas agronômicas e pelo uso de novas variedades, processo que ficou conhecido como Revolução Verde.

De fato, como ressalta Cunha (2000)Cunha, G. R. (2000). Borlaug errou. In G. R. Cunha (Ed.), Trigo no Brasil: rumo ao século XXI (194 p.). Passo Fundo: Embrapa Trigo., embora tenha se iniciado no México, nos anos cinquentas, com a cultura do trigo, a chamada Revolução Verde teve seu período principal nos anos sessentas e setentas, com o aperfeiçoamento nos sistemas de produção de arroz e milho na Índia, Paquistão, Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul e Filipinas, resultando em incrementos nos rendimentos dessas culturas. Esse conjunto de programas de melhoramento genético e manejo da produção de alimentos nos países mais pobres do mundo conferiu o Nobel da Paz à Norman Borlaug, em 1970. A crença era de que o flagelo da fome e da desnutrição no mundo desapareceria com o aumento significativo da produção agrícola, o que estaria assegurado com o emprego maciço de insumos químicos (Maluf & Menezes, 2000Maluf, R., & Menezes, F. (2000). Caderno segurança alimentar. In Conferências do Fórum Social Mundial. Porto Alegre.).

Ainda na década de 1970, a produção mundial de alimentos se recuperou, mas, contrariando expectativas depositadas na Revolução Verde, nem por isso desapareceram os males da desnutrição e da fome, que continuaram atingindo gravemente parcela importante da população mundial (Silva, 2014Silva, S. P. (2014). A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e consolidação (Texto para Discussão, No. 1953). Brasília: IPEA.). A questão da produção e autossuficiência alimentar é, ainda hoje, preocupação de muitos países em todo o mundo, mas ficou claro, desde o início da década de 1980, que a fome generalizada poderia coexistir com a disponibilidade de quantidades suficientes de alimentos em nível nacional e internacional, o que levou à necessidade de se repensar a questão da Segurança Alimentar.

Em 1983, a FAO expandiu seu conceito anterior para incluir a garantia do acesso de pessoas vulneráveis ​​aos suprimentos disponíveis, reconhecendo o lado da demanda na equação da segurança alimentar: “ensuring that all people at all times have both physical and economic access to the basic food that they need” (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2003, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2003). Food security: concepts and measurement. In Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO (Ed.), Trade reforms and food security: conceptualizing the linkages (pp. 25-34). Rome: FAO.. 27).

A obra Poverty and Famines, de Amartya Sen (1981)Sen, A. (1981). Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation. Oxford: Clarendon Press., é reconhecida como o início dessa mudança de paradigma que moveu a questão do acesso a alimentos para o centro do palco, mudando o foco analítico dos suprimentos de alimentos para a incapacidade de grupos específicos de pessoas terem acesso a alimentos suficientes. A contribuição de Sen foi teorizar a questão do acesso a alimentos, dar-lhe um nome, “direito à alimentação” (food entitlement), e demonstrar sua relevância em diversas situações históricas de mortandade por fome. A fome afeta as pessoas que não podem ter acesso a alimentos suficientes (por causa da pobreza, por exemplo), podendo ocorrer fome mesmo se os suprimentos de alimentos forem adequados e os mercados estiverem funcionando bem (Devereux, 2007, pDevereux, S. (2007) Sen’s entitlement approach: critiques and counter-critiques. In S. Devereux (Ed.), The new famines: why famines persist in an era of globalization (pp. 66-89). New York: Taylor & Francis.. 67).

A abordagem do direito (entitlement) concentra-se na capacidade das pessoas de acessar os alimentos através dos meios legais disponíveis na sociedade, incluindo a compra, a produção para o próprio consumo, direitos perante o Estado e outros métodos de acesso a alimentos (Sen, 1981, pSen, A. (1981). Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation. Oxford: Clarendon Press.. 45). Exchange entitlements foi definido por Sen (1981, pSen, A. (1981). Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation. Oxford: Clarendon Press.. 3) como o conjunto de todas as cestas alternativas de bens e serviços que uma pessoa pode adquirir em troca dos ativos e recursos que possui, incluindo a sua força de trabalho. Neste contexto, uma pessoa estará exposta à fome se, para o conjunto de ativos e recursos que ela possui, seu conjunto de direitos de troca não contiver nenhuma cesta viável incluindo alimentos suficientes.

Como resultado desse esforço, a partir da década de 1980, a Segurança Alimentar passou a ser pensada, antes de tudo, como sendo um problema de acesso aos alimentos, sendo a produção de alimentos, na melhor das hipóteses, um caminho para garantir o direito à alimentação (food entitlement), seja diretamente, para aqueles que produzem os alimentos, ou indiretamente, reduzindo os preços de mercado para os consumidores (Maxwell, 1996, pMaxwell, S. (1996). Food security: a post-modern perspective. Food Policy, 21(2), 155-170.. 2). Um declínio geral na oferta de alimentos pode, de fato, fazer com que a pessoa fique exposta à fome, mas, mesmo nesse contexto, a causa imediata da fome será a redução em seu conjunto de direitos de troca causada pelo aumento nos preços dos alimentos (Sen, 1981, pSen, A. (1981). Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation. Oxford: Clarendon Press.. 4).

Em 1986, focando-se na dinâmica temporal da insegurança alimentar, o Banco Mundial introduziu, em “Poverty and Hunger”, a distinção amplamente aceita entre insegurança alimentar crônica, associada a problemas de pobreza contínua ou estrutural e baixa renda, e insegurança alimentar transitória, que envolve períodos de intensificação da pressão causada por desastres naturais, colapso econômico ou conflitos. O relatório apesentou uma definição de Segurança Alimentar ainda mais elaborada, “access of all people at all times to enough food for an active, healthy life” (World Bank, 1986, pWorld Bank. (1986). Poverty and hunger: issues and options for food security in developing countries. Washington, DC.. 1).

Note-se que a ênfase está no acesso individual, em todos os momentos, e a alimentos suficientes não apenas para a sobrevivência (basic food that they need), mas para a participação ativa na sociedade (enough food for an active, healthy life). Com base nessa definição, poder-se-ia considerar implícito que os alimentos são seguros e que respeitam os costumes alimentares da população envolvida.

Em meados da década de 1990, a segurança alimentar era reconhecida como uma questão de primeira ordem, abrangendo um espectro do nível individual ao global. A definição foi ampliada para incorporar as preocupações com a qualidade sanitária e nutricional dos alimentos, e as preferências alimentares, social ou culturalmente determinadas passaram a ser consideradas. Na Cúpula Mundial da Alimentação de 1996, a FAO adotou a seguinte definição de Segurança Alimentar: a segurança alimentar é alcançada, em todos os níveis, “when all people, at all times, have physical and economic access to sufficient, safe and nutritious food to meet their dietary needs and food preferences for an active and healthy life (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 1996, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (1996). Rome Declaration on World Food Security and World Food Summit Plan of Action. Rome: FAO.. 2).

A atual definição amplamente aceita de segurança alimentar1 1 Ver Food and Agriculture Organization of the United Nations (2019, p. 186). veio do relatório anual da FAO sobre segurança alimentar intitulado “The State of Food Insecurity in the World 2001”, que passa a incluir o aspecto “social”: “Food security exists when all people, at all times, have physical, social and economic access to sufficient, safe and nutritious food that meets their dietary needs and food preferences for an active and healthy life” (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2002, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2002). The state of food insecurity in the World 2001. Rome: FAO.. 2).

Cabe notar que essa definição da FAO de 2001 já pode ser interpretada como bem mais exigente do que o conceito apresentado pelo Banco Mundial, em 1986. Atender às preferências alimentares dos consumidores pode ser mais difícil do que respeitar os seus costumes alimentares e atender às suas necessidades dietéticas também pode ser interpretado de maneira muito abrangente.

À medida que o termo “Segurança Alimentar” evoluiu, os termos “Segurança Nutricional” e “Segurança Alimentar e Nutricional” também emergiram. A “Segurança Alimentar” passou então a ser considerada como um subconjunto de “Segurança Alimentar e Nutricional” (Peng & Berry, 2019, pPeng, W., & Berry, E. M. (2019). The concept of food security. In P. Ferranti, E. M. Berry & J. R. Anderson (Eds.), Encyclopedia of food security and sustainability (Vol. 2, pp. 1-7). Oxford: Elsevier.. 2). Passou a ser enfatizada também a importância da sustentabilidade ambiental, considerada como a dimensão de longo prazo para a segurança alimentar (Berry et al., 2015Berry, E. M., Dernini, S., Burlingame, B., Meybeck, A., & Conforti, P. (2015). Food security and sustainability: can one exist without the other? Public Health Nutrition, 18(13), 2293-2302.), em complemento às quatros dimensões que, de acordo com a Food and Agriculture Organization of the United Nations (2019, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2019). The state of food security and nutrition in the world 2019: safeguarding against economic slowdowns and downturns. Rome: FAO.. 186), podem ser identificadas a partir da definição supracitada, quais sejam: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade2 2 Disponibilidade (Availability): refere-se à disponibilidade de alimentos suficientes para toda a população, o que envolve questões de produção, comércio internacional e nacional, abastecimento e distribuição de alimentos; Acesso (Access): se há disponibilidade de alimentos, a questão seguinte é se as famílias e os indivíduos têm ou não acesso suficiente a esse alimento; Utilização (Utilization): se os alimentos estão disponíveis e as famílias e indivíduos têm acesso a eles, a próxima questão é se as famílias estão ingerindo níveis suficientes de nutrientes e energia; e Estabilidade (Stability): se as dimensões anteriores forem suficientemente atendidas, a estabilidade é a condição de que todo o sistema é estável, garantindo, assim, a segurança alimentar das famílias e indivíduos em todos os momentos. .

As definições acima evidenciam que a “Segurança Alimentar” é um conceito bastante abrangente, perfeitamente justificável dentro do contexto legal e político dos países e supranacional. Mas, para fins de análise dos fenômenos socioeconômicos associados à alimentação humana, é necessário dispor de termos e conceitos razoavelmente específicos e objetivos, para os quais seja possível a proposição de medidas de sua intensidade, que possam, eventualmente, constituir indicadores monitoráveis.

A avaliação do grau de insegurança alimentar no Brasil tem sido feita por meio da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). O domicílio é classificado em uma de quatro categorias (segurança alimentar, insegurança leve, insegurança moderada e insegurança grave) conforme o número de respostas “sim” às 14 perguntas que compõem a escala e a presença ou não de morador com menos de 18 anos de idade no domicílio.

Por exemplo, a primeira pergunta é: “Nos últimos três meses, os moradores desse domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar mais comida?”. A última é: “Nos últimos três meses, alguma vez, algum morador com menos de 18 anos de idade fez apenas uma refeição ao dia ou ficou sem comer por um dia inteiro porque não havia dinheiro para comprar comida?”.

Uma boa exposição sobre a origem e evolução da EBIA pode ser encontrada nas publicações do IBGE sobre o tema (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2006). Segurança alimentar 2004. Rio de Janeiro: IBGE., 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). Segurança alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: IBGE., 2014Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2014). Segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE., 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2020). Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil (65 p). Rio de Janeiro: Coordenação de Trabalho e Rendimento, IBGE.). Segall-Corrêa e Marin-Leon (2009)Segall-Corrêa, A. M., & Marin-Leon, L. (2009). A segurança alimentar no Brasil: proposição e usos da escala brasileira de medida da insegurança alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segurança Alimentar e Nutricional, 16(2), 1-19. apresentam um breve histórico e uma defesa da relevância da escala.

O exame do conjunto das 14 perguntas deixa claro que a EBIA avalia, essencialmente, a segurança alimentar no sentido de “acesso aos alimentos”. A menção, repetida, à falta de “dinheiro para comprar comida” se justifica porque no Brasil o acesso aos alimentos se dá, geralmente, por meio da compra. A EBIA não avalia apropriadamente a segurança (food safety) e a qualidade nutricional dos alimentos3 3 Pérez-Escamilla & Segall-Corrêa (2008, p. 18) afirmam, explicitamente, que as escalas baseadas em experiências pessoais não captam a dimensão segurança dos alimentos (food safety). . Cabe aos órgãos da vigilância sanitária fiscalizar a produção de alimentos e a eventual existência de diversos tipos de contaminações dos alimentos comercializados.

Tem-se, por fim, a definição de “Segurança Alimentar e Nutricional” da lei federal nº 11.346, de 15/09/2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que passa a ser indicada pela sigla SAN:

Art. 3º A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (Brasil, 2006Brasil. (2006, setembro 18). Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.).

Note-se que as exigências para a SAN são muito mais abrangentes do que para a segurança alimentar avaliada pela EBIA4 4 Uma escala similar à EBIA é a Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (Food Insecurity Experience Scale- FIES) da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2018). A escala é composta por oito perguntas sobre o acesso da população à alimentação adequada. As perguntas centram-se em experiências e comportamentos autorrelatados, relacionados com a alimentação e com as dificuldades no acesso aos alimentos devido a restrições de recursos: During the last 12 months, was there a time when, because of lack of money or other resources: You were worried you would not have enough food to eat? You were unable to eat healthy and nutritious food? You ate only a few kinds of foods? You had to skip a meal? You ate less than you thought you should? Your household ran out of food? You were hungry but did not eat?You went without eating for a whole day? . Não se trata apenas de saciar a fome, pois deve haver “práticas alimentares promotoras de saúde ... e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”. É fácil imaginar situações em que se poderia afirmar que não há SAN, mas a aplicação da EBIA levaria a classificar a pessoa como “com segurança alimentar”.

Considere-se uma pessoa com renda elevada, que não tenha qualquer dificuldade de acessar alimentos e que, se espera, não responda “sim” a qualquer das 14 perguntas da EBIA; mas, se essa pessoa come muitos alimentos que promovem sua obesidade e/ou ingere muito sódio e/ou toma refrigerantes açucarados em excesso, ela não tem uma alimentação promotora de saúde e, consequentemente, não está em situação de SAN.

Novamente, não cabe, aqui, discutir as possíveis vantagens políticas ou jurídicas do conceito abrangente de SAN. Contudo, para uma análise dos problemas socioeconômicos e a indicação de políticas públicas que os solucionem, é muito melhor trabalhar com conceitos mais específicos e bem delimitados, que permitam a proposição de ações de fato funcionais no enfrentamento da questão mais urgente que é o acesso a alimentos suficientes para uma vida ativa e saudável.

Em uma economia mercantil, a segurança alimentar - como medida pela EBIA - depende, em geral, de a pessoa ter renda suficiente para comprar os alimentos necessários. A segurança dos alimentos (food safety) é problema bem distinto e depende da atuação eficiente de órgãos públicos de defesa agropecuária e vigilância sanitária, ao longo de toda a cadeia produtiva até o consumidor final. O combate à obesidade, por sua vez, depende de vários fatores: educação, rotulagem de alimentos, regulamentação de procedimentos industriais e da propaganda de alimentos etc. A sustentabilidade ambiental na produção agropecuária e no processamento e distribuição dos alimentos é, obviamente, um problema distinto de todos os anteriores, embora seja relevante ao se considerar a garantia da segurança alimentar para as próximas gerações.

Não existe até o momento, na literatura, qualquer proposta de medida isolada que meça simultaneamente a segurança alimentar e a segurança dos alimentos e muito menos uma medida isolada que detecte simultaneamente todos os problemas que podem estar associados à falta de SAN. Embora se possa protestar que não basta a pessoa ter acesso à comida e que é necessário que fique bem nutrida, infelizmente, ter acesso à comida ainda é um desafio para muitas pessoas no Brasil e, para delinear políticas públicas adequadas, é importante que haja medidas desse fenômeno específico.

De acordo com dados do IBGE, acompanhando a redução da pobreza, entre 2004 e 2013, a proporção da população brasileira em situação de insegurança alimentar grave, diretamente associada com a fome, caiu de 8,2% para 3,2%. De 2013 a 2018, com a piora das condições econômicas, a insegurança alimentar grave aumentou para 5%, mas existem evidências de que essa cifra já esteja muito maior, como mostra o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, publicado em 2022 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (2022)Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar - Rede PENSSAN. (2022). II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil (II VIGISAN): relatório final. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, Rede PENSSAN..

2.2 Revisão da literatura e contextualização

Não há dúvidas sobre a importância de se analisar a desigualdade da distribuição da renda em uma sociedade. Admite-se que o critério de avaliação de uma economia seja o bem-estar das pessoas. Embora a renda esteja longe de ser uma medida perfeita do bem-estar, há uma relação razoavelmente estreita entre bem-estar e renda per capita, e a análise da distribuição da renda é uma maneira de se avaliar uma economia. A pobreza e as restrições de acesso a alimentos desaparecem com renda elevada e bem distribuída.

Hoffmann (2008)Hoffmann, R. (2008). Determinantes da insegurança alimentar no Brasil: análise dos dados da PNAD de 2004. Segurança Alimentar e Nutricional, 15(1), 49-61., com base nos microdados da PNAD de 2004, avaliou o efeito de diversos fatores sobre a probabilidade de insegurança alimentar nos domicílios brasileiros. Os resultados mostraram que residência rural, atividade agrícola e a presença de pessoas com menos de 18 anos no domicílio contribuem para reduzir a probabilidade de insegurança alimentar, contrariamente ao que indicam as análises baseadas em associações simples. Nas áreas rurais, há mais insegurança alimentar porque, vis-à-vis as áreas urbanas, as áreas rurais são, de um modo geral, mais pobres.

O estudo mostrou que o determinante mais importante da insegurança alimentar é a baixa renda domiciliar per capita, evidenciando a importância, para a redução da insegurança alimentar, de programas de transferência de renda bem focalizados, como é o caso do Programa Bolsa Família. Esses resultados foram corroborados por Palmeira et al. (2019)Palmeira, P., Salles-Costa, R., & Pérez-Escamilla, R. (2019). Effects of family income and conditional cash transfers on household food insecurity: Evidence from a longitudinal study in Northeast Brazil. Public Health Nutrition, 23(4), 756-767., Bezerra et al. (2017)Bezerra, T. A., Olinda, R. A., & Pedraza, D. F. (2017). Insegurança alimentar no Brasil segundo diferentes cenários sociodemográficos. Ciência & Saúde Coletiva, 22, 637-651., Cabral et al. (2014)Cabral, C. S., Lopes, A. G., Lopes, J. M., & Vianna, R. P. (2014). Segurança alimentar, renda e Programa Bolsa Família: estudo de coorte em municípios do interior da Paraíba, Brasil, 2005-2011. Cadernos de Saúde Pública, 30(2), 393-402., Vianna & Segall-Corrêa (2008)Vianna, R. T., & Segall-Corrêa, A. M. (2008). (In)segurança alimentar das famílias residentes em municípios do interior do estado da Paraíba. Revista de Nutrição, 21, 111-122. e Segall-Corrêa et al. (2008)Segall-Corrêa, A. M., Marin-Leon, L., Helito, H., Pérez-Escamilla, R., Santos, L. M. P., & Paes-Sousa, R. (2008). Transferência de renda e segurança alimentar no Brasil: análise dos dados nacionai. Revista de Nutrição, 21, 39-51., analisando diferentes períodos e contextos geográficos.

Essas e outras pesquisas também mostraram que, mesmo depois de controlado o efeito da renda, a escolaridade do responsável pelo domicílio contribui, significativamente, para reduzir a probabilidade de insegurança alimentar; e, também, que, quando a pessoa de referência do domicílio é preta ou parda, é mulher ou tem ocupação informal, a probabilidade de insegurança alimentar aumenta (Hoffmann, 2013Hoffmann, R. (2013). Determinantes da insegurança alimentar no Brasil em 2004 e 2009. Segurança Alimentar e Nutricional, 20(2), 219-235., 2014aHoffmann, R. (2014a). Brasil, 2013: mais segurança alimentar. Segurança Alimentar e Nutricional, 21(2), 422-438., 2021Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17.; Panigassi et al., 2008Panigassi, G., Segall-Corrêa, A. M., Marin-León, L., Pérez-Escamilla, R., Sampaio, Mde. F., & Maranha, L. K. (2008). Insegurança alimentar como indicador de iniquidade: análise de inquérito populacional. Cadernos de Saúde Pública, 24(10), 2376-2384.).

Há, ainda, evidências de que as diferenças regionais, a estabilidade da renda e a atuação do Estado no fornecimento de serviços públicos básicos, como fornecimento de água, energia elétrica, saneamento etc., são determinantes importantes da segurança ou insegurança alimentar (Hoffmann, 2008Hoffmann, R. (2008). Determinantes da insegurança alimentar no Brasil: análise dos dados da PNAD de 2004. Segurança Alimentar e Nutricional, 15(1), 49-61., 2013Hoffmann, R. (2013). Determinantes da insegurança alimentar no Brasil em 2004 e 2009. Segurança Alimentar e Nutricional, 20(2), 219-235., 2014aHoffmann, R. (2014a). Brasil, 2013: mais segurança alimentar. Segurança Alimentar e Nutricional, 21(2), 422-438., 2021Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17.; Bezerra et al., 2017Bezerra, T. A., Olinda, R. A., & Pedraza, D. F. (2017). Insegurança alimentar no Brasil segundo diferentes cenários sociodemográficos. Ciência & Saúde Coletiva, 22, 637-651.).

As análises de Hoffmann (2013Hoffmann, R. (2013). Determinantes da insegurança alimentar no Brasil em 2004 e 2009. Segurança Alimentar e Nutricional, 20(2), 219-235., 2014aHoffmann, R. (2014a). Brasil, 2013: mais segurança alimentar. Segurança Alimentar e Nutricional, 21(2), 422-438.) mostraram que uma parcela da redução da insegurança alimentar observada no País entre 2004 e 2013 estava associada a mudanças que não foram apropriadamente captadas pelas variações nos principais determinantes da insegurança alimentar reportados pela literatura, como renda, escolaridade etc. O autor argumentou que contribuiu para a redução da insegurança alimentar, neste período, o efeito favorável de mudança na forma da distribuição da renda, com redução da desigualdade.

Sem sombra de dúvidas, a redução contínua e acentuada da desigualdade da distribuição da renda entre 2001 e 2014 foi um dos processos mais importantes pelos quais o Brasil passou na sua história recente. Em particular, por ter se mostrado, mesmo em cenários de baixo crescimento econômico, um instrumento extremamente efetivo no combate a um dos maiores, senão o maior dos problemas socioeconômicos brasileiros, a pobreza (Barros et al., 2009Barros, R. P., Carvalho, M., Franco, S., & Mendonça, R. (2009). Determinantes da queda na desigualdade de renda no Brasil (Texto para Discussão, No. 249, 52 p.). Niterói: UFF.; Rocha, 2013Rocha, S. (2013). Pobreza no Brasil: a evolução de longo prazo (1970-2011) (Estudos e Pesquisas, No. 492, 52 p.). Rio de Janeiro: BNDES.).

Do ponto de vista da insuficiência de renda, reduções nos níveis de pobreza ocorrem apenas quando cresce a renda dos pobres, e existem dois instrumentos polares capazes de produzir tal feito. O primeiro é o crescimento econômico balanceado, que eleva igualmente a renda de todos os grupos. O segundo é a redução no grau de desigualdade, que faz crescer a fatia da renda total apropriada pelos pobres e, dessa forma, aumenta a renda desse grupo, mesmo na ausência de crescimento. O ideal é poder contar com os dois instrumentos: o crescimento incrementa a renda de todos, enquanto as reduções no grau de desigualdade garantem que a renda dos pobres cresça mais rapidamente que a dos ricos (Barros et al., 2007Barros, R. P., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2007). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente (Vol. 1). Brasília: IPEA.).

Com base nos dados da PNAD, estimamos que, no período 2001-2014, a desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita (RDPC) no País, medida pelo índice de Gini, caiu de 0,594 para 0,513, e a razão entre o rendimento médio dos 10% mais ricos e o rendimento médio dos 40% mais pobres caiu de 22,9 para 14. No mesmo período, de acordo com dados da PNAD, a RDPC média brasileira cresceu a uma taxa média de 3,3% ao ano, sendo que o crescimento foi de 6% ao ano para os 10% mais pobres e de 2% ao ano para o décimo mais rico.

Cabe destacar que, embora no período 2001-2003 a desigualdade tenha caído, essa queda foi acompanhada de redução na renda média, ou seja, a desigualdade caiu porque houve um empobrecimento geral, com todos perdendo, porém, os mais ricos perdendo mais do que os mais pobres (Soares, 2006Soares, S. S. D. (2006). Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004 (Texto para Discussão, No. 1166, 29 p.). Brasília: IPEA.). É no período 2003-2014 que se assiste ao processo virtuoso de redução da desigualdade acompanhada de crescimento da renda média. Neste período, com base em dados da PNAD, estimamos que a RDPC média real cresceu 61,8% (taxa média geométrica de 4,47% ao ano); todos ganharam, mas os pobres ganharam mais. Para os 5% mais pobres, a taxa média geométrica de crescimento foi de quase 10% ao ano, caindo quase que linearmente à medida que se transita em direção ao topo da distribuição, de forma que, para os 5% mais ricos, a taxa de crescimento anual foi de cerca de 3,2%. No mesmo período, o primeiro quartil da distribuição da RDPC mais que dobrou (crescimento real acumulado de 113,54%), a mediana cresceu 95,7% e o terceiro quartil cresceu cerca de 70%.

É sabido que a persistência da pobreza no Brasil não se deve à escassez absoluta ou relativa de recursos, mas, sim, à enorme desigualdade da sua distribuição. Assim, juntamente com o crescimento da renda média, essa melhoria distributiva teve papel de primeira ordem na redução dos níveis de pobreza no País entre 2003 e 2014. Rocha (2019, pRocha, S. (2019). Poverty upsurge in 2015 and the rising trend in regional and age inequality among the poor in Brazil. Nova Economia, 29(1), 249-275.. 622) estimou que, entre 2004 e 2014, a proporção de pobres no Brasil caiu para menos da metade, passando de 33,1% para 13,9%; a redução do contingente de pobres foi da ordem de 32 milhões de pessoas. Barros et al. (2009, pBarros, R. P., Carvalho, M., Franco, S., & Mendonça, R. (2009). Determinantes da queda na desigualdade de renda no Brasil (Texto para Discussão, No. 249, 52 p.). Niterói: UFF.. 22), analisando o período 2001-2007, e Jesus (2020Jesus, J. G. (2020). Negros em movimento: migração e desigualdade racial no Brasil (Tese de doutorado). Departamento de Economia, Sociologia e Administração, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba. p. 106), analisando o período 1995-2015, estimaram que cerca de metade da redução da pobreza no Brasil, nos respectivos períodos, foi uma consequência direta da concomitante redução na desigualdade da distribuição da renda.

Da renda domiciliar, a maior parcela (cerca de três quartos) é a proveniente do rendimento do trabalho, sendo essa a principal e, frequentemente, a única fonte de renda dos indivíduos e das famílias (Hoffmann & Jesus, 2021b, pHoffmann, R., & Jesus, J. G. (2021b) A contribuição de onze parcelas para a desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita no Brasil e a relevância do auxílio emergencial na redução da desigualdade em 2020 (Texto para Discussão, No. 69). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.. 3). Certamente, outros fatores, como o aumento da formalização do mercado de trabalho, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, o aumento do salário mínimo real e os programas de transferências de renda contribuíram para o processo, mas, dada a sua magnitude, é natural que o comportamento do rendimento do trabalho, à luz das transformações ocorridas no mercado de trabalho, seja o principal determinante da dinâmica da distribuição da renda e, por consequência, da dinâmica da pobreza e da insegurança alimentar no País (Rocha, 2012Rocha, S. (2012). O declínio sustentado da desigualdade de renda no Brasil (1997-2009). Revista EconomiA, 13(3), 629-645.; Barros et al., 2007Barros, R. P., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2007). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente (Vol. 1). Brasília: IPEA., 2008Barros, R. P., Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (2008). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente (Vol. 2). Brasília: IPEA.; Soares, 2006Soares, S. S. D. (2006). Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004 (Texto para Discussão, No. 1166, 29 p.). Brasília: IPEA., 2010Soares, S. S. D. (2010). Distribuição de renda entre 1995 e 2009 (Comunicado, No. 63, 21 p.). Brasília: IPEA.; Hoffmann, 2009Hoffmann, R. (2009). Desigualdade de distribuição de renda no Brasil: a contribuição de aposentadorias e pensões e de outras parcelas do rendimento domiciliar per capita. Economia e Sociedade, 18(1), 213-231., 2014bHoffmann, R. (2014b). Fatos relevantes sobre a distribuição da renda no Brasil. In Anais do 52º Congresso da SOBER (pp. 1110-1131). Goiânia: SOBER., 2021Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17.).

Neste contexto, uma economia que forneça empregos para a população economicamente ativa e um governo que promova o crescimento econômico com redução da desigualdade é, hoje, a principal política pública de combate à insegurança alimentar no Brasil. O combate à insegurança alimentar deve ser orientado, basicamente, para aumentar os direitos (entitlements) dos pobres, dando-lhes acesso a alimentos e às demais condições (habitação, saneamento, serviços de saúde, educação, trabalho etc.) para uma vida saudável. Os resultados apresentados por Hoffmann (2021)Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17., com base em microdados da POF 2017-2018, confirmam que o aumento da renda e da escolaridade são instrumentos básicos para se reduzir a insegurança alimentar e que a disponibilidade de água encanada, luz elétrica e esgoto apropriado, bem como a estabilidade da renda têm efeitos benéficos adicionais.

O início dos anos 2010 era de otimismo com relação às tendências da desigualdade de renda no País. Afinal, o período 2003-2014 foi o melhor já vivido pelo país em termos distributivos e de redução da pobreza. Porém, ao invés de outra década dourada, o que o Brasil viveu foi a perda de controle sobre as contas públicas, a pior recessão desde a redemocratização, a destituição de uma presidente da República, as duas eleições mais polarizadas de sua história, a recuperação econômica mais lenta já experimentada e a pandemia de covid-19, que, além das perdas incomensuráveis de vidas, afetou fortemente a já debilitada economia brasileira (Barbosa et al., 2020Barbosa, R. J., & Souza, P. H. G. F., & Soares, S. S. D. (2020). Distribuição de renda nos anos 2010: uma década perdida para desigualdade e pobreza (Texto para Discussão, No. 2610). Brasília: IPEA.).

Estimamos, com base em dados da PNAD, que entre 2012 e 2014 a renda média cresceu 6,3% e a renda mediana, 10,7%; no entanto, ambas despencaram mais de 3% no ano seguinte, como reflexo da crise que atingiu em cheio a economia brasileira. Somente em 2019, a recessão pareceu dar lugar ao crescimento. Mas, a apropriação do crescimento foi desproporcionalmente mais favorável para os mais ricos. Entre 2015 e 2019, a renda média geral aumentou 5,1%, porém, para o décimo mais pobre da população, a renda média caiu 21,4%, ao passo que, para os 10% mais ricos, cresceu 9,8%. Com a pandemia de covid-19 a situação só piorou. Considerando-se o período 2015-2021, a renda média do brasileiro caiu cerca de 7,6%; contudo, enquanto para o décimo mais rico essa queda na renda média foi 4,56%, para o décimo mais pobre, foi de 39,3%.

Assim, deve ficar claro que a situação socioeconômica do País já era muito frágil antes dessa nova crise: um quarto de toda a redução da pobreza conquistada de 2003 a 2014 foi perdida de 2014 a 2017, permanecendo no novo patamar até 2019; a renda domiciliar per capita média encontrava-se, em 2019, praticamente no mesmo patamar observado em 2014; e a desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita aumentou sobremaneira no período 2014-2019 (Hoffmann & Jesus, 2021b, pHoffmann, R., & Jesus, J. G. (2021b) A contribuição de onze parcelas para a desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita no Brasil e a relevância do auxílio emergencial na redução da desigualdade em 2020 (Texto para Discussão, No. 69). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.. 3; Hoffmann, 2020a, pHoffmann, R. (2020a). Desigualdade de renda no Brasil, 1995 a 2019: diversas distribuições e o impacto do desemprego. Revista Brasileira de Economia Social e do Trabalho, 2, 1-27.. 12). Não pode haver dúvida, também, de que a desestruturação de políticas públicas de combate à fome e à insegurança alimentar e a clara ausência de combate efetivo à pandemia, por parte do último governo, contribuíram sobremaneira para a preocupante e desalentadora situação atual.

Em meio a esse cenário de crises sanitária e econômica, de muita incerteza, com alta taxa de desemprego e pressão inflacionária, comer todos os dias passou a ser um desafio ainda maior para milhões de brasileiros. Ainda maior porque, primeiro, o problema da fome no Brasil nunca foi completamente resolvido e, segundo, embora tenha se agravado no contexto da pandemia, os retrocessos em termos de distribuição de renda, pobreza e insegurança alimentar já vinham ocorrendo no país muito antes dessa nova crise (Hoffmann & Jesus, 2021bHoffmann, R., & Jesus, J. G. (2021b) A contribuição de onze parcelas para a desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita no Brasil e a relevância do auxílio emergencial na redução da desigualdade em 2020 (Texto para Discussão, No. 69). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.; Hoffmann, 2020bHoffmann, R. (2020b). Distribuição da renda domiciliar per capita no Brasil, 2012 a 2019 e 1995 a 2015 (Texto para Discussão, No. 59). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.; Hoffmann et al., 2018Hoffmann, R., Jesus, J. G., & Almeida, S. S. P. (2018). A distribuição da renda no Brasil conforme a PNAD: 1995-2017 (Texto para Discussão, No. 45). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.).

3 Metodologia

3.1 Base de dados

As análises propostas neste estudo são realizadas com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgados pelo IBGE. Em especial, são consideradas as edições da PNAD de 2004, 2009 e 2013 e a de 2017-2018 da POF, que são os quatro levantamentos nacionais com informações sobre segurança alimentar. No entanto, para discutir a evolução da desigualdade da distribuição da renda e do nível da pobreza no Brasil, são apresentados dados provenientes das edições disponíveis no período 2001-2015, da PNAD Tradicional (PNADT), e da PNAD Contínua (PNADC) no período 2012-2021. Assim, a análise cobre um período de 20 anos.

A variável de renda relevante para a análise é a renda domiciliar per capita. Todos os valores monetários apresentados no estudo estão expressos em reais do quarto trimestre de 2021, usando como deflator o Indice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conforme sugerido por Corseuil e Foguel (2002)Corseuil, C.H. e Foguel, M.N. (2002). Uma sugestão de deflatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE (Texto para Discussão, No. 897). Brasília: IPEA.. Toda a análise estatística desenvolvida leva em consideração o fator de expansão ou peso amostral de cada observação, fornecido pelo IBGE.

3.2 Modelos de regressão

Além das análises descritivas, as relações entre insegurança alimentar e pobreza nas áreas rurais e urbanas do País são analisadas com mais profundidade por meio de modelos de regressão, como se segue:

s = X β + ε

onde s é um vetor n×1 contendo uma medida de insegurança alimentar, X é uma matriz de variáveis explanatórias de dimensão n×k, β é um vetor de parâmetros de dimensão k×1 e ε é um vetor n×1 de erros com as propriedades usuais.

Para facilitar a exposição, definem-se as seguintes variáveis, considerando seus valores nas 54 áreas urbanas e rurais das 27 Unidades da Federação, para os anos de 2004, 2009, 2013 e 2017/18:

  • a) ISA1: porcentagem de pessoas com insegurança alimentar de qualquer grau;

  • b) ISA2: porcentagem de pessoas com insegurança alimentar moderada ou grave;

  • c) ISA3: porcentagem de pessoas com insegurança alimentar grave;

  • d) RU: variável binária igual a 1 para área rural e igual a 0 para área urbana;

  • e) lny: logaritmo neperiano da RDPC média na área;

  • f) G: índice de Gini da distribuição da RDPC na área;

  • g) H: porcentagem de pobres para uma linha de pobreza de R$ 366,67 per capita5 5 Valor igual a um terço do salário mínimo vigente em 2021. ;

As variáveis dos itens (e), (f) e (g) são sempre definidas com base em dados da PNAD. Sabe-se que a POF capta mais renda do que a PNAD. Por exemplo, a POF capta renda não monetária, a qual pode ser uma parcela importante da renda real dos mais pobres. Isso significa que a pobreza captada por meio da POF tende a ser menor do que aquela captada por meio da PNAD. Como, posteriormente, serão analisados, conjuntamente, os dados das três PNADs e da POF com informações sobre segurança alimentar, essas diferenças na forma de captação da renda entre a PNAD e a POF podem afetar os resultados da análise. Assim, para o ano de 2017-18, as variáveis dos itens (e), (f) e (g) são construídas com base em informações da PNAD Contínua, cujas diferenças em relação à PNAD Tradicional são muito menores (Hoffmann et al., 2018Hoffmann, R., Jesus, J. G., & Almeida, S. S. P. (2018). A distribuição da renda no Brasil conforme a PNAD: 1995-2017 (Texto para Discussão, No. 45). Rio de Janeiro: IEPE/Casa das Garças.). São agregados os trimestres 3 e 4 da PNADC de 2017 e os trimestres 1 e 2 da PNADC de 2018, o mesmo período de coleta de informação da POF 2017-2018, e, então, calculadas as referidas variáveis. Todas as análises estatísticas envolvendo as 54 áreas são feitas ponderando-se os dados de cada área pela respectiva população, respeitando-se as diferenças na sua importância relativa. Os modelos de regressão são, portanto, estimados por mínimos quadrados ponderados.

4 Resultados e Discussão

4.1 Desigualdade, pobreza e insegurança alimentar no Brasil

A Tabela 1 mostra a evolução das porcentagens de domicílios e de pessoas nas diversas categorias de (in)segurança alimentar, para o Brasil e suas áreas urbana e rural, com base nos quatro levantamentos nacionais disponíveis, cobrindo o período de 2004 a 2017-20186 6 Neste estudo, admite-se, da mesma maneira que é feito na própria publicação do IBGE, que os resultados obtidos com a aplicação da EBIA na POF 2017-2018 são comparáveis aos obtidos anteriormente na PNAD. Mas não se pode descartar a possibilidade de que o fato de as perguntas da EBIA estarem, na POF, inseridas em um conjunto muito diferente de questões (muitas questões sobre alimentação e perguntas mais detalhadas sobre rendimentos) afete os resultados relativos à insegurança alimentar. . A porcentagem de pessoas com insegurança alimentar é sempre maior do que a respectiva porcentagem de domicílios, porque os domicílios com segurança alimentar têm, em média, menor número de moradores7 7 Conforme a POF 2017-2018, o Brasil tinha 68,86 milhões de domicílios com 217,10 milhões de pessoas. O número médio de pessoas por domicílio era 3,01 para toda a população, 2,80 nos domicílios com segurança alimentar e, nos domicílios com insegurança alimentar leve, moderada ou grave, era 3,39, 3,32 e 3,28, respectivamente. . Note-se que a insegurança alimentar é sempre maior na área rural vis-à-vis a urbana, sobretudo se se consideram as categorias “moderada” e “grave”. Mas seria errado concluir que o fato de “ser rural” aumenta a probabilidade de um domicílio apresentar insegurança alimentar.

Tabela 1
Porcentagem de domicílios particulares e de moradores conforme categorias de segurança alimentar. Brasil, 2004, 2009, 2013 e 2017-2018

A Tabela 2 complementa a anterior trazendo a porcentagem de domicílios particulares, nas áreas rurais e urbanas das cinco Grandes Regiões Geográficas, conforme as categorias definidas de (in)segurança alimentar. Um primeiro aspecto a ser notado é que a incidência de insegurança alimentar é muito mais elevada nas regiões Norte e Nordeste vis-à-vis as demais. Ademais, note-se que é justamente nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do País, que a incidência de insegurança alimentar na área rural é maior do que na área urbana. Nas demais regiões, ou as taxas para as duas áreas são muito próximas ou a insegurança alimentar é menor na área rural. Assim, não é o fato de “ser rural” que aumenta a insegurança alimentar, mas, sim, o fato de a incidência de pobreza ser maior na área rural.

Tabela 2
- Porcentagem de domicílios particulares conforme categorias de segurança alimentar. Brasil, 2004, 2009, 2013 e 2017-2018

Inicialmente, foram consideradas apenas as informações referentes ao ano de 2017/2018. Fazendo-se regressões da porcentagem de pessoas com insegurança alimentar em cada área contra a variável binária indicadora de área rural, conforme a equação

I S A j i = α + β R U i + ε i (1)

com j=1, 2, 3 indicando os diferentes níveis de insegurança alimentar8 8 Recordando, ISA1: insegurança alimentar de qualquer grau; ISA2: insegurança alimentar moderada ou grave; ISA3: insegurança alimentar grave. , e i=1, 2, 3, ..., 54, indicando as áreas urbanas e rurais das 27 Unidades da Federação, os resultados estimados são os apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
- Resultados das estimativas dos parâmetros da Equação 1. Brasil, 2017-2018

Como se pode observar, com o coeficiente de determinação (R2) variando entre 11% e 15%, nos três casos, o coeficiente referente à variável área rural (RU) é positivo e estatisticamente significativo, indicando correlação positiva entre “ser rural” e insegurança alimentar. Contudo, seria errado concluir que “ser rural” aumenta a insegurança alimentar. Incluindo a proporção de pobres (H) como variável explanatória, a equação se torna

I S A j i = α + β R U i + δ H i + ε i (2)

e os valores estimados são os apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
- Resultados das estimativas dos parâmetros da Equação 2. Brasil, 2017-2018

Os resultados mostram que, controlado o efeito da pobreza, “ser rural” contribui para reduzir a insegurança alimentar, e não para aumentá-la. No modelo muito simples anterior, o coeficiente da binária para rural é positivo porque o efeito direto está confundido com o efeito da pobreza, sendo que quase sempre a pobreza é substancialmente maior na área rural do que na área urbana (Rocha, 2013Rocha, S. (2013). Pobreza no Brasil: a evolução de longo prazo (1970-2011) (Estudos e Pesquisas, No. 492, 52 p.). Rio de Janeiro: BNDES.). Note-se, ainda, em todos os casos, que o coeficiente da variável H é fortemente significativo e que sua inclusão na regressão fez com que o R2 das regressões aumentasse vertiginosamente, mostrando a forte relação existente entre insegurança alimentar e pobreza.

A rigor, como a variável dependente é uma proporção, deve-se usar um modelo que leve em consideração o seu intervalo de variação limitado. Sendo EISAji o valor esperado de ISAji para dado conjunto de valores das variáveis explanatórias, o modelo de lógite é

ln E I S A j i 100 E I S A j i = α + β R U i + δ H i + ε i (3)

Os resultados correspondentes são apresentados na Tabela 5. Essencialmente, esses resultados confirmam o obtido com o modelo mais simples de regressão linear (Equação 2). A análise de regressão com os dados das 54 áreas mostra, portanto, que a insegurança alimentar medida pela EBIA, nos três níveis, está fortemente relacionada com a pobreza.

Tabela 5
- Resultados das estimativas dos parâmetros da Equação 3. Brasil, 2017-2018

Os determinantes imediatos da pobreza, por sua vez, são o nível médio de renda e a desigualdade. Estimando-se uma regressão da porcentagem de pessoas com insegurança alimentar em função de RU, do logaritmo neperiano da renda média (y) e do índice de Gini (G) da distribuição da RDPC em cada área, conforme a equação a seguir:

I S A j i = α + β R U i + γ ln y i + φ G i + ε i (4)

obtêm-se os resultados apresentados na Tabela 6, com os coeficientes referentes às variáveis ln(y) e G fortemente significativos e R2 elevado.

Tabela 6
- Resultados das estimativas dos parâmetros da Equação 4. Brasil, 2017-2018

Analisando-se dados da POF 2017-2018 por Unidade da Federação, Hoffmann (2021)Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17. mostra a forte associação da insegurança alimentar com a distribuição da renda e, particularmente, com medidas de pobreza, em conformidade com os resultados encontrados na estimação da Equação 4 (Tabela 6). Ademais, com base em dados PNAD de 2004, 2009 e 2013 e da POF de 2017-2018, pode-se afirmar que a insegurança alimentar diminuiu de 2004 a 2013, mas cresceu em 2017-2018, conforme observado na Tabela 1. À primeira vista, esse comportamento poderia ser considerado coerente com o comportamento da evolução da pobreza no País, que caiu de 2003 a 2014 e aumentou de 2014 a 2017-2018. Porém, ao comparar as magnitudes das variações dos indicadores de insegurança alimentar e de pobreza, Hoffmann (2021)Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17. chama a atenção para o caráter parcialmente subjetivo da medida de insegurança alimentar avaliada pela EBIA.

Os dados indicaram que a insegurança alimentar grave em 2017-2018 era maior do que em 2013, mas ficou abaixo do valor observado em 2009, o que é coerente com a evolução dos indicadores de pobreza. Mas, a insegurança alimentar de qualquer grau (leve, moderada ou grave) em 2017-2018 superou até mesmo o valor observado em 2004. Embora tenha subido de 2014 a 2017-2018, nestes anos, os níveis de pobreza ficaram substancialmente abaixo do valor registrado em 2004. Na interpretação do autor, tudo indica que o forte crescimento da insegurança alimentar de 2013 a 2017-2018 se deve, em parte, ao caráter parcialmente subjetivo da medida de insegurança alimentar, particularmente da insegurança alimentar leve e, com menos intensidade, da moderada.

Com o intuito de testar a hipótese levantada por Hoffmann (2021)Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17., de que o forte crescimento da insegurança alimentar, particularmente da insegurança alimentar leve e, com menos intensidade, da moderada, de 2013 a 2017-2018, se deve, em parte, ao caráter parcialmente subjetivo da medida de insegurança alimentar, é realizado o exercício descrito em seguida.

Considerando-se as mesmas variáveis definidas anteriormente, porém, tomando-se seus valores nas 54 áreas urbanas e rurais das 27 Unidades da Federação, não apenas de 2017-2018, mas também para os anos de 2004, 2009 e 2013, é, inicialmente, definida a equação de regressão a seguir:

I S A j i = α + β R U i + γ ln y i + φ G i + θ 1 A 2004 i + θ 2 A 2009 i + θ 3 A 2018 i + ε i (5)

onde i=1, 2, 3, ..., 216 se refere a cada uma das 54 áreas urbanas e rurais para cada um dos períodos analisados e Ati, com t2004, 2009, 2013, 2017/2018, são variáveis binárias que assumem valor 1 se as informações são referentes ao ano t e zero em caso contrário. O ano de 2013 é a categoria base. Essencialmente, os dados referentes aos quatro anos são empilhados e variáveis binárias foram adicionadas à equação de regressão para controlar o efeito de ano.

As estimativas de parâmetros θ^h, com h=1, 2, 3, indicam variações na insegurança alimentar entre 2013 e o outro ano t (correspondente ao h) que não podem ser explicadas pelas variações observadas na renda média, no grau de desigualdade e nem pela residência rural ou urbana. Os resultados apresentados na Tabela 7 mostram θ^1 e θ^2 estatisticamente não significativos e/ou de pequena magnitude em comparação com θ^3 fortemente significativo e de alta magnitude, sobretudo se se considera a insegurança alimentar de qualquer grau (ISA1) e a segurança alimentar moderada ou grave (ISA2). Mas, mesmo para a insegurança alimentar grave (ISA3), θ^3, o coeficiente referente ao ano de 2018, é relevante e estatisticamente significativo ao nível de 5%.

Tabela 7
- Resultados das estimativas dos parâmetros da equação (5). Brasil, painel de 4 anos

Esses resultados corroboram a interpretação de Hoffmann (2021)Hoffmann, R. (2021). Insegurança alimentar no Brasil após crise, sua evolução de 2004 a 2017-2018 e comparação com a variação da pobreza. Segurança Alimentar e Nutricional, 28, 1-17. de que o forte crescimento da insegurança alimentar, particularmente da insegurança alimentar leve e, com menos intensidade, da moderada, de 2013 a 2017-2018 se deve, em parte, ao caráter parcialmente subjetivo da medida de insegurança alimentar, estando associado à desilusão com a piora das condições econômicas depois de um longo período (2003-2014) de redução da pobreza e melhoria das condições de vida.

O coeficiente θ^3 positivo e fortemente significativo indica que o aumento da insegurança alimentar de 2013 a 2018 foi maior do que aquele que seria considerado “explicável” por meio do modelo, em função das mudanças nas demais variáveis incluídas. Uma interpretação razoável é que muitas famílias se habituaram a despender mais com alimentação a partir de meados da década de 2000 e a óbvia insatisfação com a piora da situação econômica a partir de 2014 faz com que sejam mais facilmente classificados em situação de insegurança alimentar ao responder as 14 perguntas da EBIA.

Note-se, no caso de insegurança alimentar de qualquer grau (ISA1), que o coeficiente referente ao ano de 2004 é negativo e fortemente significativo, indicando que a redução da ISA1 de 2004 a 2013 foi maior do que aquela que seria considerada “explicável” por meio do modelo. Neste caso, é provável que a melhoria contínua das condições de vida observada nesse período e a expectativa/esperança de sua continuidade tenha ocasionado efeito adicional positivo na percepção dos indivíduos acerca de sua segurança alimentar, ao responder as 14 perguntas da EBIA. Ademais, note-se que os coeficientes associados à renda média e à desigualdade, determinantes imediatos da pobreza, são, em todos os casos, fortemente significativos.

Uma vez que, no modelo (5), não são controlados efeitos das 54 unidades geográficas, os coeficientes γ e φ incluem efeitos de variações na renda média e no índice de Gini entre essas unidades. É oportuno que sejam controlados os efeitos das 54 unidades e verificado como isso afeta as estimativas dos parâmetros da regressão. Uma das possibilidades é incluir, para cada uma das 54 áreas, uma variável binária que é igual a 1 se for a área i e 0 em caso contrário (uma das áreas deve ser escolhida como base), como segue:

I S A j i = α + γ ln y i + φ G i + θ 1 A 2004 i + θ 2 A 2009 i + θ 3 A 2018 i + ρ 1 D 1 i + ρ 2 D 2 i + + ρ 53 D 53 i + ε i (6)

O coeficiente ρi é denominado de efeito fixo associado a cada uma das unidades geográficas (região urbana ou rural de cada Unidade da Federação). Esta formulação admite que as diferenças entre as unidades podem ser captadas por meio de diferenças no termo constante. Imagine, por exemplo, que a área de planície seja um fator importante para se explicar segurança alimentar nas 54 unidades geográficas consideradas. É razoável pressupor que o tamanho da área de planície não varia ao longo do tempo, mas ele varia entre as 54 unidades. O coeficiente ρi captará esse efeito da variação no tamanho de área planície entre as 54 unidades sobre a insegurança alimentar assim como o efeito de quaisquer outras variáveis omitidas que são invariantes no tempo.

O modelo descrito em (6) é denominado de modelo de painel de efeitos fixos e pode ser reescrito como

I S A j i t = α + γ ln y i t + φ G i t + θ 1 A 2004 i + θ 2 A 2009 i + θ 3 A 2018 i + ρ i + ε i t (7)

com i=1, 2, ..., 54 e t =2004, 2009, 2013, 2018.

Outra possibilidade seria considerar o que se denomina modelo de painel de efeitos aleatórios (Greene, cap. 13), mas o teste estatístico (teste de Hausman) para os dados em análise indicou que essa não seria a abordagem apropriada, o que justifica o uso de modelos de efeitos fixos.

A Tabela 8 apresenta estimativas dos parâmetros γ, φ, θ1, θ2 e θ3 do modelo descrito em (7). Comparando-se esses resultados com aqueles apresentados na Tabela 7, as conclusões permanecem as mesmas, com pouca mudança na magnitude e efeito muito significativo associado à variável A2018. Como agora são controladas as diferenças históricas entre as 54 unidades geográficas, os coeficientes de ln(y) e G passam a captar apenas o efeito de diferentes variações dessas variáveis dentro do período do painel, e não mais das diferenças históricas entre as unidades no que se refere ao nível e à desigualdade na distribuição da renda. Note-se, no caso ISA1, da Tabela 7 para a Tabela 8, que o coeficiente de ln(y) passa de 34,06 para 25,56, e o coeficiente de G passa de 115,18 para 111,42, mas ambos continuam sendo estatisticamente significativos ao nível de 0,01%. Nos casos de ISA2 e ISA3, a magnitude do coeficiente de ln(y) aumenta ao passo que a magnitude do coeficiente de G diminui, mas novamente, permanecendo, ambos, fortemente significativos.

Tabela 8
- Resultados das estimativas dos parâmetros da Equação 7. Brasil, painel de 4 anos

Cabe ressaltar que, se o objetivo é analisar os efeitos da renda e da desigualdade sobre a insegurança alimentar na unidade geográfica, os coeficientes apresentados na Tabela 7 são os apropriados, pois não faria sentido, neste caso, controlar os efeitos das diferenças históricas entre as unidades geográficas.

5 Conclusões

Este estudo analisou a relação entre distribuição de renda, pobreza e insegurança alimentar no Brasil. Diante do desafio da questão da segurança alimentar, buscou-se, inicialmente, discutir a evolução de seu conceito, ficando evidente que ao longo do tempo o conceito ganhou complexidade, tornando-se bastante abrangente, o que é perfeitamente justificável considerando-se as questões legais e políticas nacionais e supranacionais e os aspectos não somente econômicos, mas sociais e ambientais relacionados ao tema. Para fins de análise dos fenômenos socioeconômicos associados à alimentação humana, argumenta-se que é necessário dispor de termos e conceitos razoavelmente específicos e objetivos, para os quais seja possível a criação de medidas de sua intensidade, que possam, eventualmente, constituir indicadores monitoráveis.

A evolução da temática segurança alimentar mostra que a fome deixou de ser vista apenas como o resultado de problemas do lado da oferta de alimentos, e isto é particularmente verdadeiro no caso brasileiro, onde a questão do acesso e, portanto, da condição socioeconômica dos indivíduos é o principal determinante da insegurança alimentar atualmente.

A análise da evolução da distribuição da renda mostrou que, entre 2003 e 2014, o País viveu um processo virtuoso de redução da desigualdade acompanhada de crescimento da renda média, com efeitos imediatos sobre a pobreza e a segurança alimentar. Contudo, ao contrário das expectativas de continuidade dessa evolução favorável, o Brasil enfrentou, a partir de 2014, a perda de controle sobre as contas públicas, uma grave recessão seguida por lenta recuperação econômica e a instabilidade política, cenário agravado pela emergência da crise sanitária. Em meio a esse quadro desalentador de crises econômica e sanitária, de muita incerteza inclusive política, com alta taxa de desemprego e pressão inflacionária, comer todos os dias passou a ser um desafio ainda maior para milhões de brasileiros, e isso se refletiu nos indicadores de insegurança alimentar do País.

Por meio de análises estatísticas, constatou-se a forte relação entre distribuição de renda, pobreza e insegurança alimentar no Brasil, tornando evidente que a dinâmica da distribuição da renda é o condicionante fundamental da dinâmica da insegurança alimentar no País.

Por fim, embora seja indiscutível o aumento da insegurança alimentar no País desde o início da crise econômica em 2014, os resultados apresentados neste estudo sugerem que o forte crescimento da insegurança alimentar, particularmente da insegurança alimentar leve e, com menos intensidade, da moderada, de 2013 a 2017-2018, apontado nas estatísticas publicadas no País se deve, em parte, ao reflexo, nessas estatísticas, de uma percepção dos brasileiros que se ajustou às novas realidades que se apresentaram. Muitas famílias se habituaram a despender mais com alimentação a partir de meados da década de 2000 e a óbvia insatisfação com a piora da situação econômica a partir de 2014 faz com que sejam mais facilmente classificados em situação de insegurança alimentar ao responder as 14 perguntas da EBIA.

Esta é uma questão que merece mais estudos, inclusive, que poderiam agregar pesquisas de natureza qualitativa e capazes de trabalhar com os aspectos psicológicos e emocionais envolvidos ao se tratar da identificação do problema da insegurança alimentar. Outra possibilidade interessante seria considerarem-se, ao invés de medidas psicométricas como a EBIA, medidas antropométricas associadas à insegurança alimentar, isentas de subjetividade, como a ingestão de calorias, e comparar-se sua variação no tempo com a variação do indicador construído a partir da EBIA.

Sem dúvida alguma, a situação de segurança alimentar no Brasil se agravou nos últimos anos e seu monitoramento adequado é essencial para a adoção de políticas eficazes.

Agradecimentos

Este estudo foi financiado pela Universidade de São Paulo e é resultado de um projeto maior, o Grupo de Trabalho USP - Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome, criado pela Portaria 484/2021 da Reitoria da USP. O GT tinha como objetivo desenvolver pesquisas sobre insegurança alimentar, alimentação sustentável, subnutrição e combate à fome, visando a proposição de políticas públicas e ações para a melhoria da situação alimentar das populações mais vulneráveis e para a mitigação dos problemas sociais decorrentes da insegurança alimentar. Uma versão preliminar deste estudo foi apresentada no 61º Congresso da Sober, realizado em julho de 2023, em Piracicaba, SP. Os autores agradecem a Ana Paula Silva pela revisão final e comentários ao texto.

  • 1
    Ver Food and Agriculture Organization of the United Nations (2019, pFood and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2019). The state of food security and nutrition in the world 2019: safeguarding against economic slowdowns and downturns. Rome: FAO.. 186).
  • 2
    Disponibilidade (Availability): refere-se à disponibilidade de alimentos suficientes para toda a população, o que envolve questões de produção, comércio internacional e nacional, abastecimento e distribuição de alimentos; Acesso (Access): se há disponibilidade de alimentos, a questão seguinte é se as famílias e os indivíduos têm ou não acesso suficiente a esse alimento; Utilização (Utilization): se os alimentos estão disponíveis e as famílias e indivíduos têm acesso a eles, a próxima questão é se as famílias estão ingerindo níveis suficientes de nutrientes e energia; e Estabilidade (Stability): se as dimensões anteriores forem suficientemente atendidas, a estabilidade é a condição de que todo o sistema é estável, garantindo, assim, a segurança alimentar das famílias e indivíduos em todos os momentos.
  • 3
    Pérez-Escamilla & Segall-Corrêa (2008, pPérez-Escamilla, R., & Segall-Corrêa, A. M. (2008). Indicadores e medidas de insegurança alimentar. Revista de Nutrição, 21(Supl.), 15s-26s.. 18) afirmam, explicitamente, que as escalas baseadas em experiências pessoais não captam a dimensão segurança dos alimentos (food safety).
  • 4
    Uma escala similar à EBIA é a Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (Food Insecurity Experience Scale- FIES) da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2018Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2018). Food insecurity experience scale: survey modules. Rome: FAO. Recuperado em 2 de fevereiro de 2024, de https://www.fao.org/3/bl404e/bl404e.pdf
    https://www.fao.org/3/bl404e/bl404e.pdf...
    ). A escala é composta por oito perguntas sobre o acesso da população à alimentação adequada. As perguntas centram-se em experiências e comportamentos autorrelatados, relacionados com a alimentação e com as dificuldades no acesso aos alimentos devido a restrições de recursos: During the last 12 months, was there a time when, because of lack of money or other resources: You were worried you would not have enough food to eat? You were unable to eat healthy and nutritious food? You ate only a few kinds of foods? You had to skip a meal? You ate less than you thought you should? Your household ran out of food? You were hungry but did not eat?You went without eating for a whole day?
  • 5
    Valor igual a um terço do salário mínimo vigente em 2021.
  • 6
    Neste estudo, admite-se, da mesma maneira que é feito na própria publicação do IBGE, que os resultados obtidos com a aplicação da EBIA na POF 2017-2018 são comparáveis aos obtidos anteriormente na PNAD. Mas não se pode descartar a possibilidade de que o fato de as perguntas da EBIA estarem, na POF, inseridas em um conjunto muito diferente de questões (muitas questões sobre alimentação e perguntas mais detalhadas sobre rendimentos) afete os resultados relativos à insegurança alimentar.
  • 7
    Conforme a POF 2017-2018, o Brasil tinha 68,86 milhões de domicílios com 217,10 milhões de pessoas. O número médio de pessoas por domicílio era 3,01 para toda a população, 2,80 nos domicílios com segurança alimentar e, nos domicílios com insegurança alimentar leve, moderada ou grave, era 3,39, 3,32 e 3,28, respectivamente.
  • 8
    Recordando, ISA1: insegurança alimentar de qualquer grau; ISA2: insegurança alimentar moderada ou grave; ISA3: insegurança alimentar grave.
  • Como citar: Jesus, J. G., Hoffmann, R., & Miranda, S. H. G. (2024). Insegurança alimentar, pobreza e distribuição de renda no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e281936. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.281936
  • JEL Classification: I30, O15, Q18

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2024
  • Aceito
    14 Fev 2024
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